Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1293/19.5PCLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 12/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A pena aplicada resulta do cúmulo jurídico efetuado nos termos do art. 77.º do CP, pois o arguido vem condenado por diversos crimes que estão numa relação de concurso efetivo: - 14 crimes de furto qualificado, nos termos dos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), do CP (sendo um deles em coautoria) — aos quais foi aplicada a pena de prisão de 2 anos e 2 meses quanto a 9 deles e a pena de prisão de 2 anos e 5 meses quanto a 5 deles —, - 1 crime de furto qualificado, nos termos dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do CPP (punido com a pena de prisão de 4 anos e 6 meses), - 1 crime de furto qualificado [nos termos dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1 al. h) e n4, com referência ao art. 202.º, al. c), todos do CP] punido com a pena de prisão de 1 ano e 3 meses, - 1 crime de burla informática (nos termos do art. 221.º, n.º 1, do CP), ao qual foi aplicada a pena de prisão de 1 ano, - 1 crime de abuso de cartão de crédito (nos termos do art. 225.º, n.º 1, do CP), ao qual foi aplicada a pena de prisão de 1 ano, - 1 crime de roubo qualificado [nos termos dos arts. 210.º, n.os 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, als. b) e h), ambos do CP] ao qual foi aplicada a pena de prisão de 6 anos e 6 meses, - 2 crimes de roubo qualificado [nos termos dos arts. 210.º, n.os 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. h), ambos do CP] aos quais foi aplicada a pena de prisão de 6 anos e a pena de prisão de 6 anos e 3 meses, e- 1 crime de violência após a subtração [nos termos do art. 211.º, por referência aos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204.º, n.ºs 1, al. h) e 4, e 202.º, al. c), todos do CP] ao qual foi aplicada a pena de prisão de 4 anos.

II - Se não podemos esquecer a circunstância de arguido ter 40 anos de idade, também não podemos esquecer que já praticou diversos crimes antes da prática dos factos aqui analisados, sem que as punições que naqueles lhes foram aplicadas o tivessem inibido da prática de novos crimes e num número elevado (22) durante apenas cerca de 1 ano — o que nos permite considerar que se afiguram prementes as necessidades de prevenção especial, sem que, todavia, possamos esquecer a colaboração que o arguido deu confessando os factos e mostrando arrependimento; a forma reiterada como pratica condutas típicas e ilícitas demonstra uma personalidade com uma tendência criminosa; as exigências de prevenção geral são elevadas. Pelo que, consideramos como adequada e proporcional, à globalidade dos factos (em apreciação nestes autos) e ao comportamento neles refletido, a pena de 10 (dez) anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

Processo n.º 1293/19.5PCLSB.L1.S1



Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Relatório


1. Em primeira instância, no Tribunal Judicial da ... (Juízo Central Criminal de ... — Juiz ...), por acórdão de 28.05.2021[1], o arguido AA, entre outros, foi condenado

- pela prática, em autoria material, de nove crimes de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), ambos do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão para cada um dos crimes;

- pela prática, em autoria material, de quatro crimes de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), e, em coautoria, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), ambos do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão para cada um dos crimes;

- pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, p.p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), ambos do Cód. Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, desqualificado pelo valor, p.p. pelos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1, al. h) e 4, por referência ao art. 202.º, al. c), todos do Cód. Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de burla informática, p.p. pelo art. 221.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de 1 ano de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de abuso de cartão de crédito, p.p. pelo art. 225.º, n.º 1 do Cód. Penal, na pena de 1 ano de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de roubo qualificado, p.p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, als. b) e h), ambos do Cód. Penal, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de roubo qualificado, p.p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. h), ambos do Cód. Penal, na pena de 6 anos de prisão;

- pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo qualificado, p.p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. h), ambos do Cód. Penal, na pena de 6 anos e 3 meses de prisão;

- pela prática, em autoria material, de um crime de violência após a subtracção, p.p. pelo art. 211.º, por referência aos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204.º, n.ºs 1, al. h) e 4 e 202.º, al. c), todos do Cód. Penal, na pena de 4 anos de prisão;

- pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo qualificado, p.p. pelos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. h), ambos do Cód. Penal, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;

Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena de 12 anos de prisão.

2. Inconformado, veio o arguido interpor recurso direto para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo terminado a sua motivação nos seguintes termos:

«1ª O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “elevado”. In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. Não feriu nem matou ninguém, não insultou ou usou de violência; Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado.

2ª A sentença recorrida viola o nº 2 do artigo 71º do Código Penal também porque não avaliou como é sua obrigação legal, exaustivamente todos os requisitos aí previstos de forma taxativa e já acima explanados;

3ª O relatório social (artigo 370º do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, estão em causa os artigos 101 a 115 dos factos provados.

4ª Na operação de fixação da medida concreta da pena, atende-se ao disposto nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

5ª O limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral. Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

6ª A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.

7ª A moldura penal abstrata é de 1 a 6 anos e 6 meses de prisão.

8ª A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.

9ª Os antecedentes criminais do arguido demonstram que as causas de ilicitude criminal são sempre advenientes do consumo pesado de estupefacientes, sendo moderadas as necessidades de prevenção especial.

10ª O grau de ilicitude há-de ter-se por moderado, conforme anteriormente exposto.

11ª A intensidade do dolo situa-se no patamar médio, e não como se afirma na douta sentença recorrida.

12ª Das condições pessoais do arguido, retiram-se as várias ilações constantes da douta sentença: capacidade de trabalho, experiências de emigração, diversas atividades profissionais, referenciação como pessoa extrovertida e com facilidade em socializar, sendo a mais importante o estar desintoxicado voluntariamente do consumo de estupefacientes, desvanecendo-se assim a causa que originou a prática de ilícitos criminais.

13ª A medida da culpa não permite que a pena ultrapasse os 6 anos e 6 meses de prisão.

14ª As intensas exigências de prevenção geral associadas a um conjunto de circunstâncias que pesam mais a favor do arguido do que contra ele, levam a que a pena concreta se fixe em medida não superior a 6 anos e 6 meses de prisão.

15ª Os artigos 40º, 71ºe e 203º, 204º, nº1, 225º, nº1ºdo Código Penal implicam uma condenação a pena não superior a 6 anos e 6 meses de prisão.

16ª Condenando o arguido a 12 anos de prisão, o tribunal a quo violou o disposto nesses preceitos legais. Da leitura da sentença ora impugnada, fica-se com a amarga sensação que a convicção do julgador            assentou fundamentalmente numa irritação pessoal em relação ao arguido, mas isso não é aplicar bem o direito, nem fazer esclarecida justiça.

I- Jamais se deveria olvidar a lição eloquente de D. Duarte I Rei de Portugal, constante do capítulo “O Bom Julgador”, do livro “Leal Conselheiro”: “Considerei, por falecimentos que vejo em muitos, que a um bom julgador se requerem estas virtudes, as quais escrevo para cada um de si e doutrem poder sentir quanto para tal cargo é pertencente:

II- Primeira, lhe convém de haver rectidão geral da vontade em todas as coisas, com desejo de fazer direito de si e dos outros, por achegados que sejam, tão rijo que temor ou afeição o não estorve, nem vença; e a que isto à virtude da justiça direitamente pertence

III- Segunda, que tenha grande e bom entender, demonstrador de verdade, por verdadeiro juízo natural e boa ciência, com prática das leis, estilos e costumes, e que considere os feitos, por conhecer a verdade e fazer justiça, e nem por os torcer ao seu desejo especial, o que se faz, como convém, por prudência.

IV- Terceira, que se tempere quando se precipitar ou alargar mais do que convém, ou se per sanha se acender, para executar algumas coisas contra direito, ou por seguir vontade, proveito ou prazer, quiser julgar sem razão, ou deixar de cumprir o que deve, para o que se requer grande temperança.”.

17º- Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, sendo o arguido condenado a pena não superior a 6 anos e 6 meses de prisão.»

3.  O recurso foi admitido por despacho de 07.07.2021.

4. Ao recurso interposto, o Senhor Procurador da República, junto do Tribunal da Comarca de ..., respondeu tendo concluído que “o douto acórdão recorrido fixou correctamente a matéria fáctica pertinente, que qualificou e sancionou de forma adequada e criteriosa, pelo que deverá ser mantido”.

5. O recurso subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa e, neste Tribunal, o Magistrado do Ministério Público emitiu parecer acompanhando “nos precisos termos em que vem elaborada a resposta do MP junto da 1.ª instância”.

6. Por despacho de 17.10.2021, foi considerado competente o Supremo Tribunal de Justiça, por o recurso versar apenas matéria de direito [cf. art. 423.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP)].

7. Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer considerando que “é a medida da pena única que lhe foi imposta que o recorrente questiona, contrapondo à pena única de 12 anos de prisão que lhe foi aplicada, a de 6 anos e 6 meses de prisão”, e concluindo que o recurso deve ser julgado improcedente  porquanto a sanção aplicada é “justa, adequada e proporcional à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e em conformidade com os critérios legais fixados nos artigos 40.º, 71.º e 77.º, todos do Código Penal, não ocorrendo (...) razões que justifiquem a modificação do quantum fixado”.

8. Notificado o arguido ao abrigo do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, não respondeu.

9. Colhidos os vistos, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.


II

Fundamentação


A. Matéria de facto provada

1. Matéria de facto dada como provada:

«1 – NUIPC 2260/18....

1. No dia 07/09/2018, pelas 11H24, o arguido AA dirigiu-se ao Hotel “...”, sito na Praça..., ..., em ..., com o propósito se apoderarem de bens e valores que ali pudesse encontrar.

2. Uma vez no local, o arguido acedeu ao interior hotel através de uma porta de acesso restrita a funcionários, sita na Rua..., ..., em ... que se encontrava encostada.

3. Sequentemente, o arguido acedeu ao gabinete da ... e dali retirou um computador portátil, de marca ..., de modelo ..., com o valor de 1000 euros, propriedade da referida unidade hoteleira.

4. Na posse do computador que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

5. O arguido agiu com o propósito de se apoderar do falado, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de sua dona, o que quis.


*

6. No dia 10/09/2018, pelas 18H53, os arguidos AA e BB dirigiram-se ao Hotel “...”, com o propósito conjunto de se apoderarem de bens e valores que ali pudessem encontrar.

7. Uma vez no local, acederam ao interior da referida unidade hoteleira, através de uma porta de acesso restrita a funcionários, sita na Rua..., ..., em ... que se encontrava encostada.

8. De seguida, os arguidos entraram numa sala de onde retiraram uma mala de marca, com vários pertences no seu interior, no valor de €800, que pertencia a CC, ali hospedado, que se encontrava à guarda do hotel.

9. Na posse da mala e dos bens que aquele acondicionava, que fizeram sua e integram no seu património, os arguidos abandonaram o local para parte incerta.

10. Em consequência, o Hotel “...” ressarciu CC, no valor €451, pelos prejuízos que lhe foram causados, pelas condutas dos arguidos.

11. Os arguidos agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado propósito de se apoderarem do citado bem, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono, o que quiseram.


*

2 – NUIPC 1136/18....

12. No dia 16/10/2018, entre as 9h00 e as 12h00, o arguido AA deslocou-se ao Restaurante “...”, propriedade da sociedade “F..., ”, sito na Praça..., em ..., com o propósito se apoderarem de bens e valores que ali pudesse encontrar.

13. Uma vez no local, estando o estabelecimento comercial aberto ao público e a funcionar, o arguido aproveitando um momento de distração do funcionário, criado pelo próprio (arguido), o arguido retirou do interior daquele estabelecimento um Tablet, de marca ..., de cor ..., com n.º de série “...”, propriedade da F..., Lda. e tinha o valor de 179.99 €, que se encontrava fixo num suporte da parede do restaurante.

14. De seguida, dissimulou o Tablet de baixo de um jornal que tinha na mão, e fazendo-o seu, abandonou o local para parte incerta.

15. O arguido agiu com o propósito de se apoderar do falado, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de sua dona, o que quis.


*

3 – NUIPC 11729/18....

16. No dia 06/11/2018, pelas 21h00, o arguido AA dirigiu-se ao Hotel “...”, sito na Praça..., ..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

17. Uma vez no local, o arguido acedeu ao interior hotel através de uma porta de acesso restrita a funcionários, sita na Rua..., ..., em ... que se encontrava encostada.

18. De seguida, o arguido entrou numa sala onde os funcionários procedem à guarda das bagagens aquando do check out dos hóspedes e daí retirou uma mala preta, pertencente a DD, que tinha no interior um computador portátil, de marca ...,” modelo ... no valor de 1000 €, respetivo carregador no valor de 50 €, um par de auscultadores da marca ... no valor de 350 €, um carregador de telemóvel no valor de 30 €, um bilhete de acesso ao “...” para 3 dias no valor de 700 €, um Notepad no valor de 10 € e outros artigos de natureza e valor não concretamente apurados, tudo no valor total de 2140 €.

19. Na posse da mala e dos bens que aquela acondicionava, que fez sua e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

20. Em consequência, o Hotel “...” ressarciu DD, no valor €1.430, pelos prejuízos que lhe foram causados. pela conduta do arguido.

21. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar dos citados bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

4 – NUIPC 1123/18....

22. No dia 09/11/2018, pelas 09H40, no parque de cargas/descargas do ..., na Rua de ..., em ..., o arguido AA, aproveitando o facto de o ofendido EE ter deixado a porta da viatura de matrícula ...-EU-... aberta, retirou do seu interior um telemóvel de marca ..., no valor de 150 euros, pertencente ao ofendido.

23. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

24. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

5 – NUIPC 1439/18....

25. No dia 25/11/2018, pelas 13H30, o arguido AA entrou no interior da loja de nome “...”, sita na Rua..., ... em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

26. Para o efeito, o arguido aproveitou-se de um momento de distração da ofendida FF, funcionária do estabelecimento, e retirou do interior do balcão de atendimento o telemóvel daquela, de marca ..., no valor de 300 euros.

27. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

28. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

6 – NUIPC 397/19....

29. No dia 01/02/2019, pelas 21h00, o arguido AA dirigiu-se ao “...”, sito na Praça..., ..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

30. Para o efeito, o arguido acedeu ao interior do referido hotel através de uma porta de acesso restrita a funcionários.

31. De seguida, o arguido acedeu a uma sala onde os funcionários procedem à guarda das bagagens aquando do check out dos hóspedes e daí retirou uma mala plástica, de cor vermelha, da marca ..., ali hospedada , que tinha no interior um computador portátil, de marca ..., modelo ..., um par de óculos de sol da marca ...”; um par de sapatos da marca ...; uns óculos graduados da marca ..., um par de brincos e um colar em prata da marca ..., um aparelho de correção dentária; um fio em prata da marca... e várias peças de vestuário e cosméticos, tudo no valor total de € 4012.

32. O arguido retirou ainda do interior daquela sala uma mochila em nylon, ..., de marca ..., que tinha no seu interior um “... ...”, três “notebooks” do “...”; dois pares de óculos da marca ...”, várias peças de vestuário e calçado; três pares de lentes de contacto, tudo no valor total de € 2326.

33. Em consequência, o ...” ressarciu A... e , A... no valor €5.000, pelos prejuízos que lhes foram causados pela conduta do arguido.

34. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar dos citados bens, bem sabendo que não lhe pertenciam e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

7 – NUIPC 152/19....

35. No dia 20/02/2019, pelas 11h30, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, pertencente à sociedade “...” sito na Avenida..., ..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

36. Uma vez no local, o arguido aproveitou um momento de distração da empregada da loja e daí retirou oito pares de óculos, de marca ...”, no valor de 2300 € e um par de óculos de marca ..., no valor de 900 €.

37. Na posse dos óculos, que fez seus e integrou no seu património, o arguido abandonou o estabelecimento comercial.

38. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

8 – NUIPC 256/19....

39. No dia 08/03/2019, entre as 13h00 e as 15h00, o arguido AA dirigiu-se ao Hospital da ..., sito na Travessa..., ..., ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

40. Uma vez no interior daquela unidade hospitalar, o arguido dirigiu-se à sala de trabalho, do Piso ..., zona de internamento e daí retirou um computador portátil de marca ..., modelo ..., n.º de série ..., no valor de 1.000 euros.

41. Na posse do computador, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o estabelecimento comercial.

42. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

9 – NUIPC 193/19....

43. No dia 02/03/2019 cerca das 23H01, o arguido AA dirigiu-se ao Hotel “...”, explorado pela sociedade “... & …”, sito na Rua..., ..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

44. Uma vez ali, o arguido acedeu através da janela, num gabinete que estava fechado e daí retirou um computador portátil, de marca ..., no valor de € 600, pertença do hotel.

45. Na posse do computador, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o estabelecimento comercial.

46. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

10 – NUIPC 562/19....

47. No dia 20/05/2019, entre as 17h00 e as 17h30, o arguido AA dirigiu-se ao restaurante denominado “...”, sito na Rua... A, em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

48. Uma vez ali, o arguido aproveitou um momento de distração da ofendida GG, funcionária daquele estabelecimento, e retirou o telemóvel pessoal daquela, marca ..., ...”, com o IMEI…. No valor declarado de 359,98 €. do interior do balcão de atendimento.

49. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

50. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

11 – NUIPC 1690/19....

51. No dia 21/06/2019, pelas 11h40, o arguido AA dirigiu-se à unidade hoteleira “...”, sita na ..., n.º …, em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

52. Uma vez ali, o arguido aproveitou a circunstância de a porta da garagem estar aberta para se introduzir no escritório ali instalado, e daí retirou um computador portátil de marca ..., ...”, de cor ..., no valor de 787,20 €.

53. Na posse do computador, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o estabelecimento comercial.

54. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

12 – NUIPC 1394/19....

55. No dia 07/07/2019, pelas 06h05, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, sito na Rua..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

56. Uma vez, o arguido aproveitando um momento de distração da ofendida HH, funcionária daquele estabelecimento, retirou-lhe o telemóvel pessoal, de marca ..., ...”, com o ... ..., no valor de 230 €, que se encontrava em cima do balcão de atendimento.

57. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

58. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

13 – NUIPC 4992/19....

59. No dia 06/08/2019, entre as 18h20 e as 18h40, na ..., em ..., o arguido AA viajava pendurado no estribo do elétrico …., quando verificou que naquele elétrico viajava sentada a ofendida II, com o telemóvel de marca ..., modelo ..., no valor de 600 euros na mão, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar do mesmo, com recurso á violência física se a tanto fosse necessário.

60. Assim, o arguido esticou a sua mão para o interior do elétrico e pegando no antedito telemóvel, puxou para si e dessa forma retirou-o da mão da ofendida.

61. Com a conduta descrita o arguido agiu com o propósito de se apoderar do telemóvel, que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade da respetiva dona, o que quis.

62. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, puxou o telemóvel das mãos da ofendida e assim venceu a resistência que aquela impunha enquanto o segurava.


*

14 – NUIPC 976/19....

63. No dia 14/09/2019, entre as 14h45 e as 15h15, o arguido AA dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, sito na Rua..., em ..., com o propósito se apoderar de bens e valores que ali pudesse encontrar.

64. Uma vez ali, o arguido aproveitando um momento de distração da ofendida JJ, funcionária do estabelecimento, retirou de cima do balcão o telemóvel da ofendida, de marca ..., modelo ..., com o IMEI…, no valor de 190 euros, que se encontrava a carregar.

65. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

66. Nesse dia, cerca das 21H00, no ..., em ..., elementos da ... o arguido e logrou apreender na sua posse o telemóvel antes descrito.

67. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.


*

15 – NUIPC 1017/19....

68. No dia 23/09/2019, entre as 09h20 e as 11h40, o arguido AA dirigiu-se ao prédio sito na Rua..., n.º … em ... com o propósito se apoderar de bens e valores que pudesse encontrar, no interior do mesmo

69. Uma vez no hall do prédio, o arguido retirou a carteira de marca ..., no valor de € 30, propriedade de LL, encarregado de construção civil de uma obra que decorria naquele local.

70. No interior da carteira do ofendido encontravam-se vários documentos pessoais, entre os quais o cartão do cidadão, a carta de condução; um cartão de débito, nº … e outro de crédito, com o n.º …, emitidos pelo ..., a favor do ofendido e €15 em numerário.

71. Na posse da carteira e dos bens que aquele acondicionava, que fez seus e integrou no seu património, o arguido saiu do local.

72. Nesse mesmo dia o arguido dirigiu-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, sita na ..., em ... e no ..., localizado na Rua..., ..., em ... e aí comprou diversos produtos, no valor total de €95.05, que pagou com os aludidos cartões.

73. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar do citado bem, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.

74. O arguido utilizou o cartão de débito para efetuar as compras, digitando o respetivo código, bem sabendo que não estava autorizado pelo respetivo titular a fazê-lo.

75. O arguido utilizou o cartão de crédito para efetuar as compras, digitando o respetivo código, bem sabendo que não estava autorizado pelo respetivo titular a fazê-lo.


*

16 – NUIPC 1211/19....

76. Entre as 23h50 do dia 25/09/2019 e as 00h10 do dia 26/09/2019, o arguido AA encontrava-se na ..., em ..., junto ao ..., em ..., quando verificou que o ofendido MM caminha em direção à ..., em ..., levando na mão o telemóvel de marca ..., modelo “ ...”, no valor de cerca de € 180,00, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar de bens e valores que aquele tivesse, com recurso à força física se a tanto fosse necessário

77. Para tanto abordou-o e solicitou-lhe umas moedas.

78. Como o ofendido disse que não tinha, o arguido pegou no citado telemóvel e puxando-o para si retirou-o da mão do ofendido

79. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

80. Com a conduta descrita o arguido agiu com o propósito de se apoderar do telemóvel, que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade do respetivo dono, o que quis.

81. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, puxou o telemóvel das mãos do ofendido e assim venceu a resistência que aquele impunha enquanto o segurava.


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17 – NUIPC 1029/19....

82. No dia 27/09/2019, pelas 20h30, o arguido AA caminhava pela ..., em .... quando verificou que, na caixa ATM existente n.º …, se encontrava o ofendido NN, pelo que de imediato formulou o propósito de se apoderar do dinheiro que aquele estivesse a levantar, com recurso à força física se a tanto fosse necessário.

83. Para tanto, colou-se nas proximidades da caixa e, quando o dinheiro, que se computava no montante de € 30,00 (trinta euros) a € 35,00 (trinta e cinco euros), saiu pela ranhura da caixa, o arguido num gesto enérgico, pegou nele e abandonou o local em fuga.

84. O ofendido foi no encalço do arguido e logrou alcançá-lo. Nesse instante, o arguido dirigiu-lhe as seguintes expressões: «DAVA-LHE UMAS FACADAS».

85. Temendo por aquilo que naquelas circunstâncias lhe pudesse acontecer, o ofendido absteve-se de recuperar o dinheiro, permitindo que o arguido o levasse consigo e o integrasse no seu património.

86. O arguido agiu, no deliberado propósito de se apoderar de dinheiro, bem sabendo que não lhe pertencia e que o fazia contra a vontade de seu dono, o que quis.

87. O arguido agiu com o propósito anunciar ao ofendido que lhe daria umas facadas, com o propósito de fazer seu o dinheiro que aquele acabara de levantar e que o mesmo retirou da ATM, o que quis.


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18 – NUIPC 1293/19....

88. No dia 06/10/2019, pelas 22H00, os arguidos AA e PP circulavam na Rua..., ..., em ..., quando decidiram fazer seus os bens e dinheiro que o ofendido OO tivesse na sua posse, se necessário com recurso à força física.

89. Para o efeito, os arguidos abordaram o ofendido e pediram-lhe dinheiro em tom intimidatório.

90. A dada altura puseram-se à frente do ofendido e disseram-lhe o seguinte: “É melhor dares o que tens aí no bolso, que tenho uma faca”.

91. O ofendido ficou paralisado com medo, tendo esse momento sido aproveitado pelos os arguidos para colocaram as mãos nos bolsos das calças que o mesmo trajava e dali retiraram o telemóvel, de marca ..., modelo ..., no valor de 570 euros.

92. Na posse do telemóvel que fizeram seu e integraram no seu património, os arguidos abandonaram o local para parte incerta.

93. Os arguidos agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado e concretizado propósito de se apoderarem do mencionado telemóvel, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de sua dona.

94. Sabiam os que se apresentando perante o ofendido da forma que o fizeram, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre aquele e que dessa forma impedi-lo-iam de reagir aos seus intentos, a qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reação nesse sentido.


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19 – NUIPC 191/19.7 P8LSB

95. No dia 16/01/2019, cerca das 12h40, o arguido AA dirigiu-se ao restaurante denominado “...”, sito na Rua... em ..., com o propósito de fazer sues bens que aí se encontrassem.

96. Uma vez no local, o arguido aproveitou um momento de distração do ofendido QQ e retirou o telemóvel de marca ..., modelo ... ...”, no valor de € 390, que se encontrava por baixo da caixa registadora do estabelecimento.

97. Na posse do telemóvel, que fez seu e integrou no seu património, o arguido abandonou o local para parte incerta.

98. Com a conduta descrita o arguido agiu com o propósito de se apoderar do telemóvel, que sabia não lhe pertencer e que o fazia contra a vontade do respetivo dono, o que quis.

99. Em todas as condutas acima descritas os arguidos agiram de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.

100. No decurso da audiência de julgamento, o arguido AA efectuou um pedido de desculpas verbal, formal e público, ao ofendido RR, à ofendida GG, à ofendida SS, ao ofendido TT, ao ofendido UU, à ofendida VV, à ofendida FF, ao ofendido XX, à ofendida HH e à ofendida JJ.

Mais se provou, com interesse para a decisão do mérito:

101. O arguido AA desenvolveu-se num contexto familiar numeroso, composto por seis irmãos da relação entre os progenitores e três irmãs uterinas, tendo a mãe abandonado a morada de família quando o arguido tinha cerca de 6 anos de idade, deixando os filhos a cargo do progenitor, que, posteriormente, constituiu novo agregado familiar, pautando-se as relações familiares pela harmonia entre todos os elementos do agregado, ao contrário da mãe, com quem o arguido, durante vários anos, não manteve qualquer contacto.

102. Posteriormente, o pai do arguido teve uma segunda companheira, que também foi bem acolhida pela família. A família vivia na zona da ..., em casa arrendada, trabalhando o pai do arguido na empresa “...”, enquanto a madrasta exercia actividade profissional nas limpezas, beneficiando o agregado familiar de um modo de vida organizado e economicamente sustentável.

103. O percurso do arguido pautou-se por alguma permissividade por parte das figuras parentais, no acompanhamento do quotidiano do arguido, que se reflectiu quer a nível de frequência escolar, uma vez que abandonou a escola após completar o 6.º ano de escolaridade, quer na proximidade do arguido, durante a adolescência, a grupos com comportamentos delinquentes.

104. Neste contexto, o arguido teve contactos com a justiça desde os 17 anos, motivados por crimes contra o património e de tráfico de produto estupefaciente.

105. A nível pessoal, regista um primeiro relacionamento aos 19 anos, que durou cerca de três anos. Quando se separou, o arguido foi viver para casa de um tio, nos ..., e teve outros relacionamentos de curta duração, dos quais resultaram três filhos, não tendo criado laços vinculativos com nenhuma dessas companheiras, tendo, com uma delas, mantido uma dinâmica relacional disfuncional, com a passagem a actos de agressão, que motivaram a sua condenação, pela prática de um crime de violência doméstica, numa pena de 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução.

106. Associado a estas condutas desajustadas estão, igualmente, hábitos aditivos, inicialmente de haxixe e abuso de álcool, e, posteriormente, de cocaína, também relacionados com a rede relacional de convívio do arguido e a sua proximidade/vulnerabilidade aos grupos de pares com os mesmos hábitos. Esta conduta aditiva tinha, contudo, períodos de abstinência, em que o arguido se procurava reorganizar.

107. A nível laboral, apresenta um percurso irregular, pautado por alguns períodos de desemprego, e com trabalhos indiferenciados ou temporários, como repositor em supermercados ou na restauração.

108. Cumpriu pena de prisão entre 2014 e 2015, por crime de roubo agravado, e, em liberdade, ficou, numa fase inicial, a viver junto do pai, já, na época, reformado, e, posteriormente, em 2017, com uma nova companheira, segurança na empresa “...”. Arranjou trabalho como operário fabril, por turnos, e constituiu família com esta e com um filho menor da mesma. Esta relação foi descrita como afectuosa, cooperante e adequada, não se tendo, numa fase inicial da relação, em que o arguido se manteve abstinente do consumo de estupefacientes, registado discussões ou conflitos relacionais. O arguido teve um filho desta relação.

109. Mais tarde, o arguido retomou o consumo de produtos estupefacientes, deslocando-se, com frequência, à zona do intendente, para consumir, facto que desgastou esta relação afectiva com a companheira, que, ao tomar conhecimento destas deslocações, se separou do arguido.

110. O arguido passou, então, a viver em casa do pai, tendo, nesta fase, desenvolvido esforços, infrutíferos, com vista à obtenção de trabalho, e continuou a deslocar-se aos meios de tráfico e consumo de estupefacientes, onde mantinha a sua rede relacional, de forma regular.

111. No contexto destas saídas, o arguido travou conhecimento com outra rapariga, com a qual, no decurso do ano de 2018, iniciou uma relação afectiva. Esta era consumidora habitual de cocaína, facto que influenciou negativamente o arguido, que agravou os consumos desta droga e retomou um modo de vida irregular, em termos pessoais e familiares, o que culminou com a sua prisão em 17/10/2019.

112. Todavia, e devido à pandemia de Covid 19, foi libertado após 7 meses de cumprimento da pena, tendo regressado à morada do pai. Ao fim de poucos dias reencontrou a última companheira, tendo reiniciado vida em comum com a mesma, na morada onde esta vivia, tendo retomado, igualmente, os consumos de cocaína. A companheira do arguido exercia prostituição, para obter rendimentos para o consumo, sendo, maioritariamente, dessa actividade que subsistiam. O arguido permaneceu apenas 23 dias em liberdade, sendo novamente preso, pela prática de crimes de roubo.

113. Actualmente, o arguido encontra-se sujeito a medida de coacção de prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de ..., tendo sido colocado como faxina de ala, há cerca de seis meses. Recebe visitas do pai e dos irmãos.

114. A nível externo conta com o suporte do pai, que está reformado, vivendo presentemente com uma companheira na zona de .... Este tem disponibilidade para acompanhar o filho e dispõe-se a dar ao arguido todo o apoio necessário, para que este retome um modo de vida conforme ao direito.

115. Segundo o progenitor já foram feitas algumas tentativas externas de integração do arguido em instituições, mas o arguido tem abandonado os projectos ao fim de poucas semanas, não tendo até à data conseguido ter uma postura estável e consistente, no que respeita ao abandono dos hábitos aditivos.

116. O arguido AA tem as seguintes condenações averbadas no respectivo certificado de registo criminal:

- pela prática, em 06/10/1997, de um crime de roubo agravado, na pena de 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 2 anos, por acórdão transitado em julgado em 28/11/2000, tendo, por despacho proferido em 10/12/2003, sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão;

- pela prática, em 15/03/1999, de um crime de roubo, na pena de 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, por acórdão transitado em julgado em 05/07/2001, tendo, por despacho proferido em 16/01/2004, sido revogada a suspensão da execução da pena de prisão;

- pela prática, em 07/09/2002, de um crime de furto qualificado e de um crime de tráfico de estupefacientes, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão, por acórdão transitado em julgado em 11/11/2003;

- pela prática, em 18/08/2007, de um crime de tráfico de produto estupefaciente, na pena de 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, por sentença transitada em julgado em 07/11/2008, já declarada extinta;

- pela prática, em 13/11/2011, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 1 ano de prisão, de um crime de ofensa à integridade física simples, na pena de 6 meses de prisão, e de um crime de injúria agravada, na pena de 3 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, por sentença transitada em julgado em 22/04/2013, já declarada extinta;

- pela prática, em 07/10/2012, de um crime de dano simples, na pena de 8 meses de prisão, e de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, com subordinação a regime de prova, por sentença transitada em julgado em 14/10/2013, já declarada extinta;

- pela prática, em 31/03/2013, de um crime de violência doméstica, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, com subordinação a regime de prova, por sentença transitada em julgado em 20/01/2014, já declarada extinta;

- pela prática, em 21/02/2014, de um crime de roubo, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, por acórdão transitado em julgado em 30/01/2015, já declarada extinta em virtude do cumprimento;

- pela prática, em 07/02/2018, de um crime de roubo, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução por igual período, com subordinação a regime de prova, por sentença transitada em julgado em 15/11/2019;

- pela prática, em 26/07/2019, de um crime de furto simples, na pena de 1 ano de prisão, por sentença transitada em julgado em 17/01/2020, tendo, por despacho datado de 11/04/2020, sido perdoado o período remanescente de prisão que o recluso cumpria, sob a condição resolutiva de não praticar infracção dolosa no ano subsequente;

e

- pela prática, em 12/05/2020, de um crime de furto qualificado e de um crime de roubo, em cúmulo jurídico, na pena de 3 anos de prisão, por acórdão transitado em julgado em 26/11/2020.

(...)»

            B. Matéria de direito

1. Do recurso interposto pelo arguido, e de acordo com as conclusões apresentadas, a única matéria a decidir é a referente à determinação da pena única que foi aplicada ao arguido.

O arguido vem condenado numa pena única de 12 anos de prisão.

A pena aplicada resulta do cúmulo jurídico efetuado nos termos do art. 77.º, do Código Penal, pois o arguido vem condenado por diversos crimes que estão numa relação de concurso efetivo:

- 14 crimes de furto qualificado, nos termos dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. h), do Código Penal (sendo um deles em coautoria) — aos quais foi aplicada a pena de prisão de 2 anos e 2 meses quanto a 9 deles e a pena de prisão de 2 anos e 5 meses quanto a 5 deles —,

- 1 crime de furto qualificado, nos termos dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), do CPP (punido com a pena de prisão de 4 anos e 6 meses),

- 1 crime de furto qualificado [nos termos dos arts. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.ºs 1 al. h) e n4, com referência ao art. 202.º, al. c), todos do CP] punido com a pena de prisão de 1 ano e 3 meses,

- 1 crime de burla informática (nos termos do art. 221.º, n.º 1, do CP), ao qual foi aplicada a pena de prisão de 1 ano,

- 1 crime de abuso de cartão de crédito (nos termos do art. 225.º, n.º 1, do CP), ao qual foi aplicada a pena de prisão de 1 ano,

- 1 crime de roubo qualificado [nos termos dos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, als. b) e h), ambos do CP] ao qual foi aplicada a pena de prisão de 6 anos e 6 meses,

- 2 crimes de roubo qualificado [nos termos dos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 1, al. h), ambos do CP] aos quais foi aplicada a pena de prisão de 6 anos e a pena de prisão de 6 anos e 3 meses, e

- 1 crime de violência após a subtração [nos termos do art. 211.º, por referência aos arts. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 204.º, n.ºs 1, al. h) e 4, e 202.º, al. c), todos do CP] ao qual foi aplicada a pena de prisão de 4 anos.

2. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos arts. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade da pessoa do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-á ter em conta todas as circunstâncias que depuseram a favor ou contra o arguido, nomeadamente os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenham sido tomadas em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).

Mas, a determinação da medida da pena, em sede de concurso de crimes, apresenta especificidades relativamente aos critérios gerais do art. 71.º do CP.

            Nos casos de concurso de crimes (ou seja, em obediência ao princípio constitucional da legalidade criminal, a pena única apenas pode ser aplicada caso estejam verificados os seus pressupostos de aplicação, isto é, caso estejamos perante uma situação de concurso efetivo de crimes), a determinação da pena única conjunta tem que obedecer (para além daqueles critérios gerais) aos critérios específicos determinados no art. 77.º do Código Penal. A partir dos critérios especificados é determinada a pena única conjunta, com base no princípio do cúmulo jurídico. Assim, após a determinação das penas parcelares que cabem a cada um dos crimes que integram o concurso, é construída a moldura do concurso, tendo como limite mínimo a pena parcelar mais alta atribuída aos crimes que integram o concurso, e o limite máximo a soma das penas, sem, todavia, exceder os 25 anos de pena de prisão (de harmonia com o disposto no art. 77.º, n.º 2, do CP).

  Assim, tendo em conta os diversos crimes pelos quais o arguido vem condenado a moldura do concurso de crimes a partir da qual deve ser determinada a pena concreta a aplicar ao arguido tem como limite mínimo 6 anos e 6 meses (correspondente à pena concreta mais elevada) e como limite máximo de 25 anos (nos termos do art. 77.º, n.º 2, do CP, dado que a soma das penas parcelares ultrapassa este limite máximo).  Ou seja, a moldura do concurso de crimes é construída a partir das penas singulares aplicadas a cada crime em concurso devendo todas ser relevantes, e sendo encontrado o limite mínimo da moldura a partir da pena concreta (parcelar) mais alta (de entre as penas aplicadas aos crimes em concurso) que tenha sido aplicada ao arguido (por força do disposto no art. 77.º, n.º 2, 2.ª parte, do CP); assim sendo, o limite mínimo corresponde à pena aplicada a um dos crimes de roubo qualificado pelo qual o arguido vem condenado.

Por sua vez, e nos termos do art. 77.º, n.º 2, 1.ª parte, do CP, o limite máximo corresponde à soma de todas as penas parcelares aplicadas aos diversos crimes em concurso; porém, ainda que a soma seja superior a 25 anos (como é o caso) a pena não pode ultrapassar este limite, pelo que, na presente situação, o limite máximo da moldura da pena a aplicada ao concurso de crime é de 25 anos.

A partir desta moldura, é determinada a pena conjunta, tendo por base os critérios gerais da culpa e da prevenção (de acordo com o disposto nos arts. 71.º e 40.º do CP), ao que acresce um critério específico — na determinação da pena conjunta, e segundo o estabelecido no art. 77.º, n.º 1 do CP, "são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente". Assim, a partir dos factos praticados, deve proceder-se a uma análise da "gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique”[2]. Na avaliação da personalidade, ter-se-á que verificar se dos factos praticados pelo agente decorre uma certa tendência para o crime ou se estamos apenas perante uma pluriocasionalidade, sem possibilidade de recondução a uma personalidade fundamentadora de uma "carreira" criminosa. Apenas quando se possa concluir que se revela uma tendência para o crime, quando analisados globalmente os factos, é que estamos perante um caso onde se suscita a necessidade de aplicação de um efeito agravante dentro da moldura do concurso. Para além disto, e sabendo que também influem na determinação da pena conjunta as exigências de prevenção especial, dever-se-á atender ao efeito que a pena terá sobre o delinquente e em que medida irá ou não facilitar a necessária reintegração do agente na sociedade; exigências, porém, limitadas pelas imposições derivadas de finalidades de prevenção geral de integração (ou positiva).

            São estes os critérios legais estabelecidos para a determinação da pena e, em particular, para a determinação da pena única conjunta.

Tendo em conta a gravidade do ilícito global e a personalidade do arguido, cumpre analisar criticamente a pena única que lhe foi atribuída.

            Será no âmbito daquela moldura penal e de acordo com a personalidade do agente, procedendo a uma análise global dos factos e tendo em conta as exigências de prevenção geral e especial, que deverá ser determinada a pena única conjunta a aplicar ao arguido AA

O arguido começa por considerar que a moldura da pena a partir da qual irá ser determinada a pena única é a de prisão entre 1 ano e 6 anos e 6 meses. Quanto a este ponto em particular, já anteriormente referimos, de forma pormenorizada e fundamentada legalmente, como se determina esta moldura, que no caso oscila entre um mínimo de 6 anos e 6 meses e um máximo de 25 anos. É a partir desta moldura que se deve determinar a pena única tendo em conta uma análise global dos factos e da personalidade do arguido plasmada nesses factos.

Ora, se não podemos esquecer a circunstância de arguido ter 40 anos de idade, também não podemos esquecer que já praticou diversos crimes antes da prática dos factos aqui analisados, sem que as punições que naqueles lhes foram aplicadas o tivessem inibido da prática de novos crimes e num número elevado (22) durante apenas cerca de 1 ano. O que nos permite considerar que não só se afiguram prementes as necessidades de prevenção especial, como a atitude revelada através da prática destes crimes mostra uma personalidade não só contrária às regras do direito, como distante do cumprimento daquelas. E a forma reiterada como pratica estas condutas demonstra uma personalidade com uma tendência criminosa. Não estamos, pois, perante uma simples pluriocasionalidade.

É claro que não podemos esquecer a colaboração que o arguido deu confessando os factos e mostrando arrependimento. Além disto, estamos apenas perante crimes contra bens jurídicos patrimoniais revelando algum respeito pela pessoa humana (mas também não podemos olvidar o facto de vir condenado pela prática de 3 crimes de roubo).

Isto tudo foi tido em conta na decisão recorrida:

«No que respeita ao arguido AA, como já se salientou, na prática dos factos objecto do processo, em número muito elevado (22 crimes distintos) e realizados num lapso temporal de pouco mais de um ano, compreendido entre o mês de Setembro de 2018 e o mês de Outubro de 2019, manifesta-se uma verdadeira tendência criminosa do arguido, ainda fortemente evidenciada pelo facto de já ter sofrido condenações anteriores, pela prática de doze crimes, a saber, um crime de roubo qualificado, dois crimes de roubo, um crime de furto qualificado, dois crimes de tráfico de produto estupefaciente, um crime de ofensa à integridade física qualificada, um crime de ofensa à integridade física simples, um crime de injúria agravada, um crime de dano e dois crimes de violência doméstica, cuja prática remonta ao período compreendido entre o ano de 1997 e o mês de Fevereiro de 2014, sendo que, por decisões transitadas em julgado em data posterior à dos factos objecto dos presentes autos, o arguido sofreu condenações pela prática de dois crimes de roubo, de um crime de furto simples e de um crime de furto qualificado, não podendo esta tendência criminosa deixar de ser censurada, na avaliação unitária dos factos e da sua personalidade neles manifestada.

Há que ter, portanto, especiais cuidados, não de reparação ou castigo, sublinhe-se, mas de prevenção geral e especial. O arguido deverá compreender, o mais rapidamente possível e de uma vez para sempre, que só lhe resta parar a actividade criminosa (prevenção especial). As instituições devem funcionar com eficácia e efectividade para que todos os membros da sociedade se sintam desmotivados a seguir o exemplo dos arguidos (prevenção geral).

Nestes termos, afigura-se-nos ajustada a aplicação ao arguido AA da pena única de 12 (doze) anos de prisão.»

Pelo que não podemos deixar de considerar que a decisão recorrida cumpriu as regras de determinação da medida da pena.

Na verdade, o facto de o arguido ter praticado estas condutas em vista da obtenção de dinheiro para a compra de droga (tendo em conta o alegado, mas sem que tal esteja refletido na matéria de facto provada), por si só não pode constituir fundamento para uma menor relevância penal do seu comportamento.

Além disto, as exigências de prevenção geral são elevadas — o nível de insegurança provocado na comunidade é elevado, uma vez que cria incerteza quanto à eficácia do depósito de bens em locais supostamente seguros, como em hotéis, e cria um sentimento de perigo para todos aqueles que frequentam estabelecimentos comerciais.

Tendo em conta tudo o exposto, em particular as exigências significativas de prevenção especial e prevenção geral, e a atitude do agente contra as regras jurídicas apesar de vários contactos anteriores com o sistema de justiça, e  sem olvidar o comportamento do arguido (confessando e pedindo desculpa, na audiência, aos ofendidos) consideramos como adequada e proporcional, à globalidade dos factos (em apreciação nestes autos) e ao comportamento neles refletido, a pena de 10 (dez) anos de prisão.


III

Conclusão


Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA aplicando a pena de prisão de 10 (dez) anos.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de dezembro de 2021

Os juízes conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

Eduardo Loureiro

_____________________
[1] O acórdão, no final, tem aposta a data de 28.05.2021, e a assinatura eletrónica do Meritíssimo Juiz Presidente-Relator é também de 28.05.2021; porém, as assinaturas de ambos os Senhores Juízes-adjuntos é de 31.05.2021.
[2] Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As consequências Jurídicas do Crime, Lisboa: Æquitas/Ed. Notícias, 1993, § 421 (p. 291).