Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1047/12.0TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
VENDA DE COISA SUJEITA A PESAGEM
REDUÇÃO DO PREÇO
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
LOGRADOURO
ERRO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
FIM CONTRATUAL
BEM IMÓVEL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO
Data do Acordão: 07/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / INDEMNIZAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO - REGISTO PREDIAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, na Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 119.º,1986/1987, 344.
- Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Colecção Teses, Almedina, 188 e 189.
- Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, 217.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, vol. II, 1968, 133.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º, 884.º, N.ºS 1 E 2, 887.º E 888.º, 911.º, 913.º, N.º1.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGO 7.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 07.04.2011 E DE 16.09.2008, PROCESSOS N.º 453/07.6TBAMR.G1.S1 E N.º 2265/2008, RESPECTIVAMENTE, ACESSÍVEIS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 18.02.2003, PROCESSO N.º 02A225, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Inseridos na secção destinada a regular a venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, contemplam os arts. 887.º e 888.º, do CC, respectivamente, o regime da venda ad mesuram e o regime da venda ad corpus, versando o primeiro sobre os casos em que o preço é fixado por unidade e regulando o segundo as situações em que o preço fixado é global, mas com indicação no contrato do número, peso ou medida da coisa vendida.

II - Em ambos os casos coloca-se apenas um problema de existência de erro sobre a quantidade que as partes tiveram em vista quando contrataram, um erro de cálculo comprovado pela verificação de que o número, peso ou medida da coisa vendida e a indicação não correspondem à realidade.

III - Diverso é o regime do erro sobre a qualidade da coisa vendida, o qual cai no âmbito do incumprimento contratual, mais concretamente da venda de coisa defeituosa prevista no art. 913.º, n.º 1, do CC.

IV - Situações há na venda ad corpus em que a divergência de quantidade pode consubstanciar falta de qualidade funcional da coisa vendida e subsumir-se à previsão do art. 913.º do CC. Tal acontece, designadamente, quando a divergência de quantidade impede a cabal realização do fim a que o bem vendido se destina, o que o desvaloriza, não se limitando à mera desproporção ou desconformidade entre a quantidade real e o preço contratado.

V - Resultando da factualidade provada que os autores celebraram com a ré um contrato de compra e venda tendo por objecto um prédio urbano, correspondente a uma habitação unifamiliar, constituída por cave, rés-do-chão, mansarda e por área descoberta composta por um logradouro que, na sua totalidade, perfazia 280 m2 e que, posteriormente à compra, os autores foram instados pela Câmara Municipal a desocupar à área de 180 m2 incorporada no logradouro, tendo tal retirado aptidões ao imóvel que se repercutem não só no seu valor comercial, mas também nas potencialidades para proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos autores e à família – que viram o espaço para as crianças brincarem reduzido substancialmente e ficaram impedidos de aí construir uma piscina e um parque infantil e de terem no local um jardim com árvores –, têm os mesmos direito à redução do preço pago na medida da desvalorização verificada e demonstrada, nos termos do disposto no art. 911.º conjugado com o art. 884.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CC.

VI - O direito à redução do preço não é afastado pela circunstância de, quer na descrição predial, quer na matriz urbana, constar que o prédio possui uma área de logradouro/descoberta de 100 m2 e não de 280 m2, porquanto nada evidencia nos autos que os autores tivessem conhecimento desse facto ou que tivessem o especial dever de o conhecer, sendo que a área, enquanto elemento definidor do prédio, não está abrangida pela presunção registral contida no art. 7.º do CRgP.

VII - À luz do disposto no segmento final do n.º 1 do art. 911.º do CC, a redução do preço não priva o comprador da indemnização que ao caso competir, nomeadamente, a prevista no art. 496.º do mesmo Código para a lesão de bens imateriais, desde que, pela sua gravidade, sejam merecedores de tutela jurídica.

VIII - Constitui um dano moral indemnizável – distinto do desgosto sofrido com a privação do gozo e da titularidade da parcela já contido na redução do preço prevista no art. 911.º do CC – a circunstância dos autores terem sofrido um desgosto que se prende com a frustração de expectativas, com a alteração de um projecto que tinham para a sua vida e do seu filho menor, bem como de terem tido incómodos com a resolução do problema com que foram duplamente confrontados, seja pelo Município, seja com a resistência da ré em compensá-los.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


           

1. Relatório:


AA e BB intentaram, em 23 de Outubro de 2012, a presente acção declarativa de condenação, sob o regime processual experimental do Decreto-Lei 108/2006, de 8 de Junho, contra a Sucursal em Portugal do CC, Public Limited Company, pedindo a condenação do réu a pagar-lhes:

- a quantia que vier a ser determinada a título de redução do preço, pelo menos 75.000€, inerente à venda de coisa defeituosa, nos termos do disposto nos artigos 913º e 911º do Código Civil, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

- a quantia que vier a ser liquidada, respeitante aos restantes danos patrimoniais;

- a quantia de, pelo menos, 15.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

A título subsidiário, pediram a condenação do réu a pagar-lhes:

- a quantia de 75.000€, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento;

- a quantia que vier a ser liquidada relativa aos restantes danos patrimoniais;

- a quantia de, pelo menos, 15.000€ a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Ainda a título subsidiário, agora com fundamento em enriquecimento sem causa, os autores pediram a condenação do réu no pagamento da quantia de 75.000€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Sumariamente, alegaram os autores:

- No dia 29/11/2010 o réu vendeu aos dois autores, em comum e em partes iguais, uma casa de habitação com logradouro, pelo preço de 266.220€;

- Nas visitas ao prédio, que antecederam a sua compra, constataram existir na parte traseira e lateral um logradouro vedado para a via pública com um muro, o qual incorporava um portão, sendo o prédio mostrado como se tivesse logradouro de 280 m2 disso se tendo os autores convencido;

- Após a compra, a Câmara Municipal do Porto informou os autores, em 24/10/2011, de que uma parte do logradouro – 180 m2 –, dentro de muros, pertencia ao Município, facto de que não foram informados pelo réu, e intimou-os a desocuparem-na;

- Sem essa parte o prédio fica desvalorizado em 75.000€, sendo que os autores não o teriam comprado por 266.220€ se soubessem que a área de 180 m2 não integrava o seu logradouro;

- Os autores têm desgosto com a privação dos 180 m2 e terão de realizar obras para readaptação do espaço, cujo valor ainda desconhecem;

Na contestação o réu conclui pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que desconhece se o Município do Porto é proprietário do trecho de 180 m2 invocado pelos autores; no registo predial o prédio consta com a área descoberta de 100 m2 e o réu tinha-o avaliado, em 12/3/2010, em 290.000€ no pressuposto de ser essa a área do logradouro; os autores sempre souberam que o logradouro tinha 100 m2.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença com data de 26/8/2014, rectificada em 17/4/2015, a julgar a acção parcialmente procedente, condenando o réu a pagar aos autores a quantia de 61.689€ a título de redução do preço, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até pagamento, e absolvendo o réu dos demais pedidos, principais e subsidiários.

Apelou o réu, pugnando pela improcedência de todos os pedidos dos autores.

Apelaram também os autores, defendendo a condenação do réu na restituição aos autores da quantia de 90.000€, acrescida de juros desde a citação até pagamento.

Por acórdão de 12/11/2015 o Tribunal da Relação do Porto julgou a apelação dos autores parcialmente procedente e improcedente a apelação do réu, condenando-o a pagar 78.000€ aos autores, acrescidos de juros à taxa de 4% ao ano desde 7/11/2012 até integral pagamento.


Deste acórdão recorreu o réu de revista.

Na alegação oportunamente apresentada formulou as seguintes conclusões:

«A) - O douto Tribunal Recorrido decidiu aplicar ao caso sub judice o regime legal da compra e venda de coisas defeituosas previsto no artigo 913º e ss, contudo, salvo o devido respeito, o aqui Recorrente considera que o regime legal aplicável in casu é o do regime da venda de bens ad corpus, previsto no artigo 888º do C.C, tal como o fez o tribunal de 1ª Instância.

B) - No douto Acórdão Recorrido vem expresso que o facto do logradouro ter uma área real de 100 m2 e não os 280 m2 que aparentava ter, conduz a que o imóvel padeça de um vício que cai na previsão do artigo 913.º nº 1 do C.C, tendo os Recorridos direito a uma redução do preço, no montante de € 75.000,00, tendo ainda condenado o aqui Recorrente a liquidar aos Recorridos uma indemnização a título de danos morais no montante de € 3.000,00.

C) - Contudo, salvo o devido respeito por entendimento contrário, o aqui Recorrente considera o facto de um terreno ou logradouro ter uma área inferior à área contratada ou à área que uma das partes contraentes pressupôs que aquele teria, tal não corresponde a um defeito intrínseco da coisa, neste sentido, vide a título de exemplo o douto Acórdão do STJ, datado de 16-09-2008, Processo nº 08A2265, Relator: Fonseca Ramos, acessível in www.dgsi.pt.

D) - Para que se possa aplicar o regime do artigo 913º do C.C é necessário que a coisa padeça de um defeito essencial, seja porque impede a realização do fim a que a coisa se destina, seja porque a desvaloriza na sua afectação normal ou porque a priva das qualidades asseguradas pelo vendedor.

E) - In casu, nenhum destes pressupostos se encontram preenchidos, a moradia destina-se a habitação e cumpre na íntegra o fim a que se destina e se, muito embora, na douta Sentença proferida em 1ª instância o Tribunal “ a quo” deu como provados que a área de 180 m2 fica por exemplo “impedida a possibilidade de colocar ou construir uma piscina no logradouro, bem como a possibilidade de colocar ou construir um parque infantil”, certo é que ainda na referida sentença vem expresso na página nº 14 que, muito embora desse como provada aquela constatação, certo é que (…)” também não ficou provado que os autores ali pretendessem construí-la)”. (Sublinhado e negrito nosso).

F) - Ademais, não resultou provado que o aqui Recorrente ou a empresa imobiliária por si contratada para o representar, promoveram a venda do imóvel aqui em litígio, assegurando qualidades que na realidade não se verificam.

G) - Pelo exposto, o aqui Recorrente defende que o caso sub judice não é enquadrável no regime de venda de bens defeituosos, mas sim, deverá aplicar-se o regime da venda “ad corpus”, tal como o fez o Tribunal de 1ª Instância, contudo, o aqui Recorrente diverge desta douta instância quanto à interpretação que esta fez do artigo 888.º nº 2 do C.C. e que conduziu à condenação do aqui Recorrente a pagar aos aqui Recorridos a quantia de € 61.689,00.

H) - Aliás, casos idênticos ao caso sub judice, têm-se deparado perante a nossa jurisprudência, tendo sido dado por esta, o mesmo tratamento jurídico que foi dado aqui pelo douto Tribunal “ a quo”; Ou seja, tem sido aplicado o regime da venda ad corpus, previsto no artigo 888.º nº 1 do C.C. Neste sentido, vide a título de exemplo, o Ac. do STJ, Processo nº 453/07.6TBAMR.G1.S1, datado de 07-04-2011, Relator: Salazar Casanova; Ac. do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 0827414, Datado de 17-02-2009, Relator: José Carvalho e Ac. do STJ, Processo nº 07B698, datado de 26-04-2007, Relator: Gil Roque, todos acessíveis in www.dgsi.pt;

I)- Ao caso dos autos, foi fixado o preço GLOBAL de € 266.220,00 pela aquisição do prédio aqui em litígio, tendo por base a globalidade do bem;

J) - O douto tribunal de Primeira Instância considerou que, quer do contrato promessa, quer do contrato prometido, não consta a referência às áreas do imóvel, mas ainda na sua fundamentação, encontramos expresso que, “estando assim assente que se trata da aplicação do disposto no art. 888 do código civil (os autores, confiando na entidade vendedora e na área que lhes foi exibida compraram um prédio com uma área de logradouro inferior à “contratada”;

K) - O aqui Recorrente entende que, para que se aplique o disposto no artigo 888.º nº 2 do C.C, TERÁ DE TER SIDO DECLARADO NO CONTRATO uma determinada quantidade e esta terá de divergir da quantidade real/ efectiva em mais de um vigésimo; neste sentido, vide Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, Processo nº 453/07.6TBAMR.G1.S1, Relator: Salazar Casanova, datado de 07-04-2011, acessível in www.dgsi.pt).

L) - Ficou provado que, na escritura pública de compra e venda relativa ao imóvel em litígio, houve indicação do número de descrição predial, bem como do artigo da matriz urbana respeitante ao imóvel;

M) - Também ficou provado que, quer na descrição predial, quer na matriz urbana, consta que o imóvel em litígio possui uma área de logradouro/ descoberta de 100 m2 e NÃO de 280m2;

N) Quer a certidão predial do imóvel em litígio, quer a cópia da matriz urbana, foram documentos que integraram a escritura pública de compra e venda onde se deu a transacção do imóvel em causa, tendo-se dado às partes a possibilidade de os consultarem;

O) - Ficou provado na Sentença recorrida que, o imóvel em litígio, possui um logradouro cuja área se estima, sensivelmente, em 100 m2;

P) - O aqui Recorrente partilha a opinião de alguma jurisprudência, nomeadamente, do douto Ac. do TRP, datado de 17-02-2009, Processo nº0827414, Relator: José Carvalho, (acessível in www.dgsi.pt), onde se defende que, a referência/ declaração da área do prédio, pode-se fazer por remissão para a consulta de documentos, maxime, da certidão predial e da matriz urbana.

Q) - Posto isto, concluímos que, a área que foi declarada e a área efectiva / real, coincidem, e representa 100m2. Foi esta a área que legalmente foi declarada e foi vendida pelo Recorrente aos aqui Recorridos e não os 280m2. O que, consequentemente, conduz a que não se aplique o disposto no artigo 888.º nº 2 do C.C, pois para tal, seria necessário que houvesse uma divergência entre a área declarada no contrato e a área real, o que NÃO é o caso.

R) - Ademais, o artigo 888.º nº 2 do C.C tem cariz supletivo, visto não assentar em razões de interesse público;

S) - Por todo o exposto, defende o aqui Recorrente que, ao caso sub judice, aplicar-se-á sim, o disposto no artigo 888.º nº 1 do C.C e, como tal, os Recorridos, em consequência do contrato em causa, ficaram obrigados legalmente, a pagar ao aqui Recorrente, a quantia acordada/ declarada, isto é, os €266.220,00.

T) - Contudo, caso se venha a entender que o caso sub judice não se enquadra no instituto jurídico da venda “ad corpus” prevista e regulada no artigo 888º do C.C, então neste caso, entende o aqui Recorrente que o facto dos aqui Recorridos adquirirem o imóvel aqui em litígio pressupondo erroneamente que o logradouro tinha uma área de 280m2, fazendo uma má representação da realidade, sendo que esta má representação da realidade fez com que estes decidissem adquirir o imóvel pelo preço de €266.220,00, tal trata-se de um vício da vontade, especificamente de erro – motivo sobre as qualidades do objecto. Ou seja, a vontade dos Recorridos é que estava viciada à data da contratação, por estes representarem erroneamente uma realidade que na realidade não se verifica. Portanto, o vício a existir será unicamente a vontade ou erro dos aqui recorridos e NUNCA será o próprio imóvel aqui em litígio a sofrer de um vício ou defeito para efeitos do artigo 913º do Código Civil!

U) - O nosso ordenamento jurídico regula os vícios da vontade num local próprio que não o do artigo 913º do C.C, mas sim e especificamente para o erro sobre as qualidades do objecto, encontra-se previsto no artigo 251º do C.C que manda aplicar o regime do erro na declaração previsto no artigo 247º do C.C.

V) - Ora, teriam pois os Recorridos de alegar e demonstrar dois requisitos essenciais: que o erro sobre em que caíram foi essencial, traduzindo-se isto no facto de provarem que se não tivessem incorrido em erro, não teriam celebrado a compra e venda aqui em litígio ou não a teria celebrado nos termos em que esta se veio a concretizar, por exemplo, não pagariam os €266.220,00, mas menos. Por outro lado, teriam ainda de alegar e demonstrar que tal essencialidade era conhecida do aqui Recorrido ou que esta não deveria ignorar essa essencialidade.

X) - In casu, muito embora os aqui Recorridos fizessem prova de que, caso soubessem que o imóvel tinha menos 180m2, não teriam pago pela aquisição do imóvel os € 266.220,00, mas sim um valor inferior, certo é que não alegaram (e tais tratam-se de factos essenciais), nem lograram provar, que tal essencialidade era conhecida do aqui Recorrente ou que este não deveria ignorar essa essencialidade. Sem os aqui Recorridos terem cumprido o ónus de alegação (artigo 5º nº 1 do NCPCivil) e da prova (artigo 342.º nº 1 do Código Civil), não poderá esta douta instância substituir-se às partes, entrando também aqui o princípio da auto responsabilização das mesmas.

Z) - Muito embora os nossos doutos tribunais não estejam vinculados à qualificação jurídica feita pelas partes, certo, é que estão vinculados ao que estas alegam, provam e peticionam, pelo que se terá de concluir, que os presentes autos terão de ser julgados totalmente improcedentes pelas razões expostas supra, estando os presentes autos, salvo o devido respeito, “inquinados” de raiz.

AA) - No que concerne à condenação do aqui Recorrente no pagamento de uma indemnização de €3.000,00, a título de danos morais, salvo o devido respeito, não podemos concordar com a mesma, por partilharmos o entendimento da doutrina e jurisprudência que defendem que no seio da responsabilidade contratual não deve ser concedido qualquer tipo de indemnização a título de danos não patrimoniais.

BB) - Ademais, para que esta seja concedida este tipo de indemnização é vital que se preencham os requisitos de que depende a sua concessão; Isto é, terão de danos que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (é o que nos dispõe o artigo 496.º nº 1 do C.C). Como nos referem A. Varela e Pires de Lima (no C.C anotado, anotação ao artigo 496, pág. 499) – e muito bem - “os simples incómodos ou contrariedades não justificam a indemnização por danos não patrimoniais”. No caso sub judice, o Tribunal de 1ª Instância considerou - e bem - que os aqui Recorridos sofreram apenas, meros incómodos;

CC) - Ora, in casu, o douto Tribunal de 1ª Instância, não considerou face à matéria de facto dada como provada, que os Recorridos tenham sofrido danos não patrimoniais particularmente graves que, como tal, ascendam à tutela do direito, não merecendo, por isso mesmo, qualquer tipo de indemnização. Pelo exposto, defende o aqui Recorrente que in casu não se preenchem os pressupostos para que este seja condenado em indemnização a título de danos morais e, consequentemente, deverá ser revogado o douto Acórdão recorrido neste ponto, mantendo-se na íntegra, a sentença proferida em 1ª Instância no que concerne a esta questão. Além de que, como se sabe, os danos não patrimoniais não se presumem e deverá a sua ressarcibilidade ter um carácter excepcional.

DD) - Por último, adiante-se, desde já que no caso sub judice não é aplicável o instituto do enriquecimento sem causa, pois para que haja a aplicação do mesmo é necessário o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 473º e ss do C.C.

EE) - Desde logo, os lucros que o aqui Recorrente possa ter extraído do contrato de compra e venda do imóvel em causa dos autos, foram-no, no estrito cumprimento de todos os trâmites. Houve uma causa justificativa para o lucro que o aqui Recorrente retirou da venda do imóvel e que se funda no contrato de compra e venda celebrado com os aqui Recorridos. Contrato esse que se encontra sobre a égide do regime da venda ad corpus (artigo 888.º do C.C). Será este o regime legal aplicável e não o instituto do enriquecimento sem causa, que como se sabe tem natureza subsidiária.

FF) - Ademais, dispõe o artigo 474.º do C.C que “não há lugar à restituição por enriquecimento sem causa, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.” Ainda que houvesse realmente um lapso por parte dos aqui Recorridos quando estes contrataram, tal não torna o negócio inválido, aplicando-se o regime legal previsto no artigo 888.º do C.C e tal implica que, “se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.

GG) - Ou seja, é a própria lei que consente que seja devido/ cobrado um determinado preço, mesmo que haja uma discrepância entre o número, peso ou medida das coisas vendidas indicadas no contrato e as que correspondem à realidade, logo não se encontra preenchido, desde logo, o requisito da falta de causa justificativa exigido pelo instituto do enriquecimento sem causa, nos moldes expressos supra.

HH) - Ademais, sendo este um instituto subsidiário só se aplicaria, caso nenhum outro servisse o caso sub judice, o que, como expusemos, não é o caso. A haver algum direito de redução do preço, tal ficaria enquadrado no artigo 888.º nº 2 do C.C, embora, in casu, não haja direito a qualquer redução do preço.

II) - Por outro lado, a concluir-se que o enquadramento jurídico é outro e que há efectivamente um vício, tal vício apenas poderá ser o da vontade e não um vício ou defeito do próprio imóvel, pelo que, nesta situação, o caminho a seguir deveria ser o da anulabilidade parcial do negócio aqui em litígio, com a consequente redução do preço e restituição do mesmo aos aqui recorridos. Portanto, também nesta situação seria este o regime aplicável e não o do enriquecimento sem causa que volta-se a frisar, é subsidiário.

JJ) - Por outro lado, o preço pago pelos aqui Recorridos foi o preço justo à data da realização do contrato de compra e venda aqui em litígio, não existindo por isso qualquer enriquecimento sem causa por parte do aqui Recorrente. Para tal, basta atentar que resultou provado que em 12-03-2010 foi elaborado um relatório de avaliação do imóvel aqui em litígio que atribuiu o valor de mercado de € 290.000,00 ao imóvel aqui em litígio e teve em conta que o logradouro tem a área de 100 m2 e não os 280 m2. O contrato promessa que antecedeu a realização da escritura de compra e venda ocorreu em 29-08-2010,tendo os aqui recorridos nessa data prometido comprar ao aqui recorrente a moradia aqui em litígio pelo preço de 266.220 €.

KK) - Portanto, conclui-se que o aqui Recorrente vendeu o imóvel aqui em litígio aos aqui Recorridos por um preço inferior ao que segundo o relatório de avaliação do imóvel em litígio, o imóvel valia à data no mercado.

LL) - Pelo exposto, salvo o devido respeito, entendemos que in casu, não há qualquer enriquecimento sem causa do aqui Recorrente.

Nestes termos e nos melhores de direito, que vossas Ex.as mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente Recurso, revogando-se, consequentemente, o douto Acórdão recorrido, nos termos expostos supra, com as inerentes consequências legais».


Os autores contra-alegaram, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido e pedindo, se concedida a revista, a apreciação dos pedidos subsidiários que deduziram, cujo conhecimento ficou prejudicado pela decisão do Tribunal da Relação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

1. De facto:

As Instâncias julgaram provados os seguintes factos:

1. No dia 29/11/2010, autores e réu celebraram um acordo, denominado de compra e venda, reduzido a escritura pública no Cartório Notarial do Notário DD (doc. de fls. 32 a 58 que se dá por reproduzido);

2. Naquela escritura pública, o réu declarou que vendia aos autores em comum e partes iguais, livre de ónus e encargos, pelo preço de 266.220€, já recebido, o seguinte bem imóvel: prédio urbano, habitação unifamiliar, composta de cave, rés-do-chão, andar, mansarda e logradouro, sito na Praceta …, …/…, freguesia de Aldoar, concelho do Porto, descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 238, registado a seu favor pela apresentação 4939, de 9/1/2009, inscrito na matriz sob o artigo 25…, com o valor patrimonial de 178.090€ (mesmo documento);

3. Por seu lado, os autores declararam que aceitavam a venda e que o prédio adquirido se destinava exclusivamente a habitação e a sua residência própria permanente (mesmo documento);

4. Aquele imóvel (doravante também denominado por moradia) está descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 238, já registado a favor dos autores, e inscrito na matriz sob o artigo 25… (docs. de fls. 59 a 61 que se dão por reproduzidos);

5. Os autores, apesar de não serem casados, vivem em comunhão de mesa e habitação e têm um filho em comum, nascido em 23/4/2010 (doc. de fls. 62 e 63 que se dá por reproduzido);

6. Os autores viviam anteriormente num apartamento, mas com o nascimento do filho e com a perspectiva de virem a ter mais filhos resolveram adquirir uma moradia que tivesse um logradouro com dimensões razoáveis que possibilitasse a prática de actividades ao ar livre;

7. Iniciaram então a procura de uma moradia com essas características;

8. O autor descobriu na internet, no portal casasapo.pt, a moradia acima referida, publicitada para venda;

9. Depois de ter estabelecido contacto através da “casa26.com”, marcou visita ao imóvel;

10. O autor visitou várias vezes a moradia;

11. A moradia é constituída por uma área coberta/implantação de 85 m2, constituída por quatro pisos, um abaixo do solo e três acima do solo;

12. É ainda constituída por área descoberta (logradouro), à frente da casa, atrás e lateralmente;

13. Quando os autores visitaram a moradia antes da aquisição, o logradouro nas traseiras e na parte lateral estava vedado para a via pública por um muro, com rede na parte superior do mesmo, com acesso pelo interior da casa e pela via pública através de um portão com fechadura;

14. O logradouro tinha instalação eléctrica, provinda e integrada na rede eléctrica da moradia, tendo, aliás, vários pontos de luz;

15. Tinha também rede de água provinda e integrada na da moradia, tendo sistema de rega;

16. O logradouro tinha várias árvores de fruto;

17. Ou seja, o logradouro estava integrado na moradia, formando com ela uma unidade habitacional;

18. A referida moradia que se encontrava para venda foi mostrada aos autores com um logradouro que na sua totalidade perfazia cerca de 280 m2;

19. Aquela área de logradouro, bem como a sua configuração e a sua conjugação com a habitação, levaram os autores a decidirem adquirir o imóvel, factos que foram determinantes para a compra da casa;

20. O logradouro com aquela área (cerca de 280m2), configuração e a sua conjugação com a habitação valoriza o imóvel, bem como a qualidade de vida dos seus habitantes;

21. A habitação encontrava-se degradada e foi sujeita a obras realizadas por conta dos autores;

22. No dia 24/10/2011, os autores receberam uma carta da Câmara Municipal do Porto a comunicar que deveriam proceder à desocupação de uma parcela de terreno municipal (docs. de fls. 74 a 79, que se dão por reproduzidos);

23. A parcela em causa corresponde a uma área de 180 m2 incorporada no logradouro lateral à moradia e vedada pelo muro acima referido;

24. Após a recepção da carta os autores procuraram junto dos serviços camarários esclarecer a situação e, nessa sequência, vieram a constatar que a parcela de terreno em causa pertence ao Município do Porto;

25. Os autores, até essa altura, estavam convencidos que aquela parcela de terreno fazia parte do imóvel que adquiriram;

26. Aliás, depois da aquisição da moradia pintaram os muros, trataram do jardim, repararam a instalação eléctrica e mudaram os focos, tendo, até essa altura, utilizado a parcela de terreno como parte do imóvel;

27. Assim sendo, o logradouro da moradia que lhes foi vendida tem menos 180m2 do que a área que inicialmente lhes foi mostrada;

28. Tal facto desvaloriza a moradia na quantia de 75.000€;

29. A falta daquela parte do logradouro retira aptidões ao imóvel e possibilidade de valorização;

30. O espaço para as crianças brincarem reduz-se substancialmente;

31. Ficando impedida a possibilidade de colocar ou construir uma piscina no logradouro, bem como a possibilidade de colocar ou construir um parque infantil, de ter um jardim e árvores de fruto;

32. A moradia sem aquela parcela de terreno reduz a qualidade de vida dos seus habitantes e perde aptidão comercial, ou seja, diminui a sua possibilidade de venda;

33. Face ao valor de aquisição, a moradia sem aquela parcela de terreno de 180 m2 vale menos 75.000€;

34. Ou seja, o facto de aquela parcela não pertencer ao imóvel adquirido importa uma desvalorização de 75.000€ face ao valor pelo qual foi adquirido;

35. Os autores não teriam adquirido a moradia por aquele valor se soubessem que aquela parcela não fazia parte do logradouro do imóvel;

36. Em consequência do acima exposto, os autores foram confrontados com uma situação com a qual não estavam a contar e que coloca em causa o seu projecto de vida e do seu filho, o que lhes causou incómodos e desgosto, sentindo-se enganados;

37. Após a comunicação camarária os autores tentaram adquirir a parcela em causa ao município, no que não tiveram sucesso, e actualmente encontram-se a pagar à Câmara Municipal uma renda pela sua ocupação;

38. Após a comunicação camarária os autores deram conhecimento desse facto à “casa26.com” e, posteriormente, em 16/10/2012, ao réu (docs. de fls. 80 a 83, que se dão por reproduzidos);

39. As qualidades do imóvel vendido pela ré aos autores não correspondem ao que foi mostrado e exibido pela ré e/ou seus intermediários;

40. O banco réu tornou-se dono e legítimo proprietário do prédio dos autos por o haver adquirido (ou lhe ter sido adjudicado) por compra em venda judicial, ocorrida nos autos de execução 7562/06.7YYPRT que correram os seus termos na 3ª secção do Juízo de Execução do Porto;

41. O que ocorreu em 26/11/2008 e pelo preço de 356.875,75€, conforme título de transmissão de fls. 97 e 98, que se dá por reproduzido;

42. Com data de 12/3/2010 e por iniciativa do banco réu, foi elaborado o relatório de avaliação do imóvel dos autos, que lhe atribuiu o valor de mercado de 290.000€, devoluto e livre de quaisquer ónus e encargos (doc. de fls. 99 a 103 que se dá por reproduzido);

43. Tal imóvel encontra-se aí descrito como moradia de 3 frentes, fracção habitacional, tipologia T3, composição: segundo a documentação oficial o imóvel é descrito como: habitação unifamiliar composta de cave c/ 1 divisão, casa de banho, despensa e garagem; rés-do-chão: 2 divisões, cozinha e quarto de banho; 1º andar: 3 quartos, 2 quartos de banho, mansarda com 1 divisão, quarto de banho e terraço. Na altura da visita verificou-se que o imóvel corresponde a uma moradia T3 de cave (garagem, lavandaria, despensa e sala), r/c (hall, sala, cozinha, escritório, wc), no 1º andar (3 quatros e 2 casas de banho) e 2º andar/mansarda (sala, casa de banho e terraço). A área de logradouro encontra-se parcialmente impermeabilizada, sendo a restante destinada a jardim (mesmo documento);

44. No dito relatório de avaliação é referido que “as áreas consideradas na elaboração do presente relatório estão de acordo com os documentos legais”;

45. Áreas que, como constam do dito relatório de avaliação, são:

Áreas totais: área total do terreno: 185 m2; área bruta de construção: 326 m2; área bruta dependente: 112 m2; área bruta privativa: 214 m2;

Área para avaliação: c/v garagem: 85 m2; r/c habitação: 85 m2; 1º habitação: 78 m2; 2º habitação: 51 m2; 2º terraço: 27 m2; logradouro: 100 m2;

46. Conforme consta do relatório de avaliação em apreço, “as áreas foram obtidas através de levantamento realizado no local sendo posteriormente confrontadas com as áreas referidas na documentação oficial (S.C. 85 m2; S.D. 100 m2). A documentação oficial apenas refere a área referente à implantação do prédio, pelo que as restantes áreas foram obtidas por levantamento local, pelo que esta avaliação foi realizada no pressuposto de que as mesmas estão correctas e legalizadas”;

47. O prédio em causa encontra-se registado na Segunda Conservatória do Registo Predial do Porto sob o número 238/198… e está aí descrito como: urbano, situado na Praceta …, …/…, área total: 185 m2, área coberta: 85 m2 e área descoberta: 100 m2 (doc. de fls. 105 a 108, que se dá por reproduzido);

48. E acha-se inscrito na respectiva matriz urbana da freguesia de Aldoar, concelho do Porto sob o artigo 25…, constando aí, da sua descrição: área coberta: 85 m2 e área descoberta: 100 m2 (mesmo documento);

49. Por contrato-promessa de compra e venda outorgado a 29/8/2010, o banco réu prometeu vender aos autores, que prometeram comprar, o identificado prédio urbano destinado a habitação, pelo preço de 266.220€ e demais condições aí constantes (doc. de fls. 109 a 113, que se dá por reproduzido);

50. No contrato definitivo (escritura pública de compra e venda) interveio também o Banco EE (Portugal), SA, que concedeu um empréstimo aos autores no montante de 266.220€ ao abrigo do crédito à habitação praticado pelo mesmo;

51. E os autores (ali mutuários), em garantia do bom pagamento da quantia mutuada e demais encargos, constituíram a favor do Banco EE (Portugal), SA, hipoteca voluntária sobre o prédio atrás identificado (mesmo documento);

52. Tal escritura foi instruída com a certidão predial do imóvel ou moradia dos autos, com caderneta predial do Serviço de Finanças do Porto 4, obtida via internet, entre outros documentos, conforme é referida na escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca em causa (mesmo documento);

53. Com data de 29/4/2011, o banco réu foi notificado pela Divisão Municipal de Contra-Ordenações e de Execuções Fiscais da Câmara Municipal do Porto a propósito do processo de contra-ordenação 3-3568-2011 (docs. de fls. 121 a 124, que se dão por reproduzidos);

54. De acordo com tal processo de contra-ordenação, a infracção que lhe deu causa consistia na ocupação da via pública com rampas fixas, sem a respectiva licença municipal e/ou em desrespeito das condições estabelecidas (mesmo documento);

55. A tal notificação respondeu o banco réu à Divisão Municipal de Fiscalização Geral, informando que à data da acção de fiscalização municipal, ocorrida em 17/3/2011, já não era proprietário do imóvel em causa, por o ter vendido a 29/11/2010 (mesmo documento).


De direito:

Vistas as conclusões da alegação do réu, delimitadoras do objecto do recurso, salvo questão de conhecimento oficioso, colocam-se como questões essenciais a decidir saber:

- se assiste aos autores o direito à redução do preço que pagaram ao réu pela compra de um imóvel e, em caso afirmativo, se tal redução deve operar ao abrigo do disposto no artigo 888º ou do artigo 913º do Código Civil;

- se deve manter-se a condenação do réu no pagamento de indemnização a título de danos não patrimoniais.

1. Está em causa nestes autos um contrato de compra e venda de uma moradia unifamiliar com logradouro celebrado por escritura pública de 29 de Novembro de 2010, na qual os autores outorgaram como compradores e o réu como vendedor, cujo logradouro tem área real inferior (100 m2) à suposta pelos autores no momento em que celebraram o negócio (280 m2).

A sentença da 1ª instância subsumiu a facticidade provada à previsão do artigo 888º nº 1 do Código Civil e condenou o réu a entregar aos autores (compradores), a título de redução do preço, a quantia de € 61.689,00, em conformidade com o que estipula o nº 2 daquele preceito, negando-lhes qualquer indemnização por danos não patrimoniais.

O Tribunal da Relação reconduziu os factos provados ao regime da compra e venda defeituosa consagrado no artigo 913º do Código Civil e, reduzindo o preço na medida da desvalorização sofrida pelo prédio, como determina o artigo 911º do mesmo código, condenou o réu a restituir aos autores a quantia de € 75.000,00, condenando-o ainda no pagamento de € 3.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Insurgindo-se contra o decidido neste acórdão, defende o réu, recorrente, a solução jurídica propugnada na sentença da 1ª instância quer no tocante ao enquadramento jurídico, por se estar, alegadamente, em face de uma venda ad corpus, cujo regime legal consta do referido artigo 888º nº 1 do Código Civil, quer quanto à inexistência de danos não patrimoniais ressarcíveis, divergindo, contudo, da interpretação feita do nº 2 daquele preceito e com base na qual foi condenado a pagar aos autores a quantia de € 61.689,00. Subsidiariamente, sustenta ser o caso subsumível ao regime legal do erro sobre o objecto do negócio previsto nos artigos 251º e 274º do mesmo código, concluindo pela não verificação dos respectivos pressupostos e, em qualquer das hipóteses, pela improcedência da acção.

Os autores sufragam, por sua vez, a solução jurídica perfilhada no acórdão recorrido, coincidente com a que traçaram, a título de principal, na petição inicial, estando de acordo com o respectivo segmento decisório, que pretendem seja mantido.

Inseridos na secção destinada a regular a venda de coisas sujeitas a contagem, pesagem ou medição, estabelecem os artigos 887º e 888º do Código Civil:

«Na venda de coisas determinadas, com preço fixado à razão de tanto por unidade, é devido o preço proporcional ao número, peso ou medida real das coisas vendidas, sem embargo de no contrato se declarar quantidade diferente» (artigo 887º).

«1- Se na venda de coisas determinadas o preço não for estabelecido à razão de tanto por unidade, o comprador deve o preço declarado, mesmo que no contrato se indique o número, peso ou medida das coisas vendidas e a indicação não corresponda à realidade.

2 - Se, porém, a quantidade efectiva diferir da declarada em mais de um vigésimo desta, o preço sofrerá redução ou aumento proporcional.» (artigo 888º).

Estes dois preceitos contemplam o regime da venda ad mesuram (artigo 887º) e o da venda ad corpus (artigo 888º), respectivamente, versando o primeiro sobre os casos em que o preço é fixado por unidade e regulando o segundo as situações em que o preço fixado é global, mas com indicação no contrato do número, peso ou medida da coisa vendida.

Quer no primeiro caso – venda ad mensuram –, quer no segundo – venda ad corpus – coloca-se apenas um problema de existência de erro sobre a quantidade que as partes tiveram em vista quando contrataram, um erro de cálculo comprovado pela verificação de que o número, peso ou medida da coisa vendida e a indicação não correspondente à realidade (cfr. os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 07.04.2011 e de 16.09.2008, o primeiro invocado pelo réu em abono da tese que defende, proferidos nos processos nº 453/07.6TBAMR.G1.S1 e nº 2265/2008, respectivamente, acessíveis in www.dgsi.pt).

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, vol. II, 1968, p. 133), do que se trata na hipótese do artigo 887º é de o objecto do contrato, que foi inteiramente entregue, não se ajustar à indicação, ao juízo ou cálculo que sobre ele fizeram ambas as partes ou uma delas, adoptando-se, em princípio, para este tipo de casos o regime próprio do erro de cálculo. Permite-se nesta situação a rectificação do preço total em função da quantidade real e do preço de cálculo fixado pelos contraentes.

Na hipótese figurada no artigo 888º o preço é global, podendo este preço ser proporcionalmente reduzido ou aumentado se do contrato constar a indicação do número, peso ou medida que se verifica não corresponder à realidade (nº 1), desde que a divergência seja superior a um vigésimo da quantidade declarada (nº 2).

Diverso é o regime do erro sobre a qualidade da coisa vendida, o qual cai no âmbito do incumprimento contratual, mais concretamente da venda de coisa defeituosa prevista no artigo 913º nº 1 do Código Civil, ínsito na secção que rege em matéria de venda de coisas defeituosas, o qual dispõe:

«1- Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção antecedente em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes».

Ao submeter o vício e a falta de qualidade ao mesmo regime, a lei equipara-os e privilegia a idoneidade do bem para o fim a que se destina – critério funcional –, “pois o que importa é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera. Nesta medida, um produto defeituoso é aquele que é impróprio para o uso concreto a que é destinado contratualmente – função negocial concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria se do contrato não resultar o fim a que se destina” (Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Colecção Teses, Almedina, pp.188 e 189).

Situações há na venda ad corpus em que a divergência de quantidade pode consubstanciar falta de qualidade funcional da coisa vendida e subsumir-se à previsão do artigo 913º. Tal acontece, designadamente, quando a divergência de quantidade impede a cabal realização do fim a que o bem vendido se destina, o que o desvaloriza, não se limitando à mera desproporção ou desconformidade entre a quantidade real e o preço contratado.

Sobre esta matéria escreveu Antunes Varela: “a nossa inclinação, em face da lei portuguesa, é no sentido de não considerar, em princípio, incluídas no conceito legal de qualidades da coisa vendida os factores externos traduzidos no número, peso ou medição da coisa.

Os primeiros elementos que a doutrina e a jurisprudência alemãs integram geralmente no conceito (legal) de qualidades da coisa são as propriedades naturais ou intrínsecas da substância de que a coisa é formada (como a solidez, a flexibilidade, a dureza, a secura, a ductibilidade, a permeabilidade, a resistência ao frio e ao calor, a elasticidade, a leveza, etc.) bem como o estado ou situação em que a coisa se encontra (não usada ou em primeira mão; já usada ou em segunda mão; com muito ou pouco uso; desgastada ou não desgastada; nova ou antiga) ou a sua aptidão para determinado fim.

Outros elementos que a riquíssima jurisprudência alemã e italiana têm englobado no núcleo das qualidades da coisa dizem já respeito, não à constituição intrínseca da coisa, mas ao seu relacionamento com o meio exterior ou ambiente como certos factores de valorização dela (casa de praia, casa na serra, casa junto ao lago, casa junto à estação do metro ou da prestação de camionagem, etc.)”- (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 119.º,1986/1987, pág. 344).

Contrariando o pensamento de Antunes Varela, observa Pedro Romano Martinez, que, embora o peso, o número ou o tamanho, enquanto factores externos, não integrem o conceito legal de qualidade, os mesmos podem assumir- -se como «factores internos», na medida em que identifiquem a qualidade da coisa, referindo aquele autor, a título de exemplo, os casos de um objecto em prata com peso inferior ao indicado no catálogo do antiquário ou de um terreno vendido para construção com área inferior à constante da proposta do vendedor (Cumprimento Defeituoso Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses, Almedina, pág. 217), doutrina que se acolhe.  

No caso ora em análise, o contrato de compra e venda teve por objecto um prédio urbano, habitação unifamiliar, constituída por cave, rés-do-chão, mansarda e por área descoberta (logradouro), à frente da casa, atrás e lateralmente.

O preço foi estabelecido por referência ao conjunto formado pelo terreno e pela construção habitacional nele implantada e, bem assim, às utilidades que o seu logradouro podia proporcionar ao comprador, e não «à razão de tanto por unidade», ou seja, não foi determinado em função da área concreta do terreno ou da edificação nele existente com referência a um certo preço por unidade. Tratou-se de uma venda ad corpus, nos termos do disposto no artigo 888º nº 1 do Código Civil.

Os factos provados mostram que os autores viviam anteriormente num apartamento e, com o nascimento do filho e a perspectiva de virem a ter mais filhos, resolveram adquirir uma moradia que tivesse um logradouro com dimensões razoáveis que possibilitasse a prática de actividades ao ar livre, tendo iniciado a procura de uma moradia com essas características (pontos 6 e 7 da matéria de facto).

Com esta motivação visitaram a moradia antes da sua aquisição. O logradouro, nas traseiras e na parte lateral, mostrava-se, então, vedado para a via pública por um muro com rede na parte superior, com acesso pelo interior da casa e pela via pública através de um portão com fechadura, tinha instalação eléctrica, provinda e integrada na rede eléctrica da moradia, com vários pontos de luz, rede de água provinda e integrada na da moradia, estava dotado de um sistema de rega e tinha várias árvores de fruto (pontos 13 a 16 da matéria de facto). Este logradouro, que na sua totalidade perfazia cerca de 280 m2, estava integrado na moradia e formava com ela uma unidade habitacional (pontos 17 e 18 da matéria de facto).

Posteriormente à compra, os autores foram instados pela Câmara Municipal do Porto a desocupar a área de 180 m2 incorporada no logradouro lateral à moradia e vedada pelo muro referido, estando até então aqueles convencidos de que aquela parcela do terreno fazia parte do imóvel comprado pelo preço de 266.220,00 € (pontos 23 e 25).

Resultou ainda provado que sem a parcela de terreno de 180 m2 a moradia vale menos 75.000€ e perdeu aptidão comercial, sendo que, além da desvalorização, o espaço para as crianças brincarem se reduziu substancialmente, ficou impedida a possibilidade de colocar ou construir uma piscina no logradouro, bem como a possibilidade de colocar ou construir um parque infantil, de ter um jardim e árvores de fruto, ou seja, que sem a dita parcela de terreno ficou reduzida a qualidade de vida dos seus habitantes (pontos 29 a 33 dos factos provados).

Esta concreta situação fáctica revela que a redução da área do logradouro suposta pelos autores no momento da compra retira aptidões ao imóvel que se repercutem não só no seu valor comercial, mas também nas potencialidades para proporcionar bem-estar e qualidade de vida aos autores e à sua família.

Como se assinala no acórdão recorrido, a moradia com um logradouro de 280 m2 tem uma qualidade funcional distinta daquela que tem uma casa de habitação com um logradouro de 100 m2. As condições funcionais da mesma habitação não são idênticas. A redução de área não é meramente quantitativa, assumindo também uma dimensão qualitativa.

Nesta perspectiva a perda de qualidades do bem vendido, consubstanciada na perda de utilidades que o adquirente dela espera, cai na previsão do artigo 913º nº 1 do Código Civil, como se entendeu, e bem, no acórdão recorrido, não tendo aqui aplicação a doutrina do citado Acórdão deste Supremo Tribunal, de 07.04.2011, invocado pelo réu, uma vez que versou sobre a compra e venda de um prédio rústico de pinhal, realidade bem diversa do caso sub judice, respeitante a uma habitação unifamiliar com logradouro.

Estando em causa um vício que desvaloriza o bem vendido, como decorre dos factos provados e revelando estes que os autores não teriam adquirido a moradia pelo valor acordado (266.220,00 €) se soubessem que aquela parcela (180 m2) não fazia parte do logradouro do imóvel (ponto 35 dos factos provados), a consequência será a redução do preço pago na medida da desvalorização verificada e demonstrada (75.00,00 €), nos termos do disposto no artigo 911º, conjugado com artigo 884º nºs 1 e 2, ambos do Código Civil.

Não colocam os autores a hipótese da não aquisição do bem com a área real do logradouro (100 m2), não tendo sequer alegado tal facticidade, mas apenas que, conhecendo esta área, não o teriam comprado pelo preço que pagaram.

O erro dos autores quanto à área do logradouro não lhes é imputável.

O contrato de compra e venda foi negociado com base no que os autores tiveram oportunidade de observar quando visitaram o imóvel antes da sua aquisição, constatando que o integrava um logradouro todo murado com acesso pelo interior da casa e ligado directamente com o exterior através de um portão.

Foi nesse pressuposto – de que aquele espaço murado integrava, na totalidade, o logradouro – que decidiram contratar com o réu pelo preço acordado, tratando-se, por conseguinte, de erro relevante para efeitos de redução do preço negociado e pago, por excessivo.

Procurando afastar a relevância do erro dos autores, argumenta o réu ter resultado provado que na escritura pública de compra e venda houve indicação do número da descrição predial, bem como do artigo da matriz urbana respeitante ao imóvel em litígio, sendo que quer na descrição predial, quer na matriz urbana consta que possui uma área de logradouro/descoberta de 100 m2 e não de 280 m2.

Nada evidencia nos autos que os autores tivessem tomado conhecimento desse facto, nem tinham o especial dever de o conhecer.

Por outro lado, apesar de a área ser de menção obrigatória na matriz predial e na descrição predial, esse elemento definidor do prédio não está abrangido pela presunção registral contida no artigo 7º do Código do Registo Predial, circunscrevendo-se esta ao direito inscrito, sem incluir a descrição do bem no tocante à área, elemento descritivo que aqui releva (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de 18.02.2003, revista nº 02A225, acessível em www.dgsi.pt/jstj). 

2. No que tange aos danos não patrimoniais, o Tribunal da Relação julgou-os merecedores de tutela jurídica e atribuiu aos autores uma indemnização no valor de 3.000,00 €.

À luz do disposto no segmento final do nº 1 do artigo 911º do Código Civil, a redução do preço não priva o comprador da indemnização que ao caso competir, nomeadamente, a prevista no artigo 496º do mesmo código para a lesão de bens imateriais, desde que, pela sua gravidade, sejam merecedores de tutela jurídica.

Consignou-se a este propósito no acórdão recorrido o seguinte:

 “Provou-se que “[36] em consequência do acima exposto os autores foram confrontados com uma situação com a qual não estavam a contar e que coloca em causa o seu projecto de vida e do seu filho, o que lhes causou incómodos e desgosto, sentindo-se enganados”.

Os autores sofreram danos morais cuja gravidade merece a tutela do direito e terão de ser indemnizados pelo réu ao abrigo dos arts. 911 nº 1 in fine e 496 nº 1 e nº 4 do CC.

Os danos morais em causa não se destinam a compensar o desgosto dos autores com o facto de não terem disponibilidade de gozo de 180 m2 do logradouro – numa acepção gratuita e só dependente da vontade deles, uma vez que a têm por via de um arrendamento – e não terem titularidade do direito de propriedade sobre esses 180 m2.

Com efeito, esse desgosto não se autonomiza como dano moral abrangido pelos arts. 911 nº 1 in fine e 496 nº 1 e nº 4 do CC, na medida em que aquela privação de gozo e de titularidade fundiária é sanada com a redução do preço em 75.000€.

O desgosto indemnizável como verdadeiro dano moral prende-se com a frustração de expectativas, com a alteração de um projecto que os autores tinham para a sua vida e para a vida do seu filho menor, ligado à disponibilidade irrestrita daqueles 180 m2, e aos incómodos a que foram sujeitos com a tramitação da resolução de um problema em que são duplamente confrontados, seja pelo Município do Porto, seja com a resistência do réu em compensá-los”.

Esta decisão não suscita qualquer reparo, antes se acolhe e justifica a atribuição aos autores de uma indemnização a título de danos não patrimoniais, tendo-se por ponderado e razoável o montante fixado.


III. Decisão:

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista e confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


Fernanda Isabel Pereira (Relator)

Olindo Geraldes

Pires da Rosa