Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
174/14.3T2GDL-A.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, p. 335-336;
- Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, p. 174 e 175.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 417.º, N.º4 E 671.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 05-03-2018, RELATOR ABRANTES GERALDES, IN WWW.DGS.PT.;
- DE 12-07-2005, PROCESSO N.º 05B1901, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-06-2010, IN CJ, TOMO II, P. 113;
- DE 09-02-2011, RELATOR SOUTO MOURA, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-10-2014, PROCESSO N.º 1233/13, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
Por recair sobre matéria incidental, o acórdão da Relação que aprecia o incidente de quebra de sigilo profissional suscitado nos termos do nº 4 do art. 417º do CPC não admite recurso de revista ao abrigo do nº 1 do art. 671º.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA, Lda” e outros vieram interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de … que, nos presentes autos de incidente de quebra do sigilo profissional, dispensou do dever de segredo profissional o Sr. Dr. BB, a fim de depor como testemunha no processo de que estes autos são apenso.

Para justificar a admissibilidade da revista invocaram o disposto nos arts. 399º e 432º, nº1, al. a), ambos do Código de Processo Penal.


***


2. Neste Supremo Tribunal, pela relatora, foi proferida decisão que não admitiu o recurso, com o seguinte teor:

“Nos termos previstos no art. 671º, nº1, do CPC, cabe revista do acórdão da Relação que conheça do mérito da causa ou ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.

Ficam, assim, abarcados por este segmento normativo, os acórdãos da Relação que se tenham envolvido diretamente na resolução material do objeto do processo ou que, sem conhecer do mérito da causa, extingam a instância.

Como refere Rui Pinto, in Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra, 2015, pág. 174-175, “se o objeto de recurso de apelação é irrestrito, apenas com especificidades quanto à oportunidade da sua dedução (cf. art. 644º), já o objeto do recurso de revista é tipificado pela lei, nos arts. 671º 1 e 2 e 673. (…). Nesta perspectiva, o direito ao recurso é essencialmente garantido pelo regime do recurso de apelação, ficando reservada para a revista uma função de estabilização e uniformização na aplicação do direito (…).”

Também Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2017, págs. 335-336, salienta que “com o CPC de 2013 se encontra consolidada a ideia de que o triplo grau de jurisdição em matéria cível não constitui garantia generalizada. Ainda que ao legislador ordinário esteja vedada a possibilidade de eliminar em absoluto a admissibilidade do recurso de revista para o Supremo (…), ou de elevar o valor da alçada da relação a um nível irrazoável e desproporcionado que tornasse o recurso de revista praticamente inatingível na grande maioria dos casos, não existem obstáculos à previsão de determinados condicionalismos a tal recurso. Aliás, (…) o Tribunal Constitucional vem uniformemente entendendo que as normas que, em concreto, restringem o recurso para o Supremo não estão feridas de inconstitucionalidade. O mesmo se poderá dizer das regras que limitam o recurso de decisões intercalares (…).”.

Ora, no caso dos autos, o acórdão da Relação foi proferido no âmbito de um incidente de quebra de sigilo profissional, pelo que é manifesto que não conheceu do mérito da causa, nem pôs termo ao processo.

Sendo assim, por não se estar perante uma decisão final contemplada no art. 671º, nº1, do CPC, não é admissível a interposição do presente recurso para o STJ.

Tem sido este, aliás, o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal de Justiça como disso nos dá conta o recentíssimo acórdão proferido em 5.7.2018, de que foi relator o Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, disponível em www.dgs.pt e onde se pode ler:

“A delimitação do recurso de revista é regulada pelo art. 671º do CPC, norma da qual não deriva a possibilidade de ser impugnada por essa via o acórdão da Relação proferido no âmbito de um qualquer incidente da instância, mas apenas de acórdão da Relação que conheça do mérito da causa ou ponha termo total ou parcial ao processo.

Não existe motivo algum para excecionar desse regime o incidente de quebra de sigilo, como, aliás, tem sido uniformemente decidido por este mesmo Supremo Tribunal de Justiça, sendo disso exemplos os Acs. de 17-6-10, CJ, t. II, p. 113 e de 12-7-05, 05B1901, www.dgsi.pt. O mesmo se decidiu também, num caso que foi suscitado no âmbito de processo penal, na decisão sumária de 16-10-14, 1233/13, www.dgsi.pt.

Efetivamente a quebra de sigilo requerida no âmbito de qualquer processo é requerida perante a Relação, nos termos do art. 417º, nº 4, do CPC, por via do regime previsto no art. 135º do CPP.

Mas não passa de um incidente inscrito no âmbito da instrução da causa, não havendo motivo algum passa assimilar a respetiva decisão a alguma das previstas no art. 671º, nº 1, do CPC.”.

Por outro lado, como também ali se decidiu, não faz sentido apelar ao regime de recursos previsto no Código de Processo Penal, pois que se está no âmbito de um processo cível a que se aplica diretamente o Código de Processo Civil.”

3. Deste despacho veio a recorrente reclamar para a Conferência.

4. A parte contrária não respondeu.

5. Cumpre, pois, apreciar e decidir se a revista é, ou não, admissível.


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6. Como referido no despacho reclamado, é admitido recurso de revista dos acórdãos da Relação que conheçam do mérito da causa ou que ponham termo ao processo.

Sendo assim, em regra, não é admissível recurso de revista quanto a decisões de natureza incidental.

É certo que nestes casos o STJ pode ser chamado a pronunciar-se sobre o acerto da decisão proferida. Porém, tal depende da invocação e comprovação de algum dos fundamentos específicos previstos no art. 629º, do CPC, situação que in casu não foi sequer alegada.

Por outro lado, no despacho reclamado foi perfilhado o entendimento, que esta Conferência igualmente sufraga, de que não faz sentido apelar ao regime de recursos previsto no processo penal, designadamente ao disposto no art. 432º, do CPP, pois que se está no âmbito de um processo cível a que se aplicam diretamente as correspondentes disposições do Código de Processo Civil.

Neste contexto, não se vê que o decidido no Ac. do STJ de 9-2-11, relatado pelo Juiz Conselheiro Souto Moura, da secção criminal, disponível em www.dgsi.pt, em que se admitiu a intervenção do Supremo, ao abrigo do disposto no art. 432º, nº 1, al. a), do CPP, assuma qualquer relevância no que toca à decisão sobre a admissibilidade da presente revista.


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7. Em face do exposto, acorda-se em indeferir a presente reclamação para a conferência, confirmando-se integralmente o despacho proferido pela relatora.

Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.


Lisboa, 22 de Novembro de 2018


Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relator))

José Sousa Lameira

Hélder Almeida