Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
327/22.0T8OBR.P1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE CONFIANÇA COM VISTA À FUTURA ADOÇÃO
LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PRÍNCIPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA ATUALIDADE
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I - A intervenção ao abrigo da Lei n. º 147/99, de 01-09, LPCJP justifica-se nos termos definidos no art. 3.º deste diploma legal, ou seja nas situações em que uma criança ou jovem se encontrem numa situação de perigo. Encontra-se em perigo a criança ou o jovem nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

II - A intervenção das instituições e do tribunal para acautelar ou eliminar a situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem deve ser pautada pelos princípios orientadores previstos no art. 4.º da LPCJP, o interesse superior da criança e do jovem; o respeito pela privacidade; a intervenção deverá ocorrer de forma precoce e mínima; a atuação deverá ser proporcional e atual, reservando-se ao estritamente necessário; com vista a que os pais assumam as suas responsabilidades parentais bem como pela manutenção dos laços familiares e com respeito pela continuidade das relações afetivas; a criança deve ser ouvida e a participar no seu projeto de vida, sendo sempre informadas bem como os pais; e a atuação das instituições deverá ser subsidiária e gradual.

III - A confiança judicial tem como primeira finalidade a defesa da criança, evitando o protelamento da indefinição da sua condição perante os pais biológicos, já que torna desnecessário o consentimento destes, podendo, assim, o seu processo de integração numa nova família decorrer com mais serenidade e sem prejudiciais incertezas para a sua adoção. Confiança judicial que se enraíza na consciência da criança necessitar, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, competindo à sociedade, na falta de tal relação e na ausência de familiares próximos que a possam suprir, tomar com urgência as medidas adequadas a proporcionar à criança em risco uma relação substitutiva.

Decisão Texto Integral:
             

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório


1. O Ministério Público instaurou processo de promoção e proteção, em benefício e na defesa do interesse de AA, nascida a .../.../2019, filha de BB e de CC.

2. No mesmo dia, foi proferido despacho a aplicar à criança uma medida provisória de promoção e proteção de acolhimento residencial pelo período de seis meses.

3. Após terem sido ouvidos os progenitores da criança e a Sra. Técnica da Segurança Social nos termos do disposto no artigo 107.º, n.ºs 1 e 2, da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, foi declarada encerrada a instrução e realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção nos termos do disposto no artigo 112.º do mesmo diploma legal.

4. Não foi obtido o acordo de promoção e proteção, por discordância com a medida proposta pela Segurança Social e pelo Ministério Público - a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção - foi dado cumprimento ao disposto no artigo 114.º, n.º1, da LPCJP, mas somente a progenitora da criança apresentou, tempestivamente, alegações e prova.

5. Teve lugar debate judicial, com intervenção de juízes sociais.

6. Por acórdão proferido no Tribunal de 1.ª instância, em 28 de setembro de 2022, decidiu-se:

- aplicar à criança AA a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g) e 38.º-A, da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento ... da Santa Casa da Misericórdia ...” e nomear, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 62.º-A, n.º 3, da LPCJP, como curadora provisória da criança a Sra. Directora Técnica de tal instituição;

- declarar cessadas as visitas à criança por parte da sua família biológica (artigo 62.º-A, n.º 6, da LPCJP);

- declarar CC e BB inibidos do exercício das responsabilidades parentais da filha (artigo 1978.º-A, do Código Civil);

- determinar que o presente processo tenha, a partir de agora, natureza secreta por forma a salvaguardar a identidade da pessoa a quem a criança venha a ser confiada.

7. Inconformada com esta decisão, a progenitora interpôs recurso de apelação.

8. O Tribunal da Relação do Porto veio a julgar “a apelação improcedente, mantendo-se as medidas decretadas.”

9. Novamente inconformada, a progenitora veio interpor recurso de revista excecional, recurso de revista que foi admitido pela Formação de Juízes a que alude o n.º3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1.ª Verifica-se erro, por parte do Tribunal a quo, na interpretação e aplicação das normas jurídicas e princípios aplicáveis ao caso constantes dos artigos 1978.º, n.º1, alíneas d) e e) do Código Civil.

2.ª O tribunal a quo violou o princípio do interesse superior da criança e do jovem, consagrado na alínea a) do art.º 4 da LPCJP; o princípio da proporcionalidade e da actualidade, consagrado na alínea e) do art.º 4 da LPCJP; o princípio da responsabilidade parental, consagrado na alínea f) do art.º 4 da LPCJP; o princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, consagrado na alínea g) do art.º 4 da LPCJP; o princípio da prevalência da família, consagrado na alínea h) do art.º 4 da LPCJP; o princípio da adopção como ultima ratio de todas as medidas consagradas no art.º 35 da LPCJP; o disposto na 1ª parte da alínea d) do n.º 1, do art.º 615º do Cód. Proc. Civil.

3.ª Atendendo à situação factual e às consequências impactantes e irreversíveis da decisão, uma criança que é retirada aos seus pais, para ser confiada a uma instituição com vista a futura adopção, é uma questão com grande relevância jurídica e os interesses em apreço revestem particular relevância social, devendo, assim, considerar-se verificados os requisitos constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do C.P.C..

4.ª Tal relevância jurídica implica que esteja em causa uma questão de manifesta importância, que é o caso, com efeitos incontornáveis e significativa repercussão na vida dos intervenientes, que exige uma melhor aplicação do Direito.

5.ª Tem sido decidido, no que concerne ao critério vertido na alínea b), que o “pressuposto de admissibilidade da al. b) do n.º 1 do art. 672.º do CPC fica preenchido quando a resolução do pleito pode interagir com comportamentos sociais relevantes, como é o caso da adoção – cfr. Acórdão do STJ, de 15-02-2018, Processo n.º 17/14.8T8FAR.E1.S1.

6.ª Pelo que se encontram preenchidos os pressupostos formais exigidos para o conhecimento e apreciação do presente recurso como revista excecional.

7.ª A medida de confiança a instituição com vista à adoção é a ultima ratio de proteção das crianças, atenta a violência decorrente de um corte radical dos laços afectivos com os progenitores.

8.ª A aplicação da medida de confiança com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva de qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 1978.º do CC, nomeadamente, se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança (alínea d).

9.ª Atenta a prova constante dos autos, parece-nos longe a necessidade absoluta desta medida.

10.ª À cabeça dos princípios orientadores elencados no art.º 4.º da LPCJP surge-nos “o interesse superior da criança”, como critério básico e fulcral que deverá nortear qualquer decisão relativa às crianças ou jovens. A intervenção deve, assim, atender prioritariamente, aos interesses e direitos da criança, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas.

11.ª No mesmo sentido, a Convenção sobre os Direitos da Criança (Nova Iorque, 26-01-1990, ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90) art.º 3.º n.º 1).

12.ª Outro critério orientador patente no artigo 4º LPCJP é a proporcionalidade da medida.

13.ª Deve ser ainda respeitado o primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ou seja, a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (alínea g).

14.ª Ora entende-se que a medida aplicada, viola todos os princípios orientadores citados, desde logo porque não estamos perante qualquer uma das situações elencadas no artigo 1978º do Código Civil.

15.ª A aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção – art. 35º, alínea g) da LPCJP - pressupõe que se encontrem seriamente comprometidos os vínculos próprios da filiação, mercê da verificação objetiva das situações que enuncia.

16.ª Estamos no caso concreto perante qualquer uma destas situações? Entendemos que não. E muito menos no que tange à progenitora.

17.ª Conforme resultou do depoimento da Directora Técnica da Instituição em sede de debate judicial, nos últimos tempos verificou-se um maior investimento por parte da progenitora na sua relação com a menor.

18.ª Desse mesmo depoimento resultou igualmente que, do investimento feito pela progenitora, houve uma evolução positiva na relação entre a aquela e a criança, ao ponto da menor já tratar a progenitora por “mamã” e a sua irmã por “mana”.

19.ª Contrariamente ao que o Tribunal a quo defende, a progenitora nunca deixou de priorizar a sua filha, sendo reconhecido, por quem a acompanha diariamente, um investimento, ao longo do tempo, que se traduziu numa evolução positiva na relação com a menor, em contraponto com a análise, remota, feita pela técnica da segurança social que, incompreensivelmente, nem se deslocou à instituição para assistir a uma única visita da Recorrente à filha, de forma a poder aferir, in loco, a relação existente entre ambas.

20.ª Não o tendo feito, não pôde constatar a evolução que se se verificou na relação mãe/filha, sendo que, actualmente, a menor reconhece a Recorrente como “mãe”/figura maternal e a irmã DD como “mana”, numa manifestação evidente da intensificação dos laços familiares entre as três.

21.ª Sendo que, actualmente, a menor AA demonstra maior interesse e preferência pela progenitora e pela sua irmã do que pelas educadoras da instituição.

22.ª Está em causa o superior interesse da criança, a menor tem uma mãe e uma irmã mais velha que a amam e que com ela querem viver, tal como ela merece residir no seio da família biológica.

23.ª A progenitora gosta da filha e manifestou, ao longo do processo, o seu interesse, sendo essas manifestações de afeto e amor reconhecidas e retribuídas pela mesma.

24.ª Concluir pela adoção, sem ser concedida uma oportunidade da criança voltar para casa, ainda que com medidas de apoio à família, é uma violência atroz, salvo opinião contrária, inequivocamente desnecessária e desproporcional.

25.ª Ademais, não se encontra preenchida a situação tipificada na alínea d) que ocorre quando os pais, por ação ou omissão, ou manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, põem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, não sendo igualmente aplicável ao caso a alínea e).

26.ª A AA tem o direito a que lhe seja dada a possibilidade de viver com a sua mãe e com a sua irmã, direito esse, que lhe foi retirado aos dois meses de idade quando, de forma injustificada e incompreensível, o progenitor, na sequência de uma discussão entre o casal, interrompeu o sono da criança, retirou-a da sua cama e levou-a para o posto da GNR, sem que, em algum momento, a segurança da criança estivesse em risco.

27.ª Ao decidir-se pela medida de confiança da criança a uma instituição com vista a futura adopção, ao invés da medida de confiança criança à progenitora, ainda que mediante a aplicação da medida de acolhimento junto da progenitora, prevista nos arts. 35.º, n.º 1, al. a) e 39.º da LPCJP, o Tribunal a quo violou claramente o princípio jurídico de que a adopção será sempre a última ratio.

28.ª Sem esquecer que essa decisão poderá marcar negativamente a criança para toda a vida, sendo incerto se a mesma será, alguma vez, adoptada, não se podendo excluir a possibilidade desta decisão a “castigar”, ainda que inadvertidamente, com uma infância/adolescência passada numa instituição, ademais tendo em conta os problemas de saúde de que padece que serão sempre um obstáculo óbvio à concretização dessa adopção e que poderão contribuir, caso seja adoptada, para que venha a ser devolvida a uma instituição, como se de um objecto se trate, como infelizmente acaba por acontecer em tantas situações.

29.ª O que é extremamente atroz, na situação desta criança que, tem uma mãe e uma irmã que reconhece como tais e que tanto se desejam reciprocamente.

30.ª Pelo que, é de todo imperioso que se possibilite a esta criança a possibilidade de ser feliz junto da sua mãe.

31.ª Razão pela qual, deverá ser revogado o acórdão proferido pelo Tribunal a quo, devendo o mesmo ser substituído por decisão que determine a entrega da menor ao cuidado da progenitora.

32.ª Por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que o Tribunal a quo não se pronunciou, sequer, acerca do carácter de última ratio da adopção, matéria que foi alegada pela recorrente e que é fulcral na ponderação da decisão de um processo desta natureza.

33.ª De acordo com a 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Cód. Proc. Civil, a sentença é nula quando o Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.

34.ª Pelo que, no modesto entendimento da recorrente, não tendo o Tribunal a quo se pronunciado acerca do carácter de ultima ratio da adopção, o douto acórdão proferido enferma de nulidade.

E conclui: “Deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, proferindo na decisão que aplique uma medida de acolhimento junto da Mãe ainda que mediante regime de prova.

Caso assim não se entenda, deve o douto acórdão recorrido ser declarado nulo, nos termos do disposto na 1ª parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615º do Cód. proc. Civil”.

10. Não houve contra-alegações.

11. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito (considerando que os poderes deste STJ se mostram limitados à sindicância do juízo de legalidade) às seguintes questões:

- da nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil (conclusões 32.ª a 34.ª);

- do erro de julgamento na aplicação dos critérios legais ínsitos nos artigos 1978.º, n.º 1, als. d) e e), do Código Civil, 4.º, als. a), e), f), g) e h), da LPCJP do CC, e 35.º da LPCJP.

III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. AA nasceu a .../.../2019 e é filha de CC e de BB.

1.2. A menina nasceu prematura às 33 semanas, necessitou de reanimação com IPPV com recuperação aos 10 minutos e esteve internada durante 15 dias no serviço de neonatologia do Hospital ..., na companhia da mãe.

1.3. A criança foi sinalizada à CPCJ ..., a 8 de Dezembro de 2019 pela GNR, porquanto, “(…) no horário compreendido entre as 00h00 e as 08h00 do dia 08 de Dezembro de 2019, deslocou-se até este posto a denunciante (progenitora da criança) (…) que se encontrava com um comportamento alterado a gritar que tinha sido agredida pelo seu companheiro e que o mesmo ao tentar agredir esta, atingiu com as unhas a menor. O seu companheiro apareceu de imediato com a filha de ambos ao colo, causando um confronto verbal aceso, trocando acusações com a Sra. BB a acusar o seu companheiro de lhe bater. (…) De seguida e após verificar algumas escoriações em todos os intervenientes, incluindo a criança, este militar fez contacto via 112 para accionar os bombeiros para se deslocarem até este posto. (…) Os bombeiros iniciaram a deslocação com a menor e a mãe para o Hospital com a presença do EE no interior da ambulância. Chegada ao Hospital pelas 02h35. Posto isto o Sr. CC manteve-se neste Posto, enquanto este militar elaborava o respectivo expediente e informou este que se encontrava acompanhado pela sua companheira e pela sua filha no café/bar B..., sito na Avenida ..., pelas 01h00 e que a sua companheira já se encontrava embriagada. Tendo informado que a mesma quando consome bebidas alcoólicas tende a alterar o seu comportamento e que hoje o agrediu, causando uma escoriação no pescoço. Mais informa que durante as agressões este tinha a sua filha ao colo, que acabou por ser atingida na face. Foram efectuados através do aparelho qualitativo Drager, testes de álcool aos pais da menor, para verificar se os mesmos possuíam álcool, tendo a Sra. BB acusado uma TAS de 0,45g/l e o sr. CC um TAS de 0,67g/l”.

1.4. Aquando do exame médico objectivo efectuado à criança no Serviço de Urgência, a mesma não apresentava lesões traumáticas visíveis, excepto pequena escoriação no nariz e foi decidido o internamento até decisão da CPCJ.

1.5. No dia 9 de Dezembro de 2019, a progenitora da criança relatou à CPCJ ... que no Sábado estivera em casa de uma amiga onde bebeu duas cervejas e que voltou para casa e o companheiro já estava alterado, que começaram a discutir e o mesmo saiu de casa e foi para o café e depois telefonou-lhe para ir ter com ele, o que fez, local onde beberam mais umas cervejas.

1.6. Mais relatou que voltaram a casa e começaram novamente a discutir e que tinha a bebé ao colo e quando o companheiro lhe deu uma bofetada, ela perdeu o controlo e não se lembrar quem acabou por agredir a bebé no colo.

1.7. Mais relatou que a discussão teve início porque o companheiro lhe disse para ir para casa por volta das 17 horas e quando ele chegou do trabalho começou a implicar consigo e ela foi para o quarto com a bebé perguntando-lhe se não podia ter amigos.

1.8. Esclareceu que a bebé era alimentada já só com suplemento.

1.9. Afirmou ainda que já nesse dia e no dia anterior havia falado com o companheiro.

1.10. Os progenitores da criança conheceram-se em ..., onde eram amigos e foi em Portugal que decidiram viver juntos.

1.11. Aquando da sinalização, os progenitores viviam em união de facto há cerca de um ano, ainda que, no início, se tenham desentendido e em Janeiro de 2019 reconciliaram-se e foram para a ... onde residem os avós paternos da criança e regressaram depois ao continente.

1.12. Aquando do referido de 1. a 3., a irmã uterina da criança, DD, nascida a .../.../2005, estava em casa de uma amiga em ....

1.13. Aquando da entrevista com a CPCJ referida em 5., a progenitora desconhecia o nome da mãe da amiga da filha em casa de quem a mesma estava.

1.14. Aquando da sinalização, o pai da criança trabalhava na construção civil e a mãe estava de licença de maternidade.

1.15. Os progenitores não tinham suporte familiar.

1.16. A AA era acompanhada no Hospital ..., em ..., devido a um problema cardíaco (sopro sistólico III/IV) e necessitava de ser operada, aguardando marcação.

1.17. O progenitor da criança tem uma outra filha, actualmente, com cerca de 16 anos que vive na ....

1.18. No dia 10 de Dezembro de 2019, a mãe concordou com a deliberação da CPCJ ... em aplicar a criança uma medida de promoção e protecção de acolhimento residencial.

1.19. No dia 10 de Dezembro de 2019, a pai da criança relatou à CPCJ que no sábado foi trabalhar e regressou a casa pelas 17 horas e que a companheira estivera em casa de uma amiga a beber cerveja e que quando ocorreu a discussão entre ambos, a bebé estava no seu colo e a mãe continuou a agredi-lo, sendo que tinha marcas visíveis de arranhões no pescoço; ser costume a companheira beber cerveja e vinho e que só não o fez durante a gravidez; já ter havido brigas entre o casal na presença de DD; não concordar com as amizades da companheira por serem brasileiras que não têm marido; que um mês e meio antes, a companheira saíra de casa e estivera com amigos brasileiros e pelas 3 horas e 30 minutos da madrugada chegou a casa alcoolizada e que antes de regressar a casa já ele a tinha ido buscar ao bar onde estava com as amigas e pedira-lhe para ir para a casa mas que a mesma não quis, pelo que ele regressou a casa com a bebé e pediu auxílio à GNR que foi falar com a mãe da AA; não ter amigos em ... e muita vezes conviver com os amigos da companheira só para não haver discussões e não ter visitado a filha no Hospital porque a mãe da mesma lhe disse que a menina não podia receber visitas.

1.20. A irmã uterina da AA, DD, mantinha-se em casa da amiga e o pai da primeira só conhecia, de vista, os pais desta.

1.21. No dia 10 de Dezembro de 2019, FF, amiga da progenitora há cerca de um ano e meio, relatou à CPCJ que os pais da AA por vezes bebem mas são cuidadosos com as meninas e ter conhecimento que o casal tinha hábitos de discussão constantes e que houve uma altura em que o pai chegou a sair de casa (Setembro), mas que acabavam sempre por reatar a relação.

1.22. Nos primeiros testes do 1.º período do ano lectivo 2019/2020, a irmã uterina da criança, DD, obtivera classificações negativas às disciplinas de físicoquímica, história, português e matemática.

1.23. Por acordo de promoção e protecção celebrado na CPCJ ..., a 10 de Dezembro de 2019, foi aplicada à criança AA uma medida de acolhimento residencial pelo período seis meses.

1.24. No âmbito de tal acordo, os pais comprometeram-se a efectuar visitas regulares à instituição onde a criança se encontrasse acolhida, respeitando as regras e horários impostos pela mesma; a manter contactos telefónicos frequentes com a instituição; a acompanhar a criança nas consultas de especialidade e nas de rotina; a dialogar entre si com vista a superar os conflitos existentes; a evitar o consumo excessivo de álcool de modo a evitar comportamentos que daí pudessem advir; a permitir todas as visitas domiciliárias que os técnicos considerassem necessárias no decurso do acompanhamento; a informar a CPCJ de qualquer alteração em relação à morada e contactos telefónicos e a mãe ainda a solicitar acompanhamento médico de forma a superar o seu problema com o álcool.

1.25. Mais ficou a constar de tal acordo que “em caso de incumprimento do presente acordo, será comunicado ao Ministério Público para efeitos de instauração do processo judicial de promoção e protecção”.

1.26. Em execução de tal acordo de promoção e protecção, a criança foi acolhida, a 10 de Dezembro de 2019, no Centro de Acolhimento ...” da Santa Casa da Misericórdia ... onde se encontra desde então.

1.27. Ao invés do acolhimento da filha que obrigava ao afastamento de ambas, a CPCJ propôs à mãe o acolhimento de ambas em casa abrigo, o que a mesma recusou, por não lhe fazer sentido.

1.28. A bebé era acompanhada em Neonatologia no Hospital ..., na consulta de cardiologia no Hospital ... e na consulta de Nutrição na Maternidade ....

1.29. Aquando do acolhimento da AA e após ter sido informada pela instituição que poderia realizar visitas às filhas diariamente de segunda a sexta-feira e contactos telefónicos diários, a mãe acordou visita três vezes por semana.

1.30. A progenitora em Dezembro de 2019 visitou a filha nos dias 11, 12, 13, 16, 17, 20, 23 e 24 e em Janeiro de 2020, nos dias 2, 3, 7, 8, 9 e 13.

1.31. A criança foi internada no Hospital ..., a 17 de Janeiro de 2020, devido a problemas respiratórios.

1.32. A progenitora foi autorizada a permanecer junto da filha durante o internamento.

1.33. Não obstante, a mãe estava a causar instabilidade à bebé e foi-lhe pedido que assegurasse um ambiente calmo, o que a mesma não fez, chegando a tirar a máscara de oxigénio e entrando em conflito com a enfermeira.

1.34. Em virtude do referido em 33., o Hospital ... decidiu, a 20 de Janeiro de 2020, não autorizar que a mãe acompanhasse a filha no internamento, tendo pedido que fosse uma técnica da instituição a fazê-lo, podendo assim apenas estar com a filha no horário das visitas entre as 15 e as 19 horas.

1.35. A 21 de Janeiro de 2020, a situação da AA agravou-se e foi colocada num quarto sozinha em frente ao gabinete de enfermagem e, segundo avaliação médica, até o barulho da televisão no quarto parecia causar instabilidade à mesma.

1.36. A 22 de Janeiro de 2020, o pai fizera visita à filha no Hospital no dia 19 de Janeiro de 2020 e a mãe ainda não a visitara nessa semana alegando, na CPCJ, a 22 de Janeiro de 2020, preferir assim para resguardo da filha, ficar muito exaltada quando vê a filha e transtornada com o estado da mesma e ter intenção de visitar a filha no dia seguinte, dia da sua folga e que iria tentar manter a calma nas próximas visitas.

1.37. Na mesma data, os pais afirmaram que a sua relação estava estável e sem discussões.

1.38. A mãe declarou estar a trabalhar, com contrato semanal, numa empresa em ..., por turnos das 8 horas e 30 minutos às 16 horas e 30 minutos; das 15 horas e 30 minutos às 24 horas e das 00 às 08 horas e o pai mantinha o seu emprego em ....

1.39. A 22 de Janeiro de 2020, a mãe recusou apoio psicológico.

1.40. A mãe contactou a instituição dizendo que o melhor seria não visitar a filha no hospital porque ela estava mais tranquila com as educadoras e foi-lhe respondido que não estava impedida de fazer visitas, mas a mãe insistiu que preferia assim, pelo que lhe foi dito que a iriam informando da evolução do estado de saúde da filha.

1.41. No dia 6 de Fevereiro de 2020, a mãe da criança contactou a CPCJ ... informando que aí não poderia comparecer nesse dia, conforme havia solicitado, por estar em ..., no C... e solicitou atendimento para o dia 12 de Fevereiro de 2020.

1.42. No dia 12 de Fevereiro de 2020, a progenitora informou a CPCJ que estava a trabalhar no Lar ... de ... porque não tinha boleia para se deslocar para a empresa.

1.43. O pai visitou a filha no hospital no dia 17 de Fevereiro de 2020.

1.44. A 19 de Fevereiro de 2020, a criança foi transferida do Hospital ... para o Hospital ... onde permaneceu até ao final do mês, altura em que foi transferida para o Hospital ....

1.45. Nesse período, o pai telefonou para a instituição dizendo que não queria que a companheira fosse visitar a filha com a amiga que considerava uma má influência.

1.46. No dia 21 de Fevereiro de 2020, o pai afirmou à CPCJ que no dia anterior, a companheira chegara a casa um pouco “alterada” e a cheirar a cerveja, tendo ocorrido um pequeno desentendimento entre ambos e que o comportamento da companheira se devia à má companhia da amiga desta, GG, que acompanhara aquela, no dia anterior, na visita ao hospital.

1.47. No início de Março de 2020, o enfermeiro HH que reside em ... disse à Sra. Directora Técnica da instituição conhecer de lá a progenitora e que a mesma normalmente estava no café a beber umas cervejas, o que esta reportou à CPCJ.

1.48. A 25 de Março de 2020, a criança foi transferida para o Hospital ... em ... para ser submetida a intervenção cirúrgica cardíaca e, no dia 26 de Março, após contacto para o efeito, a mãe deslocou-se, nesse mesmo dia, a ... para assinar o termo de responsabilidade.

1.49. A 6 de Abril de 2020, a CPCJ contactou telefonicamente os pais da criança para reforçar o apoio psicológico uma vez que a menina iria ser submetida a intervenção cirúrgica no dia seguinte.

1.50. No dia 11 de Abril de 2020, o pai da criança informou a CPCJ que já não vivia em união de facto com a companheira porque esta não estava a respeitar o isolamento social e incompatibilizou-se com a mesma, receando pelo regresso da AA a casa após os seis meses de acolhimento porque a mãe poderia por em causa a saúde da filha.

1.51. A 17 de Abril de 2020, a bebé foi transferida para o Hospital ....

1.52. No dia 20 de Abril de 2020, a mãe questionou a CPCJ se quando a filha tivesse alta clínica poderia ir para junto da família, tendo sido informada que a situação teria que ser avaliada em conjunto com a instituição, CPCJ e progenitores.

1.53. A 4 de Maio de 2020, a criança teve alta hospitalar e regressou à instituição.

1.54. Aquando da alta, os contactos familiares na instituição, devido à pandemia Covid-19, estavam condicionados a telefonemas e videochamadas, sendo que foi acordado com a mãe videochamadas duas vezes por semana, nas terças-feiras às 10 horas e 30 minutos e nas quintas-feiras às 18 horas e 30 minutos.

1.55. Em Junho de 2020, a instituição contactou os progenitores informando-os que poderiam voltar a realizar visitas presenciais à filha na instituição, sendo que a mãe informou que tinha dificuldade em deslocar-se a ... alegando inexistirem transportes públicos por causa da pandemia.

1.56. A 19 de Junho de 2020, a CPCJ ... deliberou a prorrogação da medida de acolhimento residencial da criança por mais seis meses.

1.57. A 22 de Junho de 2020, os pais estavam juntos e a mãe trabalhava desde há três semanas num lar em ..., entre as 19 e as 7 horas, com folga nas quartas-feiras e sábados.

1.58. No mesmo dia, a progenitora declarou à CPCJ que optara por tal horário para que quando a filha regressasse pudessem ter organização familiar para cuidar dela.

1.59. O pai mantinha-se na mesma empresa.

1.60. A irmã uterina DD transitara para o 10.º ano de escolaridade.

1.61. No mesmo dia e perante a possibilidade dada pela CPCJ de a menina passar a poder visitar os pais em casa destes, os mesmos colocaram a possibilidade de utilizar transportes públicos para o efeito e depois de a filha se deslocar de táxi para evitar transportes.

1.62. Por acordo de promoção e protecção celebrado na CPCJ ..., a 22 de Junho de 2020, foi aplicada à criança AA uma medida de acolhimento residencial pelo período seis meses.

1.63. No âmbito de tal acordo, os pais comprometeram-se a efectuar visitas regulares à instituição onde a criança se encontrava acolhida, respeitando as regras e horários impostos pela mesma; a respeitar e cumprir com o agendamento das idas da filha a casa, acautelando todas as indicações da instituição no que concerne aos cuidados de alimentação e saúde da criança; a manter contactos telefónicos frequentes com a instituição; a acompanhar a criança nas consultas de especialidade e nas de rotina; a dialogar entre si com vista a superar os conflitos existentes; a evitar o consumo excessivo de álcool de modo a evitar comportamentos que daí pudessem advir; a permitir todas as visitas domiciliárias que os técnicos considerassem necessárias no decurso do acompanhamento; a informar a CPCJ de qualquer alteração em relação à morada e contactos telefónicos e a mãe ainda a solicitar acompanhamento médico de forma a superar o seu problema com o álcool.

1.64. Mais ficou a constar de tal acordo que “em caso de incumprimento do presente acordo, será comunicado ao Ministério Público para efeitos de instauração do processo judicial de promoção e protecção”.

1.65. No dia 23 de Junho de 2020, a progenitora compareceu na CPCJ informando que os horários dos autocarros ainda não funcionavam normalmente e, consequentemente, não poderia ir, nesse dia, visitar a filha, tendo efectuado, mais tarde videochamada para ver a filha.

1.66. Questionada como seriam os fins-de-semana que a filha passaria em casa dos pais, a mãe reiterou que o transporte seria efectuado de táxi e ter um casal amigo (II) que se disponibilizou para ir buscar e levar a menina em transporte próprio.

1.67. No mesmo dia, a mãe informou que iria visitar a filha no dia seguinte, às 18 horas e 15 minutos, com o companheiro e que o transporte seria assegurado pelo casal amigo.

1.68. Após o referido em 53., os pais visitaram a filha na instituição no dia 24 de Junho de 2020.

1.69. No dia 15 de Julho de 2020, a CPCJ ... recebeu nova sinalização da criança, referindo que “a mãe é uma alcoólatra”.

1.70. A 20 de Julho de 2020, a habitação onde residia o agregado estava limpa e organizada.

1.71. Os pais da bebé mantinham-se nos mesmos empregos.

1.72. Declararam à CPCJ que contactavam a filha por videochamada nas quintas-feiras e justificaram à CPCJ não visitar a filha por falta de transporte para se deslocarem.

1.73. No dia 20 de Agosto de 2020, o progenitor deslocou-se, por sua iniciativa, à CPCJ ..., informando que discutira com a companheira e que esta lhe partira o telemóvel; que a relação nunca melhorou e que era muito conflituosa; que a companheira nunca parou de consumir álcool; estarem separados há cerca de um mês; que a filha DD da companheira sai de casa e chega à 1 ou 2 horas da manhã; que a sua mãe, residente na ..., tinha condições e queria apoiar a AA; que depois do nascimento da bebé, a companheira deixou-a consigo, quando ainda amamentava e foi para o R... em ... e que cerca da 1 hora e tal estava embriagada e que a GNR também se deslocou ao local e que a companheira só regressou a casa depois das 4 horas da madrugada; não ter a mãe capacidade para cuidar da filha.

1.74. O pai continuava a residir em ..., na mesma casa, e a trabalhar, desde há cerca de quatro anos, na mesma empresa, auferindo um vencimento médio mensal no montante de cerca de € 1200,00/1300,00 (€ 80,00 por dia).

1.75. Pagava € 250,00 de renda; cerca de € 25,00/€ 30,00 de consumo de electricidade; cerca de € 15,00/€ 20,00 de consumo de água; € 35,00 de pacote de tv e € 40,00 de telefone.

1.76. A partir do final de Agosto de 2020, o pai deixou de estar presente nas videochamadas, estando apenas a mãe e a irmã uterina da menina, DD.

1.77. No dia 10 de Setembro de 2020, a progenitora informou a CPCJ, por email, que se ia ausentar entre esse dia e o dia 14 de Setembro de 2020, para ..., para tratar de assuntos pessoais e familiares.

1.78. Em tal email, a progenitora escreveu ainda “como vocês já sabem eu e senhor CC já não estamos juntos, decidimos seguir vidas separados, agora a minha prioridade é recuperar a minha filha AA”.

1.79. Juntou um relatório datado de 28 de Agosto de 2020, subscrito por um médico radiologista relativo a uma ecografia abdominal com o seguinte teor “fígado com dimensões contornos normais, estrutura homogénea, sem evidência de lesão focal; vias biliares intra e extra-hepáticas não ectasiadas; vesícula biliar sem sinais de litíase ou lesão orgânica e pâncreas e baço sem alterações morfo-estruturais” e o resultado de análises clínicas de uma colheita realizada a 29 de Julho de 2020.

1.80. No dia 1 de Outubro de 2020, a CPCJ ... enviou um email à progenitora, solicitando informação sobre se já se encontrava em Portugal e a morada actual do seu agregado familiar e estabelecimento de ensino frequentado pela filha DD.

1.81. No mesmo dia, a progenitora respondeu, por email, com o seguinte teor “como teria dito no email anterior, seria 4 dias em ..., já estou no território de Portugal sim, e DD já está matriculada na Escola Secundária ..., .... Ano. 10.º D1 directora de turma JJ. No momento estamos nesse endereço: Rua ... letra ..., ... ... .... Obrigado”.

1.82. Após a visita referida em 68., o pai visitou a filha no dia 8 de Outubro de 2020 acompanhado pela namorada.

1.83. A visita que tem a duração prevista de uma hora, decorreu apenas entre as 10 horas e 10 minutos e as 10 horas e 30 minutos, sendo que pai perguntou se a filha comia bem, interagiu com ela e tirou fotografias.

1.84. Após a visita referida em 68., a progenitora apenas voltou a visitar a filha no dia 15 de Outubro de 2020.

1.85. Nessa visita a mãe perguntou pela consulta de cardiologia, tirou fotografias à filha e questionou se tinham fotografias do bolo de aniversário.

1.86. A 26 de Outubro de 2020, a instituição informou a CPCJ ... que fora realizado o cariótipo da criança e que tudo apontava, segundo a médica, para problemas de desenvolvimento, embora ainda não fosse conhecido o resultado.

1.87. A bebé mantinha o acompanhamento médico.

1.88. O pai tinha uma nova companheira.

1.89. Em Novembro de 2020, a avó paterna da criança telefonou pela primeira vez para a instituição e após se ter apresentado, perguntou se a neta estava bem e de seguida questionou se ela era normal.

1.90. Perguntada sobre o que pretendia saber, a avó voltou a questionar “se ela é normal e assim… se não é autista” e foi informada que a neta estava a ser acompanhada ao nível da saúde, que tinha sido submetida a uma cirurgia em Abril por CIV subvalvular e que estava bem e relativamente ao futuro não era possível fazer suposições e apenas ir acompanhando o seu desenvolvimento.

1.91. A avó paterna questionou ainda se a instituição podia enviar-lhe vídeos da neta, tendo-lhe sido dito que não tinham autorização para captar imagens da menina, tendo aquela respondido que quando o filho fosse à visita, ele lhe enviaria.

1.92. Após a visita referida em 82., o pai voltou a visitar a filha na instituição no dia 2 de Dezembro de 2020 acompanhado pela nova companheira e a visita teve a duração de meia hora e o pai tirou fotografias.

1.93. Após a visita referida em 84., a progenitora voltou a visitar a filha no dia 11 de Dezembro de 2020 e levou uma chupeta e uma fita de presente para a filha e tirou fotografias.

1.94. No decurso da visita, a mãe pegou na filha ao colo e esta começou a chorar e a procurar o contacto visual com a educadora, tendo havido necessidade de contacto físico com a mesma para serenar.

1.95. A mãe efectuou mais duas tentativas, mas a bebé mostrou sempre o seu desagrado através do choro, sendo que a mãe começou também a chorar.

1.96. A 18 de Dezembro de 2020, a progenitora contactou a CPCJ ... a fim de perceber o que iriam fazer uma vez que o acordo de promoção e protecção terminava no dia 22 de Dezembro de 2020.

1.97. No mesmo dia, a mãe declarou à CPCJ que visitava a filha todas as semanas no dia de folga do seu trabalho e todas as quintas-feiras fazia videochamada para instituição.

1.98. Mais informou viver perto dos futuros padrinhos da filha e trabalhar na Santa Casa da Misericórdia ... e que a filha DD se adaptou muito bem e até melhorou bastante o aproveitamento.

1.99. Mais declarou que mantinha contactos frequentes com a avó paterna da criança e que tentara, várias vezes, falar com o pai desta mas que existiam alguns atritos causados pela então companheira deste.

1.100. A 21 de Dezembro de 2020, a AA tinha as rotinas interiorizadas relativamente à alimentação, higiene e sono.

1.101. Solicitava contacto visual e corporal, identificava as figuras cuidadoras, nomeadamente pela quais tinha preferência e reagia ao estranho.

1.102. Contestava, com choro, o desconforto e a procura de colo.

1.103. A 21 de Dezembro de 2020, o pai, nos três meses anteriores, telefonou para a instituição nos dias 8, 11, 13 e 25 de Setembro sendo que, neste dia, deu os parabéns à filha que tinha efeito anos no dia anterior.

1.104. Voltou a telefonar nos dias 6 e 10 de Outubro e 25 de Novembro de 2020.

1.105. A 7 de Janeiro de 2021, a CPCJ ... deliberou prorrogar a medida de acolhimento residencial por um ano.

1.106. No dia 26 de Janeiro de 2021, a progenitora enviou um email à CPCJ ... a informar que iria mudar de residência no fim-de-semana, devido à colocação à venda do anterior apartamento, e a indicar como novo endereço, a Rua ..., na ....

1.107. No dia 3 de Fevereiro de 2021, o pai continuava a viver em ... e afirmou na CPCJ ... não ter condições para cuidar da filha por ter de trabalhar e teria de pagar a uma ama para ficar com a filha.

1.108. No mesmo dia, o pai apontou como solução para a filha que a mesma ficasse com os avós paternos na ... até à entrada no 1.º ciclo da escola e que nessa altura poderia ficar com a filha.

1.109. Mais declarou que mantinha contacto com a mãe da filha, sem qualquer atrito e pensar que “a mãe está melhor”, não tem consumido álcool e que até a DD está melhor.

1.110. Por acordo de promoção e protecção celebrado pela CPCJ ..., a 3 de Fevereiro de 2021, foi a medida de acolhimento residencial aplicada à criança prorrogada por um ano.

1.111. No âmbito de tal acordo os progenitores comprometeram-se a efectuar visitas regulares à instituição onde a criança estava acolhida, respeitando as regras e horários impostos pela mesma; a respeitar e cumprir com o agendamento das idas da criança a casa, acautelando todas as indicações da instituição no que concerne aos cuidados de alimentação e saúde da criança; a manter contactos telefónicos frequentes com a instituição; a acompanhar a criança nas consultas da especialidade e nas de rotina; a dialogar entre si com vista a superar os conflitos existentes; a evitar o consumo excessivo de álcool, de modo a evitar comportamentos que daí pudessem advir; a permitir todas as visitas domiciliárias que os técnicos considerassem necessárias no decurso do acompanhamento e a informar a CPCJ de qualquer alteração em relação à morada e contactos telefónicos.

1.112. Os progenitores reconciliaram-se em Março de 2021 e o pai integrou o agregado da mãe da AA na ....

1.113. Em Março de 2021, o cardiologista pediátrico solicitou uma consulta de genética no Hospital ... por suspeita de algum síndrome.

1.114. Em Maio de 2021, o agregado dos progenitores da criança alterou a sua residência para a Rua ..., em ..., ....

1.115. A 7 de Julho de 2021, a AA teve consulta de endocrinologia no Hospital ..., na sequência de, na consulta de Março, a médica ter constatado um inchaço mamário anormal para a idade.

1.116. A 30 de Julho de 2021, a progenitora declarava trabalhar, por conta própria, nas limpezas e o pai era mestre de obras, sendo o agregado familiar também composto pela filha daquela, DD.

1.117. O agregado mantinha-se a residir na morada indicada a 114.

1.118. Trata-se de um apartamento T3 duplex com excelentes condições habitacionais, composta por cozinha totalmente equipada e uma marquise anexa à mesma, uma sala ampla, duas casas de banho e três quartos, um destinado ao casal, outro a DD e outro à AA.

1.119. Todas as divisões da habitação dispõem de luz natural e a habitação, aquando da realização da visita domiciliária, com aviso prévio, a 30 de Julho de 2021, estava devidamente higienizada e organizada.

1.120. Nessa ocasião, a mãe declarou à comissária da CPCJ ... que, desde o início do mês de Maio se colectara e trabalhava, por conta própria, na área das limpezas, auferindo um valor diário de cerca de €40,00 e o pai auferia um vencimento médio mensal no montante de cerca de €1.200,00.

1.121. Na mesma ocasião, a progenitora declarou que visitavam a filha duas vezes por mês e, sempre que possível faziam videochamada, mantendo sempre um contacto próximo com a filha.

1.122. Quando questionada sobre o motivo da mudança do ... para o concelho ..., a mãe declarou que onde viviam não tinham família, nem ninguém próximo pelo que decidiram mudar-se para junto dos padrinhos da AA que residem na ....

1.123. A renda do apartamento importa na quantia mensal de € 450,00.

1.124. A jovem DD transitara para o 11.º ano de escolaridade.

1.125. Na sequência de um pedido efectuado pela progenitora nesse sentido, foi autorizado, a 16 de Agosto de 2021, que a irmã uterina, DD, a visitasse na instituição.

1.126. Em Setembro de 2021, a AA integrou a creche e fez uma boa adaptação, embora inicialmente tenha mostrado alguma resistência no estabelecimento de relações com os adultos.

1.127. Na consulta de rotina dos dois anos, a 23 de Setembro de 2021, a bebé apresentava um bom desenvolvimento para a sua idade.

1.128. A 30 de Setembro de 2021, a criança teve alta clínica da consulta de neonatologia.

1.129. A 27 de Setembro de 2021, contactada telefonicamente a mãe, a mesma informou a CPCJ que não existiam conflitos entre o casal.

1.130. Até 1 de Outubro de 2021, a criança reagia às visitas dos pais e da irmã DD com desconforto e não os reconhecendo como figuras de referência com as quais tivesse relação.

1.131. Chorava quando entrava para a sala e recusava sair do colo da educadora, sendo necessário para que se acalmasse que a mesma permanecesse na sala durante o tempo da visita e apesar das tentativas da mãe para se aproximar a AA protestava, chorando e recusando a aproximação da mesma.

1.132. A 7 de Outubro de 2021, a CPCJ ... deliberou a transferência do processo para a CPCJ ....

1.133. A 12 de Outubro de 2021, o pai contactou telefonicamente a CPCJ informando que até ao final do mês iria sair de casa; que a mãe da filha continuava a ter consumos de álcool, ausentando-se de casa durante todo o fim de semana e o mesmo não estava a conseguir suportar tal situação e considerar que o melhor para a filha seria permanecer na instituição.

1.134. A 18 de Outubro de 2021, a AA foi observada no serviço de urgência devido a tosse e febre, tendo-lhe sido diagnosticada uma infecção respiratória com vírus VSR, tendo sido internada por hipoxemia e para realização de antibioterapia endovenosa até ao dia 21 de Outubro de 2021.

1.135. Aquando do internamento, a instituição telefonou à mãe a informá-la e a questioná-la se pretendia ficar como acompanhante da filha durante o internamento, o que a mesma se disponibilizou.

1.136. No dia 19 de Outubro de 2021, a mãe foi substituir a técnica que acompanhava a criança, não tendo havido qualquer contacto físico entre mãe e filha no momento da sua chegada.

1.137. Entretanto, a criança adormeceu e a técnica saiu, ficando a mãe com a criança

1.138. Antes da saída da técnica a mãe perguntou-lhe se poderia telefonar caso precisasse de alguma coisa, tendo-lhe sido dito que sim.

1.139. Decorridos cerca de 15 minutos, uma enfermeira entrou em contacto com a instituição referindo que a criança acordara e que estava a chorar compulsivamente não conseguindo a mãe acalmá-la e solicitando que fossem fazer o acompanhamento da criança, sendo que a mãe também contactou a instituição a efectuar o mesmo pedido porque a filha não parava de chorar e não aceitava a sua aproximação.

1.140. A GNR ... sinalizou a jovem DD à CPCJ ... por exposição da violência doméstica entre a mãe e o companheiro desta, pai da AA.

1.141. No dia 4 de Novembro de 2021, a progenitora da criança declarou à CPCJ ... estar separado do companheiro desde meados de Outubro de 2021 e ser uma decisão definitiva; que o mesmo apresentava um comportamento violento e tem hábitos alcoólicos e de consumo de drogas; negou consumo de álcool em excesso e trabalhar por conta própria na área das limpezas.

1.142. Na ocasião, a jovem DD confirmou à CPCJ ir para casa do namorado nos fins-de-semana, em ... e negou consumo de drogas.

1.143. O pai da criança regressou a ... após a separação.

1.144. A 8 de Novembro de 2021, o pai da criança confirmou ter saído de casa e estar a viver em ....

1.145. À CPCJ ... declarou que a mãe da filha continuava a beber em excesso e não reunir condições para receber a filha e que a melhor alternativa para o futuro da filha são os seus pais que residem na ....

1.146. A CPCJ tinha agendado com a progenitora visita domiciliária para o dia 12 de Dezembro de 2021.

1.147. No próprio dia, a mãe informou a CPCJ não ter disponibilidade para os receber porque aparecera um trabalho de limpeza que iria aproveitar.

1.148. No dia 15 de Dezembro de 2021, o pai contactou telefonicamente a CPCJ ... solicitando informação sobre o estado do processo, continuando a considerar que a mãe da criança não reunia condições para receber a filha, uma vez que continuava a ingerir bebidas alcoólicas em excesso.

1.149. Na ocasião, afirmou ter conhecimento que a ex-companheira visitava as amigas em ... e que passavam tardes nos cafés a “despejar grades de cerveja” e estar disposto a assinar novo acordo de promoção e protecção para que a filha permanecesse mais dois ou três anos na instituição para depois ser acolhida pelos avós paternos na ....

1.150. Quando questionado sobre o porquê de inexistir disponibilidade nesse momento, justificou com a idade avançada da sua mãe e quando confrontado com o facto de daí a dois ou três anos ainda ser mais velha, afirmou que o seu pai fora operado a uma hérnia e que a mãe precisava de lhe prestar cuidados.

1.151. Questionado sobre o que aconteceria à AA se fosse viver com os avós e, entretanto, algum deles adoecesse, respondeu que as irmãs podem ajudar, sendo que ele próprio nada pode fazer dado que vive sozinho e que tem de ir trabalhar todos os dias.

1.152. No dia 17 de Dezembro de 2021, a CPCJ ... realizou uma visita domiciliária à progenitora, sendo que a habitação mantinha muito boas condições de higiene e estava mobilada e equipada adequadamente.

1.153. Nesse dia, a mãe declarou que visitava a filha com mais regularidade e que a mesma já a aceitava um pouco melhor e continuar a obter rendimentos da sua actividade como empregada de limpeza, tendo solicitado os serviços de um contabilista para formalização da sua actividade junto das Finanças e da Segurança Social.

1.154. A 11 de Fevereiro de 2022, a criança estava bem adaptada ao espaço e às rotinas da creche e mantinha uma boa relação com os pares, mostrando-se mais próxima de uma das crianças, sendo que, relativamente aos adultos mostrava-se reservada, mantendo-se mais distante e não tomando iniciativa para a interacção com excepção da educadora e auxiliar da sala.

1.155. À CPCJ a mãe declarou rendimentos mensais provenientes dos trabalhos de limpeza no montante de cerca de € 500,00 e rendimentos provenientes de ... de um arrendamento também no montante de cerca de € 500,00 e ter rendimentos suficientes para pagar a renda da casa no valor mensal de € 450,00 e as despesas com consumos de água, electricidade, gás, alimentação, vestuário, educação da filha DD e outras despesas que possam surgir.

1.156. O pai da criança trabalhava na construção civil.

1.157. A 24 de Fevereiro de 2022, a criança não reconhecia nenhum dos progenitores, rejeitando            qualquer tentativa de aproximação encetada pelos    mesmos sendo absolutamente necessária a presença de uma educadora no decurso das visitas, ficando a menina em sofrimento quando entrava na sala de visitas, recusando sair do colo da técnica.

1.158. A 24 de Março de 2022, a CPCJ ... deliberou a aplicação à criança de uma medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

1.159. A 5 de Abril de 2021, a progenitora declarou à CPCJ ... ainda não ter regularizado a sua situação profissional e auferir rendimentos de limpezas que faz em habitações e de uma renda de ..., esta última no valor mensal de € 1.200,00.

1.160. Questionada sobre a possibilidade se de mudar para mais próximo da filha, declarou já ter pensado nisso mas ter receio porque o pai reside próximo.

1.161. Mais declarou que, ultimamente, visitava a filha quinzenalmente e que a mesma já interage mais consigo, reconhecendo-a como mãe.

1.162. No dia 13 de Abril de 2022, a CPCJ ... contactou telefonicamente o pai da criança para agendar dia e hora para aí se deslocar, tendo o mesmo dito não ter disponibilidade naquela semana, tendo ficado agendado para o dia 18 de Abril.

1.163. No dia 18 de Abril de 2022, o pai não compareceu à hora agendada e, mais tarde, contactou telefonicamente, informando que havia falado com a sua família na ... e que não assinaria o acordo de promoção e protecção por não concordar com a continuidade da medida de acolhimento residencial, tendo sido informado que o processo seria remetido ao Ministério Público, do que mostrou ter consciência.

1.164. Por despacho proferido a 13 de Maio de 2022, foi aplicada à criança uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, mantendo-se na instituição onde se encontra e os pais autorizados a visitar a filha na instituição de acordo com os horários e regras definidos por esta para o efeito.

1.165. Foi ainda determinada a notificação dos progenitores da criança nos termos do disposto no art.º 107.º n.º 3 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, sendo que o Ministério Público, aquando da instauração do processo requereu logo a aplicação à criança de uma medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.

1.166. A 11 de Abril de 2022, a progenitora da criança celebrou um contrato de trabalho com o Centro Social ..., pelo prazo de seis meses, com início a 11 de Abril de 2022 e termo a 10 de Outubro de 2022, para o exercício das funções de auxiliar de serviços gerais com a remuneração mensal ilíquida no montante de € 705,00.

1.167. Em Junho de 2022, à Sra. Técnica da Segurança Social a progenitora declarou que o pai da AA veio para Portugal passados 7 ou 8 meses após aquela, tendo sido “deportado de ... e veio para ...” e questionada sobre o motivo da “deportação” respondeu que por furtos e pensar que também por tráfico de estupefacientes e que “em ... percebi que ele usava e traficava drogas, porque ele namorava com uma colega minha”.

1.168. Na mesma ocasião, quando questionada sobre o motivo de se ter mudado de ... para a ..., distanciando-se assim da filha, a progenitora declarou que “foi a estabilidade melhor que a gente achou… conforto”, para arranjar trabalho e porque onde viviam não tinham ninguém e na ... tinha pessoas amigas, o casal KK e LL.

1.169. Mais declarou que a relação com o pai da AA foi-se mantendo, mas sempre com conflitos, violência doméstica e interrupções na relação, até que em Outubro de 2021 a relação terminou.

1.170. Declarou também que além do emprego no Centro Social ... em ..., em que aufere o salário mínimo nacional, também faz “limpezas de fim de obra” no que aufere € 250,00/€ 300,00 por mês, actividade não formalizada e recebe da filha DD cerca de € 100,00 mensais de abono de família.

1.171. Explicou desejar manter o conforto da vida em ... e não equacionar aproximar-se do local onde a filha se encontra para favorecer uma eventual reunificação familiar.

1.172. A mãe trabalhava por turnos das 8 às 16 horas, das 16 horas às 00 horas e das 00 horas às 8 horas. sendo muito cumpridora, assídua e pontual, educada e delicada com os utentes.

1.173. A irmã uterina da criança, DD, frequentava o 11.º ano de escolaridade, revelando concentração nas aprendizagens essenciais e cumprindo, de forma satisfatória, as tarefas solicitadas, sendo, igualmente, cumpridora das regras de convivência em contexto de sala de aula e pontual.

1.174. Todas as iniciativas de contacto entre a progenitora e o estabelecimento de ensino frequentado pela filha DD partiram da directora de turma desta.

1.175. Na sequência da reunião de Conselho de Turma do 1.º período, a progenitora foi contactada telefonicamente, tendo sido alertada para o facto de a DD manifestar pouco empenho e muitas faltas, embora justificadas, o que necessariamente comprometia o seu desempenho.

1.176. A progenitora mostrou-se consciente da situação e declarou que iria efectuar um acompanhamento mais intenso e sistemático da filha.

1.177. No final de Janeiro de 2022, houve novo contacto telefónico no sentido de averiguar sobre isolamento profiláctico da DD como justificação para não frequentar as aulas online, sendo que a progenitora respondeu que iria averiguar a situação.

1.178. Todas as faltas de DD foram sendo justificadas pela mãe, à excepção de três faltas injustificadas.

1.179. A progenitora não esteve presente nas reuniões gerais de encarregados de educação convocadas no início do ano lectivo, no final do 1.º período e no final do 3.º período.

1.180. A progenitora mantém-se a residir no apartamento ... duplex sito na Rua ..., em ..., ....

1.181. Na visita domiciliária realizada a 1 de Junho de 2022, a casa estava asseada e organizada.

1.182. A irmã uterina da criança, DD, desde o acolhimento e até 7 de Junho de 2022, efectuou cinco visitas e costumava estar presente nas videochamadas realizadas pela mãe.

1.183. A 7 de Junho de 2022, de um modo geral a AA quase não interagia com a mãe e com a irmã DD, sendo necessária a presença de um adulto da instituição nas visitas para que a menina não chorasse e aceitasse ficar na sala, manifestando a mesma satisfação quando a visita terminava, com excepção da visita de 24 de Maio de 2022 em que após o momento inicial de rejeição à mãe, a criança aceitou a aproximação desta ao perceber que a mãe trazia comida e presentes.

1.184. A 14 de Junho de 2022, a progenitora declarou, além do mais, neste tribunal, quando questionada porque motivo se mudou para longe da instituição onde a filha se encontra se a sua intenção era recuperá-la, que “lá não tinha ninguém e que aqui tinha os padrinhos da AA, “uma amizade de 15 anos”.

1.185. E quando questionada porque motivo visitou sempre tão poucas vezes a filha ao ponto de esta não ter criado vínculos consigo, respondeu que “foi um ano de videochamada” por não serem permitidos contactos presenciais e atendendo à idade da menina quando voltou às visitas esta estranhava e questionada sobre quais os períodos em que esteve impedida de visitar presencialmente a filha, respondeu “mesmo no começo da pandemia” e depois só com teste negativo.

1.186. Mais declarou que sempre trabalhou desde que veio para a ... e que se despediu do emprego que tinha em ....

1.187. No mesmo dia, o pai da criança declarou, além do mais, a propósito do episódio que motivou o acolhimento da filha que “tínhamos estado a beber em casa” e embriagaram-se em casa e questionado sobre se tal era habitual, respondeu “da minha parte, não era muito habitual, era mais da parte dela, uma vez até a fui buscar a um bar em ... quando tinha de amamentar a filha e estava completamente embriagada e o dono do bar até dizia que ela ia lá com a bebé e tudo, ela tem problemas com o álcool, ela nega, mas eu sei”; que a mãe da filha foi viver para a zona da ... porque o declarante namorava com outra rapariga, “mas depois ela fez-me tanto a cabeça e que era mais fácil recuperarmos a minha filha, que eu deixei a casinha, a rapariga” e esteve com a progenitora a viver em ... durante cerca de 7/8 meses, “a vida dela aí era igual, só farra com as amigas, uma vez fui chamá-la às 2 da manhã e ela mandou-se um copo de cerveja e cortou-me a cara toda, isso está tudo no Tribunal ...” e questionado sobre o que entendia ser melhor para a filha, respondeu “eu tenho o meu trabalho aqui, se fosse para ela vir comigo, eu tinha de pagar a uma ama para a ir buscar e levar à creche, eu já meti um processo para os meus pais e a CPCJ foi lá ver e têm todas as condições, a melhor opção era a menina ir para os meus pais”.

1.188. A progenitora continua a habitar no mesmo apartamento e a trabalhar no lar e a afirmar fazer também limpezas de casa, no que obtém um rendimento mensal no montante de cerca de € 1.100,00, além de um rendimento de um apartamento arrendado em ..., do tempo em que aí vivia, no montante mensal de € 1.000,00.

1.189. Trabalha num lar por turnos das 16 às 00 horas e das 8 às 16 horas ou das 8 às 13 horas e tem dois dias de folga semanais.

1.190. Entre 1 de Outubro de 2020 e 17 de Março de 2021, a progenitora trabalhou no lar da Santa Casa da Misericórdia ... e não lhe renovaram o contrato porque a mesma faltava com alguma frequência, alegando que ia ver a filha à instituição.

1.191. Após a visita referida em 93. e até à data da realização do debate judicial, 13 de Setembro de 2022, a progenitora efectuou as seguintes visitas à filha:

. 6 de Janeiro de 2021;

. 3 de Fevereiro de 2021:

. 3 de Março de 2021:

. 16 de Abril de 2021;

. 14 e 25 de Junho de 2021;

. 24 de Setembro de 2021;

. 1 de Outubro de 2021;

. 9 e 16 de Novembro de 2021;

 . 6 e 17 de Dezembro de 2021;

 . 3 e 17 de Janeiro de 2022;

. 16 e 25 de Fevereiro de 2022;

. 1 e 22 de Abril de 2022;

. 24 de Maio de 2022;

. 9 e 17 de Junho de 2022;

 . 20 de Julho de 2022;

. 1, 12 e 19 de Agosto de 2022;

. 1, 6 e 9 de Setembro de 2022.

1.192. Actualmente, a criança já não recusa entrar na sala de visita, mas tem de estar presente uma educadora e quando estava tenta sair da sala, a menina vai logo atrás.

1.193. A criança já se senta na mesa da sala de visitas e “permite” que a mãe e a irmã uterina estejam ao lado dela e lhe toquem e diz “mãe” quando vai para a visita.

1.194. Apenas entre os dias 4 e 23 de Novembro de 2020 e 21 e 31 de Dezembro de 2020 não foi possível efectuar visitas presenciais por isolamento profiláctico em virtude de existirem casos positivos em algumas crianças da ....

1.195. Na visita de 9 de Novembro de 2021, a criança quase não interagiu com a mãe, sendo necessária a presença de uma educadora para que a menina não chorasse e manifestou satisfação quando a visita terminou.

1.196. Na visita de 16 de Novembro de 2021, a criança aceitou alguma interacção com a mãe, mas foi necessária a presença da educadora durante a visita e não revelou protesto no momento da separação.

1.197. Na visita de 6 de Dezembro de 2021, a criança não aceitou as tentativas de interacção que a mãe foi efectuando durante a visita, aproximando-se apenas da educadora presente na sala e manifestou satisfação com o fim da visita.

1.198. No dia 17 de Dezembro de 2021, a mãe compareceu na visita com a irmã e um primo da criança, sendo que esta apresentou choro prolongado no início, recusando contacto com a mãe e com a irmã e apenas aceitou o contacto com o primo e não manifestou protesto no momento da separação.

1.199. A 3 de Janeiro de 2022, a irmã e o primo voltaram a estar presentes na visita da mãe e a criança interagiu muito pouco com eles, sendo que decorridos 15 minutos, vestiu o casaco e dirigiu-se à educadora para sair da sala querendo terminar a visita.

1.200. Na visita de 17 de Janeiro de 2022, a criança apenas brincou com a educadora e não interagiu com a mãe e apresentou satisfação quando a visita terminou.

1.201. A progenitora sempre teve conhecimento da necessidade de efectuar muitas visitas à filha para que esta se vinculasse a si e não o fez, não obstante poder fazê-lo.

1.202. As visitas na instituição podiam ser agendadas de segunda a sexta-feira, diariamente, e, numa fase posterior, também Sábado e Domingo.

1.203. Desde o acolhimento da filha até 26 de Julho de 2022, a progenitora contactou telefonicamente a instituição, maioritariamente, para saber como se encontra a filha e/ou para agendar ou desmarcar visitas:

. 10, 12, 15, 18, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 de Dezembro de 2019;

. 1, 4, 5, 6, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 22 e 23 de Janeiro de 2020;

. 16 e 23 de Março de 2020;

. 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 16, 17, 18, 19, 25, 28, 29 e 31 de Maio de 2020;

. 2, 3, 6, 12, 14, 17, 18, 21, 23, 30 de Junho de 2020;

. 3, 5, 7, 8, 10, 20, 22, 27, 31 de Julho de 2020;

. 5, 6, 8, 9, 10, 12, 13, 14, 16, 18, 19, 22, 25, 31 de Agosto de 2020;

. 1, 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 21, 23, 25 de Setembro de 2020;

. 3, 4, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 18, 19, 24 de Outubro de 2020;

. 1, 24 e 31 de Novembro de 2020;

. 5, 7, 8, 14, 16, 20, 24, 27, 30 de Dezembro de 2020;

. 2, 14, 15, 16, 17, 22, 24, 30 e 31 de Janeiro de 2021;

. 6, 12, 13, 15, 18, 19, 20, 28 de Fevereiro de 2021;

. 1, 15, 23, 27 de Março de 2021;

. 5, 7, 13, 21, 22, 23, 28 de Abril de 2021;

 . 4, 5, 7, 10, 12, 16 de Maio de 2021;

. 7, 13, 14, 21, 26, 30 de Junho de 2021;

 . 7, 10, 14, 15, 20, 31 de Julho de 2021;

 . 3, 4 e 7 de Agosto de 2021;

. 3, 7 e 29 de Setembro de 2021;

. 2, 11, 19, 22, 26 de Outubro de 2021;

 . 6 e 10 de Novembro de 2021;

. 1, 2, 11, 13, 16, 18, 27, 31 de Dezembro de 2021;

 . 2, 7, 24, 25 e 28 de Janeiro de 2022;

. 14 e 18 de Fevereiro de 2022;

. 3, 7, 13, 16, 17 e 23 de Março de 2022;

. 5, 12, 28, 29 de Abril de 2022;

. 3, 15, 21 e 24 de Maio de 2022;

. 7, 11, 12, 15, 22, 29 de Junho de 2022;

. 2, 3, 5, 8, 10, 16, 18, 20 de Julho de 2022.

1.204. Desde 26 de Julho de 2022 e 13 de Setembro de 2022, a mãe contacta telefonicamente a instituição aproximadamente uma vez por semana para saber da filha e para agendar visitas e não fala com a filha nesses telefonemas.

1.205. Desde o referido em 54., a progenitora realizou as seguintes videochamadas:

 . 5, 7, 12, 14, 19, 21, 26, 28 de Maio de 2020;

. 2, 4, 9, 18 de Junho de 2020;

. 10, 16, 23, 30 de Julho de 2020;

. 6, 14, 20, 27 de Agosto de 2020;

. 3, 10, 17, 24 de Setembro de 2020;

 . 1, 8, 22, 29 de Outubro de 2020;

. 19 de Novembro de 2020;

. 3 e 17 de Dezembro de 2020;

. 28 de Janeiro de 2021;

. 11, 18, 25 de Fevereiro de 2021;

. 4, 11, 25 de Março de 2021;

. 1 e 8 de Abril de 2021;

. 13 e 27 de Maio de 2021;

. 3 de Junho de 2021;

. 22 e 29 de Julho de 2021;

 . 19 de Agosto de 2021;

. 29 de Setembro de 2021;

. 7, 14 e 28 de Outubro de 2021.

1.206. A videochamada de 7 de Outubro de 2021, teve a duração de 15 minutos, não se mostrando a criança disponível para a interacção.

1.207. A videochamada de 14 de Outubro de 2021 teve uma duração de cerca de 3 minutos, porque a criança chorava bastante.

1.208. No dia 28 de Outubro de 2021, para além da mãe, esteve presente na videochamada a irmã uterina DD, mas teve de ser interrompida porque a criança recusou apresentando protesto prolongado (choro).

1.209. A partir dessa data não voltaram a ser realizadas videochamadas porque a criança começou a apresentar protesto prolongado, choro persistente não querendo permanecer junto da câmara.

1.210. Toda a família materna da criança está no B....

1.211. Nada consta do certificado de registo criminal da progenitora.

1.212. O pai reside em ..., numa habitação pré-fabricada colocada num terreno pertencente aos seus patrões e junto à casa destes.

1.213. A habitação está a ser reabilitada e é composta por um quarto, casa de banho e cozinha.

1.214. A 7 de Junho de 2022, o progenitor não visitava a filha desde 1 de Outubro de 2021 e à Sra. Técnica da Segurança Social justificou tal situação com dificuldades de deslocação e económicas, alegando estar dependente de alguém para o transporte e apontou como solução para a AA ser entregue aos avós paternos.

1.215. De Janeiro de 2021 até à data da realização do debate judicial – 13 de Setembro de 2022 -, o pai visitou a filha quatro vezes, sempre em conjunto com a mãe da mesma, sendo que tais visitas ocorreram nos dias 3 de Março de 2021, 16 de Abril de 2021, 14 de Junho de 2021 e 1 de Outubro de 2021.

1.216. Pese embora o pai tenha declarado à Sra. Técnica da Segurança Social, em Junho de 2022 que mantinha contactos telefónicos regulares, a verdade é que, desde Janeiro de 2021 e 13 de Setembro de 2022, efectuou dois contactos telefónicos, a 19 de Outubro de 2021, para saber o que se passava com a filha dado que estava internada no hospital e 8 de Dezembro de 2021 para saber como estava a filha e esteve presente em seis videochamadas efectuadas pela mãe no ano de 2021.

1.217. O pai tem antecedentes criminais, tendo sido condenado, no ..., por sentença proferida a 30 de Agosto de 2016 e transitada em julgado a 20 de Abril de 2017, pela prática, a 14 de Junho de 2016, de um crime de assédio sexual, na pena de seis meses de prisão, de ofensa, na pena de seis meses de prisão e de resistência e coacção sobre funcionário na pena de um mês de prisão.

1.218. O inquérito n.º 336/19.... do DIAP – ... Secção de ... originado pelo auto de notícia que motivou a sinalização da criança foi arquivado por despacho proferido a 6 de Janeiro de 2020, nos termos do disposto no art.º 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo que ambos os progenitores (aí denunciantes e denunciados) recusaram prestar depoimento.

1.219. A 3 de Setembro de 2020, a progenitora apresentou queixa por violência doméstica na GNR ... contra o pai da filha AA o que originou o inquérito n.º 322/20.... do DIAP – ... Secção de ..., sendo que o mesmo foi arquivado, por despacho proferido a 28 de Junho de 2021, nos termos do disposto no art.º 277.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

1.220. O pai não compareceu ao debate judicial nem justificou a sua falta.

1.221. A irmã uterina da criança, DD, mantém o relacionamento com o namorado em .../... e desloca-se para estar com o mesmo de transportes públicos.

1.222. Após a cirurgia no Hospital ..., a criança ficou bem e sem necessidade de terapêutica, mas mantém consultas de acompanhamento.

1.223. Continua a aguardar a marcação da consulta de genética.

1.224. A progenitora tem uma outra filha, maior de idade, que reside no B..., sendo que a mesma tinha 9 anos quando a mãe emigrou para ..., permanecendo aquela no B....

1.225. Os avós paternos da criança residem na ... e apenas a visitaram aquando do seu nascimento.

1.226. A 26 de Outubro de 2020, os avós paternos da criança tinham conhecimento de toda a situação deste processo de promoção e protecção da neta AA.

1.227. O único contacto efectuado pela avó paterna da criança para cuidar de saber da neta foi o referido em 89.

1.228. Além desse telefonema, a avó paterna efectuou um outro para a instituição em Maio de 2022 para saber o que se passava com o processo da neta porque a mãe desta lhe telefonara a chorar e a dizer que o processo estava no tribunal e questionou se a neta iria para adopção.

1.229. Em tal telefonema, a avó paterna não perguntou pela neta.

1.230. Ninguém da família alargada da bebé cuidou de visitá-la ou de dela cuidar de saber desde o seu acolhimento.

1.231. Inexiste alguém na família alargada que queira cuidar da bebé.

2. E deram como não provados os seguintes factos:

2.a. O casal escolhido para padrinhos da criança continua a prestar apoio à progenitora e à filha desta, DD.

2.b. Em ..., a progenitora não tinha relações de amizade que pudessem servir de apoio caso assim necessitasse e iria sentir-se completamente abandonada juntamente com a filha, num lugar onde conheciam poucas pessoas e não possuíam amizades próximas.

2.c. Permanecendo a residir em local próximo do progenitor da AA, este iria continuar a atormentar a vida da progenitora.

2.d. A progenitora pediu, por diversas vezes, à CPCJ que transferisse a filha para uma instituição mais próxima da sua residência.

2.e. A progenitora efectuou outras visitas à filha além das referidas em 30., 68., 84., 93. e 191.

2.f. A progenitora esteve vários meses impedida de visitar a filha na instituição, por proibição de o fazer, em consequência da crise pandémica criada pelo vírus Covid-19.

3. Da nulidade por omissão de pronúncia

Invoca a Recorrente que o Acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do Código de Processo Civil, porquanto o Acórdão recorrido não se pronunciou acerca do carácter de última ratio da adoção, matéria que foi alegada pela Recorrente e que é fulcral na ponderação da decisão de um processo desta natureza.

No caso, o Acórdão da Relação apreciou os fundamentos do recurso e subsumindo os factos ao direito, concluiu que a medida de confiança para adoção era a única medida suscetível de salvaguardar os interesses da AA, em face do desinteresse manifestado pelos progenitores na filha e na ausência de vínculo parental entre os pais e a filha.

É jurisprudência pacífica neste STJ que a nulidade por omissão de pronúncia é um vício formal da decisão que se reconduz à ausência do conhecimento de alguma questão jurídica invocada pelas partes, mas assim já não fica inquinada a decisão caso não sejam apreciados todos os argumentos invocados pela parte sobre uma questão jurídica, cf. entre outros os seguintes acórdãos do STJ: de 8/10/2020 (Revista n.º 1886/19....), de 13/04/2021 (Revista n.º 3283/17....), e de 13/09/2022 (Revista n.º 19190/18....).

Ora da análise da fundamentação do Acórdão recorrido resulta claramente que o mesmo não padece de qualquer vício de nulidade, e em concreto do vício de omissão de pronúncia invocada pela Recorrente, pois procedeu o Tribunal da Relação à apreciação de todas as questões jurídicas que foram colocadas em juízo, sendo irrelevante para o cometimento do invocado vício o conhecimento em concreto da argumentação que se prende com o cariz de última ratio que a adoção reveste.

Assim, a nulidade invocada deve ser julgada improcedente.

4. Do erro de julgamento na aplicação dos critérios legais ínsitos nos artigos 1978.º, n.º 1, als. d) e e), do Código Civil, 4.º, als. a), e), f), g) e h), da LPCJP do CC, e 35.º da LPCJP

A Recorrente entende que não estão preenchidos os pressupostos das als. d) e e) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil, nem estão seriamente comprometidos os vínculos da filiação no que se refere à progenitora, pois ela não padece de doença nem de incapacidade de modo a colocar em perigo grave a segurança, saúde e desenvolvimento da filha. Atualmente a AA demonstra maior interesse e preferência pela mãe e pela sua irmã do que pelas educadoras da instituição, pelo que a AA merece residir no seio da sua família biológica. É incerto que a menor venha alguma vez a ser adotada, em face dos problemas de saúde que padece, correndo o risco de passar a infância e a adolescência numa instituição.

A intervenção ao abrigo da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo encontra-se justificada nos termos definidos no artigo 3.º deste diploma legal, ou seja nas situações em que uma criança ou jovem se encontrem numa situação de perigo. Encontra-se em perigo a criança ou o jovem nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

A intervenção das instituições e do tribunal para acautelar ou eliminar a situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem deve ser pautada pelos princípios orientadores previstos no artigo 4.º da LPCJP, o interesse superior da criança e do jovem; o respeito pela privacidade; a intervenção deverá ocorrer de forma precoce e mínima; a atuação deverá ser proporcional e atual, reservando-se ao estritamente necessário; com vista a que os pais assumam as suas responsabilidades parentais bem como pela manutenção dos laços familiares e com respeito pela continuidade das relações afetivas; a criança deve ser ouvida e a participar no seu projeto de vida, sendo sempre informadas bem como os pais; e a atuação das instituições deverá ser subsidiária e gradual.

Nos termos do artigo 34.º da LPCJP, As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e proteção, visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Por força do disposto no artigo 38.º-A, al. b), da LPCJP, a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consistindo na colocação da criança ou jovem à guarda de instituições com vista a futura adoção.

O artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil estipula que o tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:

a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;

b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;

c) Se os pais tiverem abandonado a criança;

d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;

e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.

2. Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.

3. Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.

4. A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.

Conforme se afirma no Ac. do STJ de 30/03/2023 (Revista n.º 112/16.9T8RDD.E2.S1), a confiança judicial tem como primeira finalidade a defesa da criança, evitando o protelamento da indefinição da sua condição perante os pais biológicos, já que torna desnecessário o consentimento destes, podendo, assim, o seu processo de integração numa nova família decorrer com mais serenidade e sem prejudiciais incertezas para a sua adoção.

Confiança judicial que se enraíza na consciência da criança necessitar, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, competindo à sociedade, na falta de tal relação e na ausência de familiares próximos que a possam suprir, tomar com urgência as medidas adequadas a proporcionar à criança em risco uma relação substitutiva.

Cumpre notar que a verificação dos factos objetivos previstos no artigo 1978.º, n.º 1, do Código Civil deve ser acrescida do sério comprometimento ou inexistência dos vínculos afetivos próprios da filiação entre os progenitores e a criança (Acórdãos do STJ, de 10/11/2022 (Revista n.º 1455/20.2T8GDM.P1.S1)  e de 2/02/2023 (Revista n.º 377/18.1T8FAF.P1.S1).

Também ao nível da doutrina tem sido este o entendimento dominante de que para além da verificação dos factos índice previstos no artigo 1978.º do Código Civil, é necessário apurar a falência ou o comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, cf., neste sentido, MM e NN (Curso de Direito da Família, volume II, Direito da Filiação, Tomo I, Estabelecimento da filiação/adopção”, Coimbra Editora, 2006, pág. 278).

E, como se referiu no Acórdão do STJ, de 27/05/2021 (Revista n.º 2389/15.8T8PRD-D.P1.S1), “I. Por ideal que seja a prevalência da família [cfr. artigo 4.º, al. h), da LPCJP], o essencial é sempre o interesse superior da criança ou do jovem [cfr. artigo 4.º, al. a), da LPCJP], devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [cfr. artigo 4.º, al. e), da LPCJP]. II. Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do artigo 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, actos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. III. Sempre os factos demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel de pais da criança, é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do artigo 1978.º do CC, os “vínculos afectivos próprios da filiação”.


No caso, o Acórdão recorrido discorreu sobre a verificação da al. d) do n.º 1 do artigo 1978.º do Código Civil e bem assim acerca do sério comprometimento da relação afetiva entre a mãe e a AA e entre o pai e a AA, concluindo pela necessidade da confiança judicial para adoção da AA.

Com efeito (conforme factos provados):

- a AA nasceu no dia .../.../2019, às 33 semanas de gestação, tendo necessitado de reanimação com OO e esteve internada 15 dias no serviço de neonatologia do Hospital ...; é seguida em consultas de cardiologia e de nutrição;

- o presente processo de promoção e protecção iniciou-se com um episódio de agressões físicas entre os progenitores da AA, à data com cerca de dois meses de idade, em que estavam ambos alcoolizados, deslocando-se para o posto da GNR, com a bebé ao colo, a qual apresentava uma pequena escoriação no nariz, tendo sido nessa noite institucionalizada;

- em 10-12-2019, dois dias depois deste episódio, por acordo de promoção e protecção, celebrado na CPCJ ..., foi aplicada AA uma medida de acolhimento residencial pelo período seis meses, tendo os pais assumido, entre outros, o compromisso de efectuar visitas regulares à instituição onde a criança se encontrasse acolhida, respeitando as regras e horários impostos pela mesma; a manter contactos telefónicos frequentes com a instituição; a acompanhar a criança nas consultas de especialidade e nas de rotina.

- porém, a CPCJ ... propôs à mãe da AA, ora recorrente, o acolhimento das duas numa casa abrigo, para evitar o afastamento das duas, o que a progenitora recusou;

- de Dezembro de 2019 a 17 de Janeiro de 2020 visitou a filha 2 a 3 vezes por semana;

- em 17-01-2020, a AA foi internada no Hospital ..., devido a problemas respiratórios, tendo sido autorizado à mãe que permanecesse com filha, mas foi-lhe retirada a autorização devido a instabilidade que causava na filha, tendo-lhe retirado a máscara de oxigénio da cara e entrada em conflito com a enfermeira;

- em 22-06-2020, por novo acordo de promoção e protecção foi aplicada nova medida de acolhimento residencial por mais seis meses;

- os pais deixaram de visitar a filha na instituição, por não existirem transportes regulares para ..., fazendo vídeo-chamadas para a filha;

- os progenitores, neste período, separaram-se e reataram a relação afectiva algumas vezes, sendo que cada vez que se separavam queixava-se à CPCJ dos problemas com o álcool que a progenitora tinha;

- Desde Setembro/Outubro de 2020 que a progenitora mudou-se para a ... com a filha DD;

- o pai esteve desde 24-06-2020 até 08-10-2020 sem visitar a filha na instituição, tendo a visita deste dia a duração de 20 minutos;

- a mãe esteve desde 24-06-2020 até 15-10-2020 sem visitar a filha na instituição;

- a avó paterna telefonou pela primeira vez para a instituição em Novembro de 2020 a perguntar se a neta estava bem e se era normal;

- em Dezembro de 2020 os progenitores voltaram a fazer uma visita à filha, tendo a menina chorado ao ir para o colo da mãe;

- em 03-02-2021 foi prorrogada a medida de acolhimento por mais um ano, através de novo acordo;

- em 03-02-2021, o pai afirmou na CPCJ ... não ter condições para cuidar da filha por ter de trabalhar e teria de pagar a uma ama para ficar com a filha, tendo apontado como solução para a AA que a mesma ficasse com os avós paternos na ... até ao 1.ª ciclo e que depois poderia ficar com ela;

- em Março de 2021 os pais reataram o relacionamento afectivo, tendo o progenitor mudado a sua residência para a ..., para junto da mãe da AA, onde viviam num apartamento T3 com boas condições, tendo permanecido juntos até Outubro de 2021;

- A filha DD também foi sinalizada pela CPCJ ... por estar exposta a episódios de violência doméstica entre os progenitores da AA;

- Até 1 de Outubro de 2021, a criança reagia às visitas dos pais e da irmã DD com desconforto e não os reconhecendo como figuras de referência com as quais tivesse relação;

- chorava quando entrava para a sala e recusava sair do colo da educadora, sendo necessário para que se acalmasse que a mesma permanecesse na sala durante o tempo da visita e apesar das tentativas da mãe para se aproximar a AA protestava, chorando e recusando a aproximação da mesma;

- por motivo de doença, a AA foi internada em 18-10-2021 e a mãe disponibilizou-se para acompanhar a filha no internamento, mas a menina chorava compulsivamente e não aceitou a aproximação da mãe;

- a 24-02-2022, a criança não reconhecia nenhum dos progenitores, rejeitando qualquer tentativa de aproximação encetada pelos mesmos sendo absolutamente necessária a presença de uma educadora no decurso das visitas, ficando a menina em sofrimento quando entrava na sala de visitas, recusando sair do colo da técnica;

- A 24-03-2022, a CPCJ ... deliberou a aplicação à criança de uma medida de confiança a instituição com vista a futura adopção;

- a progenitora manifestou pretender continuar a residir em ..., não querendo aproximar-se de ..., onde a filha está acolhida;

- em 2021 e até Setembro de 2022, a progenitora visitou a filha, em média 1 a 2 vezes por mês;

- actualmente, a criança já não recusa entrar na sala de visita, mas tem de estar presente uma educadora e quando estava tenta sair da sala, a menina vai logo atrás, sendo que nem sempre interage com mãe e com a irmã;

- a criança já se senta na mesa da sala de visitas e “permite” que a mãe e a irmã uterina estejam ao lado dela e lhe toquem e diz “mãe” quando vai para a visita;

- a progenitora tem a sua família no B....


O Acórdão recorrido analisou a referida matéria de facto, tendo concluído que os pais, devido a episódios de agressões físicas e abuso de bebidas alcoólicas colocaram em perigo a integridade física da filha AA, tendo, uma vez, quando ela tinha dois meses, ficado com uma pequena escoriação.

É verdade que junto da menor AA apenas se mostra relatado um episódio com efeito nefasto, e mesmo este não foi intencionalmente criado pelos progenitores.

Não está relatado ou documentado nos autos que o pai e a mãe padeçam de alguma doença mental ou incapacidade física, tal estes dois requisitos não são essenciais para fazer funcionar o artigo 1978.º do Código Civil. Independentemente desta condição física ou da doença, é de aplicar o artigo 1978.º do Código Civil quando os progenitores não padecem de qualquer doença ou incapacidade, mas, em face das suas atitudes e comportamentos, colocam em causa a saúde, a integridade física e o são desenvolvimento dos filhos.

Os pais, durante mais de dois anos, concordaram com a institucionalização da AA, sendo certo que a mãe, ora Recorrente, recusou o acolhimento em casa abrigo em conjunto com a filha, onde poderia ter permanecido na sua companhia.

Contudo, este também não seria um projeto de vida satisfatório para uma criança, atentas as limitações que esse acolhimento obriga.


Mais, apesar da pandemia e das dificuldades de deslocação e de comunicação, as atitudes da progenitora revelam conformismo e aceitação da separação da filha e com a sua institucionalização, o que nunca colocou em causa, se fosse temporária e como um tempo de espera para criar condições para ter consigo, de novo, a menor.


Mas, a verdade é que se passaram mais de dois anos e nem o pai nem a mãe conseguiram apresentar um projeto de vida para a AA .

A mãe afastou-se do local onde a filha estava acolhida, em ..., indo para a zona centro do país, por aí ter mais apoio de uns amigos.

A AA é uma menina que nasceu com problemas cardíacos, já foi submetida a uma operação delicada, esteve sujeita a alguns internamentos, o que revela ser uma criança que necessita de um apoio e acompanhamento mais próximo e efetivo.

O pai assumiu diretamente não ter condições para ficar com a filha, achando que os seus pais, já com alguma idade, residentes na ... e que nunca visitaram a neta, poderiam ficar com ela, não sabendo bem quando nem como.

A mãe e ora Recorrente apresenta alguma estabilidade económica e tem uma habitação com condições para receber a filha, sendo certo que afirma processualmente a sua vontade de ficar com a filha.

 Mas será que os seus comportamentos, demonstrados nos factos provados, revelam, firmeza e consistência nessa vontade?

Ou, tal como decidido no Acórdão recorrido, o comportamento da mãe demonstra que os laços afetivos com a AA estão definitivamente comprometidos?

Por relevante e apresentar alguma densificação daquilo que é o comprometimento dos laços afetivos, destacamos o Acórdão do STJ, de 14/07/2021 (Revista n.º 1906/20.6T8VCT.G1.S1), que estabeleceu que I - Por ideal que seja a prevalência da família [cfr. art. 4.º, al. h), da LPCJP], o essencial é sempre o interesse superior da criança ou do jovem [cfr. art. 4.º, al. a), da LPCJP], devendo a medida a aplicar ser a necessária e a adequada a salvaguardar a criança ou o jovem do perigo em que se encontra no momento da aplicação da medida [cfr. art. 4.º, al. e), da LPCJP]. II - Para se aferir da existência ou do não comprometimento sério dos “vínculos afectivos próprios da filiação” para os efeitos do n.º 1 do art. 1978.º do CC não basta ver se existe uma ligação afectiva entre o(s) progenitor(es) e a criança; é preciso ver se ela se concretiza em gestos, actos ou atitudes que revelem de que o(s) progenitor(es) têm(tem) não só a preocupação como também a aptidão para assumir plenamente o papel que, por natureza, lhes cabe – o papel de pai(s) da criança. III - Sempre que os factos demonstrem, seja o desinteresse, seja a falta de capacidade do(s) progenitor(es) para assumir plenamente este papel de pais da criança, é de concluir que não existem ou estão seriamente comprometidos, para os efeitos da norma do art. 1978.º do CC, os “vínculos afectivos próprios da filiação”.

Da jurisprudência deste STJ, não basta que o progenitor tenha uma mínima ligação afetiva com o filho, sendo, igualmente, necessário que o progenitor demonstre e concretize em atos e gestos que tem aptidão para desempenhar o papel de pai ou de mãe, demonstre preocupação, afeto e adeque a sua vida e os seus comportamentos às necessidades que o filho apresenta.


Ora, os factos provados não demonstram que os vínculos afetivos da progenitora com a AA estão deveras comprometidos.

Assim, a progenitora tem manifestado interesse pela filha (cf. factos provados sob os pontos 1.78, 1.85, 1.93), visitado a menor muitas vezes, ao longo destes anos, considerando a ocorrência da pandemia, com todas as dificuldades conhecidas em transportes e contactos pessoais, e o local de residência e trabalho da mãe e da instituição de acolhimento (cf. factos provados constantes dos pontos 1.191 e 1.203), acompanhando a filha na doença, incluindo no internamento hospitalar (cf. factos provados sob os pontos 1.135 e 1.139).

Por outro lado, a progenitora trabalha (cf. factos provados sob os pontos 1.155, 1.170, 1.172, 1.188 e 1.189) e tem boas condições de habitação (cf. factos provados sob os pontos 1.118, 1.119, 1.152, 1.180, 1.181), bem como, e principalmente, as ligações afetivas entre a progenitora e a menor se desenvolvem (cf. factos provados sob os pontos 1.153, 1.161, 1.183, 1.192, 1.193, 1.204).

Por fim, a mudança de residência da mãe da menor, para local mais afastado da instituição onde se encontra a menor, para uma outra localidade da região centro do país, não demonstra desinteresse no acompanhamento e contactos com a menor, mas a pretensão da progenitora de criar condições para que a menor viesse, no futuro, a viver consigo. Refere-se a fls. 276 do processo físico, que “A casa onde habita (a Recorrente) atualmente, é um T3 Duplex, com excelentes condições habitacionais. Está devidamente mobilado e equipado. Aquando da realização de 2 visitas domiciliárias realizadas por esta CPCJ, a habitação apresentava-se com excelente nível de higiene e arrumação. A mãe tem um quarto preparado para receber AA”.

 

É certo que viver institucionalizada não é um projeto de vida aceitável para uma menina com cerca de 4 anos. A institucionalização visa tão só a defesa temporária da criança, a fim de acautelar situações de sofrimento no seio da família, não serve para perpetuar o acolhimento. Esta resposta social tem, igualmente, como desiderato encontrar um projeto de vida para a criança que permita o seu pleno desenvolvimento, em primeiro lugar junto à família biológica, se esta demonstrar ter condições para tanto, mas caso tal não aconteça, deve ser procurada uma resposta junto de outra família que com condições e amor para acolher a criança. O tempo da criança urge.


A medida de confiança com vista à futura adoção constitui a última ratio das medidas de promoção e proteção que o nosso ordenamento acolhe, mas, em face do demonstrado interesse da progenitora em manter e aprofundar os vínculos afetivos com a AA, pode perspetivar-se que, num futuro próximo, se consiga reverter a situação, permitindo concretizar o superior interesse da menor, que neste momento não passa pela rutura com a sua família biológica, mas, ao tempo, não passa por prolongar a sua institucionalização como projeto de vida por muito mais.


Assim, e antes de se concretizar a rutura familiar, importa proporcionar à progenitora e à menor um acompanhamento que permita aprofundar os laços afetivos que começaram a desenvolver-se entre a progenitora e a menor, não se devendo seguir o caminho de imediato quebrar os laços familiar.

Agora que a menor aceita a proximidade da progenitora, que foi procurada por todos, e se começam a consolidar laços afetivos, é desproporcionada a medida aplicada.



Deste modo, o recurso tem de proceder.

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em conceder a revista, e, consequentemente, em revogar o Acórdão recorrido.

Sem custas.



Lisboa, 9 de maio de 2023




Pedro de Lima Gonçalves

   

Maria João Vaz Tomé


António Magalhães



Sumário:

I. A intervenção ao abrigo da Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo justifica-se nos termos definidos no artigo 3.º deste diploma legal, ou seja nas situações em que uma criança ou jovem se encontrem numa situação de perigo. Encontra-se em perigo a criança ou o jovem nas situações em que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

II. A intervenção das instituições e do tribunal para acautelar ou eliminar a situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontrem deve ser pautada pelos princípios orientadores previstos no artigo 4.º da LPCJP, o interesse superior da criança e do jovem; o respeito pela privacidade; a intervenção deverá ocorrer de forma precoce e mínima; a atuação deverá ser proporcional e atual, reservando-se ao estritamente necessário; com vista a que os pais assumam as suas responsabilidades parentais bem como pela manutenção dos laços familiares e com respeito pela continuidade das relações afetivas; a criança deve ser ouvida e a participar no seu projeto de vida, sendo sempre informadas bem como os pais; e a atuação das instituições deverá ser subsidiária e gradual.

III. A confiança judicial tem como primeira finalidade a defesa da criança, evitando o protelamento da indefinição da sua condição perante os pais biológicos, já que torna desnecessário o consentimento destes, podendo, assim, o seu processo de integração numa nova família decorrer com mais serenidade e sem prejudiciais incertezas para a sua adoção.

Confiança judicial que se enraíza na consciência da criança necessitar, desde o nascimento e especialmente na primeira infância, de uma relação minimamente equilibrada com ambos os pais, competindo à sociedade, na falta de tal relação e na ausência de familiares próximos que a possam suprir, tomar com urgência as medidas adequadas a proporcionar à criança em risco uma relação substitutiva.