Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
072358
Nº Convencional: JSTJ00006153
Relator: LIMA CLUNY
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
FORÇA PROBATORIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198812160723581
Data do Acordão: 12/16/1988
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1989/03/01, PÁG. 892 A 894 - BMJ Nº 382 ANO 1989 PÁG. 187
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 763 N1 ARTIGO 768 N3 ARTIGO 1094 N1 N2.
CCIV66 ARTIGO 365 ARTIGO 371 ARTIGO 1796 N1 N2 ARTIGO 1826 N1 ARTIGO 1829 N2 B ARTIGO 1835 N1 ARTIGO 1838 ARTIGO 1847 ARTIGO 1848 N1.
CNOT67 ARTIGO 60.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC71153 DE 1984/01/10.
ACÓRDÃO STJ DE 1967/10/03 IN BMJ N170 PAG232.
Sumário :
A sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser invocada em processo pendente em tribunal portugues como simples meio de prova, cujo valor e livremente apreciado pelo julgador.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

O agente do Ministerio Publico e A recorrem para o tribunal pleno do Acordão de 10 de Janeiro de 1984, proferido no recurso de agravo n. 71153 da 1 Secção, com fundamento na existencia da oposição, quanto a mesma questão fundamental de direito e no dominio da mesma legislação, entre a decisão ali tomada e a do Acordão de 3 de Outubro de 1967, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 170, a pagina 232, este transitado em julgado.

Admitido o recurso, foi decidido pela secção respectiva que ele prosseguisse os seus termos, por se verificar a oposição a que se refere o artigo 763, n. 1, do Codigo de Processo Civil.


Proposta acção de investigação de paternidade pelo agora recorrente A contra os sucessores de seu pretenso pai, foram os reus, logo no despacho saneador, absolvidos da instancia, por se julgar procedente a excepção de o autor haver nascido na constancia do casamento de sua mãe, decisão esta que foi confirmada pelo acordão agora recorrido com base num duplo fundamento, por um lado, porque o investigante nos termos dos artigos 1796, n. 2, 1826, 1835 e 1847 do Codigo Civil, e considerado filho do marido de sua mãe, a titulo de presunção não ilidida, não sendo de admitir o reconhecimento enquanto o registo do seu nascimento não for rectificado, declarado nulo ou cancelado, como se estabelece no artigo 1848, n. 1, do mesmo Codigo, por outro, porque o invocado divorcio entre sua mãe e o marido, decretado por sentença estrangeira não revista nem confirmada, não pode produzir efeitos no nosso pais, sejam eles quais forem, ja que, por força do disposto no artigo 1094 do Codigo de Processo Civil, so depois da revisão e confirmação se podera dizer que sua mãe e marido estão divorciados e que o dever de coabitação foi interrompido na data dela constante.
Pelo contrario, e com referencia a este segundo fundamento, decide-se no ja citado Acordão de 3 de Outubro de 1967 que não depende de revisão e confirmação previa a invocação de sentença estrangeira perante tribunal portugues como simples meio de prova. Foi o caso de pessoa condenada no pagamento de indemnização por tribunal de pais estrangeiro e por acidente de viação ocorrido nesse pais que em acção proposta em Portugal contra a sua seguradora, segundo contrato com ela celebrado, para obter o ressarcimento do que fora obrigada a pagar,invocara a sentença estrangeira como simples meio de prova do acidente e da condenação.
Não se pondo agora em questão a oposição entre os dois citados acordãos, os recorrentes concluem as suas alegações dizendo que a sentença estrangeira que decretou o divorcio entre a mãe do investigante e seu marido pode ser invocada na ja referida acção de investigação como meio de prova do facto relativo a cessação da coabitação daqueles conjuges na data ai referida, para o efeito de fazer cessar a presunção de paternidade a que alude o artigo 1829 do Codigo Civil, e que, consequentemente, deve ser revogado o acordão recorrido.


O representante do Ministerio Publico neste Tribunal emite parecer no sentido de que deve revogar-se a decisão recorrida e solucionar-se o conflito de jurisprudencia, lavrando-se assento nos seguintes termos:
A cessação de coabitação constante de sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser considerada pelos tribunais portugueses para o efeito de, nos termos do artigo 1829 do Codigo Civil, fazer cessar a presunção de paternidade.


Tudo visto, e por haver oposição de acordãos:


I - Em acção de investigação de paternidade proposta pelo agora recorrente João Claudio contra os sucessores de seu pretenso pai - para tanto invocando como simples meio de prova da cessação da coabitação entre sua mãe e o marido e consequente cessação da presunção de paternidade deste a sentença estrangeira que decretou o divorcio entre ambos e fixou a data em que essa coabitação foi interrompida - foi recusado no tribunal da 1 instancia, decisão esta confirmada pelo acordão agora recorrido, o pedido de reconhecimento de paternidade, por não se mostrar revista nem confirmada essa sentença estrangeira, que, por tal motivo, como ai se diz, não pode produzir efeitos no nosso pais, sejam eles quais forem.


A tese assim sustentada no acordão recorrido não tem acolhimento no nosso ordenamento juridico.


Embora no artigo 1094, n. 1, do Codigo de Processo Civil se estabeleça que nenhuma decisão sobre direitos privados proferida por tribunal estrangeiro ou por arbitros no estrangeiro tem eficacia em Portugal sem estar revista e confirmada, logo no seu n. 2 se afirma que essa decisão pode ser invocada, independentemente de revisão, em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito a apreciação de quem haja de julgar a causa.


Portanto, se a sentença estrangeira, antes de confirmada, não opera na ordem juridica portuguesa os efeitos que lhe correspondem como acto jurisdicional, tanto o efeito executivo como o de caso julgado, produz, contudo, independentemente de revisão e confirmação, certos efeitos laterais, entre eles o efeito probatorio.


Sendo a sentença um documento autentico, esta consignado no artigo 365 do Codigo Civil que os documentos autenticos passados em pais estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova, como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal, sendo, em principio, dispensada a legalização (artigo 60 do Codigo do Notariado).
Daqui resulta que a sentença estrangeira faz prova plena dos factos que o artigo 371 do Codigo Civil, por aplicação da "lex fori", atribui aos documentos autenticos, isto e, dos factos que refere como praticados pelo juiz, assim como daqueles que nela forem atestados com base nas suas percepções pessoais.


Para alem desta prova plena, a sentença estrangeira tem ainda o efeito probatorio dos factos que nela se constatam, podendo ser invocada em processo pendente em tribunal portugues como simples meio de prova desses factos, ainda que essa prova possa ser contrariada pela parte contraria, e cujo valor probatorio sera livremente apreciado pelo julgador.
Assim, no caso concreto, se outras razões não existissem a excluir essa possibilidade, a sentença estrangeira que decretou o divorcio da mãe do recorrente poderia ser invocada como meio probatorio do facto da cessação de coabitação dos conjuges na data dela constante, para o efeito da cessação da presunção de paternidade a que se refere o artigo 1829 do Codigo Civil.


II - Sucede, porem, que na decisão recorrida em outro fundamento, para alem do ja analisado, se apoia a não admissão do pedido de reconhecimento de paternidade formulado pelo recorrente.
Não se mostrando revista nem confirmada a sentença estrangeira que decretou o divorcio da mãe do recorrente, continua ela, perante a lei portuguesa, casada com o ja citado marido, tendo aquele recorrente nascido na constancia desse matrimonio.


Face a presunção de paternidade estabelecida nos artigos 1796, n. 1, e 1826, n. 1, do Codigo Civil, essa paternidade tera de constar obrigatoriamente do registo de nascimento do filho, não sendo admitidas menções que a contrariem (artigo 1835, n. 1), sendo irrelevante que, por qualquer motivo, no registo de nascimento do recorrente, lavrado em França, este não figure como filho do marido da mãe. Por isso se estabelece no artigo 1848, n. 1, do Codigo Civil que não e admitido o reconhecimento da paternidade em contrario da filiação que conste do registo de nascimento enquanto este não for rectificado, declarado nulo ou cancelado.
Se no registo de nascimento o recorrente não figura como filho do marido da mãe, essa paternidade teria de ser mencionada oficiosamente, segundo a lei portuguesa, caso o registo fosse lavrado em Portugal (artigo 1835, n. 2, do Codigo Civil).


Do referido se conclui que o facto da cessação de coabitação dos conjuges na data indicada na sentença estrangeira so pode ser invocado na respectiva acção de impugnação de paternidade onde figurem as partes que, segundo a lei, para tal tenham legitimidade.


Como se diz na decisão impugnada, o recorrente tem de previamente ilidir em acção propria de impugnação a presunção de paternidade, nos termos dos artigos 1838 e seguintes do Codigo Civil.


Sendo assim, a solução do alegado conflito de jurisprudencia não se projecta na injunção da decisão recorrida, isto e, na decisão final de absolvição dos reus da instancia.


Assim, como se diz no artigo 768, n. 3, do Codigo de Processo Civil, face ao existente conflito de jurisprudencia, ha que absolve-lo, ainda que a sua resolução não tenha utilidade para o caso concreto em litigio.
III - Pelo exposto, negando-se provimento ao recurso e confirmando-se a decisão recorrida, formula-se o seguinte assento:


A sentença estrangeira não revista nem confirmada pode ser invocada em processo pendente em tribunal portugues como simples meio de prova, cujo valor e livremente apreciado pelo julgador.


Custas pelo recorrente A.


Lisboa, 16 de Dezembro de 1988


Eliseu Figueira - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto

- Vasco Tinoco - Mario Afonso - Castro Mendes - Baltazar Coelho - Pinto Ferreira - Barros de Sequeiros - Jorge Vasconcelos - Almeida Ribeiro - Tinoco de Almeida - Julio Santos - Gama Prazeres - Almeida Simões - Alcides de Almeida - Jose Saraiva - Solano Viana - Jose Calejo
- Abel Delgado - Ferreira da Silva (vencido quanto a oposição de acordãos, votei o assento) - Joaquim Gonçalves (vencido. Entendi não haver oposição de acordãos) - Manso Preto (com a declaração, quanto a utilidade do assento, de que ele se limita a reproduzir a lei) - Meneres Pimentel (concordo com a doutrina do assento, mas entendo que devia ser revogado o acordão recorrido, pois e possivel continuar com a acção de investigação de paternidade, uma vez que do registo de nascimento consta ser o investigante filho de pai desconhecido; portanto, nesta parte, fiquei vencido) - Soares Tome (votei nos termos do voto do Excelentissimo Senhor Conselheiro Doutor Meneres Pimentel) - Cura Mariano (vencido, conforme declaração de voto do Excelentissimo Conselheiro Meneres Pimentel) Fernandes Fugas (vencido na questão preliminar, por entender que não existe oposição de acordãos)- Pinheiro Farinha (com a concordancia as declarações de voto dos Excelentissimos Manso Preto e Meneres Pimentel)

- Lima Cluny (vencido, pelas razões expostas na declaração de voto junta em separado) - Villa Nova (vencido, por entender não haver oposição dos acordãos, de harmonia com o voto do Excelentissimo Conselheiro Lima Cluny) - Jose Domingos (vencido quanto a questão preliminar, por entender que não ha oposição de acordãos)

Declaração de voto


I - Primeiramente, oferece-se-me dizer que entendo não haver oposição entre o acordão recorrido (de 10 de Janeiro de 1984) e o acordão fundamento ( de 3 de Outubro de 1967), na medida em que são inteiramente diferentes as situações neles consideradas.

Assim, enquanto no acordão-fundamento se considerou a situação decorrente de um acidente de viação apreciado por sentença estrangeira que serviria de simples meio de prova em acção pendente em tribunal nacional, a situação versada no acordão recorrido, a não vingar a respectiva decisão, implicaria que a sentença estrangeira não confirmada, servindo como meio de prova, pode ter a força de ilidir a presunção legal decorrente do artigo 1826 do Codigo Civil.

II - Em segundo lugar, e no que respeita a questão de fundo, perfilho a tese do acordão recorrido.


Efectivamente, dispõe o n. 1 do artigo 1826 citado que se presume filho do marido da mãe o filho nascido na constancia do matrimonio.


E acrescenta o n. 2 que o momento de dissolução do casamento e o do transito em julgado da respectiva sentença.


Isso significa que, para efeito de ser ilidida a presunção, a constancia do matrimonio so cessa a partir do transito da sentença de divorcio ou anulação.
Assim, quando no n. 2 do artigo 1829, alinea b), se veio dizer que se considera finda a coabitação na data da citação para a acção de divorcio ou separação, ou na data que a sentença fixar como a da cessação da coabitação..., não se quis significar que a data da citação pudesse funcionar independentemente do decretamento do divorcio, ou separação, para decisão transitada.
Tal decretamento e pressuposto da cessação da presunção, nos termos do artigo 1829.
E o mesmo se verifica relativamente a data da cessação da coabitação porventura indicada na sentença.


E, sendo o decretamento pressuposto da fixação da data da cessação de coabitação, e manifesto que esse decretamento so e valido quando a respectiva sentença transitou em julgado.


Tratando-se de sentença estrangeira, e obvio que, embora transitada, ela so pode produzir efeitos em Portugal - designadamente para fazer cessar a presunção de paternidade - depois de confirmada.


Lima Cluny.