Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
340/21.5T8STR-A.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUIS ESPÍRITO SANTO
Descritores: OFENSA DO CASO JULGADO
ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
ARRESTO
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
EXTINÇÃO
EXCEÇÃO DILATÓRIA
Data do Acordão: 03/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA PROCEDENTE.
Sumário :

I – Havendo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em Conferência, abrangido no seu âmbito e alcance o primeiro segmento do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021, que se reportava à questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada (revogada nesse aresto), o que fez anulando integralmente tal acórdão do Tribunal da Relação, o agora acórdão recorrido violou o caso julgado ao abster-se de se pronunciar sobre essa matéria com o erróneo fundamento de que o Supremo Tribunal de Justiça a havia confirmado.

II – É o que resulta aliás da constatação de que a questão jurídica essencial referente ao impedimento legal à instauração do procedimento cautelar, por força do denominado efeito stand still previsto no artigo 17º-E, nºs 1 e 10, do CIRE, que constitui precisamente a excepção dilatória inominada em debate - e que foi expressamente impugnada pela requerida na sua revista (com base na previsão do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil) -, não ter sido, até ao momento, objecto de qualquer pronúncia por parte do Supremo Tribunal de Justiça, o que aconteceu devido à anulação integral do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 que havia apreciado e decidido essa concreta matéria.

III – Assim sendo, os autos serão imediatamente remetidos ao Tribunal da Relação de Évora para a apreciação, além do mais, da referida questão jurídica (extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada que resulta da aplicação do disposto no artigo 17ºE, nº 1 e 10, do CIRE), cujo conhecimento foi indevidamente omitido.

Decisão Texto Integral:


Processo nº 340/21.5T8STR.E1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.

AA moveu o presente procedimento cautelar de arresto contra But Fashion Solutions, SA - Comércio e Indústria de Artigos em Peixe, SA..

Após a produção da prova testemunhal arrolada pelo requerente, foi proferida decisão pelo tribunal recorrido, em 3 de Dezembro de 2020, que julgou procedente o procedimento cautelar e, consequentemente, decretou o arresto dos bens acima identificados.

Após a sua efectivação, a requerida foi citada.

Veio então deduzir oposição, arguindo a nulidade de todo o processado por ineptidão do requerimento inicial.

Mais impugnou os factos alegados, sustentando que está a cumprir o plano especial de revitalização e que o crédito que o requerente invoca foi reclamado pela Caixa Geral de Depósitos no PER e ali reconhecido (estando a requerida a cumprir o plano homologado)

Mais referiu que o valor do prédio arrestado é suficiente para garantir o crédito do requerente.

Foi proferida pelo Juízo Central Cível de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, em 17 de Fevereiro de 2021, decisão que julgou «extinta a providência cautelar» e, consequentemente, ordenou o levantamento do arresto dos bens da requerida.

Esta decisão fundou-se na circunstância de existir impedimento legal à instauração do procedimento cautelar, por força do denominado efeito stand still, previsto no artigo 17º-E, nºs 1 e 10, do CIRE, o que constitui uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que dá lugar à extinção da instância.

Interpôs o requerente do procedimento cautelar recurso de apelação, no qual, para além do mais invocou que:

“A mera homologação de um PER não é fator extintivo ou impeditivo do crédito do recorrente não o impedindo de lançar mão dos indispensáveis meios de conservação da garantia patrimonial, não havendo, pois, razão para se Julgar extinta a presente providência de arresto.

As limitações decorrentes do artigo 17.B-E/1 do CIRE não se aplicam ao caso sub judice, já que vigoram apenas entre a data em que é proferido o despacho que nomeia o administrador judicial provisório e a data do trânsito em julgado da decisão que homologa o plano de recuperação”

Por acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021, foi decidido julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida na parte em que declarou a extinção do procedimento cautelar e ordenou o levantamento do arresto decretado, mantendo-se a decisão que decretou o arresto, datada de 3 de Dezembro de 2020.

Referiu-se neste aresto que:

“concluímos que o direito de regresso que o recorrente pretende exercer não está sujeito a cláusula do plano de recuperação que difere no tempo a exigibilidade dos créditos reclamados, não sendo afetado pelo plano de recuperação homologado judicialmente, o que lhe permite acionar judicialmente a devedora e sem estar sujeito às alterações sofridas na obrigação que garantiu com avales”.

Ou seja, considerou-se nesse aresto que o crédito do avalista (requerente do procedimento cautelar) constituiu-se em data posterior à abertura do PER, pelo que não pode ser atingido pelo disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.

A requerida no procedimento cautelar But Fashion Solutions, SA - Comércio e Indústria de Artigos em Peixe, SA.. recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil, tendo ainda arguido a nulidade do acórdão recorrido.

Conhecendo da arguição de nulidade, foi proferido, em Conferência, acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 17 de Junho de 2021, no qual considerou-se verificada a nulidade do acórdão proferido em 15 de Abril de 2021, decidindo-se que “declaram a nulidade do acórdão proferido em 15 de Abril de 2021, na parte em que manteve a decisão do tribunal recorrido que decretou o arresto, datada de 3 de dezembro de 2020, substituindo-se, em conformidade, aquele segmento da fundamentação e do dispositivo do acórdão por outro que ordena a remessa dos autos à primeira instância, para prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar”.

Ou seja, manteve-se apenas a parte em que fora revogada a declaração de extinção do procedimento cautelar de arresto, com fundamento no disposto no artigo 17ºE, nºs 1 e 10, do CIRE.

Admitido o recurso de revista, foi proferida decisão singular pelo Exmo Sr. Conselheiro relator, datada de 2 de Setembro de 2021, na qual se decidiu “(…) a baixa dos autos à 1ª instância”.

Esta decisão singular veio a ser mantida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em Conferência, datada de 24 de Fevereiro de 2022, não obstante a reclamação apresentada.

Remetidos os autos à 1ª instância, foi proferida nova sentença, datada de 20 de Maio de 2022, na qual foi decidido julgar improcedente, por não provado, o presente procedimento cautelar de arresto e, em consequência, absolver a requerida do pedido e determinar o levantamento do arresto e a entrega à requerida da conta de depósito a ordem n.e ...7 do Banco BPI, da conta de depósito à ordem n.s PT ...4 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL e o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 1230.2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.s 1345/20011009.

Interposto novo recurso de apelação pelo requerente do procedimento cautelar de arresto, foi proferido pelo Tribunal da Relação de Évora acórdão, datado de 25 de Setembro de 2022, no qual foi decidido julgar procedente a apelação e, consequentemente, julgar verificados os pressupostos de facto e de direito para o decretamento do arresto sobre os bens indicados pelo requerente/apelante no seu requerimento inicial, mantendo o arresto decretado pela primeira instância na sua sentença de 3 de Dezembro de 2020.

Veio a But Fashion Solutions, SA - Comércio e Indústria de Artigos em Peixe, SA., requerida no procedimento cautelar, interpor recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 25 de Setembro de 2022, ora acórdão recorrido, apresentando as seguintes conclusões:

I - QUESTÃO PRÉVIA. A DECISÃO É NULA NOS TERMOS DO ART. 615° N° 1 AL. B) e AL. C), EX VI DO ARTIGO 666°, AMBOS DO CPC

A. O douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora padece de nulidade nos termos do disposto no artigo 615° n° 1, alíneas b) e c) do CPC, porquanto contém obscuridades que afectam a inteligibilidade de parte da decisão e não se encontra devidamente fundamentado, não permitindo a perceção total das razões de facto de direito da decisão judicial.

B. Não explica o douto acórdão recorrido em que medida é que entende que o direito de crédito do Recorrido não é abrangido pelo PER, não esclarecendo quais os fundamentos de facto e de direito na origem de tal entendimento

C. A abrangência (ou não) do direito de crédito do Recorrido pelo PER da Recorrente é a questão central no âmbito dos presentes autos, tendo sido também central no âmbito do recurso interposto pelo ora Recorrido.

D. Tal vazio de motivação não só torna essa parte do aresto ininteligível, porquanto não se compreende qual a motivação de facto e de direito na origem de tal entendimento, como prejudica todo o exercício do contraditório da Recorrente nos presentes autos (cfr. douto acórdão do Venerando Supremo Tribunal de Justiça proferido aos 9 de Dezembro de 2021, no âmbito do processo nD 7129/18.7T8BRG.G1.S1)

E. A perceção plena dos fundamentos na origem de tal entendimento é condição essencial para que a Recorrente possa rebater a totalidade dos argumentos de facto e de direito que suportaram no caso em apreço a decisão de preenchimento dos pressupostos do arresto.

F. Ao concluir peia verificação do pressuposto de perda da garantia patrimonial também com base no entendimento de que "o crédito do requerente é de montante elevado e não se percebe o que pretendeu o tribunal a quo significar com a afirmação "o requerente dispõe da garantia que lhe è dada no âmbito do PER” pois que o direito de crédito do requerente não é por ele abrangido" sem ter indicado os fundamentos de facto e de direito que o sustentam, o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora violou o direito da Recorrente a um processo justo e equitativo e ao exercício pleno do seu contraditório.

G Não pode a Recorrente aceitar tal ausência de explicação factual e de direito, que constitui uma nulidade por falta de fundamentação nos termos do disposto no artigo 615°, n° 1, alínea b), CPC.

H. Impossibilitando ainda o entendimento do raciocínio seguido no aresto, o que constitui uma nulidade por obscuridade nos termos do disposto no artigo 615°, n° 1, alínea c), CPC.

I. Por todo o exposto, terá de se concluir peia nulidade do douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, nos termos do disposto no artigo 615° n" 1 ai. b) e ai. c) ex vi do artigo 666" CPC, porquanto contém obscuridades que afetam a inteligibilidade de parte da decisão e não se encontra devidamente fundamentado, não permitindo a perceção total das razões de facto e de direito da decisão judicial.

II -ADMISSIBILIDADE DO PRESENTE RECURSO

J. O mui douto acórdão recorrido é suscetivel de recurso nos lermos do disposto no artigo 629° n° 2, alínea d) CPC.

K. O douto Acórdão da Relação de Évora decidiu pelo preenchimento dos requisitos para decretamento do arresto, considerando preenchido o justo receio de perda da garantia patrimonial, nomeadamente por entender que o direito de crédito do ora Recorrido não está abrangido pelo PER da Recorrente, pelo que não dispõe da garantia que lhe seria dada no âmbito do mesmo.

L. Do que resulta que o Venerando Tribunal da Relação de Évora considera inaplicável ao processo especial de revitalização o artigo 217° n° 4 do CIRE.

M. Tal entendimento entra em manifesta oposição com o douto Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n° 1066/19.5T8VFX.L1-1, aos 28/04/2020, e com o douto Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo n° 9499/15.0T8CBR.C1, aos 06/07/2016 (cfr. documentos n° 1 e 2).

N. Trata-se de acórdãos que decidem, no âmbito da mesma legislação e da mesma questão fundamental de direito - aplicabilidade do artigo 217° n° 4 ao Processo Especial de Revitalização, em sentido oposto ao entendimento sufragado pelo douto acórdão de que ora se recorre.

O. Pelo que tal contradição jurisprudencial, sem que tenha sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência que clarifique e se posicione quanto à divergência em questão, fundamenta a admissibilidade do presente recurso de revista, nos termos do disposto no artigo 629° n° 2, alínea d) CPC.

V - ALEGAÇÕES. O MUI DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO VIOLOU O DISPOSTO NO ARTIGO 217° N°4 DO CIRE E 391° DO CPC

P. Julgando como julgou, o Venerando Tribunal da Relação de Évora incorreu numa errada interpretação da lei e do direito, violando o disposto no artigo 217° nº 4 do CIRE e artigo 391° do CPC.

Q. Não resultam provados nos presentes autos factos de onde emerja que se mostram preenchidos os requisitos necessários para que fosse julgado procedente o presente arresto.

R. Com relevância para o que se propugna, vejam-se os factos provados 6, 13 e 14, 22 e 27, 20 a 30 da douta sentença de 20/05/2022.

S. O Recorrido é um terceiro garante, acionado por um credor da Recorrente, cujo crédito foi incluído no plano de recuperação da Recorrente, que foi negociado, aprovado e homologado, já com esse crédito incluído, e que se encontra em execução e em cumprimento.

T. Estando a credora Caixa Geral de Depósitos vinculada ao PER da Recorrente, também o Recorrido, enquanto avalista que satisfez a obrigação após a aprovação do PER, está vinculado a este plano, nos termos do disposto no artigo 217." n° 4 doCIRE.

U. O artigo 217° nº 4 do CIRE é aplicável ao Processo Especial de Revitalização.

V. Atendendo à finalidade última comum a estes dois tipos de processos - satisfação dos credores, o legislador não só não afastou a aplicabilidade subsidiária do regime previsto para o Processo de insolvência, como a intencionou e previu nas disposições legais relativas ao PER (cfr. artigo 17° - F do CIRE).

W. Considerando a clara admissibilidade da aplicação subsidiária do regime do Processo de Insolvência ao PER, a inexistência de um artigo no capítulo do CIRE aplicável ao PER que disponha sobre os efeitos dos PER relativamente aos terceiros garantes acionados por credores da devedora, admite a convocação do artigo previsto no Processo de Insolvência para estas situações - o artigo 217° nº 4 do CIRE.

X. Nesse sentido, veja-se o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n° 414/13.6TYLSB.L1.S1, aos 25/11/2014, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n° 5332/15.0T8ALM-A.L1-6, datado de 24/09/2020, o douto acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n° 1066/19.5T8VFX.L1-1, aos 28/04/2020, o douto Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo n° 9499/15.0T8CBR.C1, aos 06/07/2016.

Y. Muito mal andou o Venerando Tribunal da Relação de Évora ao recusar, ignorando o espírito da lei, a aplicação do artigo 217°, n° 4 do CIRE ao Processo Especial de Revitalização e, em consequência, ao considerar a não abrangência do direito de crédito do Recorrido pelo PER da Recorrente. Z. Sendo o artigo 217° n° 4 do CIRE aplicável ao PER, o Recorrido apenas pode agir contra a Recorrente, em via de regresso, nos termos em que a CGD poderia ter exercido contra a Recorrente os seus direitos.

AA. A CGD estava vinculada ao PER da Recorrida, subsistindo tal vinculação por todo o tempo em que o plano de revitalização da Recorrente se mantiver em execução e cumprimento e impedindo o Recorrido de instaurar qualquer ação, ou procedimento cautelar contra a Recorrente, com vista ã cobrança da dívida.

BB. Não se encontra preenchido o requisito da probabilidade séria da existência do direito, porquanto estando o PER da Recorrente em execução e em cumprimento, o Recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 217° n° 4 do CIRE, está vinculado aos termos do mesmo.

CC. Contrariamente ao que concluiu o Venerando Tribunal da Relação de Évora, inexiste qualquer fundado receio de perda de garantia do crédito que possa sustentar o preenchimento do requisito periculum in mora, igualmente exigível para o decretamento da presente providência.

DD. Com relevância para o que se propugna, vejam-se os factos provados 18 a 19, e 28 da douta sentença de 20/05/2022, bem como o entendimento da douta sentença quanto a tais factos e respetiva fundamentação.

EE. A alienação das marcas C... e M... não é fundamento para a verificação de um justo receio de perda de garantia patrimonial dos credores da Recorrente.

FF. O que a Recorrente se comprometeu a fazer no seu PER, e que tem feito, foi apenas a explorar as marcas C..., M..., A..., U... e S..., quer no mercado de distribuição nacional e internacional, quer nas suas lojas

GG. A Recorrente mantém os direitos de exploração das marcas, mantendo os rendimentos resultantes da sua comercialização e que lhe possibilitam o cumprimento do PER.

HH. Caso a alienação das marcas pudesse significar uma perda patrimonial significativa para a Recorrente, com a consequente perda de garantia patrimonial dos seus credores, nunca tal seria possibilitado no âmbito do PER aprovado e homologado da Recorrente - e é.

II. Está provado nos autos que os armazéns da Recorrente não oferecem qualquer rentabilidade, representando apenas uma fonte de custos, que é dispensável atendendo ao novo modelo de vendas da empresa.

JJ. Colocar à venda os imóveis é a decisão correia do ponto de vista da gestão e recuperação económica da Recorrente e em nada prejudica as linhas estratégicas definidas no PER, aliviando antes os custos e a divida da Recorrente, na qual se inclui o crédito do Recorrido.

KK. Todos os atos praticados pela Recorrente - nomeadamente a alienação das referidas marcas e o anúncio de venda dos imóveis - foram e são praticados no interesse dos seus credores e da recuperação da empresa, e sempre vinculados ao cumprimento e execução do seu PER.

LL. Caso a venda dos imóveis pudesse significar uma perda de garantia patrimonial intolerável para os credores da Recorrente, nunca tal seria possibilitado no âmbito do PER aprovado e homologado da Recorrente - e é.

MM. Tratando-se da execução de um PER, o incumprimento do mesmo e consequente perda do benefício do prazo está especificamente regulado no artigo 218° do CIRE, nele estando expressamente determinadas as únicas possibilidades de a moratória prevista no plano de recuperação ficar sem efeito - e nenhuma delas se verifica no caso.

NN. Estando o crédito do Recorrido abrangido pelo PER da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 217° n° 4 do CIRE (conforme já supra se concluiu), e estando este a ser rigorosamente cumprido, inexiste fundado receio de perda de garantia desse crédito.

00. Ao decidir conforme decidiu, violou o mui douto acórdão recorrido o disposto no artigo 217° n" 4 do CIRE e o artigo 391° do CPC.

PP. O mui douto acórdão recorrido entendeu que o direito de crédito do ora Recorrido não está abrangido pelo PER da Recorrente, pelo que não dispõe da garantia que lhe seria dada no âmbito do mesmo, considerando inaplicável ao processo especial de revitalização o artigo 217° n°4 do CIRE.

OQ. O douto Acórdão da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n° 1066/19.5T8VFX.L1-1, aos 28/04/2020, e o douto Acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo n° 9499/15.0T8CBR.C1, aos 06/07/2016, consideraram aplicável ao processo especial de revitalização o artigo 217" n° 4 do CIRE.

RR. Tais acórdãos encontram-se, assim, em oposição ao mui douto acórdão recorrido.

SS. Por todo o supra exposto, deve ser firmada jurisprudência no sentido de que é aplicável ao PER conforme o disposto no artigo 217° n° 4 do CIRE.

TT. Devendo, em consequência, o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, e revogado o mui douto acórdão recorrido, que deverá ser substituído por outro, que decida pela aplicação do artigo 217° n° 4 ao PER, e peja consequente extinção do presente procedimento cautelar e levantamento do arresto decretado, por não se verificarem os requisitos necessários para que se decrete o arresto dos bens da Recorrente.

II – FACTOS PROVADOS.

Os indicados no RELATÓRIO supra.

III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.

Caso julgado constituído pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em Conferência de 24 de Fevereiro de 2022 quanto à declaração de nulidade (integral) abrangendo o segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 que considerou não existir fundamento para a extinção do procedimento cautelar (reportando-se portanto à verificação da excepção dilatória inominada relacionada com abrangência (ou não) do direito de crédito do Recorrido pelo PER da Recorrente e pela aplicação do artigo 17º-E, nº 1 e 10, do CIRE). Do seu não acatamento pelo acórdão recorrido. Ofensa de caso julgado.

Resumidamente pode descrever-se da seguinte forma a (relativamente complexa) tramitação processual nos presentes autos:

Foi requerido procedimento cautelar de arresto contra a ora recorrente, que foi deferido.

Contudo, a decisão de 1ª instância considerou, após apresentação de oposição ao arresto decretado, extinta a providência cautelar e, consequentemente, ordenou o levantamento do arresto dos bens da requerida.

Interposto recurso de apelação por parte do requerente do arresto, o Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021 julgou-o procedente, revogando a decisão recorrida na parte em que declarou a extinção do procedimento cautelar e ordenou o levantamento do arresto decretado, mantendo-se a decisão que decretou o arresto, datada de 3 de Dezembro de 2020.

Ou seja, fez soçobrar autonomamente a parte em que a requerida do procedimento cautelar invocara o fundamento para a extinção do processo com base no efeito stand still, previsto no artigo 17º, nº 1 e 10, do CIRE.

Veio então a ora recorrente (requerida no procedimento cautelar) interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, fundada em oposição de julgados nos termos do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil (na parte respeitante à extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação da dita excepção dilatória inominada).

Simultaneamente arguiu a nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.

De seguida, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão, em Conferência, no qual, conhecendo da arguição de nulidade, julgou-a procedente e declarou a nulidade do acórdão proferido em 15 de Abril de 2021, na parte em que manteve a decisão do tribunal recorrido que decretou o arresto, datada de 3 de dezembro de 2020, substituindo-se, em conformidade, aquele segmento da fundamentação e do dispositivo do acórdão por outro que ordena a remessa dos autos à primeira instância, para prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar.

Manteve, não obstante, o segmento do acórdão em que se considerou não existir fundamento para a extinção do procedimento cautelar, por verificação da excepção dilatória inominada.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, foi proferido pelo Conselheiro relator despacho singular no qual, face à declarada nulidade do acórdão da Relação, entendeu não ter este Supremo Tribunal que enveredar na apreciação do mérito ou demérito da revista interposta -, mas apenas determinar, como se determinou, o cumprimento do ordenado pela Relação que decidiu pela baixa dos autos para os apontados efeitos.

Reclamou a requerida do arresto (aí recorrente) da decisão singular para a Conferência, nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil.

Foi proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em Conferência, acórdão no qual se manteve a decisão singular reclamada.

Fundamentou-se tal manutenção da decisão reclamada nas seguintes razões essenciais:

“Perante o decidido, parece evidente que tornou sem interesse o prosseguimento da revista, pois o que está em causa, na sequência da verificação daquela nulidade do acórdão, é a apreciação do mérito ou demérito (a apreciação dos respectivos pressupostos) do requerido arresto, o que só será decidido após o ordenado “prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar”. Assim, não faz qualquer sentido procurar decompor-se o acórdão da Relação no seu segmento decisório, por nenhum efeito útil se nos afigurar ter. Em conferência, a Relação decidiu declarar nulo o acórdão que proferira em 15.04.2021. E, obviamente, que tal decisão afecta, irremediavelmente, o todo (o cerne) da providência requerida: manutenção/decretamento, ou não, do arresto requerido. Efectivamente, quando a conferência, ao anular o anterior acórdão, decidiu substituir a anterior decisão de 15.04.2021 por outra a ordenar a remessa dos autos à primeira instância, para prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar”, está, naturalmente, a substituir in integrum o decidido naquele anterior acórdão: ao substituir o acórdão na parte em que manteve a decisão da 1ª instância que decretou o arresto (a propalada 2ª parte do segmento dispositivo), obviamente que está também a dizer que se não mantém a...1ª parte do mesmo dispositivo (que revogou a decisão da 1ª instância que declarou a extinção do procedimento cautelar e ordenou o levantamento do arresto). Se assim não fosse, teríamos, na decisão da Relação, dois segmentos do dispositivo antagónicos: um (por via da declaração de nulidade) a revogar a decisão que manteve o arresto; outro a revogar a ordem de levantamento do arresto! Não pode ser. O que está, repete-se, em causa nesta providência cautelar é o decretamento, ou não, do arresto, tal como peticionado: foi pedido o decretamento do arresto das apontadas contas de depósito à ordem e prédio urbano da requerida/ora recorrente. E quanto a isso – e é isto, repete-se, o que verdadeiramente interessa na economia da providência requerida – a decisão da Relação, por via da procedência daquela nulidade suscitada pela Recorrente, foi clara: a sua anterior decisão que havia mantido a decisão da 1ª instância que decretara o arresto é substituída pela ordem de remessa dos autos à 1ª instância para prosseguirem com produção de prova (a fim de se aferir se a primeira decisão da 1ª instância, que decretou o arresto, deve, ou não, manter-se”.

Regressados os autos à 1ª instância, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente o presente procedimento cautelar de arresto e, em consequência, absolveu a requerida do pedido e determinou o levantamento do arresto e a entrega à requerida da conta de depósito a ordem n.e ...7 do Banco BPI, da conta de depósito à ordem n.s PT ...4 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL e o prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 1230.2 e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.s 1345/20011009.

Interposto novamente, pelo requerente do procedimento cautelar de arresto, novo recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, foi proferido acórdão que julgou procedente a apelação e, consequentemente, verificados os pressupostos de facto e de direito para o decretamento do arresto sobre os bens indicados pelo requerente/apelante no seu requerimento inicial, mantendo o arresto decretado pela primeira instância na sua sentença de 3 de Dezembro de 2020.

Concretamente quanto à questão da extinção do procedimento cautelar decidida na primeira decisão de 1ª instância, afirmou-se neste aresto do Tribunal da Relação de Évora:

“Violação de caso julgado:

O tribunal recorrido, após a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição, julgou improcedente, por não provado, o procedimento cautelar e, em consequência: (I) absolveu a requerida do pedido; e (ii) determinou o levantamento do arresto que havia sido anteriormente decretado (por sentença proferida em 03.12.2020) bem como a entrega à requerida/apelada da conta de depósito à ordem nº ...7 do Banco BPI, da conta de depósito à ordem n.s PT ...4 da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., CRL e do prédio urbano sito em ..., freguesia de ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo 1230.e e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 1345/20011009.

No presente recurso o apelante/requerente do procedimento cautelar defende que esta decisão do tribunal a quo padece de nulidade porquanto «não só vai mais além do que lhe era delimitado pelo acórdão da RE de 17.06.2021, como acaba por provocar uma insólita situação de que, quanto ao direito, um tribunal de primeira instância revoga a decisão de um tribunal superior» (sic).

E, desenvolvendo, afirma: «o acórdão da RE de 16.04.2021, em relação ao primeiro requisito de que depende a concessão da providência (fumus boní iuris) constitui caso julgado parcial, não podendo, par isso, ser sindicado pelo tribunal de primeira instância» e «a baixa do processo à primeira instância, na sequência do provimento da reclamação da requerida ficou delimitada ao julgamento da oposição da recorrida quanto ao periculum in mora». Conclui o recorrente dizendo que «a decisão recorrida, na parte em que aprecia o direito tido por ameaçado é, pois, ilegal ou nula, por ofender o caso julgado, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 152.º/1, 613.º/1, 620.º/1, 621 e 665.S/1 e 2 todos do Cód. Proc. CMI».

Na perspetiva do apelante a sentença sob recurso é nula na parte em que aprecia o "direito tido por ameaçado" porquanto «o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.04.2021 constitui, em relação ao fumus boni iuris, questão julgada, com força de caso julgado parcial, não podendo ser sindicado pelo tribunal de primeira instância».

A apelada contrapõe que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.06,2021 ao decidir pela nulidade do acórdão de 15.04.2021 «reporta-se à totalidade do seu conteúdo e decisão».

Vejamos.

Para a decisão da questão que nos ocupa impõe-se revisitarmos não apenas o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 17/06/2021 - que transitou em julgado - como também o acórdão proferido por este tribunal de segunda instância em 15 de abril de 2021.

A. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 15.04.2021. No aresto em questão o tribunal de segunda instância:

1. Revogou a decisão proferida pelo tribunal da 1ª Instância proferida em 17.02.2021 que havia declarado a extinção do procedimento cautelar por verificação de uma exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso; e

2. Declarou a manutenção do arresto que fora decretado pela primeira instância mediante decisão de 03.12.2020.

Abre-se aqui um parêntesis para explicar que a decisão revogada pelo Tribunal da Relação referida em l) havia sido proferida na sequência da apresentação de oposição pela requerida ao arresto decretado pelo julgador da primeira Instância.

Consta da fundamentação da decisão do tribunal de primeira instância datada de 17.02.2021 o seguinte trecho: «no caso vertente acha-se indiciariamente demonstrado que o acordo obtido no âmbito do PER relativo à requerida foi homologado por sentença que transitou em julgado em 7 de outubro de 2019 e que até 2024 está em curso o plano de reembolso da divida da requerida. Ora, acompanhando o acórdão da RL, de 20.12.2018, diremos que o despacho proferido nos termos do disposto no art.17ºE, nº1, do CIRE, obsta à instauração de qualquer procedimento cautelar de arresto, sendo "em termas processuais, esse obstáculo corresponde à impossibilidade originária da lide", Trata-se de uma verdadeira exceção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que, quando detetada na fase liminar do processo dá lugar ao indeferimento liminar do requerimento inicial e nesta fase processual dá lugar a extinção da instância. A extinção do procedimento cautelar tem como consequência o levantamento do arresto com a consequente entrega dos bens arrestados à requerida»» (sfc) (negritos e sublinhados nossos).

B. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 17.06.2021

Na sequência da arguição, em sede de recurso de revista, da nulidade do acórdão de 15.04.2021, por excesso de pronúncia, o Tribunal ad quem, em conferência, proferiu o acórdão de 17.06.2021, no qual julgando verificada a nulidade do acórdão proferido em 15 de Abril de 2021 arguida pela requerida «na parte em que manteve a decisão do tribunal recorrido que decretou o arresto, datada de 03.12.2020» ordenou, consequentemente, a remessa dos autos à primeira Instância «a fim de se produzir a prova arrolada pela requerida na sua oposição ao procedimento de arresto», após o trânsito em julgado da sua decisão.

Ou seja, no acórdão em apreço, proferido em conferência, o tribunal manteve incólume o segmento decisório do seu acórdão de 15.04.2021 na parte em que aquele revogou a decisão proferida em 17/02/2021 pela 1ª instância que tinha declarado a extinção do procedimento cautelar por verificação de uma exceção dilatória inominada.

E porque em sede de oposição ao arresto a requerida havia impugnado o preenchimento dos requisitos do arresto e arrolado prova, o Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 17.06.2021 ordenou o retorno dos autos à primeira instância para que fosse produzida a prova arrolada pela requerida em sede de oposição.

Impõe-se destacar que a apelada/requerida também assim Interpretou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 17/06/2021 como o revela o seguinte trecho do recurso de revista que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça: «assim sendo, em virtude da aludida nulidade e consequente substituição, do douto acórdão recorrido passou a constar a seguinte decisão: "julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida na parte em que declarou a extinção do procedimento cautelar e ordenou o levantamento do arresto decretado" e "ordena a remessa dos autos à primeira instância para prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar (...) «Ou seja, pese embora a nulidade declarada relativamente ao segundo segmento decisório e a nova redação do mesmo, o primeiro segmento mantém-se na íntegra” (sic) (negritos nossos).

Não tem, portanto, razão a apelada quando sustenta que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.06.2021 ao decidir pela nulidade do acórdão de 15.04.2021 «reporta-se à totalidade do seu conteúdo e decisão».

De facto, a nulidade que o tribunal de segunda instância conheceu e que declarou no acórdão de 17 de junho de 2021 reporta-se apenas ao segmento decisório do acórdão prolatado em 15 de abril de 2021 que manteve o arresto decretado pela primeira instância (e não também à parte revogatória da decisão de extinção do procedimento cautelar por verificação de uma exceção dilatória Inominada). E a revogação deste segundo segmento do acórdão implicava que os autos retornassem à primeira instância para que a requerida pudesse produzir a prova por si arrolada em sede de oposição ao arresto, como se ordenou,

Aqui chegados, cumpre destacar que o acórdão do Tribunal da Relação de Évora prolatado em 15.04.2021 no segmento em que julgou não se verificar a exceção dilatória inominada invocada pelo tribunal de primeira instância e que, consequentemente, revogou.

Nesta sua decisão, o tribunal de primeira instância não chegara, portanto, a conhecer da verificação, em concreto, dos requisitos do arresto.

A decisão do tribunal de primeira Instância de extinção do procedimento cautelar, não foi revogada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Logo, transitou em julgado.

Quando a decisão transita em julgado, forma-se caso julgado (artºs. 628 e seg. do CPC).

É consabido que existe caso julgado formal e caso julgado material.

O caso julgado formal traduz a força obrigatória dentro do processo (art. 620.e, n.e 1, do CPC) e pode recair sobre qualquer decisão de forma ou de fundo, interlocutória ou final; o caso julgado material consiste na força obrigatória dentro e fora do processo e só incide sobre decisões que conheçam do mérito da causa (art. 619.2, n.a 1, do CPC).

É igualmente consabido que as decisões proferidas numa ação pendente se incidem sobre aspetos processuais são decisões de forma e se apreciam, no todo ou em algum dos seus elementos, a procedência ou improcedência da ação, são decisões de mérito. Como já assinalámos, as decisões de mérito são, em princípio, as únicas que são suscetíveis de adquirir a eficácia de caso julgado material.

O caso julgado realiza dois efeitos: um efeito negativo, na medida em que nenhum tribunal - inclusive portanto aquele que proferiu a decisão - pode voltar a pronunciar-se sobre a decisão proferida; e um efeito positivo que resulta da vinculação do tribunal que proferiu a decisão e, eventualmente, de outros tribunais, ao que nela foi definido ou estabelecido -Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, LEX, Lisboa 1997, p, 572.

Pese embora as premissas de facto e de direito da decisão transitada em julgado quando consideradas de forma isolada e separadas da decisão não sejam abrangidas peia força de caso julgado, o facto é que a decisão também não vale autonomizada do(s) seu(s) fundamentos. Isto é, «não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o coso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão)) - Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit, pp. 578-579.

«(...) a vinculação à decisão é sempre uma vinculação à decisão no contexto do seu fundamento. Isto significa que, sempre que se invoque uma decisão em juízo, o tribunal perante o qual essa decisão é invocada está vinculado nSo só à decisão, mas também aos seus fundamentos que constituem antecedentes lógicos e indispensáveis à sua emissão» - João de Castro Mendes/Miguel Teixeira de Sousa,

Mas, note-se, por outro lado, que os fundamentos da decisão considerados em si mesmos, ou seja, se desligados da respetiva decisão não adquirem valor de caso julgado.

Voltemos de novo ao acórdão proferido por este tribunal ad quem em 15.04.2021.

Ali se julgou que não se verificava a exceção dilatória inominada na qual o tribunal de primeira instância fundara «a extinção da providência cautelar de arresto», ordenando, em conformidade, o levantamento do aresto e a entrega à requerida dos bens que haviam sido arrestados. E, em conformidade, revogou-se no referido acórdão aquela decisão. No acórdão de 15.04.2021, o tribunal de segunda instância não decidiu do mérito do procedimento cautelar pois não analisou se estavam preenchidos os requisitos do arresto, mas decidiu, tão só, que o requerente do procedimento cautelar não estava impedido de acionar judicialmente a requerida pelo facto de existir um plano de recuperação da requerida, homologado judicialmente, e no qual a Caixa Geral de Depósitos reclamou e viu reconhecido o crédito que o requerente da providência cautelar pretende ver garantido e satisfeito, crédito esse que nasceu na sua esfera jurídica por efeito do pagamento que efetuou àquela instituição bancária por força da sua qualidade de avalista em operações de crédito realizadas entre a requerida/apelada e a CGD. Ou seja, a decisão do tribunal de segunda instância incidiu sobre um aspeto processual da causa e não sobre o mérito da causa, decidiu se o requerente do procedimento cautelar tinha um direito de ação, se tinha o direito de demandar a devedora para garantia e satisfação do crédito que se arrogava.

É ilustrativo desta afirmação o seguinte trecho da fundamentação do acórdão prolatado em 15.04.2021 «um sujeito cujo crédito se haja constituído depois da abertura do PER não pode ser impedido de fazer valer os seus direitos num qualquer processo judicial, sob pena de colisão com o direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais consagrado no art. 20º da Constituição da República (...) os efeitos do piano de recuperação acordado e homologado têm de circunscrever-se aos créditos dos sujeitos que tiveram a oportunidade de participar nas negociações e votar o plano, pois sujeitar credores que não puderam participar no PER, por razões não imputáveis à sua vontade, designadamente porque os créditos respetivos só se constituíram posteriormente ao momento de abertura do PER, implicaria uma violação do princípio da tutela jurisdicional efetlva consagrado no art. 20.º, n,e 4 da CR (...)».

Também ali se consignou que «O requerente/recorrente garantiu através de avales cambiários o cumprimento dos mútuos outorgados entre a requerida/recorrida e a CGD e pagou à CGD uma parte da divida que a segunda tinha para com aquela (...). No plano das relações externas com o credor garantido, o avalista é solidariamente responsável pelo pagamento da divida (...). Nas obrigações solidárias o direito de regresso não consubstancia uma sub-rogação legal ou outra forma de transmissão do crédito; ao invés, trata-se de um direito de crédito autónomo que nasce na titularidade do devedor solidário após o cumprimento (...). Ao pagar, o avalista adquire o direito de regresso que o art. 49.e da LULL reconhece a qualquer obrigado de garantia que pague a letra. Destarte, o direito de regresso do avalista nasce na esfera jurídica daquele por força e no momento em que o pagamento é efetuado. In casu, o pagamento realizado pelo recorrente ocorreu em 21 de setembro de 2020, logo em data posterior à abertura do PER. Consequentemente, e em face do exposto supra, o plano de recuperação homologado não impede o requerente/recorrente de instaurar ações com vista à salvaguarda e satisfação do seu crédito e não vincula o ora recorrente na medida em que este nõo teve a oportunidade de participar nas negociações do plano de recuperação porque o seu direito ainda não estava constituído no momento da abertura do PER» (negritos e sublinhados nossos).

Naquele mesmo acórdão o tribunal ad quem afastou a aplicação do disposto no art. 217º, nº 4, do CIRE, concretamente aplicação do segundo segmento do preceito ao processo de revitalização no sentido de o direito de regresso dos condevedores e terceiros garantes ter de ser medido pelo direito do credor sobre o devedor e, consequentemente, concluiu que o direito de regresso que o recorrente pretendia exercer não está sujeito à cláusula do plano de recuperação que difere no tempo a exigibilidade dos créditos reclamados, não sendo afetado pelo plano de recuperação homologado judicialmente, o que lhe permitia accionar judicialmente a devedora e sem estar sujeito às alterações sofridas na obrigação que garantiu com avales.

Como supra assinalámos, aquele segmento decisório do tribunal ad quem transitou em Julgado, E porque incidiu sobre um aspeto processual da ação cautelar, aquela decisão adquiriu eficácia de caso julgado formal.

Na sentença objeto do PRESENTE recurso, proferida em 20.05.2022, o tribunal recorrido julgou improcedente, por não provado, o procedimento cautelar e, em consequência, absolveu a requerida do pedido e determinou o levantamento do arresto e a entrega à requerida dos bens arrestados, O tribunal de primeira instância tendo analisado os requisitos do arresto, concluiu que os mesmos não estavam preenchidos; conheceu, pois, do mérito do procedimento cautelar. Para ilustrar esta afirmação transcreve-se o seguinte trecho da fundamentação da sentença recorrida; «não se mostra verificado a existência de um crédito que se tenha constituído depois da abertura do PER, nem se vislumbra a existência por parte do requerente de um justificado receio de perder a garantia patrimonial do seu crédito» (sic).

Estamos assim perante duas decisões de natureza diversa; no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15.04.2021 foi proferida uma decisão sobre uma questão processual, qual seja a de saber se o requerente podia accionar judicialmente, como accionou, a empresa avalizada, com vista à salvaguarda e satisfação do seu crédito, sem estar sujeito às restrições constantes do plano de recuperação aprovado; na sentença sob recurso foi proferida uma decisão de mérito que apreciou o preenchimento dos requisitos do arresto. Naturalmente que não se olvida que na fundamentação de direito da decisão recorrida o julgador a quo refere que «a existência de um PER aprovado e em execução no qual o crédito do requerente está contemplado não lhe permite acionar a sua cobrança autonomamente», o que, sem dívida, contraria a posição assumida no acórdão da Relação de Évora de 15.04.2021. Porém, como assinalámos supra, os fundamentos de direito considerados em si mesmos, isto é, desligados da respetiva decisão não adquirem valor de caso julgado e, no caso, o julgador de primeira instância ao emitir aquele juízo não o fez numa perspetiva de verificação dos pressupostos processuais da ação, mas antes numa perspetiva de análise dos requisitos do procedimento cautelar de arresto. Ou seja, a invocação pelo julgador a quo da existência de um PER no qual o crédito que o requerente pretende ver salvaguardado foi reclamado pela Caixa Geral de Depósitos e foi ali reconhecido, bem como do art. 17.-F, n.9 11, do CIRE - norma legal que também invocou - faz parte da fundamentação jurídica que conduziu aquele julgador a julgar improcedente o procedimento cautelar por falta de verificação dos requisitos do arresto, ou seja fundamenta uma decisão de mérito.

Por conseguinte, julgamos não se verificar a violação de caso julgado formal.

Improcede, pois, este segmento do recurso”.

Interpôs agora a requerida no procedimento cautelar de arresto recurso de revista contra este acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil (convolado oficiosamente para o disposto no artigo 629º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil, no âmbito da reclamação prevista no artigo 643º do Código de Processo Civil, apreciada e decidida por este Supremo Tribunal de Justiça).

Simultaneamente, a recorrente arguiu a nulidade desse acórdão.

Em Conferência, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão, datado de 24 de Novembro de 2022, em que considerou não se verificarem as nulidades arguidas pela recorrente.

Feita esta resenha da tramitação processual, verificamos que a questão jurídica essencial que se mostra decisiva para a apreciação da revista prende-se com o âmbito e alcance do decidido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022, no qual se ordenou a remessa dos autos à 1ª instância, considerando-se prejudicado o conhecimento do mérito do recurso interposto ao abrigo do disposto no artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil.

Segundo o acórdão recorrido, o aresto do Supremo Tribunal de Justiça, lavrado em Conferência, não abrangeu o decidido no primeiro segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021, que se reportava à questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada, determinada pela aplicação do disposto no artigo 17º-E, nº 1 e 10, do CIRE (revogada nesse aresto).

Logo, tal decisão havia transitado em julgado, não tendo a mesma, por esse motivo, sido apreciada e decidida no acórdão recorrido.

No entendimento do recorrente, tal acórdão do Supremo Tribunal de Justiça reportou-se à integralidade do decidido no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021, que considerou inteiramente anulado, o que integrou no seu âmbito a anulação quanto à questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada.

Logo, ao não abordar essa mesma temática, foi o acórdão recorrido que incorreu em violação do caso julgado formal (a anulação da totalidade do decidido no acórdão de 15 de Abril de 2021 obrigava ao conhecimento – em 1ª e 2ª instância – da questão controvertida respeitante à extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada).

Ora, está assim indiscutivelmente em causa uma questão relativa à eventual violação do caso julgado (formal) – concretamente o âmbito e alcance do decidido no acórdão, em Conferência, do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022, alegadamente por parte do acórdão recorrido.

Apreciando:

Assiste naturalmente razão à recorrente.

Com efeito, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022, proferido em Conferência, abrangeu efectivamente, no seu âmbito e alcance, o primeiro segmento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Abril de 2021, que se reportava à questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada (revogada nesse aresto), ao anular integralmente o acórdão recorrido, conforme dele expressamente consta.

Basta atentar com a devida atenção no seguinte excerto desse mesmo acórdão:

“ (…) não faz qualquer sentido procurar decompor-se o acórdão da Relação no seu segmento decisório, por nenhum efeito útil se nos afigurar ter. Em conferência, a Relação decidiu declarar nulo o acórdão que proferira em 15.04.2021. E, obviamente, que tal decisão afecta, irremediavelmente, o todo (o cerne) da providência requerida: manutenção/decretamento, ou não, do arresto requerido. Efectivamente, quando a conferência, ao anular o anterior acórdão, decidiu substituir a anterior decisão de 15.04.2021 por outra a ordenar a remessa dos autos à primeira instância, para prosseguimento dos autos com a produção da prova arrolada pela requerida em sede de oposição ao procedimento cautelar”, está, naturalmente, a substituir in integrum o decidido naquele anterior acórdão: ao substituir o acórdão na parte em que manteve a decisão da 1ª instância que decretou o arresto (a propalada 2ª parte do segmento dispositivo), obviamente que está também a dizer que se não mantém a...1ª parte do mesmo dispositivo (que revogou a decisão da 1ª instância que declarou a extinção do procedimento cautelar e ordenou o levantamento do arresto). Se assim não fosse, teríamos, na decisão da Relação, dois segmentos do dispositivo antagónicos: um (por via da declaração de nulidade) a revogar a decisão que manteve o arresto; outro a revogar a ordem de levantamento do arresto! Não pode ser. O que está, repete-se, em causa nesta providência cautelar é o decretamento, ou não, do arresto, tal como peticionado: foi pedido o decretamento do arresto das apontadas contas de depósito à ordem e prédio urbano da requerida/ora recorrente. E quanto a isso – e é isto, repete-se, o que verdadeiramente interessa na economia da providência requerida – a decisão da Relação, por via da procedência daquela nulidade suscitada pela Recorrente, foi clara: a sua anterior decisão que havia mantido a decisão da 1ª instância que decretara o arresto é substituída pela ordem de remessa dos autos à 1ª instância para prosseguirem com produção de prova (a fim de se aferir se a primeira decisão da 1ª instância, que decretou o arresto, deve, ou não, manter-se”.

Assim sendo, o acórdão recorrido violou o caso julgado ao abster-se de se pronunciar (por pretensa constituição de caso julgado) sobre matéria – em concreto, sobre a questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada - que, segundo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2022, fora por este anulada (na sua integralidade), com o erróneo fundamento de que o mesmo Supremo Tribunal de Justiça a havia confirmado (não procedendo à anulação do decidido nesse específico segmento, como efectivamente fez).

Para demonstrar o que se afirma basta verificar que a questão jurídica essencial referente à impedimento legal à instauração do procedimento cautelar, por força do denominado efeito stand still, previsto no artigo 17º-E, nºs 1 e 10, do CIRE, que constitui excepção dilatória inominada em debate, de conhecimento oficioso, dando lugar à extinção da instância, foi expressamente impugnada pela requerida na sua revista (com base na previsão do artigo 629º, nº 2, alínea d), do Código de Processo Civil) e não foi, até ao momento, objecto de qualquer pronúncia por parte do Supremo Tribunal de Justiça, o que aconteceu precisamente devido à anulação integral do acórdão do Tribunal da Relação de Évora que também havia apreciado e decidido essa concreta matéria.

Logo, os autos serão imediatamente remetidos ao Tribunal da Relação de Évora para a apreciação, para além do restante, dessa questão jurídica (fundamento para a extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada, com fundamento na aplicação do disposto no artigo 17ºE, nº 1 e 10, do CIRE), cujo conhecimento fora indevidamente omitido.

IV – DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) conceder provimento à revista, ordenando a anulação do acórdão recorrido, que deverá conhecer, para além do restante, da questão jurídica suscitada pela recorrente, ou seja, da questão da extinção do procedimento cautelar de arresto por verificação de excepção dilatória inominada, por aplicação do disposto no artigo 17º-E, nºs 1 e 10, do CIRE.

Custas pela recorrida.

Lisboa, 15 de Março de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro

V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.