Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14383/16.7T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 07/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / CLÁUSULAS ACESSÓRIAS / CONDIÇÃO E TERMO SUSPENSIVOS / TERMO RESOLUTIVO / ADMISSIBILIDADE DO CONTRATO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / ENCERRAMENTO TEMPORÁRIO DO ESTABELECIMENTO OU DIMINUIÇÃO TEMPORÁRIA DA ACTIVIDADE / CONCESSÃO DO CONTRATO / REVOGAÇÃO / CESSAÇÃO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR / DESPEDIMENTO COLECTIVO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA.
Doutrina:
-JOÃO LEAL AMADO, Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 445 e 446;
-JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais Laborais, Coimbra Editora, 2007, p. 1051 e ss.;
-MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2016, 6.ª Edição, p. 942 e 943;
-MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 644;
-PEDRO ROMANO MARTINEZ E OUTROS, Código do Trabalho Anotado, Almedina 8.ª Edição, 2009, p. 364 e 365.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 127.º, N.º 1, ALÍNEA B), 129.º, N.º 1, ALÍNEA D), 351.º, N.º 3, 394.º, N.ºS 1, 2, ALÍNEA B) E 4, 395.º, N.º 1, 399.º E 401.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 5.º, 608.º, N.º 2, 663.º, N.º 2 E 679.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 11-05-2011, PROCESSO N.º 273/06.5TTABT.S1;
- DE 31-05-2016, PROCESSO N.° 337/13.9TTFUN.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I – A justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da atuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.

II – Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve tomar-se em consideração o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias relevantes respeitando a diferença entre o despedimento disciplinar e a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador.

III – Invocada como fundamento da resolução de um contrato de trabalho, nos termos do artigo 394.º n.º 1 e 2, al. b), do Código do Trabalho, a privação do uso de veículo automóvel, que era facultada pelo empregador para uso profissional e pessoal, não é possível considerar-se que era inexigível ao trabalhador a manutenção da relação de trabalho, não tendo este provado o reflexo da privação daquele uso no valor da retribuição globalmente auferida.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA, intentou ação declarativa sob a forma de processo comum laboral contra BB, S.A., pedindo, julgada a ação totalmente procedente por provada seja: a) declarada a justa causa de resolução do contrato por parte do Autor; b) condenada a Ré a pagar ao Autor indemnização nos termos do disposto no artigo 396° do Código do Trabalho, no montante de € 56,487,35, acrescida dos juros legais, a contar desde a citação até efetivo e integral pagamento; c) condenada a Ré a pagar ao Autor os créditos salariais que lhe são devidos (deduzindo a quantia de € 695,54), acrescidos dos juros legais a contar da citação até efetivo e integral pagamento: d) Remuneração base de 01 de abril/16 a 09 de junho/16 no total de € 5043,82 (cinco mil e quarenta e três euros e oitenta e dois cêntimos); e) Isenção do horário de trabalho (IHT) de 01 de abril/16 a 09 de junho/16 no total de 951,34 € (novecentos e cinquenta e um euros e trinta e quatro cêntimos); f) Subsídio adicional de 01 de abril/16 a 09 de junho/16 no total de € 227,65 (duzentos e vinte e sete euros e sessenta e cinco cêntimos); g) Subsídio Férias no montante de € 1366,49 (mil trezentos e sessenta e seis euros e quarenta e nove cêntimos); h) Subsídio Férias - duodécimos no montante de € 1024,87 (mil e vinte e quatro euros e oitenta e sete cêntimos); i) Subsídio Natal no valor de € 714,27 (setecentos e catorze euros e vinte e sete cêntimos); j) Subsídio Natal - duodécimos no valor de € 258,80 (duzentos e cinquenta e oito euros e oitenta cêntimos); k) Subsídio de Férias ano seguinte, no montante de € 1428,55 (mil quatrocentos e vinte e oito euros e cinquenta e cinco cêntimos); 1) Subsídio de alimentação de 01 de abril/16 a 09 de junho/16 no montante de € 383,05 (trezentos e oitenta e três euros e cinco cêntimos); m) Férias vencidas não gozadas no montante de € 3975,24 (três mil novecentos e setenta e cinco euros e vinte e quatro cêntimos); n) Descanso compensatório remunerado em dívida em 15 de abril/16, no valor de € 445,73 (quatrocentos e quarenta e cinco euros e setenta e três cêntimos);

- Tudo com as legais consequências.

Invocou como fundamento da ação instaurada, em síntese, que: i) foi admitido ao serviço da Ré no dia 02 de novembro de 1998, através de contrato de trabalho sem termo, para desempenhar as funções correspondentes à categoria de Consultor Sénior 2, tendo trabalhado sob as ordens, direção e orientação da Ré, mediante o pagamento de retribuição; ii) estava obrigado a um período normal de trabalho semanal de 36,00 horas de segunda-feira a sexta-feira, e praticava um horário numa amplitude diária que corria entre as 08h00 e as 02h00; iii) em 2005 foi decidido pela Ré a atribuição ao Autor de uma viatura para uso pessoal, à escolha do Autor no valor de 21.000 €, que este escolheu - ... matrícula ...- e lhe foi entregue em 27 de outubro de 2005; iv) todas as despesas associadas ao uso e manutenção da mesma viatura, inclusivamente as de via verde de viagens pessoais do Autor, eram suportadas ou estavam a cargo da Ré, à exceção do combustível para uso pessoal; v) o Autor estava autorizado a usar o veículo irrestritamente, para além do horário de trabalho, nomeadamente aos fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho; vi) passou a utilizar a viatura que lhe foi atribuída pela Ré de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando esta as despesas associadas à utilização da mesma; vii) no ano 2009, tendo passado o prazo de 4 anos previsto para a substituição da viatura, a Ré renovou a atribuição da viatura, agora pelo valor de 25.000 €, tendo o Autor escolhido nova viatura - ..., matrícula ... - que lhe foi entregue em 25 de março de 2010; viii) o Autor passou a utilizar a viatura referida no número anterior, nos mesmos moldes dos acima descritos; ix) a partir do ano 2012 a Ré, para além das despesas que já suportava, atribuiu ao Autor um plafond de 1500 €/ano para combustível para uso não profissional e via verde para uso não profissional, sendo que esta já se encontrava atribuída, apenas passou a ter um plafond; x) no ano de 2014 a Ré numa medida geral, decidiu aumentar o prazo de cada atribuição de viatura aos colaboradores, de 4 para 5 anos, ajustando também o valor final de aquisição por estes de 10% para 5%; xi) em maio de 2015, a Ré tentou que o Autor aceitasse que lhe fosse retirada a viatura, bem como tentou que o Autor subscrevesse alegadas alterações da retribuição, pretendendo dessa forma diminuir/precarizar parte da retribuição do Autor, o que este não concordou nem assinou; xii) as viaturas que o Autor utilizou nesse período de cerca de 10 anos, faziam parte da retribuição do mesmo, sendo que a Ré emitia anualmente documento para fins fiscais, do qual resultava a utilização permanente da viatura, classificada por VUP-Viatura de Utilização Permanente; xiii) por comunicação de 8 de fevereiro de 2016 foi transmitido ao Autor a alteração da política de benefícios dos Recursos Humanos do Grupo PT, que iria vigorar a partir de 01 de abril de 2016, em que a viatura passaria a deixar de fazer parte integrante do quadro retributivo; xiv) por comunicação escrita da Ré identificada como "Cessação Benefícios" dirigida ao Autor e que lhe foi entregue em 11/03, aquela comunicou-lhe que a partir do dia 1 de abril de 2016 cessaria a atribuição e utilização de Viatura de matrícula ..., plafond combustível e via verde e estacionamento; xv) o Autor até 31.03.2016 optou pela respetiva aquisição nos moldes que lhe foram comunicados; xvi) a partir do dia 01 de abril de 2016, o Autor deixou de ter atribuída viatura pela Ré, como vinha acontecendo desde 27 de outubro de 2005; xvii) tal alteração da responsabilidade exclusiva da Ré, resultou da implementação da nova política de atribuição de viaturas automóveis, definida de forma geral e abstrata para todos os trabalhadores das Empresas que constituem o Grupo BB, que determinou a alteração dos pressupostos de atribuição vigentes até 31 de março de 2016; xviii) a partir daí, o Autor ficou privado de elevada percentagem  da sua  retribuição,  que representava  cerca  de 50% da  mesma retribuição; xix) perante tal diminuição da retribuição do Autor, "rendimentos em espécie" como classificados pela Ré, o Autor resolveu o contrato de trabalho, invocando justa causa, por comunicação que enviou à Ré em 07 de abril de 2016, com efeitos a partir de 09 de junho de 2016; xx) por carta datada 12 de abril de 2016 a Ré respondeu ao Autor, confirmando os motivos da alteração verificada (retirada da viatura), tendo notificado formalmente o Autor para este entregar imediatamente o seu cartão de ponto de trabalhador, bem como todos os instrumentos de trabalho que lhe tinham sido atribuídos; xxi) o que o Autor fez nesse mesmo momento em 15/04/2016, tendo ficado impedido de aceder ao local de trabalho, por vontade expressa da Ré, que dessa forma prescindiu do cumprimento do prazo de aviso prévio por parte do Autor; xxii) enquanto o Autor esteve ao serviço da Ré, sempre desempenhou as suas funções, com zelo e diligência e sempre avaliações profissionais acima da média; xxiii) à data de cessação do contrato o Autor auferia a retribuição mensal base de € 2.215,19; xxiv) os créditos salariais do Autor totalizam o montante de 15.819,81€ (quinze mil oitocentos e dezanove euros e oitenta e um cêntimos); xxv) a Ré, em 20.05.2016, alegadamente procedeu ao pagamento de créditos salariais ao Autor, entregando a quantia de 695,54 € (seiscentos e noventa e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos); xxvi) tendo os créditos sido calculados até 15 de abril/16 e não até 09 de junho/16, assim como foi descontado ao Autor uma alegada indemnização relativa ao aviso prévio, que o Autor respeitou e que por vontade unilateral da Ré este não pôde cumprir tendo em conta nomeadamente a entrega do cartão de ponto que lhe foi exigida em 15.04.2016; xxvii) A antiguidade do Autor ao serviço na Ré é de 17 anos completos, sendo a sua retribuição base de 2215,19 €; xxviii) face ao grau de ilicitude do comportamento da Ré, a indemnização deve fixar-se em 45 dias, o que perfaz a quantia de 56487,35 € (cinquenta e seis mil quatrocentos e oitenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos); xxix) a Ré violou de forma culposa garantia legal do Autor a irredutibilidade da retribuição, alterando de forma substancial as condições de trabalho deste.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 12 de maio de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Assim, e pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e em consequência, decido:

i. declarar que a resolução do contrato de trabalho operada pelo autor AA por carta datada de 07/04/2016 o foi com justa causa, por falta culposa do pagamento pontual da retribuição, por violação culposa de garantias legais do trabalhador - 394.º, n.º 2, al. b) do CPT;

ii. condenar a ré BB SA, atualmente denominada CC SA no pagamento de indemnização pela resolução do contrato com justa causa no montante de 32.176,29 € (trinta e dois mil, cento e setenta e seis euros e vinte e nove cêntimos);

iii. condenar a ré BB SA, atualmente denominada CC SA no pagamento ao autor AA da quantia correspondente a remuneração base no período de 01 de abril/16 a 15 de abril/16, isenção do horário de trabalho (IHT) no período de 01 de abril/16 a 15 de abril/16, subsídio adicional no período de 01 de abril/16 a 15 de abril/16, proporcionais do subsídio Férias e respetivos duodécimos, proporcionais do subsídio de Natal e duodécimos, subsídio de Férias ano seguinte, subsídio de alimentação no período de 01 de abril/16 a 15 de abril/16 e férias vencidas e não gozadas, devendo à quantia global ser deduzida a quantia de € 695,54 já paga pela ré;

iv. Sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma até integral pagamento;

v. Absolvendo-se a ré do demais peticionado.

Custas da ação por autor e réu, na proporção do decaimento - art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.»

Inconformada com esta decisão dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação do Porto que veio a conhecer do recurso por acórdão de 4 de dezembro de 2017, nos seguintes termos:

«Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide:

- Revogar a declaração e a condenação dos pontos i. e ii. do dispositivo da sentença recorrida e, em consequência, absolver a R. do pedido formulado na al. b) da petição inicial;

- Alterar o ponto iv. do mesmo dispositivo, declarando-se que os juros de mora à taxa legal, são devidos desde a citação até integral pagamento;

- No mais, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas do recurso pela recorrente e recorrido na proporção do decaimento.»

Não satisfeito com esta decisão, dela recorre o Autor, agora de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1ª – O presente Recurso vem interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls. 188 e sgs., que revogou parcialmente a Douta Sentença proferida em 1.ª instância, em concreto na parte que considerou não ter havido justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do Autor.

2ª – A viatura de utilização permanente fazia parte reconhecidamente pelo Tribunal da Relação e confessadamente pela Ré da retribuição do Autor, o que à data da resolução do contrato acontecia há cerca de 11 anos, fazendo parte do bem mais precioso que um trabalhador tem como contrapartida da sua prestação de trabalho, e por conseguinte sujeita a garantias e ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pressuposto em que deve ser analisada a questão da justa causa de resolução do contrato de trabalho efetuada pelo Autor ora Recorrente.

3ª – Incorreu o Tribunal da Relação em contradição quando, por um lado, considerou que o não pagamento pontual da retribuição devida, além de constituir em mora a entidade patronal e a obrigar a indemnizar, consubstancia justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, nos termos prescritos no art. 394º, nºs 1, 2, al. a), 3, al. c) e 5, e de que está proibido à entidade patronal, nos termos do art. 129º, nº 1, al. d), diminuir a retribuição, que a retirada da VUP foi ilícita e concluiu haver violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, e que ocorreu uma diminuição da retribuição ilícita e ilegal, e, por outro, mais adiante, não considera ter havido justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do Autor.

4ª – Não é verdade que da prova produzida não resultou provado, ou não permita a conclusão, do impacto percentual que a retirada da viatura representou para o Autor, impossibilitando levar à conclusão que o comportamento da Ré gerou uma situação que tornasse inexigível a permanência do Autor na empresa, nem é exato que o Autor não provou haver redução percentual da retribuição, aliás, esse facto é uma consequência mais de que evidente e óbvia da retirada da viatura efetuada ilícita e ilegalmente pela Ré, desde logo segundo as regras de experiência comum,

5ª – A Jurisprudência, nomeadamente a Relação de Lisboa classifica a utilização de uma viatura por parte do trabalhador de prestação em espécie com caráter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, beneficiando por isso da garantia da irredutibilidade.

6ª – Tendo em conta o evidente valor patrimonial que representa a utilização irrestrita da viatura, não se compreende o acolhimento da versão apresentada pela Ré, tendo em conta a confissão efetuada pela própria Ré de que a viatura representava 5% da retribuição do Autor (que nunca explicou como chegou a essa percentagem), para aquela alegadamente insuficiente para justificar a resolução do contrato de trabalho efetuada por este, o que não tem qualquer sustentação legal nem faz qualquer sentido.

7ª - Na nossa modesta opinião, basta o facto de ter havido diminuição ilícita de retribuição (de que montante seja), como ficou provado nos autos, que é uma garantia fundamental do trabalhador, para ocorrer justa causa de resolução do contrato, como a própria Relação considerou inicialmente no Acórdão ora posto em crise. Independentemente da quantificação da percentagem da diminuição da retribuição, sempre é ilícita a sua verificação e sempre há justa causa de resolução do contrato de trabalho com esse fundamento – diminuição da retribuição, nomeadamente atento o evidente valor patrimonial que representa a utilização de uma viatura.

 8ª – Diferentemente do que consta no Acórdão da Relação ora posto em crise, o Autor alegou e provou factos relevantes relacionados com a quantificação da percentagem da retribuição que representava o uso da viatura, donde inequivocamente se podia concluir, como Douta e legalmente concluiu a 1ª instância, que a retirada da VUP representava a diminuição entre ¼ a cerca de 1/3 da retribuição do Autor.

9ª – Foram dados como provados factos que levam à conclusão do valor que objetivamente representava a viatura distribuída ao Autor, nomeadamente os números 5, 9, 11, 12 e 29 da Petição Inicial, tendo andado bem a 1ª instância quando considerou “No entanto, face aos elementos apurados, e em termos equitativos, julga-se que o uso da viatura automóvel deve corresponder a 25% a 30% do vencimento do autor”, o que peca por defeito.

10ª – Ficou provado que a cada 5 anos o Autor tinha direito a escolher um veículo no valor de 2 5000 €, período findo o qual podia optar pela compra pagando o valor de 10%, pelo que o valor suportado pela Ré era 22 500 € (90% do valor do carro), que dividido por 5 anos, representa um benefício anual de 4500,00 €, a que acresce o valor de 1500,00 €/ano de plafond de combustível, o que totaliza o valor mensal de 500,00 € (6000 € a dividir por 12 meses), que representa mais 22,6% do que a retribuição base, a que acresce o valor das manutenções do veículo, que ficou provado eram pagas pela Ré, e um valor que o Autor não gastava em viatura própria.

11ª – A acrescer a tudo isto, tendo o Autor a faculdade de adquirir a viatura no final dos 5 anos, também tinha o benefício de ficar com um bem com um determinado valor por uma valor residual, que o poderia vender e converter em euros, o que também tem um evidente significado económico, e tendo em conta a política retributiva da empresa (alterada unilateralmente em 2016 e que motivou a resolução com justa causa por parte do Autor), o Autor teria nova viatura para outros 5 anos, e assim sucessivamente.

12ª – Neste cenário, não faz qualquer sentido o contido no Acórdão ora posto em crise de que a retirada da viatura não obstou à prestação de trabalho por o Autor ter ficado na sua posse por a ter comprado, e que só não lhe foi atribuída uma nova viatura, como se tal fosse algo menor ou desprezível, o que salvo o devido respeito, não concordamos.

13ª – O Autor podia ter vendido ou não a viatura, o que não se apurou, nem era preciso e se a tivesse vendido, ficaria sem ela, e como fazia parte da retribuição, iria ter outra nova, no valor de 25000 € durante os cinco anos seguintes, e assim sucessivamente, mas a partir de 2016 nunca iria ter uma nova viatura pois ficou provado a alteração ilícita da política retributiva da empresa no sentido da retirada da viatura ao Autor, sendo incompreensível como se afirmou que o Autor tinha outras formas de reagir a uma decisão unilateral da entidade patronal que passou pela retirada de parte da retribuição e não substituição dessa componente da retribuição por outra.

14ª – Provou-se que o Autor manifestou a sua discordância e reagiu, como resulta da matéria provada constante dos números 13 e 14 da Petição Inicial, pelo que nesta parte voltou a andar mal a Relação do Porto quando afirma que o Autor “nem sequer veio reclamar a substituição daquela componente da sua retribuição”, nem podia, atento o facto de ter resolvido o contrato por justa causa, atenta a diminuição ilícita efetuada unilateralmente pela Ré.

15ª – Não se pode determinar o valor concreto que a atribuição da VUP tinha no cômputo geral da remuneração do Autor, mas pode quantificar-se como a 1ª Instância o fez e que consta da conclusão 9ª, e como o Autor o fez e que consta da conclusão 10ª, a grandeza da percentagem em questão, atento o evidente acréscimo patrimonial que representa uma viatura.

16ª – Também é profundamente errada a ideia que consta no Acórdão ora posto em crise de que a compra opcional que o Autor fez da viatura (num exercício de um direito retributivo), legitimou e limpou a conduta ilícita da Ré, e em nada contendeu com a atividade do Autor, fazendo parecer que o Autor não deixou de ter uma viatura no valor de 25000 € a cada cinco anos como fazia parte da sua retribuição, não se vislumbra como se considerou que esse comportamento ilícito e ilegal da Ré não tenha tornado imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência do vínculo laboral.

17ª - O Autor tinha um continuado valor económico com a atribuição de uma viatura nova no valor de 25000 € a cada 5 anos, que a podia adquirir ao final de cada período por 2500 €, que lhe foi retirado, e no cenário jurídico defendido pela Relação do Porto o Autor via ser diminuída fatia considerável da retribuição, de evidente valor patrimonial, e calava, perguntando-se qual seria a “iniciativa” seguinte da Ré violadora da lei depois de diminuir a retribuição do Autor?

18ª – Tendo o Autor resolvido o contrato, depois da 1ª Instância ter andado bem, salvo o devido respeito, viu a Relação do Porto premiar a violação da maior garantia que o mesmo tinha à sua retribuição efetuada pela da sua ex-entidade patronal.

19ª – Só se pode considerar ter havido resolução com justa causa, quando a entidade patronal confessa ter diminuído a retribuição em valor correspondente a 5% da mesma, não fazendo sentido não o considerar.

 20ª - Não sendo revogado o Acórdão ora posto em crise nessa parte, fica a vigorar no ordenamento jurídico e começa a fazer Jurisprudência premiar a entidade patronal que diminui ilicitamente a retribuição do trabalhador, o que não se aceita, nem se pode tolerar, sendo a posição da Relação do Porto ora posta em crise, contrária ao Acórdão do mesmo Tribunal de 16/12/2015, por isso que o presente, bem como é contrária ao decidido pelo STJ em Acórdão de 25.06.2015.

21ª - Nestes autos está em causa a retirada da viatura para uso pessoal e profissional (VUP), cujo benefício perdurou cerca de 10 anos, a que acresce a reconhecida pela Ré notoriedade técnica das funções que o Autor desempenhava, e o impacto percentual que essa diminuição de retribuição significou, além de ilícita, tornou inexigível ao Autor continuar calado e conformado a prestar a sua atividade.

22ª – Salvo o devido respeito, é inadmissível ter-se concluído, como a Relação do Porto o fez no Acórdão ora posto em crise o fez, que a retirada da VUP em nada contendeu com o exercício da atividade do Autor na empresa, e que a retirada da viatura não teve reflexos na vida do Autor, nomeadamente na sua situação económica e familiar, quando o Tribunal muito recentemente “provou” cortes salariais expressivos no tempo da Troika, e tal facto leva a concluir necessariamente que teve evidentes reflexos na situação económica e familiar de quem se viu privado de parte da sua retribuição.

23ª – Contrariamente ao afirmado pela Relação do Porto, apurou-se que a retirada da VUP pela Ré, causou grave lesão dos interesses patrimoniais do Autor, desde logo de percentagem correspondente a 5% do rendimento, como confessado pela própria Ré, a qual tendo em conta a consciência da ilicitude que cometera na sua conclusão 15ª requereu que a indemnização por antiguidade devida ao Autor fosse de 15 dias de retribuição base, com o argumento, pasme-se, de que violou ilicitamente os seus deveres relativamente a uma generalidade de trabalhadores, ou seja, foi uma violação generalizada e a toda a linha com enorme amplitude, incorrendo mais uma vez em equívoco a Relação do Porto quando afirmou que procedem as conclusões 7 a 15 da Ré, onde se inclui esta 15ª em que a Ré pede a condenação pela indemnização mínima de 15 dias de retribuição base.

24ª – Tendo ocorrido uma diminuição da retribuição reconhecidamente ilegal e ilícita por parte da Ré, não pode ser exigível que o trabalhador se mantenha ao serviço e suporte o contrato de trabalho, tendo ocorrido um corte muito significativo da sua garantia mais básica, a reconhecida pelo próprio Tribunal da Relação, a violação de tal garantia básica do trabalhador tem que constituir necessariamente justa causa para este poder resolver o contrato com justa causa, diríamos, que a diminuição ilícita e ilegal da retribuição por parte da entidade patronal é uma causa clássica de resolução do contrato por parte do trabalhador, que se não fosse a sua coragem e valia/capacidade técnica, ficaria à espera da iniciativa seguinte da Ré, depois de lhe ter retirado pelo menos confessadamente o valor correspondente a 5% da sua retribuição.

25ª – Tendo sido violado, além do mais, o artigo 394º, nº 2, alíneas a), b) e e), e nº 3 alínea b), do Código do Trabalho, pelo Tribunal “a quo”, muito respeitosamente requer que Vossas Excelências reponham a Justiça revogando o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nessa parte que revogou a Decisão da 1ª Instância.»

Termina referindo que «deve ser dado provimento à Revista e revogado o Acórdão recorrido na parte que revogou a Decisão de 1ª Instância relativamente à justa causa de resolução do contrato, tudo com as legais consequências».

A Ré respondeu ao recurso, requerendo a ampliação do respetivo objeto e integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Impõe-se que a Decisão imerecidamente posta em crise seja integralmente confirmada, sendo até muito duvidoso que o presente recurso possa ser aceite, dado não conter verdadeiras e próprias conclusões.

2. Que mais não são do que a reprodução fiel e integral, palavra a palavra, ponto por ponto de 43 (!) dos 54 parágrafos onde se explanam os argumentos do recurso.

3. Essa situação, como sublinham os insignes Magistrados citados, equivale à ausência de conclusões, e sem conclusões o recurso não pode ser recebido, dada a injuntividade do disposto no artigo 641°, n° 2, alínea b), do Cód. Proc. Civil.

 4. Mas mesmo que assim não se entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, sempre o recurso teria que improceder quanto à questão de fundo, dado que sempre com o devido respeito, os argumentos aduzidos pelo Recorrente são totalmente despiciendos.

5. Dado que o que era mister discutir, como é salientado, e bem, no Acórdão em apreço, era perscrutar se a redução da retribuição do Recorrente era de tal forma grave que justificasse a resolução do contrato de trabalho.

6. E sobre essa matéria, mais do que generalidades, o Recorrente acaba por admitir (vide ponto 35) que "Não se pode determinar o valor concreto que a atribuição da VUP tinha no cômputo geral da remuneração do Autor...".

7. E, salvo melhor, é o bastante para que o presente recurso tenha que soçobrar, uma vez que, como é salientado na jurisprudência citada, quer pela Recorrida, quer no Acórdão em apreço, só a grave lesão dos interesses patrimoniais do trabalhador justificam a resolução do contrato de trabalho.

8. E pese embora o Recorrente tenha alegado que a retirada da VUP, aliás inexistente, correspondeu a uma redução de 50% da sua remuneração, tal facto foi considerado como Não Provado, sendo certo que o ónus da prova desses factos, por serem constitutivos do direito à resolução do contrato, impendem exclusivamente sobre si.

9. Pelo que, como é sublinhado no citado Acórdão deste Supremo Tribunal, estava vedado o recurso a juízos de equidade, pelo que o recurso terá que improceder.

10. Mas para o caso de assim ainda se não entender, o que se admite apenas por mera hipótese académica e objetivo dever de patrocínio, sempre a indemnização por antiguidade, tendo em conta a percentagem de redução da retribuição e o facto de ser resultado de uma decisão coletiva e generalizada e que não se aplicou apenas ao Recorrente deveria ser fixada em 15 dias da retribuição base.

 11. Além de jamais a Recorrida poder ser condenada na obrigação do pagamento de juros, por não terem sido pedidos e tratar-se de matéria na disponibilidade das partes.

12. Tudo visto, impõe-se que seja negado provimento ao presente recurso e mantida a Decisão imerecidamente posta, ou quando assim se não entenda, que limite a indemnização por antiguidade a 15 dias e absolva a Recorrente do pagamento de juros moratórios, pois só assim se fará aplicação conforme do Direito e poderá haver fundado motivo para se clamar ter sido feita Justiça!»

 

Neste Tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, tendo-se pronunciado no sentido da concessão da revista, referindo em síntese conclusiva o seguinte:

«Afigura-se-nos, por conseguinte, que o fundamento invocado na resolução do contrato de trabalho apresentada pelo Autor, no dia 7 de abril de 2016, na sequência da retirada, a partir de 1 de abril de 2016, da Viatura de Utilização Permanente, configura justa causa, pois que, nas circunstâncias dos autos, face ao comportamento ilícito e culposo da Ré, consubstanciado na diminuição de uma parte relevante da retribuição do Autor, com caráter definitivo, não lhe era exigível que mantivesse a relação laboral coma Ré.»

Notificado este parecer às partes, não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, configura-se como questão central no presente recurso saber se a privação do uso da viatura automóvel de que o Autor beneficiava integra justa causa para a resolução do contrato de trabalho, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho.

Em caso de procedência do recurso no que se refere àquela questão, impõe-se então conhecer das questões que o Tribunal da Relação considerou como prejudicadas.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«A) OS FACTOS:

a) Da Petição Inicial

1 - O Autor foi admitido ao serviço da Ré no dia 02 de novembro de 1998, através de contrato de trabalho sem termo, para desempenhar as funções de quadro superior licenciado (QSL), (mas atualmente e desde 2011 correspondentes às de Consultor Sénior 2), tendo trabalhado sob as ordens, direção e orientação da Ré, mediante o pagamento de retribuição - documento de fls. 16.

2 - Nos termos do referido contrato, o Autor estava obrigado a um período normal de trabalho semanal de 36,00 horas de segunda-feira a sexta-feira, e praticava um horário numa amplitude diária que corria entre as 08h00 e as 02h00, embora beneficiasse de IHT - cfr. mesmo doc.

3 - Em 2005 foi decidido pela Ré a atribuição ao Autor de uma viatura para uso pessoal,

4 - Viatura essa à escolha do Autor no valor de 21.000 €, que este escolheu - ... matrícula ...- e lhe foi entregue em 27 de outubro de 2005.

5 - Todas as despesas associadas ao uso e manutenção da mesma viatura, inclusivamente as de via verde de viagens pessoais do Autor, eram suportadas ou estavam a cargo da Ré, à exceção do combustível para uso pessoal.

6 - O Autor estava autorizado a usar o veículo irrestritamente, para além do horário de trabalho, nomeadamente aos fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho - acordo

8 - O Autor passou a utilizar a viatura que lhe foi atribuída pela Ré de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando esta as despesas associadas à utilização da mesma, com exceção do combustível para uso pessoal.[1]

9 - No ano 2009, tendo passado o prazo de 4 anos previsto para a substituição da viatura, a Ré renovou a atribuição da viatura, agora pelo valor de 25.000 €, tendo o Autor escolhido nova viatura - ..., matrícula ... - que lhe foi entregue em 25 de março de 2010.

10 - O Autor passou a utilizar a viatura referida no número anterior, nos mesmos moldes dos descritos nos números 5 a 8, supra.

11 - A partir do ano 2012, a Ré, para além das despesas que já suportava, atribuiu ao Autor um plafond de 1.500,00 €/ano para combustível para uso não profissional e via verde para uso não profissional - documento de fls.

12 - No ano de 2014 a Ré numa medida geral, implementada pelo Grupo PT decidiu aumentar o prazo de cada atribuição de viatura aos colaboradores, de 4 para 5 anos, ajustando também o valor final de aquisição por estes de 10% para 5%.

13 - Em maio de 2015, a Ré notificou o Autor para assinar comunicação onde constava a retirada a viatura e outras alterações da retribuição constantes dos documentos de fls. 18, 19, 20, 22 e 23.

14 - O autor, por considerar que tais alterações diminuíam e precarizavam parte da sua retribuição, não concordou, nem assinou tais documentos.

15 - Relativamente às viaturas que o Autor utilizou nesse período de cerca de 10 anos, a Ré emitia anualmente documento para fins fiscais, do qual resultava a utilização permanente da viatura, classificada por VUP - Viatura de Utilização Permanente, classificada como "rendimentos em espécie" - fls. 24, 25, 26 e 27.

16 - Por comunicação de 8 de fevereiro de 2016 foi transmitido ao Autor a alteração da política de benefícios dos Recursos Humanos do Grupo PT, que iria vigorar a partir de 01 de abril de 2016, em que a viatura passaria a deixar de fazer parte integrante do quadro retributivo.

17 - Sucede que por comunicação escrita da Ré identificada como "Cessação Benefícios" dirigida ao Autor e que lhe foi entregue em 11/03, aquela comunicou-lhe que: "considerando a alteração da política retributivo de disponibilização de meios e instrumentos de trabalho e atribuição de benefícios aprovada pelo DE112016CCO e divulgada a 20 de janeiro pp vimos, por este meio, confirmar que tal como lhe foi comunicado verbalmente, a partir do dia 01 de abril de 2016 cessa a atribuição e utilização de - Viatura de matrícula ...; - plafond combustível e via verde; e estacionamento.

Informamos, ainda, que deverá proceder à entrega até ao próximo dia 31 de março, da viatura - caso não opte pela respetiva aquisição, no prazo e condições que lhe serão comunicadas, identificador de via verde e cartões de combustível e de estacionamento, que tenha em seu poder. A operacionalização deste processo de entrega e, sendo o caso, de aquisição da viatura, será assegurada pelas Direções de Recursos Humanos e de Património e Serviços, que lhe transmitirão as necessárias indicações ".

18 - Sendo que o Autor, nos termos descritos na comunicação referida no número anterior, até 31/03/2016, optou pela respetiva aquisição nos moldes que lhe foram comunicados.

19 - A partir do dia 01 de abril de 2016, o Autor deixou de ter atribuída viatura pela Ré, como vinha acontecendo desde 27 de outubro de 2005, portanto, durante mais de 10 anos.

20 - Esta alteração resultou da implementação de uma nova política de atribuição de viaturas automóveis, definida de forma geral e abstrata para todos os trabalhadores das Empresas que constituem o Grupo BB, que determinou a alteração dos pressupostos de atribuição vigentes até 31 de março de 2016.

21 - Perante a retirada da viatura, classificada pela ré como "rendimentos em espécie" o Autor resolveu o contrato de trabalho, invocando justa causa, por comunicação que enviou à Ré em 07 de abril de 2016, com efeitos a partir de 09 de junho de 2016.

22 - Nesta carta, o autor consignou, além do mais, que "a resolução do contrato produzirá efeitos no dia 09 de julho de 2016, dando assim pré-aviso de 60 dias de antecedência. (...) A resolução por justa causa é fundamentada nos seguintes pontos:

1 - Conforme me foi comunicado, a partir de abril de 2016, cessou o benefício de viatura de uso pessoal, que me está atribuído desde 2005, por decisão unilateral da empresa;

2 - Nos termos do n.º 2 do art.° 258.º do código do trabalho tal benefício constitui uma remuneração em espécie, conforme também vem sido declarado pela empresa, para fins de imposto de rendimento desde 2005;

3 - Nos termos da al. d) do n.° 1 do art.º 129.º, “é proibido ao empregador diminuir a remuneração do trabalhador (...) ". cfr. documento de fls. 29.

23 - Por carta datada 12 de abril de 2016 a Ré respondeu ao Autor, considerando que "o indicado motivo é insubsistente para fundamentar a rescisão justificada do contrato de trabalho, por não estarem observados os pressupostos legalmente estabelecidos. (...) A cessação do aludido benefício resultou da implementação da nova política de atribuição de viaturas automóveis, definida de forma geral e abstrata para todos os trabalhadores das empresas que constituem o grupo BB, que determina a alteração dos pressupostos de atribuição vigentes até 31 de março corrente.

Por tal motivo, o benefício em apreço poderia como foi feito cessar por não consubstanciar, neste caso, redução ilícita da remuneração, o que torna infundada a rescisão do contrato de trabalho ".

24 - Comunicação essa que foi entregue em mão ao Autor por DD dos Recursos Humanos, no dia 15 de abril de 2016 - cfr. fls. 32 e 33.

25 - Na mesma comunicação referida no número anterior, a Ré notificou formalmente o Autor para este entregar imediatamente o seu cartão de ponto de trabalhador, bem como todos os instrumentos de trabalho que lhe tinham sido atribuídos, nomeadamente docking, computador portátil, monitor, telemóvel e placa de banda larga - cfr. mesmo doc. de fls. 32 e 33.

26 - O que o Autor fez nesse mesmo momento, em 15/04/2016, por solicitação de DD, entregando o cartão de ponto que dá o acesso à empresa/local de trabalho, em cumprimento do que lhe havia sido solicitado pela mesma funcionária dos Recursos Humanos.

27 - Com a entrega do cartão de ponto, o Autor ficou impedido de aceder ao local de trabalho, por vontade expressa da Ré, não tendo voltado a exercer qualquer atividade para a ré.

28 - Enquanto o Autor esteve ao serviço da Ré, sempre desempenhou as suas funções, com zelo e diligência com avaliações profissionais acima da média.

29 - À data de cessação do contrato o Autor auferia a retribuição mensal base de € 2 215,19 (dois mil duzentos e quinze euros e dezanove cêntimos) - cfr. doc. fls.

30 - A Ré, em 20/05/2016, procedeu ao pagamento de créditos salariais ao Autor, entregando a quantia de 695,54 € (seiscentos e noventa e cinco euros e cinquenta e quatro cêntimos) — documento de fls. 34.

31 - Tendo os créditos sido calculados até 15 de abril/16, assim como foi descontado ao Autor uma alegada indemnização relativa ao aviso prévio - cfr. mesmo doc. Fls. 34.

32 - A antiguidade do Autor ao serviço na Ré é de 17 anos completos, sendo a sua retribuição base de 2 215,19 €.

Da Contestação

33 - A Ré, atualmente denominada CC SA e anteriormente BB SA, teve sempre por objeto o desenvolvimento de produtos e serviços, a prestação de serviços e integração de sistemas na área das tecnologias de informação e comunicação.

34 - É e sempre foi uma Empresa que tem por finalidade a investigação e a inovação tecnológicas, constituída quase exclusivamente por engenheiros de telecomunicações.

35 - O seu quadro de pessoal nunca excedeu as duas centenas de pessoas, razão pela qual sempre foi uma empresa com uma estrutura interna minimalista e pouco burocratizada, com um número reduzido de chefias.

36 - Tal como acontecia nas restantes empresas do Grupo BB, a atribuição de VUP ou de prestações de cariz pecuniário, tinha o seu fundamento no desempenho de uma função de particular responsabilidade, fosse de natureza eminentemente técnica ou associada a um determinado posicionamento hierárquico.

37 - Tratavam-se sempre de atribuições objeto de despacho específico e fundadas nas razões indicadas no artigo anterior.

38 - E essa causa de atribuição era do conhecimento de todos os colaboradores da Ré.

39 - E, contrariamente ao que se verificava nas outras empresas do Grupo BB de maior dimensão, nunca foram objeto de documento escrito, nem mesmo nas situações em que os trabalhadores da Ré eram cometidos em responsabilidades departamentais.

40 - Também a nomenclatura das categorias profissionais era diferente da existente nas outras Empresas do Grupo BB.

41 - O que se manteve em vigor até à implementação do Modelo de Carreiras instituído para todo o Grupo BB em 2011.

42 - E à sujeição, a partir de 2013, ao ACT aplicável a praticamente todas as empresas do Grupo BB (BTE n° 20,29/5/13).

43 - O Autor era um técnico altamente especializado que exercia funções no EE, desde 1/11/98, entidade que cedeu a sua posição à ora Ré, em 2/11/99 (doc. de fls. 74 e ss.)

44 - Que, em 1 de abril de 2000, decidiu admitir o Autor nos seus quadros, conforme Deliberação e contrato de trabalho de fls. 76 e ss.

45 - Por força da aludida cessão da posição contratual, a relação de trabalho do Autor retroage a l/l1/98, sendo certo, como decorre do contrato de trabalho junto, com a categoria de Quadro Superior Licenciado.

46 - A categoria de Consultor Sénior só foi implementada a partir de 2011, com o novo Modelo de Carreiras do Grupo BB.

47 - E era, e é, a categoria mais qualificada.

48 - Dado que nela estão integrados todos os empregados do Grupo BB a quem estejam cometidas responsabilidades de chefia ou coordenação departamental e desempenhem funções de elevada complexidade, nos vários domínios de atividade.

49 - No caso do Autor, no âmbito da engenharia de sistemas de telecomunicações, vital para o negócio do Grupo BB.

50 - Fruto da responsabilidade inerente às funções que desempenhava, a sua remuneração base foi incrementada em quase 10% a partir de 1/1/2000 (doc. de fls.).

51 - Devido à relevância das funções desempenhadas pelo Autor, que a Comissão Executiva da Ré, decidiu atribuir ao Autor, bem como aos outros trabalhadores identificados no documento que se junta, uma viatura para uso pessoal (doc. Fls. 80 e ss.).

52 - Tal como nas restantes empresas do Grupo BB, eram atribuídas viaturas de uso pessoal, aos trabalhadores que desempenhavam funções de elevada relevância empresarial.

53 - Com uma única diferença, enquanto nas outras empresas do Grupo BB, dada a sua dimensão e número de trabalhadores abrangidos, tais atribuições eram, por norma, formalizadas, no caso da Ré, tal não acontecia pelas razões supra descritas, dado abranger apenas 9 trabalhadores.

54 - Constituindo, até então, prática do Grupo BB, que até ao valor do plafond estabelecido, o trabalhador tinha o poder de escolher a viatura que entendesse.

55 - Todas as despesas de manutenção da viatura eram suportadas pela Ré.

56 - Pelo menos a partir de 2012, a ré assumiu também as despesas respeitantes à utilização de via verde.

57 - Quando foi decidido, em 2009, manter a atribuição ao Autor de viatura para uso pessoal, a Comissão Executiva da Ré seguiu a prática até então existente no Grupo BB, de proceder à substituição das viaturas ao fim de quatro anos.

58 - Face à inexistência de qualquer informação de carácter negativo, decidiu permitir ao Autor adquirir a viatura que tinha e atribuir-lhe uma nova viatura,

59 - Em 2012 foi atribuído ao Autor um plafond para combustível e via verde, o que resultou da homogeneização deste tipo benefício a todos os trabalhadores do Grupo BB que até aí dele beneficiavam, quanto a plafonds e condições de utilização.

60 - A alteração de 4 para 5 anos do período de atribuição das viaturas de uso pessoal foi determinada para todo o Grupo BB, pelo que a Comissão Executiva da Ré teve também que implementar - cfr. documento de fls. 87.

61 - Com essa decisão, o Grupo BB encetou um procedimento com vista a definir novas regras para atribuição de viaturas de uso pessoal aos seus trabalhadores, sendo certo que no ano de 2011, nenhum trabalhador beneficiou da atribuição de nova viatura - fls. 87.

62 - Depois de se aconselhar, o autor decidiu não subscrever os documentos que lhe foram apresentados em 11/05/15.

63 - Ao invés dos seus únicos dois colegas que se encontravam em condições idênticas às suas, FF e GG.

64 - Que subscreveram documentos similares aos do Autor e onde deixou de lhes ser reconhecido o direito à atribuição de viatura automóvel.

65 - Contudo, só em março de 2016, a Ré implementou a decisão que havia sido tomada em 2015, de acordo com a política de atribuição de viaturas para uso pessoal do Grupo BB, pois só nessa data foi decidido implementar essa decisão em todo o Grupo BB.

66 - A atribuição de viaturas foi restringida a quem ocupava funções de chefia departamental de nível 1 e 2, que não era o caso do Autor.

67 - Tendo o Grupo BB e a Ré concedido a todos os trabalhadores que não desempenhavam esse tipo de funções e consoante os casos, poder optar a partir do dia 1 de abril de 2016, por uma de três hipóteses, entregar a viatura, assumir as rendas em divida até ao final do contrato, outorgando cessão da posição contratual com o locador ou pagar esse valor até ao dia 25 de março.

68 - Neste caso, como já havia terminado o ALD, o Autor optou por pagar o valor residual.

69 - A partir do dia 1 de abril de 2016 cessaram os outros benefícios associados à atribuição da sua viatura, no caso o plafond do cartão galp frota.»

2 – Por se nos afigurar com interesse para a análise das questões que integram o objeto do presente recurso, consigna-se que a sentença proferida pela 1.ª instância considerou como não provados os seguintes factos:

«i) Com a retirada da viatura (retribuição em espécie) do seu quadro retributivo o Autor tenha ficado privado de uma componente da retribuição que representava 50% da mesma, sem prejuízo do demais que se deu como assente;

ii) A atribuição VUP estivesse condicionada à manutenção do desempenho de uma função ou projeto específicos e que o Autor  tivesse deixado de desempenhar tal função;

iii) Antes de 2012 a ré suportasse a via verde também para uso não profissional».


III


1 – Na resposta às alegações do recurso interposto pelo autor veio a ré suscitar a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso.

Referiu, em síntese, que «aquilo que é apelidado de conclusões, ao invés de constituir uma síntese dos seus fundamentos, constitui um mero repositório de tudo quanto precede» e prossegue afirmando que «os argumentos do recurso encontram-se explanados em 53 parágrafos, estando 39 (!) deles integralmente reproduzidos e transcritos, palavra por palavra, nas "conclusões" do recurso», e «O que não colide com o facto de existirem apenas 25 conclusões, já que algumas delas, como são o caso da 10.ª e da 22.ª  "aglutinarem”, respetivamente, os parágrafos 21 a 25 e 45 a 47», pelo que em seu entender «não existem verdadeiras conclusões, apenas mero decalque e repetição da quase totalidade (39 dos 53 parágrafos) dos argumentos que sustentam o recurso».

Partindo daqui, invoca alguma Jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa «vide Acórdão de 13/09/2017), para concluir que não há que «convidar o Recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las antes se impondo a imediata rejeição do recurso, logo mesmo neste Tribunal da Relação».

No despacho liminar relegou-se o conhecimento desta questão prévia para o acórdão, impondo-se pois conhecer da mesma.

Mau grado as conclusões do recurso apresentadas pelo recorrente reproduzam parte significativa da motivação que integra aquelas alegações, a verdade é que não estamos perante uma situação em que se justifique a notificação do recorrente para as aperfeiçoar, nos termos do artigo 639.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, e, muito menos, para concluir que não existem alegações, e com esse fundamento rejeitar desde já o recurso, nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 641.º do mesmo código.

Na verdade, as conclusões das alegações, independentemente da sua função de definir o objeto do recurso decorrente do n.º 4 do artigo 635.º do Código de Processo Civil, devem ser uma síntese coerente da argumentação utilizada pelo recorrente para demonstrar o fundamento da sua pretensão de alteração da decisão recorrida.

Síntese coerente e conclusiva dos argumentos direcionados às questões que constituem o objeto do recurso e sobre as quais o recorrente pretende a alteração da decisão recorrida.

O facto de a evolução do processo civil ter centralizado o objeto do recurso nas conclusões, ou, dito de outra forma, na argumentação utilizada nas conclusões sobre as questões suscitadas pela decisão recorrida levou a prática judiciária à prolixidade nas conclusões, sempre no receio de que o tribunal no julgamento do recurso não pondere um qualquer argumento ao qual o recorrente atribui um particular relevo.

Ignora-se deste modo que o real objeto do recurso são as questões suscitadas pela decisão recorrida e não propriamente a multiplicidade de argumentos com base nos quais o recorrente pretende ver reapreciadas aquelas questões.

No caso dos autos, mau grado as conclusões apresentadas não sejam modelares em termos de capacidade de síntese revelada, a verdade é que as mesmas não dificultam a perceção das questões a ponderar pelo tribunal e não dificultam igualmente  a compreensão do objeto do litígio pela parte contrária.

As conclusões apresentadas não dificultam deste modo o encontro do objeto do recurso e exprimem claramente a posição do recorrente sobre as razões que em seu entender devem motivar a alteração da decisão recorrida.

Carece, assim, de fundamento a pretensão da recorrida de que se não conheça do objeto do recurso.

2 - Insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que apesar da ilicitude da privação do uso do veículo automóvel de que beneficiava por parte da Ré, mesmo assim esse facto não poderia ser considerado como justa causa para a resolução do contrato de trabalho por sua iniciativa, nos termos dos artigos 394.º e ss. do Código do Trabalho.

O decidido fundamentou-se no seguinte:

«2 - Resolução do contrato pelo trabalhador

Passemos, agora, à análise da segunda questão, ou seja, saber se, face à consideração de que a retirada da VUP constituiu diminuição ilícita da retribuição do A., tal constitui fundamento bastante para poder operar a resolução justificada do contrato de trabalho, como considerou o Tribunal "a quo", ou não como considera a apelante, por não constituir grave lesão dos interesses patrimoniais do A./trabalhador.

(…)

O Tribunal "a quo", após julgar, em termos equitativos, o valor a que o uso da viatura corresponde no vencimento do A., considerou constituir a retirada daquela, fundamento bastante para ser resolvido o contrato com justa causa, conforme se transcreve, em síntese:

"Ora, alega o autor que a retirada do benefício da utilização da viatura correspondia a 50% da retribuição do Autor, facto que a ré contesta veementemente, considerando que tal benefício representaria cerca de 5%, da retribuição do Autor. Como tal, argumenta a ré que a retirada da viatura não é motivo válido para o autor rescindir o contrato com alegação de justa causa.

(…)

Isto remete-nos para a questão da quantificação do valor do uso do veículo. Além de não se ter provado nestes autos qual o valor mensal que a entidade empregadora pagava pelo aluguer operacional ou locação financeira da viatura, ainda que tal prova tivesse sido feita não bastaria para que se pudesse fazer equivaler o valor dessa prestação ao valor de uso. Conforme analisa FILIPE FRAÚSTO DA SILVA na obra acima citada (maxime a págs. 959 e ss.), citando diversa jurisprudência, não pode ser feita essa equivalência pura e simples, pois não é só o trabalhador que utiliza o veículo para fins pessoais, a entidade empregadora também retira do mesmo os benefícios decorrentes da sua utilização para fins profissionais, pelo que nem todo o valor pago pelo aluguer ou aquisição da mesma pode ser imputado à retribuição do trabalhador. É necessário que se apure no confronto de ambas as partes qual o uso concreto (profissional e pessoal) que do veículo é feito, só assim se podendo estimar que parte dele (e qual o valor de tal parte) pode ser imputada na retribuição do trabalhador.

No mesmo sentido, veja-se o decidido pelo STJ, em acórdão de de 17/11/2016.

No entanto, face aos elementos apurados, e em termos equitativos, julga-se que o uso da viatura automóvel deve corresponder a 25% a 30% do vencimento do autor.

Mas ainda que o valor fosse ligeiramente inferior, afigura-se que tal não obstaria à conclusão de que a sua retirada enquanto componente retributiva não fosse suficiente para legitimar a resolução do contrato por justa causa por parte do autor.

(...)

Muito embora, no caso dos autos, a questão se restrinja à retirada da viatura para uso profissional e uso pessoal, ponderando o número de anos em que tal benefício perdurou, a reconhecida (pela ré) notoriedade técnica das funções desempenhadas pelo autor, e o impacto em termos percentuais que a retirada de tal beneficio representaria na situação económica do autor, julgo que tal alteração retributiva, além de violar a lei, e ser por isso ilícita, tornou inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.

Razão pela qual se conclui que a retirada de VUP pela ré configura motivo bastante para a resolução do contrato por justa causa."

A Ré discorda desta decisão, alegando que mesmo que se entenda que a retirada da VUP e dos benefícios associados constituem diminuição ilícita da retribuição do Autor, ainda assim tal facto não constituía fundamento bastante para poder operar a resolução justificada do contrato de trabalho, porque só a grave lesão dos interesses patrimoniais do trabalhador justificam a resolução do contrato de trabalho e o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à resolução do contrato, impendem exclusivamente sobre ele.

E, entendemos nós que lhe assiste razão.

Pois, pese embora, considerarmos, como deixámos exposto, que a retirada da VUP constituiu diminuição ilícita da retribuição do Autor, ainda assim, não entendemos que tal constitua fundamento bastante para o A. resolver o contrato nos termos que ficaram provados.

Justificando.

(…)

Regressando ao caso, acolhendo nós a fundamentação constante da jurisprudência citada e transpondo o que se deixa exposto para o mesmo, mostra-se justificada a razão da nossa discordância com o considerado, a este propósito, na decisão recorrida.

Sendo evidente, não podermos partilhar da conclusão expressa na mesma de que a alteração retributiva "..., tornou inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.".

Senão, vejamos.

Basta atentar na factualidade que se deu por provada e não provada para se verificar que, não logrou o A. provar, usando as palavras da decisão recorrida, "o impacto em termos percentuais que a retirada de tal benefício" representou na sua situação económica. Ou seja, que nos permita concluir que o comportamento da R. (ilícito) tenha gerado uma situação que tornasse inexigível a permanência do A. na empresa.

O valor que a Mmª Juíza "a quo" considera para concluir do modo que o faz, é um valor apurado em termos equitativos, o que na situação, em concreto, lhe está vedado fazer, porque não tendo o A. logrado provar o que alegou a esse propósito (veja-se o ponto i) dos factos não provados) nem alegado quaisquer outros factos de onde se pudesse extrair aquela conclusão, sendo que era a ele que o competia fazer (cfr. art. 5° do CPC), não pode o juiz substituir-se à parte, fazendo uma análise em termos equitativos. Acrescendo, sem qualquer base factual para o fazer.

O A. alegou, mas não provou que tenha ficado privado de uma componente da sua retribuição que representava cerca de 50% da mesma e nada mais alegou, nomeadamente, factos que a provarem-se demonstrassem que as consequências, para si advindas por ter ficado privado daquela componente da sua retribuição, analisadas à luz do entendimento de um "bonus pater familias" tornavam inexigível para o mesmo a manutenção do seu vínculo laboral.

Certo que, ainda, que se tivesse apurado o alegado pelo A., sempre na ausência de qualquer outra alegação, não saberíamos até que ponto tal seria grave.

O que implica concluir que a apontada conduta da Ré a propósito da retirada da VUP ao Autora não constitui justa causa de resolução do contrato, não o habilitando a desvincular-se do contrato do trabalho, nos termos em que o fez, sem dar o aviso prévio.

Sem dúvida, da factualidade provada resulta que a R., por sua iniciativa, retirou a VUP ao A., mas não se pode concluir daí, que tal conduta da entidade patronal tenha posto em causa o exercício da atividade do A., nem que tenha obstado à sua prestação efetiva de trabalho e, consequentemente, tenha tornando inexigível a manutenção da relação laboral, até porque o A. não ficou privado da viatura, já que optou por pagar o valor residual em falta, cfr. ponto 68 dos factos provados, mantendo-a na sua posse. Só não lhe foi atribuída uma nova viatura, como até aí vinha acontecendo, sendo certo que dispunha ele de outras formas de reagir a esta situação e não o fez.

Pois, para além do alegado relativamente à resolução do contrato, nada mais foi trazido aos autos pelo A., que nem sequer veio reclamar a substituição daquela componente da sua retribuição a que poderia ter direito, devido à retirada da VUP, nem nada alegou a esse propósito o que, em nosso entender, sempre com o devido respeito, torna impossível a determinação do valor concreto que a atribuição da VUP tinha no cômputo geral da remuneração do mesmo.

Sendo evidente, que o A. não alegou factos que, a provarem-se, demostrassem que as consequências que lhe advieram devido à retirada da VUP pela R., assumiram um grau de lesão dos seus interesses, suscetível de legitimar a inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral existente entre eles.

Concluímos, assim, que a retirada da VUP em nada contendeu com o exercício da atividade do A. na empresa, nomeadamente, em termos de deslocação, já que se provou que o A. adquiriu a viatura em causa, acrescendo, igualmente, não se vislumbrar que o referido comportamento da Ré tenha tornado imediata e praticamente impossível para o trabalhador/A a subsistência do vínculo laboral.

Nada foi alegado (e por isso a matéria de facto dada como provada é completamente omissa a esse respeito) sobre o reflexo da retirada da viatura na vida do A., nomeadamente, na sua situação económica e familiar.

Salientando-se que, neste plano de consideração que perfilhamos, competia ao A. alegar e provar a situação económica e familiar decorrente da retirada da VUP (art. 342°, n° 1 do CC), ónus que não se mostra cumprido.

Pelo que, como já dissemos, é nossa convicção firme, que a situação não nos permite concluir que a descrita conduta da Ré constitui justa causa de resolução do contrato de trabalho, habilitando o A. a desvincular-se dele, nos termos que invocou.

Como se refere no, Ac. do STJ, de 31.05.2016 Proc. n° 337/13.9TTFUN.L1.S1 in www.dgsi.pt "Não pode, deste modo, afirmar-se que a conduta da Ré, embora ilícita, fosse impeditiva da manutenção da relação de trabalho que aquela mantinha com o Autor, pelo que, não pode considerar-se que a mesma integre justa causa para a resolução do contrato por iniciativa do trabalhador".

Em suma, entendendo nós que, não se apurou que a retirada da VUP pela R., tenha causado grave lesão dos interesses patrimoniais do A., nem gerado uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, pese embora, a termos considerado ilícita, não podemos concordar, como considerou a Mmª Juíza "a quo" que configure a mesma motivo bastante para a resolução do contrato operada pelo A. que, consequentemente, temos de concluir ocorreu sem causa justificativa.»

3 - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa encontra-se disciplinada nos artigos 394.º e ss. do Código do Trabalho.

Resulta do disposto no n.º 1 daquele artigo que «ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato», consagrando o n.º 2 do mesmo dispositivo um conjunto de situações, com caráter exemplificativo, que são consideradas como justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.

Preveem-se neste n.º 2 situações de justa causa imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala, relativamente a estas situações, de «justa causa subjetiva de resolução».

O n.º 3 do mesmo dispositivo consagra outro conjunto de situações que integram justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, mas estas já não são imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala em «justa causa objetiva» de resolução.

Estão previstas nesse dispositivo: - «a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição».

A resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, tal como refere MONTEIRO FERNANDES, «respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é pelo período fixado para o aviso prévio. Assim, a resolução opera imediatamente o seu efeito extintivo»[2].

De acordo com o disposto no n.º 4 deste artigo, a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, tomando em consideração «no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes, ou entre o empregador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».

Embora o Código do Trabalho não consagre uma noção de justa causa de resolução que possa funcionar como cláusula geral relativamente à aferição dos pressupostos daquela forma de extinção da relação de trabalho, na linha da solução consagrada no n.º 1 do artigo 351.º daquele diploma, impõe que na ponderação da mesma sejam tomadas em consideração, devidamente adaptadas, as circunstâncias discriminadas no n.º 3 daquele artigo.

A preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes motivam exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador.

Aquela preocupação de salvaguarda da relação trabalho tem-se projetado na ponderação do preenchimento daquele conceito.

Conforme se referiu no acórdão desta secção de 11 de maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1, aplicando o Código de Trabalho de 2003, «[c]omo é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada atuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade»[3].

Debruçando-se sobre a aferição em concreto da justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO que a «jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato: i) um requisito objetivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos e garantias do trabalhador, ii) um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (…); iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar “imediata e praticamente impossível” para o trabalhador a subsistência desse vínculo (…)».

Destaca, contudo, aquela Autora, a necessidade de «não apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao terceiro elemento», o que resultará da «fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador»[4].

Na mesma linha de abordagem, refere LEAL AMADO, que «a remissão efetuada por aquele n.º 4 carece, porém, de ser entendida com as devidas cautelas, pois a leitura do art. 394.º logo revela o acerto do comentário há muito feito por MENEZES CORDEIRO, quando este autor sublinhava que “justa causa a invocar pelo trabalhador é mais ampla do que a invocável pelo empregador”» e prossegue referindo que «se a justa causa de despedimento se circunscreve hoje ao domínio disciplinar, já a justa causa de demissão abrange um espectro de situações bastante mais diversificado, incluindo até razões de todo em todo alheias ao empregador (recorde-se o disposto no n.º 3, al. a), do art. 394.º), o que recomenda alguma prudência ao intérprete-aplicador do direito, evitando a adoção de conceções infundadamente “paritárias” ou “isométricas” nesta matéria»[5].

Ao enquadramento da situação dos autos importa ainda o procedimento para a resolução disciplinado no artigo 395.º do Código do Trabalho, uma vez que nos termos do n.º 1 desse artigo «o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos».

O prazo estabelecido é um prazo de caducidade do direito à resolução do contrato, estando subjacente à sua dimensão a preocupação com a manutenção da relação de trabalho.

Nos termos do artigo 399.º do Código do Trabalho, a não demonstração por parte do trabalhador da existência de justa causa para a resolução do contrato confere ao empregador o direito à indemnização prevista no artigo 401.º do mesmo código.

A resolução do contrato fundamentada em justa causa, nos termos do n.º 2 do artigo 394.º, confere ao trabalhador o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do mesmo diploma, a determinar «entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades».

De acordo com este dispositivo a indemnização é fixada em dias, entre 15 e 45, por cada ano completo de antiguidade, de «retribuição base e antiguidade».

Na fixação do número de dias são tomados em consideração o valor da retribuição base, que é um dado objetivo, e o grau de ilicitude da conduta do empregador, a ponderar no momento da decisão em função dos elementos que a permitem valorar.

A ilicitude exprime a desconformidade da conduta do empregador com os valores protegidos decorrendo da maior ou menor intensidade da lesão dos direitos dos trabalhadores afetados.

De acordo com o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 129.º do Código do Trabalho é proibido ao empregador «diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação coletiva do trabalho».

Consagra este dispositivo o direito à irredutibilidade da retribuição, limitada hoje «às hipóteses contempladas no Código (nomeadamente, artigo 120.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 164.º “…”, todos casos de regresso a funções anteriormente exercidas pelo trabalhador) e nos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (…) os quais podem, neste contexto, admitir esquemas de redução».[6]

 

Por outro lado, decorre do artigo 127.º, n.º 1, alínea b) do Código do Trabalho que o empregador tem o dever de «pagar pontualmente a retribuição, que deve ser justa e adequada ao trabalho».

 

Nas palavras de LEAL AMADO, «a falta de pagamento pontual da retribuição, perfila-se, na economia do art. 394.º do CT, como justa causa subjetiva (n.º 2 al. a)), quer como justa causa objetiva de demissão (n.º 2 al. c)), consoante exista ou não culpa do empregador no incumprimento. A este propósito, importa no entanto, não olvidar que: i) a culpa do empregador presume-se, ao abrigo do disposto no art. 799.º, n.º 1 do C Civil, nos termos do qual “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua; ii) a mora patronal que se prolongue pelo período de sessenta dias implica que a falta de pagamento pontual da retribuição se considere culposa “…”, (n.º 5 do artigo 394)»[7].

Importa, contudo, que se tenha presente que se a culpa no incumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador se presume, nos termos da referida norma do Código Civil, essa presunção incide apenas sobre esse pressuposto do direito à resolução do contrato de trabalho, não tendo qualquer reflexo sobre a distribuição do ónus da prova, no que se refere ao pressuposto daquele direito relativo à inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho, que se encontra sujeito aos princípios gerais decorrentes do artigo 342.º do Código Civil.

Incumbe deste modo ao trabalhador que pretenda ver declarada judicialmente a licitude da resolução do contrato de trabalho, por sua iniciativa, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho, alegar e provar os factos dos quais se possa concluir que não lhe é exigível a manutenção da relação de trabalho no quadro derivado da lesão dos direitos que é invocada como fundamento dessa resolução.

Acresce que dada a dimensão de vetores relevantes para o preenchimento do aludido pressuposto do direito à resolução (inexigibilidade) e a sua natureza indeterminada, faz sentido que o trabalhador, antes de avançar para a comunicação da resolução do contrato ao empregador, nos termos do n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, e sem prejuízo do prazo ali fixado, para além do mais, pondere a comunicação ao empregador da ilegitimidade da situação criada e da necessidade/possibilidade da sua superação, sem rutura do contrato.

 

Importa neste cenário ter em consideração que as partes, nos termos do n.º 1 do artigo 126.º do Código do Trabalho, estão vinculadas a um dever de boa fé recíproco, «no exercício dos seus direitos e no cumprimento dos seus deveres», dever este que é uma das bases em que assenta a relação de trabalho subordinado e que pode dar corpo a esta preocupação de superação de litígio inerente à lesão dos direitos do trabalhador sem rutura do contrato[8].

A atitude do empregador face a tal comunicação é seguramente um dos elementos de relevo na ponderação do preenchimento do pressuposto inexigibilidade da resolução do contrato.

 Voltemos ao caso dos autos.


IV

1 – Decorre da matéria de facto dada como provada que no âmbito da relação de trabalho de que deriva o litígio que constitui o objeto do presente processo, a Ré decidiu atribuir uma viatura automóvel para uso pessoal, viatura que foi entregue ao Autor em 27 de outubro de 2005.

Do mesmo modo resulta da matéria de facto dada como provada que «Todas as despesas associadas ao uso e manutenção da mesma viatura, inclusivamente as de via verde de viagens pessoais do Autor, eram suportadas ou estavam a cargo da Ré, à exceção do combustível para uso pessoal», que «O Autor estava autorizado a usar o veículo irrestritamente, para além do horário de trabalho, nomeadamente aos fins de semana, feriados e férias, como nos dias úteis, fora do horário de trabalho» e que «O Autor passou a utilizar a viatura que lhe foi atribuída pela Ré de forma regular e reiterada, quer para uso profissional, quer para uso pessoal, suportando esta as despesas associadas à utilização da mesma, com exceção do combustível para uso pessoal».

Flui igualmente da matéria de facto dada como provada que «O veículo inicialmente atribuído foi substituído por um outro em 25 de março de 2010, tendo o autor passado a utilizar esta viatura nos termos em que utilizou a anterior.

Consta igualmente da matéria de facto dada como provada que «A partir do ano 2012, a Ré, para além das despesas que já suportava, atribuiu ao Autor um plafond de 1.500,00 €/ano para combustível para uso não profissional e via verde para uso não profissional» e que «No ano de 2014 a Ré numa medida geral, implementada pelo Grupo BB decidiu aumentar o prazo de cada atribuição de viatura aos colaboradores, de 4 para 5 anos, ajustando também o valor final de aquisição por estes de 10% para 5%».

Resulta também da matéria de facto dada como provada, que a Ré alterou a sua política relativamente à disponibilização de viaturas e comunicou ao autor que nos termos dessa alteração, deixaria de ter direito à mesma.

Na sequência dessa comunicação prévia, a ré em 8 de fevereiro de 2016, comunicou ao Autor que deixava de lhe atribuir o uso de viatura automóvel a partir de 1 de abril de 2016, bem como os direitos derivados ao plafond de combustível e via verde de estacionamento e notificou-o para «proceder à entrega até ao próximo dia 31 de março, da viatura - caso não opte pela respetiva aquisição, no prazo e condições que lhe serão comunicadas, identificador de via verde e cartões de combustível e de estacionamento, que tenha em seu poder».

Decorre também da matéria de facto dada como provada que «Perante a retirada da viatura, classificada pela ré como "rendimentos em espécie" o Autor resolveu o contrato de trabalho, invocando justa causa, por comunicação que enviou à Ré em 07 de abril de 2016, com efeitos a partir de 09 de junho de 2016». O autor invoca nessa comunicação como fundamento da resolução do contrato, a cessação, «a partir de abril de 2016, (…) [d]o benefício de viatura de uso pessoal, que me está atribuído desde 2005, por decisão unilateral da empresa».

Consta ainda da matéria de facto dada como provada que «o Autor era um técnico altamente especializado que exercia funções no EE, desde 1/11/98, entidade que cedeu a sua posição à ora Ré, em 2/11/99» e que «em 1 de abril de 2000, decidiu admitir o Autor nos seus quadros» e que «por força da aludida cessão da posição contratual, a relação de trabalho do Autor retroage a l/l1/98, sendo certo, como decorre do contrato de trabalho junto, com a categoria de Quadro Superior Licenciado».

Resulta também do acervo factual provado que «a categoria de Consultor Sénior só foi implementada a partir de 2011, com o novo Modelo de Carreiras do Grupo BB» e que «era, e é, a categoria mais qualificada», «dado que nela estão integrados todos os empregados do Grupo BB a quem estejam cometidas responsabilidades de chefia ou coordenação departamental e desempenhem funções de elevada complexidade, nos vários domínios de atividade».

Extrai-se também desse acervo que «no caso do Autor, no âmbito da engenharia de sistemas de telecomunicações, vital para o negócio do Grupo BB», e que «Devido à relevância das funções desempenhadas pelo Autor, que a Comissão Executiva da Ré, decidiu atribuir ao Autor, bem como aos outros trabalhadores identificados no documento que se junta, uma viatura para uso pessoal».

Finalmente, flui da matéria de facto dada como provada que no âmbito da nova política de atribuição de viaturas esta foi «restringida a quem ocupava funções de chefia departamental de nível 1 e 2, que não era o caso do Autor» e que «Tendo o Grupo BB e a Ré concedido a todos os trabalhadores que não desempenhavam esse tipo de funções e consoante os casos, poder optar a partir do dia 1 de abril de 2016, por uma de três hipóteses, entregar a viatura, assumir as rendas em divida até ao final do contrato, outorgando cessão da posição contratual com o locador ou pagar esse valor até ao dia 25 de março» e que «Neste caso, como já havia terminado o ALD, o Autor optou por pagar o valor residual», sendo que «A partir do dia 1 de abril de 2016 cessaram os outros benefícios associados à atribuição da sua viatura, no caso o plafond do cartão galp frota.»

Este, em síntese, o cenário que deriva da matéria de facto dada como provada.

2 - Está em causa saber se a privação do uso de veículo automóvel decidida pela Ré e de que o Autor beneficiava integra, nas circunstâncias dos autos, os pressupostos da justa causa para a resolução do contrato.

A decisão recorrida respondeu negativamente a esta questão, considerando, conforme acima se referiu, que o Autor não provou a dimensão económica efetiva da redução de rendimentos que aquela privação acarretava e também nada teria provado relativamente ao reflexo da perda daquele direito sobre a sua situação económica e familiar.

Concluiu-se no sentido de que não se provou que tal privação «tenha causado grave lesão dos interesses patrimoniais do A., nem gerado uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral».

Referiu-se que o «A. alegou, mas não provou que tenha ficado privado de uma componente da sua retribuição que representava cerca de 50% da mesma e nada mais alegou, nomeadamente, factos que a provarem-se demonstrassem que as consequências, para si advindas por ter ficado privado daquela componente da sua retribuição, analisadas à luz do entendimento de um "bonus pater familias" tornavam inexigível para o mesmo a manutenção do seu vínculo laboral.»

Deu-se deste modo razão à Ré que entendia que «só a grave lesão dos interesses patrimoniais do trabalhador justificam a resolução do contrato de trabalho e o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à resolução do contrato, impendem exclusivamente sobre ele».

É efetivamente verdade que o Autor não provou qual era o valor económico do uso da viatura para fins pessoais que a Ré lhe prestava e também é verdade que, a falta desse elemento condiciona a projeção da redução de retribuição na situação económica do Autor e no reflexo da mesma na resposta à questão da inexigibilidade de manutenção da relação de trabalho.

Com efeito, o Autor não provou efetivamente o valor retributivo global do uso da viatura que lhe era prestado pela Ré, sendo certo que provou que a Ré «para além das despesas que já suportava, atribuiu ao Autor um plafond € 1.500,00/ano para combustível para uso não profissional e via verde para uso não profissional».

Decorre também da matéria de facto dada como provada que o Autor tinha na data da resolução do contrato a retribuição base de € 2.215,19.

Deste modo, mau grado o Autor tenha provado que usava a viatura para fins não profissionais, de forma irrestrita, tal como decorre do ponto n.º 6 da matéria de facto dada como provada, não quantificou em termos monetários o valor desse uso da viatura.

Permitem os elementos decorrentes da matéria de facto dada como provada dar como preenchidos os pressupostos do direito à resolução do contrato de trabalho invocado pelo Autor?

Não está em causa a natureza retributiva desse direito, a lesão do direito à retribuição do Autor, nem o carácter culposo da atuação da Ré.

Com efeito, independentemente da presunção de culpa que Ré não ilidiu, é líquida a ilicitude da sua atuação (violação de deveres inerentes à relação de trabalho).

O que está efetivamente em causa é saber se face à lesão dos seus direitos era inexigível para o Autor a manutenção da relação de trabalho.

A Ré assume que o Autor é um profissional de grande nível, que tem uma área de especialização que era estratégica para a Ré e que foi esse facto determinante na atribuição do direito ao uso da viatura.

Por outro lado, a Ré atribui o uso da viatura ao Autor, em 27 de outubro de 2005, já na pendência do contrato, sendo evidente a intenção de reforçar os laços do Autor com a empresa, numa altura de expansão do negócio das telecomunicações.

Essa atribuição, independentemente da componente remuneratória que lhe está associada, (o uso particular da viatura) tem uma clara intenção profissional potenciando melhores deslocações do Autor entre casa e o trabalho, para além das deslocações em serviço que aquele tivesse necessidade de efetuar.

O simples uso da viatura completa-se com as demais dimensões que se articulam com esse direito, nomeadamente, as portagens e o plafond de combustíveis, para além das despesas de manutenção do veículo.

Além disso, é estrutural na definição do conteúdo deste direito a renovação da viatura, no termo do período do ALD, com a possibilidade de adquirir a viatura por preços atrativos, quando comparados com o valor de mercado.

Por outro lado, ao contrário do que se afirma na decisão recorrida, não é verdade que a privação do uso não tenha reflexos sobre as condições em que o Autor prestava o seu trabalho porque optou por adquirir a viatura que lhe estava atribuída.

A verdade é que a aquisição da viatura era articulada com a atribuição de veículo novo, sendo certo que o uso da viatura anteriormente atribuída passa a ter implícitos a atribuição ao Autor dos custos da manutenção, não desprezíveis dada a idade da viatura, além dos custos de combustível e de portagens que anteriormente seriam assumidos pela Ré relativamente a um veículo novo.

Tal com acima se referiu, o Autor ao usar a viatura adquirida na sua vida privada, assume dos custos inerentes a esse uso, nomeadamente, os de manutenção.

Uma coisa é certa, o uso da viatura adquirida, seja nas deslocações para o seu local de trabalho, seja nas deslocações pessoais, passa a ser um encargo assumido pelo Autor ao contrário do que se passava anteriormente.

A verdade, contudo, é que tendo o veículo em causa uma dimensão de uso pessoal, para além da profissional, e é apenas a diminuição retributiva que está em causa, o Autor não provou o reflexo em termos económicos da falta da viatura na sua situação económica e familiar, nomeadamente, que permita aferir a relação entre o valor desse uso e a retribuição global que auferia.

O valor de uso da viatura, seja na sua componente remuneratória ou não, surge desse modo como uma das componentes da situação remuneratória do trabalhador que é afetada pela privação desse direito, sendo relevante para aferir da gravidade dessas alterações na ponderação da existência ou inexistência de fundamento válido para a resolução do contrato.

Acresce que o Tribunal está limitado pelos elementos decorrentes da matéria de facto dada como provada para ajuizar se se mostra preenchido o elemento inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho.

Face a esses elementos é líquido que o Autor não provou o valor da redução da retribuição efetivamente sofrida, não tendo fornecido ao Tribunal elementos que permitam afirmar que não lhe era tolerável a manutenção da relação de trabalho naquela situação, o que lhe incumbia, nos termos do artigo 342.º do Código Civil.

Por outro lado, perante uma situação de redução do valor da retribuição que lhe era devida, o Autor avançou de imediato para a resolução do contrato, sem qualquer contacto prévio com a empregadora, em ordem à recuperação do valor da retribuição perdido, ou à superação da lesão dos seus direitos por outro modo como decorria do supra referido dever de boa fé recíproco.

Não se mostra pois demonstrado que o Autor tenha resolvido o contrato com justa causa, nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão do n.º 4 do artigo 394.º do mesmo código.

Impõe-se, pois, a confirmação da decisão recorrida.

3 – O Tribunal da Relação não conheceu, por as ter considerado prejudicadas, das questões que eram suscitadas pela aqui recorrida no recurso de apelação que interpôs, nas seguintes conclusões:

«15. Mas mesmo que assim ainda se não entenda, o que se admite por mera hipótese académica, afigura-se que a indemnização por antiguidade, tendo em conta a percentagem de redução da retribuição e o facto de ser resultado de uma decisão coletiva e generalizada e que não se aplicou apenas ao Autor, deveria ser fixada em 15 dias da retribuição base.

16. De todo o modo e mesmo que a ação não seja julgada improcedente, jamais a Ré poderia ser condenada na obrigação do pagamento de juros, por não terem sido pedidos e tratar-se de matéria na disponibilidade das partes.»

O decidido no âmbito da presente revista prejudica igualmente o conhecimento daquelas questões, no âmbito do presente recurso nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do citado Código, pelo que não se conhece das mesmas.


V

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista pelo Autor.

A Ré suportará as custas do incidente a que deu causa, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) unidades de conta.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 4 de julho de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Vieira Gomes

Ribeiro Cardoso

_________________________
[1] Na sentença proferida em 1.ª instância não existe o ponto n.º 7.
[2] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 644.
[3] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[4] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2016, 6.ª Edição, p.p. 942 e 943.
[5] Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2011, p. 446.
[6] PEDRO ROMANO MARTINEZ E OUTROS, Código do Trabalho Anotado, Almedina 8.ª Edição, 2009, p.p. 364 e 365.
[7] Obra citada, p. 445.
[8] Para uma abordagem da conformação deste dever, cfr. JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais Laborais, Coimbra Editora, 2007, p.p. 1051 e ss.