Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
263/06.8JFLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
MÉTODOS PROIBIDOS DE PROVA
CASO JULGADO
CORRUPÇÃO
CORRUPÇÃO ACTIVA
TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS
PENA
FINS DAS PENAS
ESCOLHA DA PENA
PENA DE PRISÃO
PENA DE MULTA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA SUSPENSA
CONDIÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 01/20/2012
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDOS PARCIALMENTE OS RECURSOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DO ASSISTENTE
Sumário :

I - O crime de corrupção ativa para ato lícito a titulares de cargos políticos, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, vigente ao tempo dos factos, é punível com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
II - O procedimento criminal por crime punível com pena inferior a um ano de prisão extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido dois anos (art.º 118.º, n.º 1, al. d, do CPP).
III - Nos termos do art.º 119.º, n.ºs 1 e 2, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo que o prazo de prescrição só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação.
IV - Porém, de acordo com o art.º 121.º, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se, nos casos que ora nos interessam, com a constituição de arguido e com a notificação da acusação. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
V - O arguido nestes autos foi constituído como tal em 17/02/2006 (fls. 159, 1º. volume) e foi notificado da acusação por via postal simples remetida em 10/01/2007, o distribuidor do serviço postal depositou a carta no dia imediato e, portanto, a notificação considera-se efetuada em 16/01/2007 (terça-feira) – cf. art.º 113.º, n.º 3, do CPP. Em qualquer dessa datas se interrompeu, portanto, a contagem do prazo da prescrição.
VI - Mas, a notificação da acusação, simultaneamente, suspendeu a contagem do prazo, pelo prazo máximo de 3 anos (art.º 120.º, n.ºs 1, al. b e 2, do CPP).
VII - Relativamente a este último prazo máximo de 3 anos de suspensão da contagem da prescrição, a lei não estabelece qual o seu termo, ao contrário do que sucede nos casos das outras alíneas do n.º 1 do art.º 120.º, cujo termo será o “dia em que cessar a causa da suspensão” (n.º 3), isto é, quando houver autorização legal, ou for proferida sentença no estrangeiro, ou findar a contumácia, etc.
VIII - Com efeito, a “notificação da acusação”, como causa de suspensão, esgota-se no próprio ato e, portanto, não se pode ficar à espera de “cessar a causa da suspensão”, nos termos do n.º 3. Por isso, o único entendimento possível é o de que a suspensão da contagem do prazo da prescrição do procedimento criminal, por força da notificação da acusação ao arguido, destina-se a permitir que, num prazo razoável, contado pelo máximo de 3 anos, se efetue o julgamento e se processem os recursos das decisões que entretanto venham a ser proferidas. Por isso, o prazo de suspensão, nesse caso, é de 3 anos e só será menor se transitar até lá a decisão final que decidir a causa. Na realidade, é o que a própria alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º refere: «- A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…) b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação…».
IX - Da conjugação de todas estas normas resulta que a prescrição do procedimento criminal só ocorre, no caso dos autos, no prazo de seis anos contados ou desde a consumação do crime, portanto em 27-01-2012 ou 30-01-2012 (consoante se considere que o crime é ou não de atividade), ou em 17-02-2012, seis anos depois da constituição de arguido, como é opinião de alguma Doutrina.

X - O arguido, aqui recorrido, invocou diversas ilegalidades suscetíveis de tornarem alguns meios de prova proibidos e, portanto, nulos. Todavia, como bem decidiu o acórdão recorrido, toda essa matéria foi objeto de decisão do Tribunal da Relação de ..., proferida em 21-10-2008 e já transitada em julgado.

XI - Ora, se o Tribunal da Relação já decidiu essas questões por acórdão transitado em julgado, não podia o mesmo tribunal na decisão recorrida – como não pode agora o STJ neste recurso – voltar a discutir o mesmo assunto, sob pena de violação do caso julgado formal.

XII - Segundo o art.º 672.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

XIII - O caso julgado formal existe para impedir que no âmbito do mesmo processo recaiam uma ou mais decisões contraditórias com outra que, sendo suscetível de recurso, já tenha transitado em julgado.

XIV - O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º.

XV - No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, o STJ, pelo Acórdão de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais” e por Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004 (Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."

XVI - A interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004).

XVII - O assistente B é vereador da Câmara Municipal de ... e, portanto, titular de cargo político (art.º 3.º, al. i) da Lei 34/87, de 16/07).

XVIII - É fora de dúvida que o arguido ofereceu ao assistente, por intermédio do irmão deste, uma vantagem patrimonial de € 200 000,00 para que praticasse determinados atos, a saber:

1º- Desistência da ação popular já movida pelo assistente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., contra o Município de ..., a sociedade "D" e a "G", tendo em vista tal ação que o Tribunal declarasse a nulidade das deliberações que aprovaram o acordo e do contrato de permuta de terrenos do “D” pela “F”, bem como a nulidade da deliberação e das operações de loteamento do terreno onde se encontrava instalada a F.

2º- Afirmação pública do assistente perante a Câmara Municipal de ... e perante jornalistas, na qual deveria declarar que, tendo consultado os processos camarários respetivos, as pessoas e as entidades que haviam negociado com a CML o contrato da F / D, isto é, o arguido e os demais acionistas da "C" e da "D", haviam estado de boa fé, tendo cumprido as exigências legais, pelo que não deveriam ser prejudicados, tanto mais que apenas haviam atuado na defesa dos interesses das suas empresas.

3º- O silêncio futuro do Assistente, em particular no que se pudesse referir ao direito de preferência reconhecido pela Câmara Municipal de ... (facto a.40 da matéria de facto provada).

XIV - Os atos dos funcionários, para serem relevantes para o preenchimento dos tipos da corrupção, hão de caber dentro das suas específicas competências legais ou dos poderes de facto decorrentes do cargo que desempenham.»

XV - Ora, das três contrapartidas acima discriminadas, exigidas pelo arguido ao assistente a troco da gratificação que se lhe propunha dar, uma estava manifestamente fora das competências legais ou dos poderes de facto decorrentes do cargo político que o assistente exercia, pois que a ação popular tinha sido proposta pelo cidadão B antes de ocupar qualquer cargo político e, portanto, a apresentação de uma desistência dessa ação, ainda que uma contrapartida remuneratória, não passaria de uma vulgar transação processual, em que o autor, a troco de um benefício oferecido pelo réu, desiste do pedido.

XVI - Já a declaração pública que o arguido desejava que fosse feita pelo vereador B e o seu posterior silêncio quanto ao exercício do direito de preferência pela Câmara, a troco da gratificação prometida, tem de ser encarada de outro modo.

XVII - É que um vereador de uma Câmara não exerce apenas o cargo no que respeita ao pelouro ou aos pelouros que lhe são atribuídos. As suas funções estendem-se por outras áreas, pois, nomeadamente, tem funções políticas, de representação do partido ou do grupo de cidadãos que o elegeram e, para além disso, outras funções administrativas nos órgãos autárquicos, nomeadamente, as de fiscalização da legalidade, podendo e devendo suscitar perante a Assembleia Municipal as irregularidades ou nulidades dos atos camarários.

XVIII - Assim, ao pretender que a troco da vantagem económica prometida, o vereador B se vinculasse perante a Câmara e perante a opinião pública, em declaração formal, que os atos de permuta supra referidos eram, afinal, válidos e límpidos e ao comprometer-se a que, no futuro, se mantivesse silencioso em relação a tudo que a tal respeitasse, nomeadamente, quanto ao exercício do direito de opção por parte da Câmara, o arguido estava a condicionar o exercício do cargo que aquele vereador exercia, tanto na vertente política, como no próprio desempenho do seu cargo.

XIX - E os atos que o vereador em causa pudesse ou não praticar não estavam dependentes de uma sua “opinião”, mas de um poder/dever inerente ao seu cargo administrativo e político, de respeitar a legalidade e os compromissos, ao menos, com os cidadãos eleitores.

XX - Não faz qualquer sentido uma pretensa similitude entre atos hipoteticamente praticados por juízes e atos hipoteticamente praticados por um vereador, pois que a esfera de atuação de um juiz é limitada aos processos que lhe estão afetos no tribunal onde presta funções, enquanto um vereador é um político, pois como tal o define a lei e, portanto, as suas funções não se limitam apenas aos papéis e dossiers que lhe são colocados na secretária.

XXI - Não faz parte do objeto deste recurso averiguar se a corrupção ativa praticada pelo arguido foi para ato ilícito. Assim, estando-nos vedado caminhar nessa direção, não resta senão reconhecer que o arguido, por si, prometeu a titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial que ao titular de cargo político não era devida, com o fim de que o mesmo praticasse atos que cabem na sua esfera de atuação desse cargo. Por outro lado, está provado que o arguido A atuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto a.55).

XXII - Por isso, o arguido cometeu um crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11.

XXIII - O crime praticado pelo arguido assume, no quadro da moldura penal respetiva, uma ilicitude muito alta, quase no seu máximo possível, pois a promessa de gratificação foi feita de um modo insistente e repetido, durante vários dias e através de três encontros pessoais.

XXIV - Por outro lado, ainda no quadro da ilicitude, há que referir que a quantia prometida pelo arguido como suborno era de valor consideravelmente elevado, o que, por si só, é elucidativo de que o arguido pretendia obter, ao comprar atos e omissões do assistente, elevadíssimos proventos com o negócio subjacente, em desrespeito pela coisa pública.

XXV - Como se sabe, os relatórios divulgados demonstram que em Portugal o fenómeno da corrupção tem minado o Erário Público e a confiança dos cidadãos nas instituições. Há, portanto, elevadas exigências de punição nos casos de corrupção que são detetados.

XXVI - O dolo do arguido foi elevadíssimo.

XXVII - Quanto à personalidade do arguido, há que ter em conta a sua idade (nascido em 17-09-1954), o seu percurso pessoal, cultural e empresarial, as suas estáveis condições familiares e a sua boa integração social, as suas elevadas condições económico-financeiras, a sua conduta social e comunitária e a sua escolaridade. Não tem antecedentes criminais.

XXVIII - Tudo ponderado, atenta a fortíssima exigência de prevenção geral já apontada, a pena de multa alternativa não poderá corresponder às expectativas comunitárias na validade da norma, pois não conduziria à tutela dos bens jurídicos que se exprime no caso concreto. Será, pois, de fixar a pena em 5 (cinco) meses de prisão.

XXIX - Contudo, a ausência de antecedentes criminais e a boa inserção social e familiar do arguido levam a que o tribunal, a par de uma estratégia intimidatória, não possa deixar de fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça da pena e a mera censura do facto irão afastar o arguido da criminalidade e não defraudarão as finalidades da pena neste caso concreto, tanto mais que já passaram quase seis anos e não chegou a haver entrega de dinheiro, nem o político em questão se deixou corromper.

XXX - Por isso, nos termos dos art.ºs 50.º e 51.º do CP, a pena será suspensa por um ano, mas com a condição de o arguido entregar, no prazo de dois meses, na Repartição de Finanças da área da sua residência quantia igual à que prometeu como suborno, isto é, € 200 000,00 (duzentos mil euros), que assim reverterá para o Erário Público.

XXXI - Não se diga que esta quantia é desproporcionada, pois se o MP o tivesse requerido, ou se fosse objeto deste recurso, tal quantia teria de ser declarada perdida para o Estado (cf. art.º 111.º, n.º 1, do CP: “Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado”). 
Ac. STJ de

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 263/06.8JFLSB.L1.S1
(1)


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça

1. A foi julgado na 1ª Vara Criminal de ..., no âmbito do processo n.º 263/06.8JFLSB, estando então acusado pelo M.º P.º e pelo Assistente B, que acompanhou a acusação daquele, posteriormente também pronunciado pela prática de um crime de corrupção ativa para a prática de ato ilícito, previsto e punível no art.º 374.º, n.º 1, por referência aos art.ºs 376.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, ambos do C. Penal, bem como no art.º 18.º, n.º 1, por referência aos art.ºs 16.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, alínea i), da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11.

Por acórdão de 23/02/2009, foi condenado, naquela 1ª instância, como autor material de um crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, na pena de 25 (vinte e cinco) dias de multa à razão diária de € 200 (duzentos euros), o que perfaz o montante global de € 5000 (cinco mil euros).

Desse acórdão condenatório recorreram para o Tribunal da Relação de ... quer o arguido, que pediu a sua absolvição, quer o M.º P.º e o Assistente, estes a pedirem a condenação do arguido pela prática do crime por que estava pronunciado.

Por acórdão de 22-04-2010, o Tribunal da Relação de ... veio a absolver o arguido, com o fundamento de que os factos provados na 1ª instância não configuravam a factualidade típica do crime de corrupção ativa de titular de cargo político.

2. Inconformados, recorreram para o STJ o M.º P.º e o Assistente.

No STJ, por decisão sumária do relator de 15 de outubro de 2010, posteriormente confirmada na conferência por acórdão de 2 de dezembro de 2010, foi entendido que a interpretação do art.º 400.º do CPP que conduz à admissibilidade de um segundo grau de recurso, nos casos de absolvição na relação em recurso de uma condenação na 1ª instância em pena não privativa da liberdade, estava ferida de inconstitucionalidade, pelo que os recursos foram rejeitados.

Mas, por acórdão do Tribunal Constitucional de 16-11-2011, foi entendido não existir tal inconstitucionalidade, pelo que, regressados os autos ao STJ em 13-12-2011, prosseguiram os recursos interpostos da decisão da Relação.

3. Da motivação do recurso do Ministério Público para o STJ foram formuladas as seguintes conclusões:

1) A decisão ora sob recurso, ao referir tabelarmente que as partes das transcrições que o Ministério Público considera relevantes para que se dê como provados os factos referidos nas alíneas a) a g) da matéria não provada não impõem as conclusões fácticas pretendidas, embora as possam admitir, omitindo a explicitação por que assim o considerou, incorre em falta de fundamentação, o que configura nulidade do acórdão (C.P.P., art.ºs 425.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, a), e 374.º, n.º 2); 

2) Entre os factos considerados não provados constantes das alíneas e) e f) - e descritos no corpo da motivação - e os tidos como provados existe contradição insanável na fundamentação, o que integra o vício previsto no art.º 400.º, n.º 2, b), do C.P.P;

3) Ao dar como não provados os factos inscritos nas alíneas e) e f) e retro-descritos, o tribunal de 1ª instância incorre em erro notório da apreciação da prova, vício elencado no art.º 410.º, n.º 2, c), do C.P.P., e que contagiou o aresto de que ora se recorre;

4) Mesmo só a factualidade julgada provada permite a imputação ao Réu A do crime de corrupção ativa para a prática de ato lícito, p. e p. através da aplicação e interpretação combinadas dos art.ºs 374.º, n.º 1, 376.º, n.º 1, e 386.º, n.º 1, do Código Penal, e 18.º, n.º 1, 16.º, n.º 1, e 3.º, n.º 1, al. i), da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro.

Termos em que deve ser anulado o douto acórdão recorrido, ordenando-se a sua substituição por outro que conheça das questões de facto suscitadas nos recursos do Ministério Público e do Assistente, e decida em conformidade.

4. Da motivação do recurso do Assistente para o STJ foram formuladas as seguintes conclusões:

A. O Acórdão do Tribunal da Relação de ... que absolveu o arguido padece de graves vícios substantivos.

B. O Tribunal a quo errou ao fazer a operação de qualificação jurídico-penal dos factos dados como provados, não tendo feito a correta subsunção dos mesmos ao direito.

C. O Assistente tinha a competência funcional para suscitar uma proposta de deliberação camarária contrária à deliberação n.º 307/CML/2005, com as consequências daí decorrentes, designadamente no tocante à revogação da operação de loteamento. Como podia mesmo suscitar, no seio da Câmara, uma proposta de deliberação contrária à proposta de deliberação n.º 36/2005 de modo a levar à consideração da Assembleia Municipal a ilegalidade da sua deliberação de 1 de março de 2005.

D. O fundamento legal desse poder funcional do Assistente é o artigo 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo.

E. Sendo as deliberações camarárias referidas nulas do ponto de vista do Assistente, ele tinha, na qualidade de vereador, o poder-dever jurídico de suscitar a declaração pelos órgãos autárquicos da nulidade das ditas deliberações.

F. Esse poder-dever de controlo administrativo da legalidade do negócio foi posteriormente exercido pela Câmara, através da sua Deliberação n.º 33/CML/2008, de 25.1.2008, que constitui um facto histórico, público e notório.

G. E também o Assistente exerceu repetidamente estes seus poderes funcionais de controlo da legalidade, pronunciando-se no seio da Câmara, no exercício do seu cargo de vereador, contra o negócio celebrado com a C, como está claramente assente na própria matéria de facto no que se reporta ao plano de alinhamento de cérceas da Av. da República.

H. O Arguido queria comprar a vontade do Assistente de não exercer o seu poder-dever de controlo da legalidade de decisões autárquicas nulas relativas ao negócio D/F e ao loteamento dele resultante.

I. Para tanto, o Arguido pretendia uma dupla vinculação do Assistente: em primeira linha, a vinculação a fazer uma declaração diante da polis, dos eleitores, sobre a legalidade do negócio D/F; mas em segunda linha, e muito mais relevante, a vinculação implícita a ter de agir no futuro de acordo e em coerência com essa declaração, não se opondo no plano camarário à manutenção do negócio, que estava em discussão, isto é, conformando-se "em silêncio" com o negócio e o exercício de preferência dele decorrente.

J. A ação popular nasceu como um ato da consciência cívica do cidadão BI mas a sua natureza alterou-se a partir do momento em que o dito cidadão assumiu funções como vereador, pois a partir de então ela correspondia ao exercício de um poder­dever jurídico do vereador B de impugnação de decisões autárquicas nulas, nos termos expressos do artigo 134.º n.º 2 do CPA.

K. Se o Assistente tivesse agido como o Arguido queria, ele teria violado grosseiramente e sem escrúpulos as normas legais que regulam os seus deveres funcionais, vinculando-se a interesses particulares no que toca à decisão sobre uma matéria da sua competência funcional: a fiscalização da observância pela câmara das normas legais no negócio do D/F.

L. Se o Assistente tivesse agido como o Arguido queria, teria violado flagrantemente os seus deveres de defesa dos interesses públicos do Estado e da respetiva autarquia e desrespeitado frontalmente o fim público dos poderes em que se encontram investidos, subjugando-se aos fins de terceiros, a troco de peita.

M. O Arguido tinha plena consciência do ilícito que praticava, querendo condicionar o exercício das funções políticas de um vereador e a sua autonomia decisória.

N. Mesmo que o Assistente tivesse simulado a sua competência funcional para interferir na execução do contrato D/F, o Arguido teria cometido o crime de corrupção ativa para ato ilícito, uma vez que ele representou e quis que o Assistente na qualidade de vereador não interferisse no "desenvolvimento dos projetos da F" (facto a.40), como representou e quis condicionar o exercício das suas funções (facto a.53).

O. Tudo ponderado, o Assistente tinha poderes de direito e de facto como vereador, que o Arguido quis comprar a troco de peita, o que a ter acontecido constituiria uma crassa violação dos deveres funcionais do Assistente.

P. O Arguido cometeu, desse modo, o crime de corrupção para ato ilícito, tal como foi acusado pelo Ministério Público e pelo Assistente.

Q. Ao não ter condenado o arguido pela prática de um crime de corrupção para ato ilícito e ao ter, ao invés, absolvido o mesmo, o tribunal a quo violou o artigo 185º, n.º 1, por referência ao artigo 16.º, n.º 1 e n.º 3, alínea i) da Lei 34/87 de 16/07, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, e ainda os artigos 40.º, n.ºs 1 e 2, e 71º do Código Penal.

R. O Acórdão a quo deve, consequentemente, ser revogado e, por existirem todos os pressupostos fácticos, jurídicos e processuais, deve o arguido ser agora justamente condenado pela prática de um crime de corrupção para ato ilícito.

5. O arguido respondeu aos recursos e concluiu assim:

1 a 10 (…) [sobre a questão já ultrapassada da irrecorribilidade]

11 - Os factos provados não preenchem a factualidade típica do crime de corrupção ativa em nenhuma das suas modalidades, pelo que o Recorrido foi bem absolvido, devendo manter­se, nessa parte, o douto acórdão impugnado, na hipótese (que não se concede) de o Supremo tomar conhecimento dos recursos.

12 - E não a preenchem, seja porque os atos solicitados (segundo a matéria de facto provada) ao Assistente não fazem parte da esfera das suas funções de Vereador, nem integram os poderes de direito ou de facto nem os deveres inerentes a essa cargo,

13 - Seja porque não está preenchido o elemento volitivo do tipo - "fim indicado no art.º 170.º da Lei 34/87 - que exige o dolo direto e não é compaginável com o dolo eventual ou necessário.

TAMBÉM SEM PRESCINDIR:

14 - Se por absurdo viesse a entender-se que o Arguido praticou o crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, 2, da Lei 34/87, sempre seria certo que o respetivo procedimento estaria extinto por prescrição.

15 - Esse crime é punível com pena de prisão até seis meses (ou com multa).

16 - Nos termos previstos na al. d) do n.º 1 do art.º 118.º do Código Penal, o respetivo procedimento prescreve no prazo de dois anos.

17 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se com a notificação do despacho que designa dia para julgamento - al. d) do n.º 2 ao art.º 121.º -, despacho este que foi notificado ao Arguido no dia 17 de novembro de 2007.

18 - Portanto, há muito mais de dois anos.

19 - Logo, o procedimento criminal estaria extinto por prescrição o que, na hipótese absurda que está a ser configurada, sempre teria de ser declarado.

AINDA SEM PRESCINDIR:

20 - Ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC, aplicável por força do disposto no art.º 4.º do CPP, o Recorrido tem interesse na apreciação das questões que suscitou perante a Relação e em que ficou vencido no douto acórdão em mérito, reapreciação que, ao abrigo desses preceitos, requer.

21 - O douto acórdão não tomou conhecimento das questões agora em referência, por ter considerado que tinha transitado em julgado o douto acórdão que sobre elas tinha proferido a Relação de ... na fase instrutória do processo.

22 - Na esteira do Ac. TC n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008, esse entendimento não pode sufragar-se, posto que este último acórdão incidiu sobre decisões provisórias (sobre as quais nunca chega, em boa verdade. a formar-­se caso julgado, porque dizem respeito a proibições de prova – cf. al. e) do n.º 1 do art.º 449°) e, portanto, por um lado não formava, nem formou, caso julgado (tanto assim que o Tribunal Coletivo voltou a conhecer daquelas questões), nem admitia sequer recurso para o Tribunal Constitucional.

23 - O art.º 310.º, 1, CPP, interpretado no sentido de que formam caso julgado as decisões relativas à validade ou nulidade das provas e à inconstitucionalidade das normas nelas implicadas, proferidas em recurso, durante a fase da instrução, é inconstitucional, por violação do art.º 32.º, n.º 1, CRP.

23 - Tais como foram autorizadas e levadas a cabo no processo e serviram de fundamento para a decisão impugnada, as escutas telefónicas, a ação encoberta, as gravações de som e imagem sem consentimento são ilegais e nulas.

24 - Tanto por violação dos pressupostos materiais como das exigências formais ­procedimentais de que a lei faz depender a admissibilidade e validade destas medidas.

25 - A nulidade resulta logo da ostensiva e total falta de fundamentação do despacho do Juiz de Instrução, de fls. 15 dos autos, que autorizou as escutas telefónicas, as gravações de conversas entre presentes e os registos de imagem.

26 - O despacho é totalmente omisso quanto a todos os tópicos que devia convocar e sustentar: crime a perseguir, a sua pertinência ao catálogo das respetivas medidas, a suspeita fundada em factos concretos, a necessidade/subsidiariedade e a proporcionalidade.

27 Mais do que uma fundamentação irregular ou insuficiente, o que está em causa é a inexistência pura e simples de fundamentação.

28 - Patente e chocante, para além disso, a violação dos princípios de subsidiariedade e de proporcionalidade.

29 - Por um lado, não há qualquer justificação para o recurso a uma escalada de medidas, não se explicando porque são todas indispensáveis e necessárias.

30 - Por outro, porquanto, para fazer face a uma infração situada no limiar inferior da ilicitude penal - e quase bagatelar (crime de corrupção ativa para ato ilícito), foi mobilizado um arsenal de meios dos mais gravosos e invasivos, como se se tratasse de um "combate" às formas mais drásticas da criminalidade organizada ou do terrorismo.

31 - Ao violar abertamente a lei, o Juiz de Instrução limitou-se a agir como longa manus do Ministério Público, assumindo passiva e acriticamente os seus juízos de facto e de direito.

32 - E respondendo - na hora e de forma automática - a todos os seus impulsos e solicitações.

33 - Com este procedimento, o Juiz de Instrução frustrou o sentido e função da reserva de juiz, a saber, a tutela preventiva e a representação compensatória

34 - e ofendeu, além de o disposto no n.º 2 do art.º 18.º CRP, diretamente aplicável – n.º 1 do mesmo preceito - o conjunto normativo formado pelas disposições combinadas dos art.ºs 187.°, n.º 1, e 189.º, n.º 1, CPP, 2° e 3° da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, e 1 ° e 6° da Lei 5/2002, de 11 de janeiro.

35 - As normas legais contidas nos art.ºs 2° e 3° da Lei 101/2001, de 25 de agosto, 187°, n.º 1, e 189°, n.º 1, CPP e 1 ° e 6° da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, são inconstitucionais, por ofensa do disposto nos art.ºs 18°, n.º 2, 32.º, n.º 1, e 205°, n.º 1, CRP, quando interpretadas no sentido de se considerar validamente autorizados meios ocultos de investigação (ações encobertas, escutas telefónicas, e gravações de conversas entre presentes e de imagens) através de despacho que não contenha a descrição e análise dos factos concretos que suportam a suspeita fundada da prática de crimes do catálogo que admitem o recurso a esses meios, e a ponderação, explicitada num juízo concreto, da necessidade/indispensabilidade de utilização desses meios e da sua proporcionalidade à gravidade concreta do crime a investigar.

36 - O direito português vigente - artigos 187° ss do Código de Processo Penal, Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto e Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, corretamente aplicados, nomeadamente à luz das exigências constitucionais da proporcionalidade e que foram violados pelo douto acórdão - não permite o recurso a escutas telefónicas, ações encobertas e gravação de conversas cara-a­cara e de imagem, para investigar e perseguir o crime de Corrupção ativa para ato lícito.

37 - Mesmo que as medidas pudessem ter sido legalmente autorizadas e realizadas para investigar um suposto crime de Corrupção ativa para ato ilícito, as provas através delas obtidas não podem ser valoradas para sustentar a prova do crime de Corrupção ativa para ato lícito.

38 - Isto em conformidade com os regimes dos conhecimentos fortuitos e dos conhecimentos ­da investigação.

39 - Porque as medidas - escutas telefónicas, ação encoberta, gravação de conversas cara-a-cara e de imagem - foram ilegalmente autorizadas e realizadas, as provas que elas permitiram obter não podem ser valoradas para condenar o arguido Recorrente.

40 - Sobre elas impende uma intransponível proibição de valoração – art.ºs 118°, n.º 3, 125° e 126°, n.º 2, CPP.

41 - As normas contidas nos art.ºs 189°, n.º 1, CPP, 2°, al. m), da Lei n.º 101/2001, de 25 de agosto, e 1°, n.º 3, e 6°, da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, são inconstitucionais, por violação do art.º 18°, n.º 2, CRP, quando interpretadas no sentido de permitirem o recurso à ação encoberta e ao registo de voz e imagem para investigação de crimes de corrupção ativa, para ato lícito ou ilícito.

42 - As normas legais contidas nos art.ºs 2° e 3° da Lei 101/2001, de 25 de agosto, 125.º, 187°, n.º 1, e 189°, n.º 1, CPP, e 1.º e 6° da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, são ainda inconstitucionais, por ofensa do disposto no art.º 18°, n? 2, CRP quando interpretadas no sentido de se considerar válidas para provar um crime de corrupção ativa para ato lícito as provas obtidas (quer por conhecimento fortuito quer por conhecimento de investigação) através do recurso a meios ocultos de investigação (ações encobertas, escutas telefónicas, e gravações de conversas entre presentes e de imagens) autorizados para investigação dum crime de corrupção ativa para ato ilícito pelo qual o Arguido foi absolvido.

43 - A autorização para ação encoberta concedida pelo Ministério Público, no dia 24 de janeiro de 2006 (fls. 6/7 do Apenso B) - com tão sôfrega precipitação que ocorreu dois dias antes de o proposto agente encoberto ter prestado as suas primeiras declarações -, foi comunicada, nesse dia, ao Juiz de Instrução (fls. 15 dos autos), que não proferiu despacho de recusa nas setenta e duas horas seguintes.

44 - Face ao disposto no art.º 3°, 3, da Lei 101/2001, de 25 de agosto, considerar-se-ia a ação validada.

45 - No entanto, todos os atos praticados neste processo no âmbito da ação encoberta - designadamente, as conversas entre presentes, com gravação cara-a-cara - ocorreram antes de esgotado esse prazo de setenta e duas horas,

46 - o que viola o principio da reserva de juiz e a tutela preventiva e representação compensatória que lhe estão imanentes, dos quais decorre que nenhum ato possa ser praticado ao abrigo da ação encoberta sem que tenha sido proferido um despacho expresso de validação da ação ou sem que se tenha esgotado o prazo de setenta e horas necessárias para a sua validação tácita.

47 - Interpretado em sentido divergente, que permita a execução e validade de quaisquer atos praticados no âmbito da ação encoberta antes de proferido despacho de validação expressa ou de decorrido o prazo de validação tácita, o n.º 3 do art.º 3° da Lei 101/2001, de 25 de agosto, está ferido de inconstitucionalidade material, por ofensa dos art.ºs 18°, 1, e 32°, 1 e 8, CRP.

48 - Todas as provas produzidas no processo que tiveram origem no agente encoberto Dr. H (ação encoberta, gravações de conversas entre presentes, declarações de testemunhas - dele e de todos aqueles a quem ele transmitiu os factos) estão inquinados pelo vício irremível da violação de sigilo profissional de advogado e não podem valer em juízo.

49 - Ao decidir de modo diverso, o douto acórdão valorou prova proibida e ofendeu, por isso, o disposto no art.º 87°, n.º 1, al. e), e n.º 5, da lei 15/2005, de 26 de janeiro, e no art.º 125° CPP.

50 - Além do que, ao considerar permitida a atuação como agente encoberto dum Advogado, maxime com violação do sigilo profissional, assumiu uma interpretação inconstitucional das disposições conjugadas dos art.ºs 2° e 3°, n.º 1, da Lei 101/2001, de 25 de agosto, e 87°, n.º 1, al. e), e n.º 5, da Lei 15/2005, de 26 de janeiro, por violação do art.º 208° CRP.

6. No Supremo Tribunal de Justiça, após o acórdão do Tribunal Constitucional já referido, o M.º P.º pronunciou-se no sentido de que a prescrição do procedimento criminal ocorreria durante o corrente mês de janeiro, sem especificar a data respetiva.

7. Notificado o arguido e o assistente da questão prévia suscitada pelo M.º P.º, disseram, em resumo, o seguinte:


A) O arguido:

Para determinação do momento em que se concretiza a prescrição do procedimento criminal, há que ponderar os seguintes factos e datas:

- O Arguido está definitivamente absolvido do crime de corrupção ativa para ato ilícito por que foi acusado;

- O crime de corrupção ativa para ato lícito previsto pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 é punível com pena de prisão até seis meses ou multa;

- A ser verdadeira a acusação, o crime ter-se-ia consumado no dia 22 de janeiro de 2006 (data do primeiro encontro entre o Arguido e o agente dito encoberto Dr. H);

- Quando menos, ter-se-ia consumado no dia 27 de janeiro de 2006 (data do último encontro entre o Arguido e o mesmo agente dito encoberto);

- O Requerente foi constituído arguido no dia 17 de fevereiro de 2006;

- O Requerente foi notificado da acusação no dia 13 de janeiro de 2007;

- O Requerente foi notificado do despacho que designou data para julgamento no dia 17 de novembro de 2007.

Assim sendo, decorreram mais de cinco anos desde a data da última interrupção da prescrição (a primeira ocorreu no dia da constituição de arguido - arte 121°, 1, a), CP -; a segunda e última, ocorreu no dia da notificação da acusação – art. 121.º, 1, b), CP).

Nesse entendimento, o prazo de prescrição recomeçou a correr no dia 13 de janeiro de 2007 (art.º 121.º, 1, b), CP), esteve suspenso até ao dia 13 de janeiro de 2010 (art.º 120°, 1, b), e 2, CP) e esgotou-se no dia 13 de janeiro de 2012 (art.° 118.º, 1, d), CP).

Isto, repete-se, a considerar-se o prazo máximo de três anos previsto no n.º 2 daquele art.º 120°, hipótese que o Recorrido não subscreve.

Na verdade e na esteira do que decidiu, por exemplo, o Ac. TRP de 6.6.2007, a suspensão que se inicia com a notificação da acusação cessa no dia em que for recebida a instrução ou notificada a data para realização da audiência de discussão e julgamento.

TERMOS EM QUE,

Na hipótese (que se não consente) de vir a entender-se que o Recorrido cometeu o crime de corrupção ativa para ato lícito, deve declarar-se prescrito o respetivo procedimento criminal.


B) O Assistente:

a) Na verdade, considerando apenas o crime para ato lícito, há a considerar que a prescrição ocorre no prazo de seis anos, ponderando o prazo de dois anos previsto no art. 118° n.º l-d) do C.P., acrescido do prazo de três anos previsto no art. 120° n.º 2 do C.P. e do prazo de um ano previsto no art. 121 ° n.º 3 do C.P.;

b) Tendo em conta que a conduta criminosa ocorreu, pelo menos, entre os dias 22 e 27 de janeiro de 2006 - datas dos encontros do arguido com o Dr. H -, parece claro que, nessa perspetiva, o último ato de execução ocorreu a 27 de janeiro de 2006, pelo que a prescrição só ocorrerá às 24h do dia 27 de janeiro de 2012;

c) O prazo conferido às partes, a que corresponde a notificação via fax (como permite o art. 113.º n.º 10 do C.P.P.), termina a 16 de janeiro de 2012, ou, a 19 de janeiro de 2012, considerando o prazo suplementar previsto no art. 1450 n" 5 do C.P.C.;

d) Significa isto que, a fim de evitar a extinção do procedimento criminal por prescrição, o STJ deve proferir o seu acórdão até ao dia 27 de janeiro de 2012 ou, caso entenda que o prazo da prescrição termina a 22 de janeiro de 2012 (data do primeiro encontro), até ao dia 22 de janeiro de 2012;

e) Confia o Recorrente que o STJ assim fará, salvaguardando, dessa maneira, a confiança da comunidade no sistema judicial e assegurando que vale a pena - apesar de todas as vicissitudes - denunciar e combater a corrupção, chaga moral de que o país tem de se ver livre, a bem de todos nós.

8. Não tendo sido requerida audiência, foram colhidos os vistos e realizada conferência com o formalismo legal.

Cumpre decidir.

As principais questões a decidir são as seguintes:
1ª- Determinar, sucintamente, se há recorribilidade da decisão da Relação, após os acórdãos do STJ e do TC, e qual o seu objeto;
2ª- Apurar se já ocorreu a prescrição do procedimento criminal;
3ª- Verificar se o acórdão recorrido padece de falta de fundamentação quanto a parte do estabelecimento da matéria de facto, geradora da sua nulidade, ou se padece de contradição insanável entre os factos e a fundamentação e erro notório na apreciação da prova (recurso do MP)
4ª- Determinar se as questões relativas a proibições de prova suscitadas pelo arguido podem ser objeto dos presentes recursos.

5ª- Apurar se os factos provados integram ou não o crime de corrupção ativa de titular de cargo político para a prática de ato lícito [pois, como se verá, não é objeto deste recurso a hipótese de o se destinar a ato ilícito] e, no caso afirmativo, qual a pena que deve ser aplicada.


9. FACTOS PROVADOS

a.l. O arguido A é sócio gerente da sociedade "B" que, por sua vez, detém a maioria do capital social da sociedade "C", com sede na D, em Lisboa.

a.2. Na data de 5 de julho de 2005, a referida sociedade "D”, representada pelo arguido A e pelo seu sócio M, celebrou com a Câmara Municipal de ... um contrato, sob a forma de escritura pública, de permuta dos imóveis de que era proprietária, sitos junto à ..., e conhecidos como "D", por um terreno para construção, composto por urna superfície necessária para desenvolver uma área de edificação, acima do solo, no total de 61.000 (sessenta e um mil) metros quadrados, sita junto à ..., local conhecido por "F", pertencente à autarquia.

a.3. Os termos de tal acordo haviam sido aprovados, na data de 4 de fevereiro de 2005, em reunião da Câmara Municipal de ..., com base na proposta de deliberação n.º 36/2005, submetida à Assembleia Municipal, onde foi aprovada por deliberação de 1 de março de 2005 ‑ deliberação n.º 32/AML/2005 .

a.4. Os intervenientes em tal contrato acordaram ainda que os termos da permuta previam a concessão à sociedade "D" de um direito de preferência sobre a aquisição de um outro lote de terreno para construção, igualmente sito no espaço conhecido como F, zona de Entre Campos ‑ operação de loteamento de iniciativa municipal n.º 3/2005, aprovado pela deliberação 307/CM/2005, que deu origem aos lotes de terreno 2005/068 e 2005/069, correspondentes, respetivamente, às descrições prediais n.º 299 e 300, da Freguesia ... (informação da 2ª Conservatória do Registo Predial de ... de folhas 772 e seguintes).

a.5. Na sequência desse entendimento, porque a sociedade "D" veio a apresentar uma proposta que foi considerada equivalente à vencedora do procedimento de hasta pública instaurado para a venda do referido segundo lote de terreno, veio também o mesmo a lhe ser vendido, prevendo‑se aí um total de 59.000 (cinquenta e nove mil) metros quadrados de área de construção acima do solo, por um valor de 61.950.000,00 € (sessenta e um milhões novecentos e cinquenta mil euros), conforme escritura de compra e venda celebrada a 20 de julho de 2005, de cópia a folhas 427.

a.6. Por discordar dos termos de tal acordo e por o julgar lesivo dos interesses da autarquia de ..., o cidadão B veio a intentar, em julho de 2005, uma ação popular, perante o Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., onde lhe veio a ser atribuído o n.º 1862/OS.BELSB e foi distribuído ao 2.° Juízo, 4ª Unidade Orgânica Administrativa, deduzindo, contra o Município de ..., a sociedade "D" e a "G", a pretensão de o Tribunal declarar a nulidade das deliberações que aprovaram o acordo e do contrato de permuta de terrenos supra referido, bem como a nulidade da deliberação e das operações de loteamento do terreno onde se encontrava instalada a F.

a.7. O mesmo cidadão B veio ainda a requerer e a obter o registo da referida ação, em sede de Registo Predial, como inscrição às descrições prediais n.º 299 e 300, da Freguesia de ..., correspondentes aos terrenos da designada F adquiridos pela "D" por via do contrato de permuta supra referido (2ª Conservatória do Registo Predial de ..., doe. de folhas 774 e de folhas 819 e seguintes).

a.8. O cidadão B apresentou‑se como candidato às eleições autárquicas, para o Município de ..., no ato eleitoral que veio a ter lugar na data de 9 outubro de 2005, vindo a ser eleito como vereador, cargo de que tomou posse a 28 de outubro de 2005.

a.9. No âmbito das funções que assumiu como vereador, B continuou a manifestar-se e a tomar posições dentro da Câmara de ... contra o acordo supra referido, celebrado com a C, designadamente quanto aos projetos de viabilização de construção destinados aos terrenos cedidos pela autarquia junto a Entre Campos.

a.10. Assim, o vereador B veio a tomar posição contra o Plano de Alinhamento de Cérceas da ..., do qual dependia a altura de construção que viria a ser permitida na zona de ..., e que veio apenas a ser aprovado para discussão pública e elaboração dos Planos de Pormenor, através da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de ..., na data de 7 de junho de 2006 .

a.11 O Dr. B havia ainda tomado posição em atos públicos contra outros interesses conexos com empresas participadas pelo arguido e pela C, tal como os termos dos acordos de exploração de parques de estacionamento subterrâneos celebrados com as referidas empresas.

a.12. Ao mesmo tempo, o vereador B continuou a patrocinar a ação popular n.º 1862/05.0 BELSB, mantendo o registo da sua pendência a onerar os prédios descritos na 2ª Conservatória do Registo Predial de ..., inscrições prediais n.º 299 e 300, da Freguesia ....

a.13. Em face dos atrasos no desenvolvimento do projeto de construção para os terrenos da designada F, com os consequentes custos financeiros, provocados por tais posições do vereador B e face à pendência, em sede de registo predial, do ónus relativo à ação pendente, para além da má imagem pública que as suspeitas de ilegalidades implicavam as sociedades associadas à "C", dificultando encontrar parceiros para o desenvolvimento de projetos comuns, o arguido A formulou o propósito de procurar fazer o referido B desistir da ação referida em a.6. destes factos provados apresentando um proposta de compensação pecuniária.

a.14. Pretendia o arguido A que o mesmo B procedesse à desistência da ação popular referida em a.6., sabendo que para isso este teria de se justificar publicamente mediante uma explicação da sua mudança de opinião quanto à valia e à legalidade do acordo de permuta, afirmando a correção dos procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participadas pela C e pelos respetivos sócios.

a.15. Para o efeito, o arguido A pensou em abordar o irmão do mesmo vereador B, o advogado H, que sabia ter escritório no mesmo edifício e nas mesmas instalações da sua advogada pessoal e das sociedades por si participadas, a Dra. R .

a.16. Assim, na data de 18 de janeiro de 2006, o arguido A, identificando‑se apenas como Domingos, telefonou, ao Dr. H, para o telefone do escritório deste último, pedindo‑lhe para marcarem uma reunião, que deveria ocorrer fora das instalações do escritório, dizendo apenas ser a fim de tratarem de um assunto de interesse comum e que teria uma proposta a apresentar.

a.17. O Dr. H, acedeu a manter tal reunião com o A, que veio a ocorrer, por disponibilidade de agenda do primeiro, apenas no dia 22 de janeiro de 2006, cerca das 17H30, nas instalações de bar do Hotel Mundial, junto à Praça da Figueira, em Lisboa.

a.18. No decurso desse primeiro encontro, o arguido A começou por abordar os antecedentes do negócio de permuta de terrenos realizado entre a Câmara Municipal de ... e a "D", lamentando‑se do tempo já perdido até à celebração do negócio e dando a entender ao Dr. H de que o procedimento por parte da sua empresa havia sido correto e conforme à lei, pelo que a ação judicial interposta pelo irmão do seu interlocutor, o Dr. B, estaria condenada ao fracasso, visando dar a aparência de não estar preocupado com o resultado final de tal ação.

a.19. Nessa sequência, o arguido transmitiu ao Dr. H que, de forma a evitar mais perdas de tempo no desenvolvimento de projetos para os terrenos da antiga F, estaria disposto a realizar o pagamento de um montante pecuniário em benefício do Dr. B se o mesmo viesse a desistir da ação pendente perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e a proferir declarações públicas no sentido mencionado em a.14.

a.20. Tendo-se apercebido do alcance da proposta que lhe estava a ser dirigida, o Dr. H respondeu ao arguido que precisava de falar com o irmão, não podendo dar qualquer resposta naquele momento, mas comprometendo-se a contactar o mesmo B e a vir a dar uma resposta num próximo encontro, tendo o arguido concordado com tal procedimento.

a.21. Logo ficou acordado entre os dois vir a ocorrer um novo encontro, no mesmo local, que seria marcado por mensagens escritas trocadas entre os telemóveis dos dois, tendo o arguido A dado como seu contacto o número 96....

a.22. Ainda no mesmo dia, o Dr. H contactou com o seu irmão B, a quem deu a conhecer o encontro mantido e o teor da proposta recebida, tendo os dois, de imediato, acordado em recusar a mesma e dar conhecimento dos factos à autoridade judiciária.

a.23. Foi assim, instaurado o inquérito que abriu o presente processo, na pendência do qual o Dr. H foi autorizado à prática de atos de colaboração, na invocação da ação encoberta, em coordenação com a Policia Judiciária, através de despacho que foi proferido e presente ao Juiz de Instrução na data de 24 de janeiro de 2006, não tendo recebido deste qualquer oposição - procedimento de ação encoberta que consta do atual Apenso B (despacho de fls. 15 do respetivo apenso).

a.24. Assim, o Dr. H, no âmbito dos referidos atos de colaboração, aceitou participar em novo encontro com o arguido A, tal como já havia sido acordado entre os dois, através da troca de mensagens escritas, tendo sido marcado para o próprio dia 24 de janeiro, pelas 18:00 h, de forma a permitir descobrir qual o pagamento concreto que seria proposto e a concretizar melhor qual a atuação que o arguido pretendia obter do seu irmão, o vereador B.

a.25. Ainda no dia 24 de janeiro de 2006, pelas 18h00, tal como previamente acordado, o Dr. H encontro-se com o arguido A, no bar do Hotel Mundial, inquirindo-o sobre como é que iriam proceder para ser realizado o pagamento e praticados os atos pretendidos, colocando o arguido na perspetiva de o seu irmão vir a aceitar o proposto.

a.26. O arguido explicou então que não poderia haver contactos seus diretos com o Dr. B e que, mesmo os contactos telefónicos a manter consigo deveriam passar a ser feitos através de recados ou mensagens deixadas no telemóvel do seu filho B, com o n.º 91....

a.27. Mais disse o arguido A que pretendia que o Dr. B, na qualidade de Vereador, viesse dizer publicamente que, após ter tomado posse, tinha consultado e analisado os processos existentes na Câmara Municipal de ... e que tinha concluído não haver qualquer ilegalidade por parte da atuação das sociedades representadas pelo arguido em sede dos acordos relativos aos terrenos do D e da F.

a.28. Relativamente ao pagamento que se tinha proposto realizar, o arguido afirmou que apenas poderia ser feito ao Dr. H, de preferência no Minho, local da sede da C, e que seria mais fácil se lhe pudessem arranjar documentos de suporte de despesa, pois de outra forma teria que ir desviando alguns montantes das receitas das empresas, mas admitiu ainda que poderia ser feito a coberto de um contrato promessa de um andar num edifício que uma empresa do grupo projetava construir em Lisboa, na zona da Estefânia .

a.29. Quanto ao montante que estaria disposto a pagar, o arguido referiu a quantia de 200.000,00 € (duzentos mil euros), que teria que entregar ao Dr. H em várias tranches, dadas as dificuldades em obter um tal montante.

a.30. O arguido expressou que uma das hipóteses poderia passar por uma declaração, por parte do Dr. B, na reunião da Câmara Municipal, e com a remessa para o Tribunal de um requerimento de desistência da ação pendente, pedindo ao Dr. H que marcasse novo encontro logo que tivesse uma resposta de aceitação ou não da mesma proposta.

a.31. Ainda em coordenação com a Policia Judiciária, nos moldes atrás descritos, e de forma a confirmar o interesse na proposta apresentada pelo arguido, o Dr. H sugeriu a realização de novo encontro, enviando para tal, na data de 26‑1‑2006, pelas 10:0011, uma mensagem escrita para o telemóvel do B dizendo "amanhã às 12 h 00 no mesmo local? Peço confirmação".

a.32. O mesmo B, logo após receber a mensagem, contactou com o seu pai, arguido A, que manifestou interesse em falarem os dois antes de confirmarem a reunião.

a.33. O arguido A apenas confirmou a reunião na parte da tarde do mesmo dia, tendo instruído o seu filho I para mandar, via telemóvel, uma mensagem escrita ao Dr. H com os dizeres "É só para confirmar a presença amanhã às 12 Horas, no local marcado".

a.34. Assim, o arguido A e o Dr. H voltaram a encontrar-se no Bar do Hotel Mundial, em Lisboa, no dia 27 de janeiro, pelas 12h 00.

a.35. Nesse novo encontro o mesmo A começou por procurar fazer crer que a ação instaurada pelo Dr. B teria poucas possibilidades de êxito, até porque teria recebido da sua advogada a indicação de que existiam pareceres jurídicos no sentido da existência de incompatibilidade entre o estatuto de vereador e o de patrocinador de uma ação popular, visando o arguido diminuir a relevância da atuação que pretendia que o Dr. B levasse a cabo.

a.36. Porém, tendo recebido do Dr. H, conforme instrução da Policia Judiciária, a indicação de que o B estaria disposto a considerar a sua proposta, o arguido A frisou a necessidade daquele vereador fazer um esclarecimento público, no qual deveria afirmar que as pessoas e as entidades que haviam negociado com a CML o contrato da F / D, isto é, o arguido e os demais acionistas da "C" e da "D", haviam estado de boa fé, tendo cumprido as exigências legais, pelo que não deveriam ser prejudicados, tanto mais que apenas haviam atuado na defesa dos interesses das suas empresas.

a.37. O arguido A afirmou ainda que tal declaração poderia ser feita em sede de Assembleia Municipal, mas o que lhe interessava é que fosse feita na presença de elementos da comunicação social.

a.38. Com efeito, visava o arguido, para além da desistência da ação, de uma justificação pública que, por essa via, demonstrasse a legalidade do negócio e, por essa via, melhorar a imagem pública das sociedades "C" e associadas, nas quais tinha participação.

a.39. Confrontado então, pelo Dr. H, com a possibilidade de o vereador B vir a ser criticado por terceiros por ter mudado de posição, o arguido realçou que, na declaração, o vereador deveria remeter para documentos e consulta de processos que antes não lhe estavam acessíveis, ao mesmo tempo que garantiu que, da parte das suas empresas, seria feita também uma declaração de apoio à nova posição tomada pelo vereador.

a.40. O arguido A explicou então ao Dr. H que a única oposição credível ao contrato de permuta e que poderia prejudicar o desenvolvimento dos projetos da F era a que provinha do Dr. B, pelo que este deveria ficar em silêncio, em particular no que se pudesse referir ao direito de preferência reconhecido pela Câmara Municipal de ...,, realçando ainda o arguido que o B não ficaria comprometido consigo aos olhos do público, até porque o arguido não conhecia sequer pessoalmente o vereador e, no futuro, se se cruzassem em qualquer ocasião, não precisavam sequer de se cumprimentar.

a.41. O arguido A insistiu, de novo, que a declaração pública a realizar pelo vereador poderia esclarecer que os responsáveis da sociedade do grupo C não tinham qualquer responsabilidade pelos termos do negócio de permuta e sugeriu mesmo que a declaração abrangesse uma censura ao Dr. J por este se ter oposto à instalação de um casino no espaço do D, o que, na versão do arguido, teria permitido resolver o problema sem custos para o Município e sem permutas.

a.42. O Dr. H colocou então, de novo, ao arguido a questão do montante e da forma do pagamento, tendo A renovado a proposta de entrega de 200.000,00 € (duzentos mil euros) e propondo-se fazer a mesma por cheque e na totalidade caso lhe fosse entregue um documento de suporte de despesa, mesmo que relativo a serviços.

a.43. No entanto, dada a dificuldade em produzir um tal documento, tanto mais que o arguido reforçou não poder haver qualquer ligação com o escritório de advogados do Dr. H, o arguido A propôs realizar o pagamento em numerário, podendo de imediato entregar 100.000,00 € (cem mil euros) e depois, no espaço de mês e meio, realizar duas outras entregas de 50.000,00 € (cinquenta mil euros) cada.

a.44. O arguido explicou que tal pagamento faseado se ficava a dever ao facto de o dinheiro provir de montantes parciais não manifestados, recebidos nas escrituras de compra e venda que fosse realizando, declarando ser um modo de proceder em que não era "virgem".

a.45. Quanto ao momento oportuno para fazer a declaração, o arguido sugeriu que o identificado B a fizesse logo a partir do dia 31 de janeiro, terça-feira seguinte, uma vez que o A estaria então ausente do país, em Angola, não podendo ser associado à mesma, propondo para o efeito realizar o pagamento da quantia prometida na Segunda Feira, dia 30 de janeiro, ou na própria terça feira de manhã .

a.46. O arguido defendeu que a declaração do mesmo B viesse a ser realizada durante a sua ausência do país, mas o Dr. H, visando ganhar tempo, pretextou que na segunda e na terça feira seguintes estaria ocupado em julgamento, não podendo deslocar-se a encontros para receber o dinheiro.

a.47. O arguido voltou ainda a insistir em realizar uma entrega de dinheiro antes de se deslocar a Angola, propondo mesmo que o Dr. H fosse a sua casa, em Braga, no dia seguinte, dia 28 de janeiro, Sábado, proposta que este último recusou, pretextando ter que falar com o irmão B sobre os termos e as consequências da declaração pública a realizar.

a.48. O arguido A propôs então fazer a entrega do numerário em qualquer outro ponto, sugerindo um escritório no Porto, um restaurante em Braga ou mesmo no parque de estacionamento subterrâneo do Martim Moniz, em Lisboa, mas o Dr. H, ainda visando ganhar tempo, terminou o encontro dizendo que voltaria a contactar o arguido a partir do dia 6 de fevereiro, segunda feira seguinte, sendo então marcada uma data e um local para ser feita a entrega do dinheiro.

a.49. Após este encontro, face ao protelar da aceitação da entrega do dinheiro, o arguido A desconfiou que terceiros tivessem tido conhecimento dos contactos mantidos com o Dr. H e decidiu procurar ocultar e disfarçar os seus verdadeiros propósitos, visando criar a aparência de que, nos encontros mantidos, tinha estado em causa dar uma contribuição para uma campanha política.

a.50. Assim, para o efeito, o arguido deu instruções ao seu filho B para mandar uma mensagem escrita, via telemóvel, ao Dr. H, com os dizeres "o meu pai pede para avisar que o valor por vós pedido para a campanha política não nos é possível. Devido à nossa filosofia não patrocinamos campanhas", mensagem que veio a ser enviada do telemóvel n.º ..., pelas 15H39, do dia 30 de janeiro de 2006.

a.51. O arguido não voltou a contactar com o Dr. H em vista do exposto em a.49., para o que inscreveu num cartão de visita os seguintes dizeres: "Dr. H que um apoio para campanha politica 250.000 Zero" (documento constante de folhas 146 dos autos).

a.52. Ao abordar e manter três encontros com o Dr. H, o arguido A visava conseguir, a troco de uma prestação pecuniária, tal como exposto em a.14., que o identificado B procedesse à desistência da ação popular referida em a.6., sabendo que para isso este teria de se justificar publicamente mediante uma explicação da sua mudança de opinião quanto à valia e à legalidade do acordo de permuta, afirmando a correção dos procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participada pela C e pelos respetivos sócios (em particular as empresas "C" e "D").

a.53. O arguido A sabia que o Dr. B exercia um mandato eletivo como vereador na Câmara Municipal de ..., mas atuou no sentido exposto, sabendo que, dessa forma, condicionava o exercício das suas funções e a sua autonomia política, propondo-se realizar a favor do mesmo atribuições financeiras e patrimoniais para tal fim.

a.54. O arguido A sabia ainda que, com a sua conduta, estaria a colocar em causa a confiança que os eleitores haviam depositado no Dr. B, ao proporcionarem a sua eleição como vereador, bem como a soberania e a autonomia das decisões que o mesmo viesse a tomar na qualidade de eleito municipal.

a.55. O arguido A atuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

b) Da contestação do arguido e do julgamento.

b. 1. O arguido desloca‑se há anos ao escritório da sua advogada Dr.ª R, local onde o identificado Dr. H também exerce a advocacia.

b.2. Sendo a sua voz perfeita e imediatamente reconhecida pela telefonista do escritório sempre que estabelece com ele ligação telefónica.

b.2. O Dr. H é sócio da Sociedade de Advogados "L", da qual é também sócio a Dra. R.

b.4. Trabalhando ambos, tal como descrito em b.1., no escritório sito na Rua J, em Lisboa.

b.5. Desde há vários anos a esta parte, a Dra. R patrocina, como advogada, os interesses das várias sociedades de que o arguido é representante, incluindo aquela "D".

b.6. Facto que é do conhecimento do Dr. H.

b.7. O Arguido, para tratar dos interesses das suas representadas, desloca-se, desde há anos, todas as semanas aos escritórios da identificada "L", onde se cruza e, por vezes, trocava algumas palavras com o Dr. H.

b.8. Em junho de 2004 e agosto de 2005 o advogado em regime de estágio, Dr. S,, a pedido da identificada Dr.ª R que para isso falou com o Dr. H, patrono daquele primeiro, veio a produzir para o grupo de empresas representado por A, dois pareceres (um primeiro parecer e uma nova versão atualizada) e uma consulta jurídica a propósito do enquadramento jurídico-tributário dos Fundos de Investimento, isto a título particular e sem qualquer intervenção técnico ou de opinião do seu patrono, o advogado H.

b.9. O mesmo Dr. F utilizou, para o envio de um dos pareceres à Dr.ª R, o e-mail do Dr. H, nos moldes documentados a fls. 1533 dos autos, por saber que este era gerido pela secretária deste último e em combinação prévia com esta.

b.10. No dia 8 de novembro de 2005, a Dr.ª R, em representação da Ré D, contestou a ação descrita em a.6. e a.7., tendo dado entrada nessa data ao respetivo articulado.

b.11. No dia 30 de novembro de 2005, foi junta a esse processo uma procuração, datada de 31/7/2005, através da qual o Autor da ação constituía seus mandatários forenses o Prof. Dr. N (também sócio daquela Sociedade de Advogados), o Dr. H e outros dois colegas de escritório.

b.12. Quando, no dia 17 de janeiro de 2006, foi notificada da junção aos autos da procuração outorgada a favor dos seus colegas e, por essa via, tomou conhecimento desse patrocínio a Dr. R interpelou de seguida o Dr. H, exigindo-lhe explicações para o facto.

b.13. E porque entendeu que as mesmas não seria satisfatórias, no dia 24 de janeiro seguinte enviou a cada um dos Advogados constituídos pelo Autor Dr. B uma carta com o objetivo de obter, segundo o que se encontrava escrito, a sanação do conflito de interesses.

b.14. Carta essa que obteve resposta escrita no dia 26 de janeiro seguinte, nos moldes que se documentam a fls. 1804 dos autos, onde se refere que em julho de 2005 foi solicitado pelo identificado B aos mencionados J e H, que o patrocinassem nas ações populares que movera contra o município de ..., o que foi aceite.

b.15. Em 16/2/2006 veio a ser junto aos referidos autos de ação administrativa um substabelecimento, datado de 25/1/2006, a favor do advogado Dr. J, dos poderes anteriormente conferidos ao Prof. N, Dr. H e outros.

b.16. Da informação de serviço exarada a fls. 2 do dossier de acompanhamento de ação encoberta (Apenso B), datada de 24/1/2006, consta que o Dr. H, no dia 24 de janeiro de 2006, informou a Polícia Judiciária de que o Arguido "o contactou, no intuito de saber da disponibilidade do Vereador B para, mediante o pagamento de valores em numerário em montante o combinar oportunamente, desistir dos ações populares que intentou contra o CML, mormente a ação conexa com o negócio/Permuta do D e a F, oferecendo os seus serviços para a prática de atos de colaboração (...)".

b.17. E, ainda, nessa mesma informação, que "mais informou o denunciante que já decorreu no Hotel Mundial, em Lisboa, um encontro no dia 22 do corrente mês, do qual realizou uma gravação de parte das conversas mantidas, cuja cópia se anexa (um mini CD)".

b.18. Nesse mesmo apenso B. consta um despacho exarado pelo procurador da República responsável pelo inquérito, datado de 24/1/2006, autorizando a atuação do identificado Dr. H ao abrigo da ação encoberta.

b.19. No mesmo dia 24/1/2006, foi lavrado a fls. 15 dos autos principais, após remessa dos autos (principais e apenso de ação encoberta / dossier de acompanhamento), um despacho judicial a autorizar a interceção e gravação de comunicações de telefones móveis, a interceção e gravação de conversas e a captação de som e imagens, sendo que em 3/2/2006, veio a ser proferido novo despacho judicial, datado de 3/2/2006, com homologação das transcrições, validação da interceção e gravação de conversa, determinação de transcrições e autorização da realização de exame ao telemóvel, isto a fls. 71 dos autos principais.

b.20. Em 8/2/2006, o identificado Dr. H, veio a prestar no desenrolar do apenso de ação encoberta um novo depoimento, no qual esclareceu "que, em julho de 2005, o seu irmão pediu ao P e ao próprio depoente que o passassem a patrocinar nas ações populares que ele tinha movido contra a CML, o que consta de declarações públicas então por ele feitas. Assim tem acontecido, tendo o P e o depoente chegado ajuntar procuração aos Autos da ação movida pelo seu irmão relativamente ao D. No entanto, quando souberam que essa ação havia sido contestada pela sua colega de escritório Dr.ª R, o Professor N e o depoente entenderam (após contactos recíprocos com a Dr.ª R) que, para evitar embaraços no escritório, seria preferível, nessa ação do D, substabelecer os poderes noutro colega, Dr. J, o que aconteceu em momentos contemporâneos dos factos que ora se relatam, já em janeiro do corrente ano. O P e o depoente não chegaram a ter qualquer intervenção nessa ação judicial e nas conversas com o Sr. A nunca houve qualquer referência a essa situação, tendo o depoente feito questão de sublinhar que não estava a falar com ele como Advogado, mas como irmão do Vereador B, logo que percebeu que a conversa tinha a ver com os negócios do D", isto nos moldes de fls. 14‑15 dos autos de apenso B ‑ Anexo de Ação Encoberta.

c) Do julgamento e do relatório social.

c. 1. O arguido A é natural do concelho de (...).

c. 2. O mesmo arguido viveu (...).

c.3. Aos 14 anos o arguido A (...).

c.4. Com 17 anos de idade (...).

c.5. Durante o referido período (...).

c.6. De seguida (...).

c.7. Emigrou então para (...)

8. Com os dividendos obtidos na referida atividade (...)

c.9. Em simultâneo dedicou‑se (...)

c.10. Em termos familiares (...).

c.11. O arguido continua (...).

c.12. O relacionamento familiar (…).

c.13. O agregado (...)

c.14. O arguido mantém (...).

c.15. A atividade profissional (...)

c.16. Durante a semana (...).

e. 17. O arguido A é conhecido (...).

c.18. O arguido continua (...).

c.19. Em 21/10/2008, veio a ser proferido um acórdão pelo tribunal da Relação de ..., transitado em julgado, tal como consta dos autos apensos de recurso, no qual vieram a ser conhecidas das questões suscitadas pelo arguido A em sede de requerimento de abertura de instrução, entre outras relativas às decisões instrutórias, ‑ da inadmissibilidade da ação encoberta por a acusação não preencher os requisitos do tipo legal de crime de corrupção para ato ilícito ou lícito; e ‑ da ilegalidade da ação encoberta porque derivada de gravação ilegal, porque violadora do segredo profissional de advogado, por utilização de meios enganosos, por inconstitucionalidade do art.º 2.°, alínea m), da Lei 101/2001, de 25/8, e por ausência de fundamentação do despacho judicial que autorizou as escutas telefónicas e a recolha de imagem e som.


10. RECORRIBILIDADE DA DECISÃO

No anterior acórdão do STJ, datado de 2 de dezembro de 2010, foi decidido, por unanimidade dos juízes subscritores, que se formou dupla conforme absolutória quanto ao crime de corrupção ativa para ato ilícito, de resto, em resposta à reclamação do assistente contra a decisão sumária do relator que nesse sentido já se tinha pronunciado.

Disse-se aí, na verdade, o seguinte, que até ficou sublinhado:
“Não resta dúvida, portanto, que neste processo não pode ser objeto de recurso o crime de corrupção ativa para ato ilícito, pois, nessa vertente, a decisão da relação não é recorrível, já que existe dupla conforme absolutória (art.º 400.º, n.º 1, al. d), do CPP07).
Improcede, nesta parte, a reclamação do Assistente.”
Ora, esta parte do acórdão não foi objeto de recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que transitou em julgado.

Mais se decidiu, por maioria e com um voto de vencido, que “a decisão não está abrangida pelos casos de irrecorribilidade configurados no art.º 400.º do CPP07, nem em qualquer outra norma legal, pelo que, à primeira vista, tudo aponta para a aplicação da regra geral definida no art.º 399.º, isto é, para a recorribilidade”.

Decidiu-se, ainda, que era inconstitucional a interpretação legal que permitia a recorribilidade da decisão quanto ao crime de corrupção ativa para ato lícito.
Porém, por decisão do Tribunal Constitucional, foi estabelecido, em definitivo, “não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 399.º e 400.º do Código de Processo Penal, na versão que lhe foi dada pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, quando interpretada no sentido de ser admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, interposto pelo Ministério Público ou pelo assistente, de acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, que, ao absolver o arguido de um dado crime, revogue a condenação do mesmo em pena não privativa da liberdade imposta na primeira instância”.

Assim, perante a conjugação das decisões do STJ e do TC, formou-se caso julgado intraprocessual no sentido de que nos recursos interpostos pelo M.º P.º e pelo assistente há que verificar, apenas, se ocorre o crime de corrupção ativa para ato lícito a titulares de cargos políticos, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11.


10. PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL

O crime de corrupção ativa para ato lícito a titulares de cargos políticos, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, é punível com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.
Ao tempo dos factos (2006), vigorava a anterior versão do CP que, no art.º 374.º (corrupção ativa), cominava, também, com pena de prisão até seis meses ou multa até 60 dias esse crime quando respeitante a ato lícito.
O atual n.º 2 do art.º 374 já tem outra penalização e comina o mesmo crime com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias. Mas resultou da Lei n.º 32/2010, de 2 de setembro, que só entrou em vigor em 2/3/2011, isto é, depois dos factos.
O mesmo acontece com a Lei 41/2010, de 3 de setembro, também entrada em vigor depois dos factos, que veio estabelecer novas penas para os titulares dos cargos políticos, pois que a corrupção ativa para atos lícitos é agora punível com pena de prisão até 5 anos.

O art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, dispõe que «1- Quem por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao titular de cargo político não seja devida, com o fim indicado no artigo 16.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos. 2- Se o fim for o indicado no artigo 17.º, o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias».
No caso dos autos, a situação será a de o arguido ter prometido a titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial que ao titular de cargo político não era devida [com a finalidade de praticar um ato que aqui se terá por lícito, portanto, tal como indicado no art.º 17.º].
Ora, dos factos provados resulta que o arguido contactou pessoalmente o Dr. H em 22 de janeiro de 2006 (facto a.17) e aí prometeu entregar uma determinada quantia monetária, que não especificou, ao irmão daquele, vereador da Câmara, se o mesmo praticasse determinados atos.
Depois, em 24 de janeiro seguinte (facto a.25) houve novo encontro pessoal entre os mesmos intervenientes, no qual o arguido especificou que prometia pagar ao dito vereador da Câmara a quantia de € 200 000,00, se este praticasse os tais atos.
No dia 27 de janeiro seguinte (facto a.34) ocorre um último encontro pessoal entre o Dr. H e o arguido, no qual este voltou a prometer a entrega da dita quantia e especificou com mais clareza o faseamento dessa operação e quais os atos a praticar pelo vereador.
Finalmente, no dia 30 de janeiro de 2006 (facto a.49), o arguido, desconfiado de que outras pessoas para além do Dr. H estivessem ao par das propostas que andava a fazer, desistiu da ideia de gratificar o vereador.
Ora, estamos perante um crime que não se esgotou na prática de um só ato, mas que consistiu numa atividade por parte do agente para convencer o titular de cargo político, ou terceiro com conhecimento daquele, de que ia entregar uma determinada quantia, indevida, para que praticasse determinados atos. Essa atividade traduziu-se em o agente ter procurado, sucessivamente, convencer o interlocutor da veracidade da sua promessa e de qual era o alcance do que pretendia como contrapartida.
Essa atividade findou, segundo os factos provados, em 30 de janeiro de 2006.
Caso se entenda que no primeiro contacto pessoal do arguido com o Dr. H, em 22 de janeiro, ficou logo consumado o crime e que, portanto, o mesmo se esgotou com a prática de um só ato, então o crime repetiu-se e consumou-se uma outra vez em 24 de janeiro e uma última em 27 de janeiro.
Em qualquer hipótese, o crime tem-se por consumado nunca antes de 27 de janeiro de 2006.

O procedimento criminal por crime punível com pena inferior a um ano de prisão extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido dois anos (art.º 118.º, n.º 1, al. d, do CPP).
Nos termos do art.º 119.º, n.ºs 1 e 2, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo que o prazo de prescrição só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação.
Porém, de acordo com o art.º 121.º, a prescrição do procedimento criminal interrompe-se, nos casos que ora nos interessam, com a constituição de arguido e com a notificação da acusação. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade.
O arguido nestes autos foi constituído como tal em 17/02/2006 (fls. 159, 1º. volume) e foi notificado da acusação por via postal simples remetida em 10/01/2007, o distribuidor do serviço postal depositou a carta no dia imediato e, portanto, a notificação considera-se efetuada em 16/01/2007 (terça-feira) – cf. art.º 113.º, n.º 3, do CPP.
Em qualquer dessa datas se interrompeu, portanto, a contagem do prazo da prescrição.
Mas, a notificação da acusação, simultaneamente, suspendeu a contagem do prazo, pelo prazo máximo de 3 anos (art.º 120.º, n.ºs 1, al. b e 2, do CPP).
Relativamente a este último prazo máximo de 3 anos de suspensão da contagem da prescrição, a lei não estabelece qual o seu termo, ao contrário do que sucede nos casos das outras alíneas do n.º 1 do art.º 120.º, cujo termo será o “dia em que cessar a causa da suspensão” (n.º 3), isto é, quando houver autorização legal, ou for proferida sentença no estrangeiro, ou findar a contumácia, etc.
Com efeito, a “notificação da acusação”, como causa de suspensão, esgota-se no próprio ato e, portanto, não se pode ficar à espera de “cessar a causa da suspensão”, nos termos do n.º 3. Por isso, o único entendimento possível é o de que a suspensão da contagem do prazo da prescrição do procedimento criminal, por força da notificação da acusação ao arguido, destina-se a permitir que, num prazo razoável, contado pelo máximo de 3 anos, se efetue o julgamento e se processem os recursos das decisões que entretanto venham a ser proferidas. Por isso, o prazo de suspensão, nesse caso, é de 3 anos e só será menor se transitar até lá a decisão final que decidir a causa. Na realidade, é o que a própria alínea b) do n.º 1 do art.º 120.º refere: «- A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: (…) b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação…».

Da conjugação de todas estas normas resulta que a prescrição do procedimento criminal só ocorre, no caso dos autos, no prazo de seis anos contados ou desde a consumação do crime, portanto em 27-01-2012 ou 30-01-2012 (consoante se considere que o crime é ou não de atividade), ou em 17-02-2012, seis anos depois da constituição de arguido, como é opinião de alguma Doutrina (2).
Em qualquer caso, a prescrição do procedimento criminal ainda não ocorreu no presente momento.


11. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO E VÍCIOS DO ART.º 410.º, N.º 2 DO CPP

O MP, na qualidade de recorrente, entende que “a decisão sob recurso, ao referir tabelarmente que as partes das transcrições que o Ministério Público considera relevantes para que se dê como provados os factos referidos nas alíneas a) a g) da matéria não provada não impõem as conclusões fácticas pretendidas, embora as possam admitir, omitindo a explicitação por que assim o considerou, incorre em falta de fundamentação, o que configura nulidade do acórdão (CPP, art.ºs 425.º, n.º 4, 379.º, n.º 1, a), e 374, n.º 2)”.

Não vemos que seja assim, tal como alega o MP, pois se o tribunal recorrido entendeu, como disse e explicou, que tais transcrições permitiam dois sentidos possíveis e se optou por um deles, de resto, tal como já havia feito o tribunal da 1ª instância, fê-lo ao abrigo do disposto no art.º 127.º do CPP, onde se dispõe que “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.

Na verdade, a escolha entre dois caminhos possíveis na interpretação de determinados factos é muitas vezes intraduzível em palavras, pois resulta de uma reflexão sobre um conjunto de elementos, alguns de ordem unicamente subjetiva. O que se pretende nesses casos é que a escolha não seja puramente arbitrária. Mas aqui não o foi, pois a fundamentação da 1ª instância sobre o estabelecimento da matéria de facto foi longa e minuciosa, nada tendo sido deixado ao acaso, pelo que a Relação, entre a opção interpretativa da 1ª instância, onde se produziram todas as provas com imediatismo que a audiência de julgamento possibilita, e a possibilidade interpretativa adiantada pelo MP, ambas teoricamente possíveis face ao teor das transcrições, optou pelas primeiras.

O que se afigura como uma opção correta.

Já quanto à invocação dos vícios do art.º 410.º, n.º 2, do CPP, também feita pelo recorrente MP, o STJ tem rejeitado repetidamente tomar conhecimento dos mesmos, sempre que invocados em recurso meramente de revista, pois, quando conhece das decisões da Relação proferidas em recurso, o STJ tem poderes exclusivamente de direito (art.º 434.º, do CPP).

A referência que nesta norma é feita ao art.º 410.º, n.º 2, reporta-se à possibilidade que tem o STJ de, oficiosamente, declarar um dos vícios aí referidos, quando a matéria de facto estabelecida não lhe permite decidir da causa.

Na verdade, o recurso de revista pressupõe a prévia definição da matéria de facto pelas instâncias, designadamente, pela relação, a qual, neste campo, tem a última palavra. Por isso, aos recorrentes não assiste o direito de voltar a discuti-la quando se dirigem ao último tribunal de recurso.

Apesar disso, a lei abre ao STJ uma válvula de escape, que consiste em reenviar os autos novamente para a relação, sempre que tal matéria de facto seja de tal modo incompleta, confusa ou errónea, isto é, quando enferme de algum daqueles vícios, de tal modo que se lhe torne inviável decidir da causa.

Não é o caso dos autos, pois a matéria de facto é suficientemente clara e precisa para decidir de mérito.

 12. PROIBIÇÕES DE PROVA

O arguido, ao abrigo do disposto no art.º 684.º-A do CPC, alegadamente aplicável por força do disposto no art.º 4.º do CPP, ampliou o objeto do recurso às questões que havia suscitado perante o Tribunal da Relação e que aí foram desatendidas, ficando, nessa parte, vencido.

As mesmas dizem respeito à violação dos pressupostos materiais, bem como das exigências formais ­procedimentais de que a lei faz depender a admissibilidade e validade das escutas telefónicas, da ação encoberta e das gravações de som e imagem. Alegou ainda que todas as provas produzidas no processo que tiveram origem no agente encoberto Dr. H (ação encoberta, gravações de conversas entre presentes, declarações de testemunhas - dele e de todos aqueles a quem ele transmitiu os factos) estão inquinados pelo vício irremível da violação de sigilo profissional de advogado e não podem valer em juízo.

Invocou, em consequência, diversas ilegalidades suscetíveis de tornarem esses meios de prova proibidos e, portanto, nulos, para além de invocar que as interpretações em contrário são suscetíveis de juízos de inconstitucionalidade, tudo como se pode ver pelo relatório deste acórdão, onde se reproduziram as conclusões da sua resposta aos recursos movidos pelo MP e pelo assistente.

Todavia, como bem decidiu o acórdão recorrido, toda essa matéria foi objeto de decisão do Tribunal da Relação de ..., proferida em 21-10-2008 e já transitada em julgado.

Com efeito, tinha sido invocada pelo arguido no decurso da instrução que no seu devido tempo requereu e, depois, veio a ser objeto da decisão instrutória de pronúncia, onde o Juiz de Instrução não atendeu às suas pretensões.

O arguido recorreu da decisão instrutória nessa parte e o recurso, depois de não ter sido admitido – por não ser recorrível o despacho que pronuncia o arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º - veio a subir e ser julgado pelo Tribunal da Relação de ..., após reclamação para o Presidente desse Tribunal.

Ora, se o Tribunal da Relação já decidiu essas questões por acórdão transitado em julgado, não podia o mesmo tribunal na decisão recorrida – como não pode agora o STJ neste recurso – voltar a discutir o mesmo assunto, sob pena de violação do caso julgado formal.

Segundo o art.º 672.º do CPC, aplicável subsidiariamente ao processo penal, as sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.

O caso julgado formal existe para impedir que no âmbito do mesmo processo recaiam uma ou mais decisões contraditórias com outra que, sendo suscetível de recurso, já tenha transitado em julgado.

O acórdão do TC referido pelo arguido - n.º 387/2008, de 22 de julho de 2008 – segundo o qual os juízos formulados no despacho de pronúncia são provisórios e devem ser reavaliados em julgamento, respeita a uma época em que certa jurisprudência interpretava a lei no sentido de considerar o despacho de pronúncia incindível e, portanto, irrecorrível na parte em que conhece das questões prévias e incidentais, nomeadamente, das nulidades, no caso de concluir pela pronúncia do arguido pelos factos constantes da acusação do M.º P.º.

No caso dos autos, porém, não foi essa a orientação que veio a ser seguida, pois, entretanto, havia mudado a jurisprudência.

Com efeito, o STJ, pelo Acórdão do de 19 de janeiro de 2000 ("Assento n.º 6/2000", no Diário da República, I Série-A, n.º 6, de 7 de março de 2000), havia fixado jurisprudência nos seguintes termos: "A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais."

Posteriormente, o Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão n. ° 7/2004, de 21 de outubro de 2004, Diário da República, I Série-A, n. ° 282, de 2 de dezembro de2004), fixou a seguinte jurisprudência: "Sobe imediatamente o recurso da parte da decisão instrutória respeitante às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais, mesmo que o arguido seja pronunciado pelos factos constantes da acusação do Ministério Público."

Por isso, a reclamação para o Presidente da Relação, apresentada pelo arguido pelo não recebimento do recurso que moveu contra o despacho de pronúncia quanto à parte em que conheceu das proibições de prova, foi atendida e, assim, o recurso prosseguiu, foi julgado improcedente e a respetiva decisão transitou em julgado.

Não podia o arguido renovar essas questões no recurso que moveu para a Relação contra o acórdão condenatório da 1ª instância, apesar de neste, sem suporte legal, se ter abordado novamente tais questões atinentes às alegadas proibições de prova. Como não pode agora pedir ao STJ que se pronuncie sobre as mesmas.

Conforme se diz no Ac. do STJ de 24-05-2006, proc. 1041/06, relatado pelo Cons. Henriques Gaspar (também citado no acórdão recorrido): VI - O caso julgado que fixa, no processo e fora dele, a vinculação de efeitos materiais, quanto à definição e concretização judicial da relação controvertida ou objeto material do processo, é o caso julgado material. VII - Em processo penal, pode dizer-se que existe caso julgado material quando a decisão se torna firme, impedindo a renovação da instância em qualquer processo que tenha por objeto a apreciação do mesmo ou dos mesmos factos ilícitos. VIII - O caso julgado formal não assume semelhante função, nem contém, no essencial, dimensão substancial. IX - O caso julgado formal traduz-se em mera irrevogabilidade de ato ou decisão judicial que
serve de continente a uma afirmação jurídica ou conteúdo e pensamento, isto é, em inalterabilidade da sentença por ato posterior no mesmo processo. X - No caso julgado formal (art. 672.° do CPC), a decisão recai unicamente sobre a relação jurídica processual, sendo, por isso, a ideia de inalterabilidade relativa, devendo falar-se antes em estabilidade, coincidindo com o fenómeno de simples preclusão. XI - Há, pois, caso julgado formal quando a decisão se torna insuscetível de alteração por meio de qualquer recurso como efeito da decisão no próprio processo em que é proferida, conduzindo ao esgotamento do poder jurisdicional do juiz e permitindo a sua imediata execução (actio judicati). XII - O caso julgado formal constitui apenas um efeito de vinculação intraprocessual e de preclusão, pressupondo a imutabilidade dos pressupostos em que assenta a relação processual.»

Por outro lado, se o arguido entendia que a decisão do Tribunal da Relação de 21-10-2008 continha interpretação de normas violadora de diversos preceitos da Constituição, então deveria ter recorrido de tal acórdão para o Tribunal Constitucional. Não o tendo feito, tais alegações são agora inconsequentes, já que se formou, entretanto, caso julgado formal.     

Por fim, diga-se que a interpretação que aqui fazemos, de que o trânsito em julgado do acórdão da relação que julgou um recurso sobre questões incidentais do despacho de pronúncia, relativas à proibição de provas, impede um novo conhecimento das mesmas no processo, não padece de qualquer inconstitucionalidade, pois, como bem explicou o acórdão recorrido, o Tribunal Constitucional tem sempre afirmado a validade desta conceção do caso julgado formal (veja-se, entre todos, o Ac. do TC 86/2004, de 04/02/2004).

13. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS

O Código Penal de 1982 regulou os crimes de corrupção no capítulo IV, “Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas”, do Título V, “Dos crimes contra o Estado”, distinguindo em tipos autónomos, por um lado, a corrupção ativa da passiva, consoante o crime seja cometido pelo corruptor ou pelo corrompido, por outro, entre a corrupção para ato ilícito (corrupção própria) ou para ato lícito (corrupção imprópria), em função do caráter ilícito ou lícito da conduta do funcionário visado pelo suborno.

Almeida Costa, no “Comentário Conimbricense”, tomo II, p. 661, explica do seguinte modo, numa súmula final das diversas teorias consideradas, qual o bem jurídico que na legislação portuguesa se visou proteger com as normas incriminatórias respetivas:

«…ao transacionar com o cargo, o empregado público corrupto coloca os poderes funcionais ao serviço dos seus interesses privados, o que equivale a dizer que, abusando da posição que ocupa, se "sub-roga" ou "substitui" ao Estado, invadindo a respetiva esfera de atividade. A corrupção (própria e imprópria) traduz-se, por isso, numa manipulação do aparelho de            Estado pelo funcionário que, assim, viola a autonomia intencional do último, ou seja, em sentido material, infringe as exigências de legalidade, objetividade e independência que, num Estado de direito, sempre têm de presidir ao desempenho das funções públicas. Sintetizando: o bem jurídico da corrupção consiste na autonomia intencional do Estado, entendida nos termos descritos».

No Código Penal, os crimes de corrupção têm sempre como sujeito que é corrompido ou que se visa corromper um “funcionário”, entendendo-se como tal as pessoas referidas no art.º 386.º. No n.º 4 desta norma dispõe-se também que “a equiparação a funcionário, para efeito da lei penal, de quem desempenhe funções políticas é regulada por lei especial.”

O legislador, posteriormente, veio a assumir que no fenómeno da corrupção no Estado devem ser destacados os casos em que está em causa o titular de um cargo político, talvez porque se ter tomado consciência da dimensão do fenómeno em Portugal, obviamente não exclusivo do nosso País, e da enorme repercussão e relevância social quando o visado se destaca em funções políticas.

Por isso, mas no seguimento do disposto no n.º 4 do art.º 386.º do CP (n.º 2 do art.º 437.º na versão original do Código), publicou legislação própria para punir tais casos específicos, através da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, alterada posteriormente pelas Leis n.ºs 108/2001, de 28 de novembro, 30/2008, de 10 de julho e 41/2010, de 3 de setembro.

Aliás, o objetivo de extirpar através da publicação de legislação especialmente punitiva a corrupção, como fenómeno social enraizado na nossa sociedade, é confirmado pelo facto de terem sido também publicadas outras leis que abarcam a corrupção, por exemplo, no setor privado (Lei n.º 108/2001, de 28 de novembro) ou no desporto (Dec.-Lei n.º 390/91, de 10 de outubro).

Assim, na interpretação das normas penais que abarcam o fenómeno da corrupção há que respeitar escrupulosamente o princípio da tipicidade, como é apanágio de todo o direito penal, mas não há que fazer interpretações restritivas onde a lei não as prevê, pois a orientação clara do legislador nos últimos anos é o de punir todas as situações em que é mercadejado ou tentado mercadejar o exercício de funções públicas, privadas e mesmo desportivas.

O arguido foi pronunciado nos presentes autos pela prática de um crime de corrupção ativa para a prática de ato ilícito, previsto e punível no art.º 18.°, n.º 1, por referência aos art.ºs 16°, n.º 1, e 3°, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 34/87 de 16/07, na redação da Lei n.º 108/2001 de 28/11.

O n.º 1 do art.º 18.º dispõe que «Quem por si, ou por interposta pessoa, com o seu consentimento ou ratificação, der ou prometer a titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial ou não patrimonial que ao titular de cargo político não seja devida, com o fim indicado no artigo 16.º, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos».

Por sua vez, o art.º 16.º indica que preenche o elemento típico da corrupção o facto da vantagem dada ou prometida a titular de cargo político ter por fim “qualquer ato ou omissão contrários aos deveres do cargo”.

Mas, como vimos, foi condenado na 1ª instância pelo crime do art.º 18.º, n.º 2, por referência aos art.ºs 17°, n.º 1, e 3°, n.º 1, alínea i), da Lei n.º 34/87 de 16/07, na redação da Lei n.º 108/2001 de 28/11, os quais dispõem que se o fim for o indicado no artigo 17.º [para um qualquer ato ou omissão não contrários aos deveres do cargo, ainda que anteriores àquela solicitação ou aceitação], o agente é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 60 dias.

Ora, é só este último crime – corrupção ativa para ato lícito – que pode ser agora objeto de apreciação.

*

O assistente B é vereador da Câmara Municipal de ... e, portanto, titular de cargo político (art.º 3.º, al. i) da Lei 34/87, de 16/07).

É fora de dúvida que o arguido ofereceu ao assistente, por intermédio do irmão deste, uma vantagem patrimonial de € 200 000,00 para que praticasse determinados atos, a saber:

1ª- Desistência da ação popular já movida pelo assistente no Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., contra o Município de ..., a sociedade "D" e a "G", tendo em vista tal ação que o Tribunal declarasse a nulidade das deliberações que aprovaram o acordo e do contrato de permuta de terrenos do “D” pela “F”, bem como a nulidade da deliberação e das operações de loteamento do terreno onde se encontrava instalada a F.

2ª- Afirmação pública do assistente perante a Câmara Municipal de ... e perante jornalistas, na qual deveria declarar que, tendo consultado os processos camarários respetivos, as pessoas e as entidades que haviam negociado com a CML o contrato da F / D, isto é, o arguido e os demais acionistas da "C" e da "D", haviam estado de boa fé, tendo cumprido as exigências legais, pelo que não deveriam ser prejudicados, tanto mais que apenas haviam atuado na defesa dos interesses das suas empresas.

3ª- O silêncio futuro do Assistente, em particular no que se pudesse referir ao direito de preferência reconhecido pela Câmara Municipal de ... (facto a.40 da matéria de facto provada).

*

A questão que aqui se coloca foi formulada assim pelo acórdão recorrido, onde se citou abundantemente Almeida Costa (Comentário Conimbricense) e também um Parecer do Prof. Costa Andrade junto aos autos:

«(…) não sendo a corrupção ativa um crime específico, para se estar perante um tal crime, mostra-se necessário que a conduta do funcionário visada pelo suborno preencha os mesmos requisitos exigidos para a corrupção passiva.

Mas, nem todos os atos praticados pelos funcionários se mostram, suscetíveis de preencher os requisitos da corrupção passiva.

Para que tal aconteça, é necessário que os atos a praticar, ou que se pretende sejam praticados, pelo funcionário estejam dentro da esfera dos poderes do cargo que ocupa.

"A demarcação precisa das situações relevantes analisa-se, no presente domínio, por duas vertentes: uma que amplia e outra que restringe o âmbito da responsabilidade do funcionário:

a) A primeira não levanta grandes dificuldades, uma vez que, por definição, a corrupção se limita aos casos em que a gratificação representa a contrapartida de um ato realizado no exercício do cargo, i. e., do munus estadual em que o seu titular se encontra investido. Na correspondente fattispecie não cabem, assim, as hipóteses em que a dádiva respeita a uma atividade ou prestação não efetuada no desempenho das suas competências públicas, ainda que a conduta a que, em concreto, se dirige a remuneração se apresente material e tecnicamente idêntica às que o agente executa nessa veste. O que se afirma afigura-se válido mesmo para as situações em que a referida atividade ''privada'' do funcionário se encontra proibida por motivos relacionados com o próprio cargo. O recebimento de tais gratificações pode integrar um qualquer ilícito, mas não o que subjaz à corrupção passiva. O seu objeto não é constituído por "atos de serviço" e, portanto, não ocorre nenhuma transação com a autoridade do Estado - circunstância indispensável para a verificação de um delito daquela espécie.

b) Mais complexa se revela a segunda vertente em que se delimitam as condutas que podem integrar o crime de corrupção passiva. Sem dúvida que elas têm de consubstanciar o exercício do cargo. Mas deverão corresponder às especificas competências legais ou, pelo contrário, poderão importar a simples atuação de meros ''poderes de facto" decorrentes da posição ''funcional'' do agente? Apesar da falta de clareza resultante das contradições em que muitas vezes caem os autores, detetam-se, a este nível, duas orientações opostas.

De uma parte, surgem os que exigem, para se falar de corrupção passiva, que a atividade visada pelo suborno se encontre abrangida nas atribuições ou competências do concreto funcionário. Fora do campo da infração estaria, pois, além do particular que se fizesse passar por empregado público e, assim, beneficiasse de um suborno, o próprio funcionário que se arrogasse a competência para praticar um ato que não cabe nas suas específicas atribuições e, em troca, aceitasse uma gratificação. Qualquer dos casos apresentar-se-ia, porventura, subsumível noutro tipo legal (v.g., usurpação de funções ou burla), mas não no da corrupção passiva. Ao seu conceito estaria subjacente a violação de um dever de ''fidelidade ao cargo", pelo que apenas poderia figurar como respetivo autor a pessoa sobre quem recaísse esse mesmo dever - i.e. o individuo formalmente investido para o desempenho das funções. Numa palavra, a perspetiva descrita parece, à primeira vista, afirmar-se como a única conforme à natureza de crime específico assumida pela corrupção passiva.

Embora concordando na parte em que se retiram do campo da corrupção passiva todos os não-funcionários, contra a posição exposta prescindem outros autores do facto de a conduta prometida ou efetuada pelo empregado público pertencer à esfera das suas especificas atribuições ou competência, bastando-se com a simples circunstância de a atividade em causa se encontrar numa relação funcional imediata com o desempenho do respetivo cargo. Assim acontecerá sempre que a realização do ato subornado caiba no âmbito ''fáctico'' das suas possibilidades de intervenção, i.e., dos ''poderes de facto" inerentes ao exercício das correspondentes funções. Quer dizer, não de quaisquer possibilidades fácticas - que também um particular pode possuir -, mas apenas das que, apesar de o exorbitarem, são propiciadas pelo cumprimento"normal" das suas atribuições legais.

Posto isto, excluem-se da corrupção passiva as hipóteses em que o agente, não obstante revista a qualidade de funcionário e, em virtude dela, goze da capacidade ''fáctica'' para efetuar a conduta a que se destina a peita, não pertença ao serviço ou departamento a que está adstrito aquele setor de atividade social, nem com ele mantenha conexões institucionais diretas. Na medida em que não participa da aludida "relação funcional imediata", aquele empregado público apresenta-se como "estranho" ao serviço e, portanto, numa posição equiparável à de um particular, não se enquadrando na órbita do ilicito acima referenciado. Ao invés, integra uma situação de corrupção passiva, por exemplo, o pagamento de um suborno ao contínuo de certo departamento administrativo, como contrapartida de ele haver subtraído determinado processo que estava para ser decidido pelo seu diretor. A circunstância de a análise ou a custódia daquele processo não estarem abrangidas nas suas atribuições não afeta a "relação funcional imediata" do agente com o ato, circunstância que o coloca na órbita do tipo legal da corrupção passiva.

De resto, a favor da tese da "relação funcional imediata" e dos ''poderes de facto", assinale-se que, ao menos na corrupção própria, só com base naquele critério se pode punir o funcionário dito "competente" para a prática da atividade pretendida com o suborno. Na verdade, a lei nunca confere competência para a realização de atos injustos ou ilícitos, pelo que, também ai, a sua efetivação se fica a dever, única e exclusivamente, aos ''poderes fácticos" decorrentes da "relação funcional imediata" do agente com o cargo. Esta a doutrina aceita pela jurisprudência no âmbito do CP de 1886 (cf. a titulo exemplificativo, os Acs. do STJ de 4 de março de 1953,BMJ 36°89ss., e de 15 de julho de 1970,BMJ199° 139ss., e MAIA GONÇALVES 1982, 515) e que parece de seguir na esfera do direito vigente. No plano material, a "autonomia intencional do Estado" resulta ofendida com igual intensidade, quer o ato subornado tenha sido realizado pelo próprio funcionário "competente", quer provenha de outro que, possuindo uma relação funcional direta com o serviço, apenas o levou a cabo na atuação de meros ''poderes de facto". Na medida em que estes decorrem de uma relação funcional do agente, i.e.,do posto que ocupa, o recebimento da peita pelo (ou para o) seu exercício constitui, ainda, uma transação com o seu cargo e, por isso, uma situação de corrupção passiva.

O texto do art. 372° ss favorece, aliás, uma interpretação concordante coma presente perspetiva. Neles, sanciona-se o simples mercadejar com o cargo - com independência de a atividade a que se destina a gratificação assumir caráter lícito (art. 372°) ou ilícito (art. 373°). Dado que, conforme se referiu, a atuação de ''poderes fácticos" a troco de suborno integra, ainda, uma verdadeira transação com as suas funções, nenhuma dúvida suscita a afirmação de que tais casos cabem na esfera de previsão do art. 372°ss. Aliás, em consonância com o acima exposto, só aceitando-se o ponto de vista adotado se explica a punição de todas as hipóteses de corrupção própria.".

Portanto, na síntese do Prof. Costa Andrade, "Só podem colher esta qualificação, (...) as ações que o funcionário não poderia levar a cabo se não estivesse investido no seu cargo público. Dito pela positiva, só merecerão a qualificação as ações que o funcionário só pode praticar precisamente porque é funcionário. Para além disso, fica toda a pletora das ações privadas do funcionário, irrelevantes e indiferentes no contexto e para efeito de preenchimento da incriminação de qualquer forma de corrupção.

Em conclusão, os atos dos funcionários, para serem relevantes para o preenchimento dos tipos da corrupção, hão de caber dentro das suas específicas competências legais ou dos poderes de facto decorrentes do cargo que desempenham.»

*

Ora, das três contrapartidas acima discriminadas, exigidas pelo arguido ao assistente a troco da gratificação que se lhe propunha dar, uma estava manifestamente fora das competências legais ou dos poderes de facto decorrentes do cargo político que o assistente exercia, pois que a ação popular tinha sido proposta pelo cidadão B antes de ocupar qualquer cargo político e, portanto, a apresentação de uma desistência dessa ação, ainda que uma contrapartida remuneratória, não passaria de uma vulgar transação processual, em que o autor, a troco de um benefício oferecido pelo réu, desiste do pedido.

Já a declaração pública que o arguido desejava que fosse feita pelo vereador B e o seu posterior silêncio quanto ao exercício do direito de preferência pela Câmara, a troco da gratificação prometida, tem de ser encarada de outro modo.

É que um vereador de uma Câmara não exerce apenas o cargo no que respeita ao pelouro ou aos pelouros que lhe são atribuídos. As suas funções estendem-se por outras áreas, pois, nomeadamente, tem funções políticas, de representação do partido ou do grupo de cidadãos que o elegeram e, para além disso, outras funções administrativas nos órgãos autárquicos, nomeadamente, as de fiscalização da legalidade, podendo e devendo suscitar perante a Assembleia Municipal as irregularidades ou nulidades dos atos camarários.

Como diz o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque em Parecer junto aos autos:

«57. Efetivamente, o Assistente tinha a competência funcional para suscitar uma proposta de deliberação camarária contrária à deliberação n.º 307/CML/2005, com as consequências daí decorrentes, designadamente no tocante à revogação da operação de loteamento. Como podia mesmo suscitar, no seio da Câmara, uma proposta de deliberação contrária à proposta de deliberação n.º 36/2005 de modo a levar à consideração da Assembleia Municipal a ilegalidade da sua deliberação de 1 de Marco de 2005.

58. As referidas deliberações da Câmara Municipal de ... e da Assembleia Municipal de ... pressupunham possibilidades construtivas e mudanças de uso em contradição com os artigos 62.º e 63.º do RPDM e, por Isso, eram nulas, o que tinha a consequência da nulidade da escritura de permuta, bem como da operação de loteamento. A que acrescem outras nulidades e irregularidades igualmente graves, que punham em causa também a outorga do direito de preferência. Sendo estes procedimentos da autarquia uma violação grosseira dos princípios da prossecução do interesse público e da imparcialidade, impunha-se, na perspetiva do Assistente, denunciar e repudiar tais ilegalidades e atacar a validade dos atos jurídicos viciados.

59. O fundamento legal desse poder funcional do Assistente é o artigo 134.º, n.º 2, do Código de Procedimento Administrativo: a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal.

60. Segundo DIOGO FREITAS DO AMARAL, "o n.º 2 do artigo 134.º do CPA deve ser entendido no sentido de que apenas os Órgãos administrativos com poderes de controle do caso podem declarar com força obrigatória geral a nulidade do ato administrativo. (...) (DIOGO FREITAS DO AMARAL, Curso de Direito Administrativo, Volume II, com a colaboração de L1NO TORGAL, Coimbra, Almedina, 2010, p. 406).

61. Neste processo, os Órgãos "com poderes de controlo do caso" eram, respetivamente, a Câmara Municipal, no que respeita à deliberação n.º 307/CML/2005 e à operação de loteamento, e a Assembleia Municipal, no que respeita à deliberação n.º 32/AML/2005.

62. Como também sustentam MARIO ESTEVES DE OLIVEIRA, PEDRO COSTA GONÇALVES e JOÃO PACHECO AMORIM, "a declaração administrativa (erga omnes) da nulidade dum ato pressupõe um procedimento que corra perante ou no confronto do seu autor ou do órgão que esteja em posição supraordenada em relação a ele (em termos de legalidade); outros órgãos poderão desaplicar o ato num caso concreto sob sua alçada, mas não declará-lo nulo em termos vinculativos para a autoridade que o praticou ou para terceiros, para tribunais, etc." (in Código de Procedimento Administrativo comentado, 2.ª edição, Coimbra, Almedina, 1997, anotação iii ao artigo 134).

63. Ainda mais explicitamente sustentam JOSÉ SANTOS BOTELHO, AMERICO PIRES ESTEVES e JOSÉ CÂNDIDO DE PINHO que a nulidade pode também ser declarada a todo o tempo por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. O facto de o legislador utilizar o termo pode não implica que estejamos perante um poder discricionário. Uma vez detetada a nulidade a Administração ou qualquer tribunal está vinculado a declarar tal nulidade."(in Código do Procedimento Administrativo Anotado e Comentado, 5.ª edição atualizada e aumentada, Coimbra, Almedina, anotação 15ª ao artigo 134).

64. Ora, sendo as deliberações autárquicas referidas nulas do ponto de vista do Assistente, ele tinha, na qualidade de vereador, o poder-dever jurídico de suscitar a declaração pelos Órgãos autárquicos da nulidade das ditas deliberações, o que teria as consabidas e nefastas consequências no tocante ao destino do negócio.

65. Este poder-dever jurídico é inerente ao próprio cargo de vereador. É uma competência resultante do poder de auto controlo da legalidade do órgão administrativo, nos termos da dita disposição do CPA.

66. Aliás, esse poder-dever de controlo administrativo da legalidade do negócio foi posteriormente exercido pela Câmara, através da sua Deliberação n.º 33/CML/2008, de 25.1.2008, que constitui um facto histórico, público e notório, mas que foi ignorado pelo tribunal de julgamento e pelo Tribunal da Relação.»

Assim, ao pretender que a troco da vantagem económica prometida, o vereador B se vinculasse perante a Câmara e perante a opinião pública, em declaração formal, que os atos de permuta supra referidos eram, afinal, válidos e límpidos e ao comprometer-se a que, no futuro, se mantivesse silencioso em relação a tudo que a tal respeitasse, nomeadamente, quanto ao exercício do direito de opção por parte da Câmara, o arguido estava a condicionar o exercício do cargo que aquele vereador exercia, tanto na vertente política, como no próprio desempenho do seu cargo.

E os atos que o vereador em causa pudesse ou não praticar não estavam dependentes de uma sua “opinião” (como refere Costa Andrade no seu Parecer), mas de um poder/dever inerente ao seu cargo administrativo e político, de respeitar a legalidade e os compromissos, ao menos, com os cidadãos eleitores.

Como se diz no dito Parecer do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque:

«55. O que o Arguido verdadeiramente pretendia era que o assunto da manutenção do contrato D/F celebrado entre a Câmara e o Arguido morresse. O objetivo do Arguido não era apenas a desistência da ação popular. Era muito mais do que isso: o verdadeiro objetivo do Arguido era que o único ou o principal oponente ao negócio não mais pudesse, no plano político, na rua e no seio da Câmara, pôr em causa a manutenção do negócio, como podia e tinha poderes para fazer.

56. Com efeito, o Assistente podia tomar várias iniciativas políticas e jurídicas na câmara e fora dela para obstar à manutenção do contrato. E tanto basta para reconhecer que ele tinha poderes de facto e de direito que o Arguido queria manipular, queria comprar.»

Com o devido respeito por opinião diversa, não faz qualquer sentido o que consta no acórdão recorrido, com uma pretensa similitude entre atos hipoteticamente praticados por juízes e atos hipoteticamente praticados por um vereador, pois que a esfera de atuação de um juiz é limitada aos processos que lhe estão afetos no tribunal onde presta funções, enquanto um vereador é um político, pois como tal o define a lei e, portanto, as suas funções não se limitam apenas aos papéis e dossiers que lhe são colocados na secretária.

Para além de que, como é público e notório, o fenómeno da corrupção não é apontado aos juízes portugueses. O que demonstra que para além de inverídica, a comparação também foi infeliz.

Como já vimos, não faz parte do objeto deste recurso averiguar se a corrupção ativa praticada pelo arguido foi para ato ilícito.

Assim, estando-nos vedado caminhar nessa direção, não resta senão reconhecer que o arguido, por si, prometeu a titular de cargo político, ou a terceiro com conhecimento daquele, vantagem patrimonial que ao titular de cargo político não era devida, com o fim de que o mesmo praticasse atos que cabem na sua esfera de atuação desse cargo. Por outro lado, está provado que o arguido A atuou livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (ponto a.55).

Por isso, o arguido cometeu um crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11.

14. MEDIDA DA PENA

O crime era punível, então, com pena de prisão até 6 meses ou multa até 60 dias, não sendo necessário confrontá-lo com o regime atual, que é muito mais gravoso.

Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem se perder de vista a culpa do agente.

A finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).

“É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto ótimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a proteção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica (mesma obra, pág. seguinte).

A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.

“Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...” (ainda a mesma obra, pág. 575). “Sendo a pena efetivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (pág. 558).

O Código Penal espelhou estas preocupações nos artigos 70º e 71º.

Dá-se preferência às penas não privativas da liberdade, mas tal tem de ser feito de uma forma fundamentada, pois há que apurar criteriosamente se a pena não detentiva realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.º 70º).

E «1. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

2. Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

Ora, o crime praticado pelo arguido assume, no quadro da moldura penal respetiva, uma ilicitude muito alta, quase no seu máximo possível, pois a promessa de gratificação foi feita de um modo insistente e repetido, durante vários dias e através de três encontros pessoais.

Por outro lado, ainda no quadro da ilicitude, há que referir que a quantia prometida pelo arguido como suborno era de valor consideravelmente elevado, o que, por si só, é elucidativo de que o arguido pretendia obter, ao comprar atos e omissões do assistente, elevadíssimos proventos com o negócio subjacente, em desrespeito pela coisa pública.

Como se sabe, os relatórios divulgados demonstram que em Portugal o fenómeno da corrupção tem minado o Erário Público e a confiança dos cidadãos nas instituições. Há, portanto, elevadas exigências de punição nos casos de corrupção que são detetados.

O dolo do arguido foi elevadíssimo.

Quanto à personalidade do arguido, há que ter em conta a sua idade (nascido em 17-09-1954), o seu percurso pessoal, cultural e empresarial, as suas estáveis condições familiares e a sua boa integração social, as suas elevadas condições económico-financeiras, a sua conduta social e comunitária e a sua escolaridade.

Não tem antecedentes criminais.

Refere-se no relatório de reinserção social, em conclusão, que o arguido A apresenta um percurso de vida marcado pelo forte investimento profissional, revelando uma capacidade de trabalho considerada acima dos padrões médios, qualidades de relacionamento interpessoal que associadas à sua simplicidade pessoal o tem colocado em posição de respeitabilidade e de liderança no setor empresarial. A nível familiar apresenta enquadramento estável e solidário, dispondo do apoio do seu agregado e da família alargada com a qual o arguido estabelece um relacionamento de proximidade, privilegiando o convívio familiar nos seus escassos tempos livres. O seu quotidiano é totalmente direcionado para uma intensa atividade empresarial, cujo sucesso lhe é socialmente reconhecido, pelo elevado padrão de vida sócio-familiar que mantém e dimensão das múltiplas atividades que o grupo empresarial de que é sócio possui. Assim, na eventualidade de condenação, atento o enquadramento sócio-familiar, profissional e económico, afigura-se­nos que o arguido dispõe de condições para garantir a exequibilidade de sanção na comunidade.

Tudo ponderado, atenta a fortíssima exigência de prevenção geral já apontada, a pena de multa alternativa não poderá corresponder às expectativas comunitárias na validade da norma, pois não conduziria à tutela dos bens jurídicos que se exprime no caso concreto.

Será, pois, de fixar a pena em 5 (cinco) meses de prisão.

Contudo, a ausência de antecedentes criminais e a boa inserção social e familiar do arguido levam a que o tribunal, a par de uma estratégia intimidatória, não possa deixar de fazer um juízo de prognose favorável, no sentido de que a simples ameaça da pena e a mera censura do facto irão afastar o arguido da criminalidade e não defraudarão as finalidades da pena neste caso concreto, tanto mais que já passaram quase seis anos e não chegou a haver entrega de dinheiro, nem o político em questão se deixou corromper.

Por isso, nos termos dos art.ºs 50.º e 51.º do CP, a pena será suspensa por um ano, mas com a condição de o arguido entregar, no prazo de dois meses, na Repartição de Finanças da área da sua residência quantia igual à que prometeu como suborno, isto é, € 200 000,00 (duzentos mil euros), que assim reverterá para o Erário Público.

Não se diga que esta quantia é desproporcionada, pois se o MP o tivesse requerido, ou se fosse objeto deste recurso, tal quantia teria de ser declarada perdida para o Estado (cf. art.º 111.º, n.º 1, do CP: “Toda a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, para eles ou para outrem, é perdida a favor do Estado”). 

15. Pelo exposto, no provimento parcial dos recursos do Ministério Público e do assistente, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em condenar o arguido A pela prática de um crime de corrupção ativa para ato lícito, p. e p. pelo art.º 18.º, n.º 2, da Lei 34/87 de 16/7, na redação da Lei 108/2001 de 28/11, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, que contudo será suspensa por um ano, com a condição de entregar, no prazo de dois meses, na Repartição de Finanças da área da sua residência, a quantia de € 200 000,00 (duzentos mil euros), que assim reverterá para o Erário Público.

Fixa-se em dez UC a taxa de justiça a cargo do arguido e em cinco UC a procuradoria (art.ºs 87.º, n.º 1, al. a e 95.º do CCJ). Pelo decaimento parcial, fixa-se em duas UC a taxa de justiça a cargo do assistente (art.º 87.º, n.ºs 1, al. a e 3, do CCJ).

Notifique imediatamente, por fax.


Supremo Tribunal de Justiça, 20 de janeiro de 2012

Santos Carvalho (Relator)

Rodrigues da Costa [“sem prejuízo do meu entendimento já expresso quanto à admissibilidade do recurso”]


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(1) Texto escrito nos termos do Acordo Ortográfico em vigor.
(2) Em anotação ao art.º 122.º, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário ao Código Penal”, UCE, 2008, p. 335, refere o seguinte: “Atento o efeito sucessivo das várias causas de interrupção da prescrição, a lei impõe um limite máximo para o alargamento do prazo da prescrição, que é o do prazo normal acrescido de metade, mas descontando todo o período de suspensão da prescrição (assim, EDUARDO CORREIA, in ATAS CP/EDUARDO CORREIA, 1965 b: 234 e 235, esclarecendo que a expressão “desde seu início" se refere ao início do prazo de prescrição e não ao início do processo). Por exemplo, sendo o prazo de prescrição de 5 anos, se o agente do crime for constituído arguido em 1.2.1996 e se for notificado da acusação em 1.1.2001, o procedimento criminal prescreve em 1.8.2006 (isto é, sete anos e meio contados desde 1.2.1996, mais três anos de suspensão do prazo nos termos do artigo 120.°, n.º 2, conjugado com a al. b) do n.º 1 do mesmo artigo).”