Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7028/20.2T8VNG-C.P1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LUÍS ESPÍRITO SANTO
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
CREDOR HIPOTECÁRIO
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
LIQUIDAÇÃO DE PATRIMÓNIO
LEILÃO
PUBLICIDADE
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 05/03/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :
I - O artigo 164º, nº 2, do CIRE impõe as seguintes e individualizadas obrigações ao administrador da insolvência face ao credor hipotecário: ouvi-lo sobre a modalidade da alienação; informá-lo do valor base fixado ou do preço de alienação projectada a determinada entidade, não incluindo, portanto, outras suplementares ou adicionais.
II - Não existe disposição legal (mormente no âmbito do CIRE) que imponha ao administrador da insolvência a obrigação processual de avisar o credor hipotecário, quanto à concreta data do leilão (fixado dentro de uma baliza temporal alargada); ao teor das propostas que vão sendo concorrencialmente oferecidas; ao acto final de aceitação da proposta mais elevada ou mesmo da escritura pública subsequente e com ela conforme, quando os actos de licitação sejam registados em ambiente público e passível do conhecimento pelo credor hipotecário.
III - A circunstância do leilão haver acontecido com a inerente publicidade, durante o anunciado período de quase um mês, significa que os interessados – incluindo o credor hipotecário – poderiam ter acompanhado o desenrolar dos trabalhos e interagir em conformidade com os seus propósitos, não se vislumbrando o fundamento legal para concluir que o administrador da insolvência estaria nessas circunstâncias vinculado a ir informando, passo a passo, ponto por ponto, a pessoa do credor hipotecário em relação ao processamento do leilão (o que o mesmo poderia razoavelmente saber agindo pelos seus próprios meios).
IV – Havendo o leilão sido suficientemente publicitado; tendo sido recebidas diversas propostas de aquisição dos bens a alienar; sendo a maior (e que foi aceite) superior a 85% do valor base da venda; não tendo o credor hipotecário, no momento processual destinado ao efeito (uma semana depois da notificação que lhe foi realizada pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 164º, nº 3, do CIRE), proposto a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por valor superior, nem atentado (como lhe competia), no momento útil em que poderia ainda exercer essa mesma faculdade, não se verificou na actuação do administrador da insolvência qualquer irregularidade processual anulável nos termos gerais do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 7028/20.2T8VNG-C.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).

I - RELATÓRIO.
Na fase de liquidação em processo de insolvência de AA e BB, a credora hipotecária Abanca Corporación Bancaria, S.A., Sucursal em Portugal, veio requerer que seja declarada nula a venda das verbas nº 3 e 4, dos bens apreendidos para a massa insolvente, uma vez que o procedimento de venda não respeitou as formalidades impostas no artigo 164º, nº 1, 2 e 3 do CIRE.
Logo e consequentemente deverá ser ordenada a notificação da administradora da insolvência para promover nova diligência de venda, dando da mesma conhecimento aos credores.
Foi cumprido o contraditório.
A administradora da insolvência referido que informou devidamente a credora requerente do valor da venda, tendo-a ainda ouvido quanto à respectiva modalidade de venda, com a qual esse credor concordou, prescindindo nessa altura de usar o privilégio que a lei lhe concede.
Acrescentou que a informação acerca do leilão esteve disponível no apenso aberto para o efeito.
A compradora Leilostar, S.A., alegou ser alheia a toda e qualquer irregularidade praticada pela administradora da insolvência e que, caso a venda seja anulada, a massa será prejudicada porque terá de restituir o preço pago e indemnizá-la pelas despesas em que incorreu e pelos lucros cessantes.
Foi proferida sentença em 1ª instância que, no âmbito do apenso de liquidação, determinou a anulação da venda realizada pela administradora da insolvência das verbas números 3 e 4 do auto de apreensão, ordenando-se o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE relativamente à credora hipotecária (notificando-a da proposta apresentada no leilão para que a mesma pudesse, se assim o entendesse, propor a aquisição por preço superior nos termos do artigo 164.º, n.º 4, do CIRE) e que deu sem efeito a sentença que declarou a extinção da liquidação do activo proferida em 3 de Maio de 2022.
CC, na qualidade de representante legal da Massa Insolvente de AA e BB, interpôs recurso de apelação contra tal decisão.
Tal recurso foi julgado procedente por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 23 de Janeiro de 2023, que revogou decisão de anulação da venda das frações autónomas designadas pelas letras “H” e “DL” do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial do sob o número ..., bem como a decisão que declarou sem efeito a extinção do apenso de liquidação.
Interpôs o credor hipotecário recurso de revista, apresentando as seguintes conclusões:
1. Foi a ora Recorrente notificada do douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou procedente o Recurso, revogando a decisão do Tribunal de 1ª instância, que anulou a venda das frações autónomas designadas pelas letras “H” e “DL” do prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial do sob o n.º ...66, bem como a decisão de extinção da sentença de liquidação.
2. A aqui Recorrente não se conforma com a decisão proferida, entendendo que, salvo o devido respeito, verifica-se uma má aplicação da lei e da jurisprudência sobre esta mesma questão de direito, sendo que, o douto Acórdão recorrido encontra-se em contradição com decisões de outros Tribunais da Relação e até do Supremo Tribunal de Justiça.
3. O Acórdão recorrido incidiu sobre a aplicação do disposto nos artigos 161.º e 164.º do CIRE ao procedimento de venda, nomeadamente, às diligências de que o administrador de insolvência se encontra incumbido de realizar e se a omissão desses formalismos deve acarretar a nulidade da venda.
4. Neste sentido, importa analisar se face ao incumprimento das obrigações legais decorrentes dos artigos 161.º e 164.º do CIRE, estaremos perante a possível nulidade da venda, nos termos do artigo 195.º do CPC.
5. O douto Tribunal de 1ª instância decidiu no sentido da nulidade da venda, tendo em conta a omissão de formalidades por parte da sra. Administradora de Insolvência; contudo, o Acórdão recorrido decidiu em sentido contrário, tendo considerado que as omissões de formalidades do procedimento de venda não seriam passíveis de configurar fundamento que determine a sua nulidade.
6. Refere o Acórdão em apreço, que a preterição das formalidades de venda estatuída nos termos do artigo 164.º do CIRE “(…) produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. No caso vertente é apodítico que a lei não prevê especificamente que a omissão apontada conduza à sanção preconizada, pelo que poderia consubstanciar uma nulidade acaso tivesse influído no exame ouna decisão dacausa -o que não se verifica.”, considerando ainda, que“(…)foram respeitados os direitos de audição e informação da credora hipotecária no seu cerne essencial. Não se entrevê que a mesma tenha sido por qualquer forma prejudicada e não se vislumbra que o propósito último da insolvência - a satisfação possível dos direitos dos credores - tenha sido comprometido ou sequer prejudicado com as circunstâncias assinaladas.”.  
7. Sucede que, não pode a ora recorrente concordar com a posição vertida no Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação do Porto.
8. Como ficou demonstrado e consta da matéria assente, foram, de facto, omitidas formalidades do procedimento de venda, nomeadamente, no que concerne ao pedido de autorização para nomeaçãoda leiloeira e notificaçãoàspartesdo início do leilão, notificação àspartesdaproposta recebida e da decisão de adjudicação dos imóveis à proponente.
9. A Recorrente apenas tomou conhecimento do procedimento de venda e da realização da escritura com a notificação do despacho de encerramento do apenso de liquidação, uma vez que, não lhe foi concedido acesso ao apenso em momento prévio, nem lhe foi comunicada a publicitação dos imóveis em venda, nomeação de leiloeira ou qualquer proposta efectuada.
10. A venda ocorreu à revelia da ora recorrente, que tinha alertado a sra. Administradora para a hipótese de apresentação de licitação no decurso do leilão, tendo razoável expectativa que lhe fosse dado conhecimento das diligências subsequentes.
11. As omissões em causa devem, na opinião da ora recorrente, acarretar a nulidade do acto de venda, ao abrigo do disposto no artigo 195.º do CPC, sendo que a norma em questão não pode deixar de ser aplicada de forma uniforme, considerando as expectativas jurídicas dos visados.
12. Conforme considera parte da doutrina, como é exemplo Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões (in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Coimbra, 2013, p. 465), a omissão de formalidades do procedimento de venda é passível de gerar uma nulidade processual, sendo esta uma sanção decorrente da lei.
13. Tendo sido dadas como provadas as omissões de formalidades do procedimento de venda, não compreende a aqui Recorrente, como poderá o Tribunal da Relação deixar de lhes atribuir relevância e de aplicar a consequência legal resultante da sua verificação, como estatuído no artigo 195.º do CPC.
14. Na verdade, o Acórdão ora recorrido encontra-se em clara oposição com outros acórdãos proferidos, como são os exemplos do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/11/2019, processo n.º 108/17.3T8LRA-N.C1 ou do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2019, proc. n.º 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.
15. Refere Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13/11/2019, processo n.º 108/17.3T8LRA-N.C1, de forma clara, que “Na hipótese de os deveres prescritos pela norma não serem cumpridos pelo administrador da insolvência, a consequência imediata é óbvia: aquele não poderá exercer as faculdades que a lei lhe atribui no n.º 3 do artigo 164.º, ou seja, pronunciar-se sobre a modalidade da alienação, propor a aquisição do bem, por si ou por terceiro, por preço superior ao da alienação projectada ou ao valor base fixado. E as consequências mediatas também são óbvias: fica frustrada a possibilidade de o credor influenciar a venda e de obter a melhor satisfação possível do seu direito de crédito. Assim sendo, a conclusão a retirar é a de que a inobservância de tais deveres pode influir na venda dos bens. É quanto basta aos olhos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC para que a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva produzam nulidade.” (sublinhado nosso).
16. Resulta também do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2019, proc. n.º 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1 “ Entende-se, por conseguinte, que as irregularidades cometidas pelo Senhor Administrador da Insolvência, oportunamente denunciadas pela credora “BB, S.A.”, consistentes na falta de identificação da entidade que ofereceu a melhor proposta (note-se que apenas foi enviado à recorrida o auto de licitação) e no incumprimento do prazo estabelecido para apresentação de eventual proposta mais favorável para a massa, configuram nulidade processual com influência na decisão da causa, nos termos dos artigos 195º e 197º, n.º 1, do CPC.” (sublinhado nosso).
17. No Acórdão recorrido, apesar de se constatarem omissões das formalidades do procedimento de venda por parte da sra. Administradora de insolvência, não lhes foi dada a devida relevância, nem se entendeu que as mesmas devem acarretar a nulidade da venda, pelo que, tal decisão encontra-se em contradição com as decisões proferidas nos Acórdãos supra referenciados.
18. Como regra geral, a omissão das formalidades previstas no artigo 164.º do CIRE deve acarretar a nulidade da venda, sendo estas idóneas a impedir o credor de sugerir uma modalidade alternativa que pudesse levar a um melhor resultado da venda, ou de ele próprio apresentar uma proposta de aquisição por valor superior.
19. Nestes termos, salvo o devido respeito, apenas se poderá concluir que a omissão das formalidades do procedimento de venda, são susceptíveisde gerar uma nulidade processual nos termos do n.º 1 do artigo 195º do CPC.
20. Salvo o devido respeito, não basta que o Tribunal simplesmente refira que não concorda a subsunção da norma jurídica da nulidade ao caso em concreto como aqui sucedeu.
21. Dúvidas não subsistem que estamos perante uma errada interpretação dos factos dados por provados e cujas ilações não foram devidamente extraídas pelos venerandos Srs. Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto, não compreendendo a aqui Recorrente, como poderá o Tribunal concluir que as omissões não foram relevantes nem tenham contribuído para que a Recorrente se considere prejudicada ou se veja comprometido o objectivo de satisfação dos direitos dos credores.
22. A promoção da venda nas circunstâncias em concreto, ou seja, à revelia da Recorrente, foi seguramente prejudicial à massa insolvente.
23. Por razões de equidade, será de considerar as situações de omissão nos acórdãos supra elencados, em tudo semelhante à dos presentes autos, motivo pelo qual, deveriam as omissões das formalidades ser reconhecidas, com o efectivo decretamento da nulidade da venda, em igualdade com outros Acórdãos proferidos.
24. Mais, de forma a diligenciar pela venda, a sra. Administradora procedeu ainda à nomeação da leiloeira, sem que tal tenha sido comunicado nos autos.
25. Como alegado pela aqui Recorrente, a sra. Administradora Insolvência, em 14/02/2022, quando notificou a Recorrida, nos termos do n.º 2 do artigo 164º, 1ª parte do CIRE quanto à modalidade de venda escolhida, indicou que a modalidade de venda seria o “Leilão eletrónico”.
26. Efetivamente, dispõe o n.º 1 do artigo 164.º do CIRE que “O administrador da insolvência procede à alienaçãodosbens preferencialmente atravésdevendaem leilãoeletrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente.” (sublinhado nosso).
27. Decorre do artigo 837º do CPC, “a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
28. As regras do leilão electrónico encontram-se definidas pela Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto, resultando do seu artigo 20.º que “Entende-se por «leilão eletrónico» a modalidade de venda de bens penhorados, que se processa em plataforma eletrónica acessível na Internet, concebida especificamente para permitir a licitação dos bens a vender em processo de execução, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça.”.
29. A plataforma e-leilões foi criada com esta finalidade, sendo que apenas poderia a sra. Administradora de Insolvência optar pela publicitação dos imóveis em leiloeira, caso tal fosse comunicado e justificado nos autos.
30. A modalidade de venda em “leilão electrónico”, prevista no art. 811º/al. g) do CPC, não se confunde com a modalidade de venda “estabelecimento de leilões”, prevista na al. e) do mesmo artigo.
31. Acresce que, com a publicitação da venda em leiloeira, seria devido pelo eventual adjudicatário “5% do valor da venda, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, à ordem de “V..., Lda”, referente aos serviços prestados na promoção e venda do bem.”.
32. A ora recorrente alegou que o pagamento de uma comissão à leiloeira implicaria o afastamento de potenciais interessados na aquisição dos imóveis, bem como, a apresentação de propostas inferiores pelos mesmos, uma vez que, para além do valor proposto, teriam de suportar a respectiva comissão, sendo a sua nomeação um acto prejudicial à massa insolvente.
33. Neste sentido, a sra. Administradora de Insolvência incumpriu com a modalidade de venda legalmente estabelecida, e indicada pela própria, sendo que, ao colocar os imóveis para venda numa leiloeira, violou o disposto no n.º 1 do artigo 164º do CIRE, não tendo justificado nos autos a sua opção, nem tão pouco a mesma foi comunicada às partes.
34. A opção da Sra. Administradora de Insolvência de venda “em estabelecimento de leilões”, sem previamente ter notificado o credor hipotecário para se pronunciar acerca da mesma, não justificando no processo a referida opção, tal como impõe o n.º 1 do artigo 164.º do CIRE, constituía por sua vez nulidade processual.
35. Nesse sentido, veja-se douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/01/2020, proc. n.º 7688/16.9T8SNT-I.L1-1, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual “1.A opção pela venda emLeilão a que alude a Portaria 282/2013é preferencial, masnão“tendencialmente obrigatória”. 2.Podendo a Administradora de Insolvência optar por outra das modalidades de venda previstas pelo art.º 811º do Código de Processo Civil, fundamentando tal opção, e ouvindo previamente o credor hipotecário, e juntas as Condições Gerais de Venda por escrito.”.
36. Sempre que a modalidade de venda escolhida implique a intervenção de um terceiro que haja, em função dessa prestação de serviço, de ser remunerado pela massa insolvente, a sra. Administradora de Insolvência deveria ter solicitado autorização ao Tribunal para o efeito, nos termos genéricos do n.º 3 do artigo 55.º do CIRE, o que não se verificou.
37. Esta representa uma das omissões do procedimento de venda, que deveria acarretar a nulidade da mesma, porém, o douto Tribunal da Relação não se pronunciou quanto à questão suscitada.
38. Desta forma, o Acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, na medida em que desconsiderou a matéria constante das contra-alegações apresentadas.
39. A nulidade resultante da omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 608.º e 609.º do CPC, verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
40. Face ao exposto, não pode a ora recorrente aceitar a decisão aposta no Acórdão, no que concerne à legalidade e manutenção do procedimento de venda, sendo que, como se viu, foram violados vários formalismos impostos à sra. Administradora de Insolvência, prejudicando em última análise a massa insolvente.
41. Por tudo o quanto foi alegado, deverá manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal de 1.ª instância, na parte em que concluiu, e bem, pela nulidade da venda das fracções, revogando-se o Acórdão recorrido em conformidade.
Veio a comprador Leilostar, S.A., apresentar contra-alegações, das quais constam as seguintes conclusões:
1 – O presente recurso é interposto no âmbito de processo de insolvência;
2 - Aos recursos interpostos no âmbito do processo de insolvência (incluídos os incidentes nele processados) e no apenso de embargos à declaração de insolvência aplica-se o regime recursivo especial do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE;
3 -Para queum recurso interposto nostermos doartigo 14.º, n.º1, doCIRE seja admissível é necessário que se verifique, além das condições gerais de admissibilidade dos recursos e das condições gerais de admissibilidade da revista, uma oposição das soluções dadas pelo Acórdão recorrido e pelo Acórdão fundamento à mesma questão fundamental de direito;
4 - Sucede que, como se diz, entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.10.2017 , a norma do artigo 14.º, n.º 1, do CIRE não confere um direito adicional ao recurso de revista e, consequentemente, não dispensa a verificação das condições gerais de admissibilidade dos recursos (cfr., designadamente, os artigos 629.º, 631.º, 638.º e 641.º do CPC, ex vi do artigo 17.º do CIRE) nem das condições gerais da admissibilidade do recurso de revista (artigo 671.º do CPC, também ex vi do artigo 17.º do CIRE);
5 - No que respeita aos requisitos gerais, a revista excecional só é admissível se a decisão recorrida for passível de revista normal;
6 - Nos termos do artigo 629°, n.º 1, do CPC, “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa”;
7 - Temos assim que a admissibilidade do recurso ordinário depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a) A causa tenha um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre - critério do valor da causa; b) A decisão que se pretende impugnar seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal- critério do valor da sucumbência;
8 - Temos assim que a admissibilidade do recurso ordinário depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a) A causa tenha um valor superior à alçada do tribunal de que se recorre - critério do valor da causa; b) A decisão que se pretende impugnar seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal- critério do valor da sucumbência;
9 - No presente caso, com a decisão recorrida a recorrente em nada foi prejudicada. Ou seja, não existe sucumbência da sua parte;
10 - Conforme decorre do processado, a recorrente informou a Administradora da Insolvência que concordava que a venda fosse realizada através da modalidade de Leilão eletrónico e relativamente ao preço aduzido que deveria ser fixado o valor base de venda em € 121.000,00, devendo o imóvel ir à praça por 85% daquele valor, ou seja, € 102.850,00;
11 - A recorrente, notificada para o efeito, informou a Administrador da Insolvência que não pretendia adquirir o imóvel, nem indicar terceiro, pelo valor base indicado;
12 - Ocorre que o leilão foi promovido e foi concorrido com vários licitantes que foram apresentando propostas e melhoramento das mesmas, tendo-se obtido a melhor proposta no valor de € 120.000,00€ a qual foi superior ao valor mínimo (€ 102.850,00) em € 17.150,00, ficando aquém do valor base (€ 120.000,00) em apenas € 1.000,00;
13 - Nem antes, nem posteriormente, veio a recorrente manifestar-se no sentido de que pretende adquirir o imóvel por valor superior;
14 - Nessa perspetiva, por falta do requisito da sucumbência, não tem a recorrente legitimidade para apresentar o presente recurso;
15 - Daí que, salvo o devido respeito por melhor opinião, não reunindo o recurso as condições de admissibilidade, não poderá conhecer-se do respetivo objeto;
16 - Tendo o Acórdão recorrido incidido sobre uma decisão interlocutória que recai sobre a relação processual, o recurso de revista só seria admissível se ocorresse alguma das hipóteses previstas no artigo 671.º, n.º 2, do CPC. Essas hipóteses, porém, manifestamente, não ocorrem.
17 - Resulta do aludido dispositivo, da alínea b), como primeiro pressuposto substancial de admissibilidade do recurso, a existência de uma contradição decisória entre dois acórdãos proferidos, pela Relação e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
18 - Tenta a recorrente demonstrar a aludida oposição, juntando cópia do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 15/02/2019, no proc. n.º 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1.;
19 - Contudo, facilmente se chega à conclusão que não ocorre contradição de julgados;
20 - Com efeito, a questão apreciada pelo acórdão recorrido prende-se com o mérito do despacho do Tribunal de 1.ª instância que entendeu violado o disposto no n.º 3 do art. 164.º do CIRE, anulando a venda ocorrida;
21 – É manifesto que as questões apreciadas em cada um dos Acórdãos não se reconduzem a uma “mesma questão essencial de direito”. Uma (a do Acórdão recorrido) é a de saber se, no âmbito de uma venda efetuada pela modalidade de leilão eletrónico, ou seja, de forma pública, tendo a Administradora da Insolvência, previamente, ouvido o credor com garantia real, ora recorrente, acerca da modalidade da alienação, bem como, tendo-o informado do valor base fixado da alienação projetada. Ao que este anuiu e, tendo a venda ocorrido em conformidade com a modalidade e preço pré-anunciados, sem prejuízo para a massa insolvente, se existe violação de deveres de informação e de cuidado conducente à invalidade do ato da venda;
22 - A outra, (a do Acórdão fundamento) é a de saber se, no âmbito de uma venda efetuada pela modalidade de negociação particular, não tendo o Administrador da Insolvência, previamente, ouvido o credor com garantia real, nos termos do disposto no art.º 164.º do CIRE, só o tendo notificado da proposta de venda do imóvel em causa, tendo celebrado a escritura pública após quatro dias da aludida notificação, sem que tivesse sequer comunicado a data dessa mesma escritura, com prejuízo para a massa insolvente, pois o credor com garantia real pretendia adquirir o bem por preço superior, se existe violação do disposto no art.º 164.º, n.º 3 do CIRE.
23- E, ainda que, na linha do que parece pretender a recorrente, fosse possível converter a questão numa outra, de alcance mais geral – a questão de saber se o incumprimento das obrigações legais impostas ao Administrador Judicial, previstas no art.º 164.º do CIRE, configuram nulidade processual, com influência na decisão da causa, nos termos dos arts. 195.º e 197.º, n.º 1, do CPC. - não se veria qualquer oposição entre os Acórdãos.
24 - Do Acórdão fundamento decorre que as irregularidades consistentes na falta de identificação a um credorgarantidoda entidade queofereceua melhorproposta e noincumprimento do prazo estabelecido para apresentação de eventual proposta mais favorável para a massa, configuram nulidade processual, com influência na decisão da causa, nos termos dos arts. 195.º e 197.º, n.º 1, do CPC..
25 - Do Acórdão recorrido não se retira, porém, o contrário, sendo recusada a pretensão da aí recorrida, simplesmente, por se ter concluído que no caso em concreto foram respeitados os direitos de audição e informação da credora hipotecária no seu cerne essencial.
26 - E tanto assim é que no seguinte trecho, o tribunal recorrido, se pronúncia no mesmo sentido, nomeadamente: “Em todo o caso, sempre estabelece o art.º 195.º do Código de Processo Civil que, não se verificando os casos previstos nos números anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”
27 - No caso vertente é apodítico que a lei não prevê especificamente que a omissão apontada conduza à sanção preconizada, pelo que só poderia consubstanciar uma nulidade acaso tivesse influído no exame ou na decisão da causa - o que não se verifica;
28 - Em súmula, nada há, de facto, a opor a que os interessados requeiram a apreciação de eventuais nulidades praticadas no decurso do ato da venda.”
29 - Contudo, no caso vertido no Acórdão fundamento, a solução é diversa da que nos ocupa. Já que, conforme se preconiza: “Na situação que nos ocupa, porém, foram respeitados os direitos de audição e informação da credora hipotecária no seu cerne essencial. Não se entrevê que a mesma tenha sido por qualquer forma prejudicada e não se vislumbra que o propósito último da insolvência - a satisfação possível dos direitos dos credores - tenha sido comprometido ou sequer prejudicado com as circunstâncias assinaladas.”; (Sublinhado e negrito nosso).
30 - Ainda que se considere que a recorrente não teria que respeitar os requisitos previstos no art.º 671, n.º 2 do CPC, sempre teria de se verificar, como se disse, a oposição de julgados exigida pelo artigo 14.º, n.º 1, do CIRE. Mas tão-pouco essa se verifica. Senão veja-se.
31 - Tenta ainda a recorrente demonstrar a oposição de julgados, juntando cópia do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2019, processo 108/17.3T8LRA-N.C1.Contudo, facilmente se chega à conclusão que não ocorre contradição de julgados.
32 - Com efeito, a questão apreciada pelo acórdão recorrido prende-se com o mérito do despacho do Tribunal de 1.ª instância que entendeu violado o disposto no n.º 3 do art. 164.º do CIRE, anulando a venda ocorrida.
33 - Enquanto isso, a questão apreciada (e bem delimitada) no Acórdão fundamento é a interpretação do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, quando os actos omitidos que a lei prescreve sejam os previstos no n.º 2 do artigo 164.º do CIRE. Por outras palavras, o que está em causa são as condições em que a omissão de tais actos produz a nulidade da venda. A decisão recorrida afirmou que era necessário, para o efeito, que o credor demonstrasse, em termos plausíveis, que, caso elas fossem observadas, ele, credor, teria exercido efectivamente as faculdades que o n.º 3 do artigo 164.º lhe atribui e que desse exercício resultaria para ele uma situação mais favorável do que aquela que resultou da alienação efectuada pelo administrador da insolvência. Por sua vez, a recorrente sustenta que a omissão do que prescreve o n.º 2 do artigo 164.º influi necessariamente na alienação dos bens, uma vez que impede que o credor proponha a aquisição do bem por preço superior.;
34 - Do Acórdão fundamento decorre que as irregularidades consistentes na falta de audição do credor garantido sobre a modalidade da venda ou ser informado como prescreve o nº 2 do art.º 164.º do CIRE, importa nulidade da venda.
35 - Do Acórdão recorrido não se retira, porém, o contrário, sendo recusada a pretensão da aí recorrida, simplesmente, por se ter concluído que no caso em concreto foram respeitados os direitos de audição e informação da credora hipotecária no seu cerne essencial.
36 - E tanto assim é que no seguinte trecho, o tribunal recorrido, se pronúncia no mesmo sentido, nomeadamente: “Em todo o caso, sempre estabelece o art.º 195.º do Código de Processo Civil que, não se verificando os casos previstos nos números anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. No caso vertente é apodítico que a lei não prevê especificamente que a omissão apontada conduza à sanção preconizada, pelo que só poderia consubstanciar uma nulidade acaso tivesse influído no exame ou na decisão da causa - o que não se verifica. Em súmula, nada há, de facto, a opor a que os interessados requeiram a apreciação de eventuais nulidades praticadas no decurso do ato da venda.”.
37 - Contudo, no caso vertido no Acórdão fundamento, a solução é diversa da que nos ocupa. Já que, conforme se preconiza: “Na situação que nos ocupa, porém, foram respeitados os direitos de audição e informação da credora hipotecária no seu cerne essencial. Não se entrevê que a mesma tenha sido por qualquer forma prejudicada e não se vislumbra que o propósito último da insolvência - a satisfação possível dos direitos dos credores - tenha sido comprometido ou sequer prejudicado com as circunstâncias assinaladas.”.
38 - Considera ainda a recorrente que, “…o Acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, na medida em que desconsiderou a matéria constante das contra-alegações apresentadas.”.
39 - Acrescentando que, “…a nulidade resultante da omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 608.º e 609.º do CPC, verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.”
40 - Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião não ocorre a invocada nulidade, já que o acórdão recorrido conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as.
41- Entende a recorrente que “Sempre que a modalidade de venda escolhida implique a intervenção de um terceiro que haja, em função dessa prestação de serviço, de ser remunerado pela massa insolvente, a sra. Administradora de Insolvência deveria ter solicitado autorização ao Tribunal para o efeito, nos termos genéricos do n.º 3 do artigo 55.º do CIRE, o que não se verificou. Esta representa uma das omissões do procedimento de venda, que deveria acarretar a nulidade da mesma, porém, o douto Tribunal da Relação não se pronunciou quanto à questão suscitada.”
42 - Ocorre que, não obstante a recorrente, na resposta apresentada às alegações do recurso interposto perante o Tribunal da Relação, ter levantado a aludida questão, o certo é que não tinha o Tribunal recorrido que se pronunciar sobre ela.
43 - Pois, é em face do objeto da ação, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver pelo Tribunal do recurso.
44 - As contra-alegações ou resposta, não atribuem ao recorrido, que não recorreu, um direito à apreciação das suas alegações/conclusões, a menos que este tenha requerido a ampliação do âmbito do recurso, ou se trate de questões de conhecimento oficioso.
45 -Pelo que, não se verifica omissão de pronúncia, se o Tribunal do recurso se pronunciou sobre as questões suscitadas nas conclusões do recorrente, na eventual ampliação do recurso e questões de conhecimento oficioso, mas não se pronuncia sobre as contra-alegações, como sucede in casu.
46- Deste modo, não merece o douto Acórdão recorrido qualquer reparo, devendo ser mantido na íntegra.
Apresentou a massa insolvente contra-alegações, nas quais concluiu:
1. O recurso de revista interposto pela credora hipotecária Abanca não deve ser admitido, por inamissibilidade legal.
2. Nos termos do disposto no artigo 14º do CIRE, em sede insolvencial contempla-se, como regra, a existência de um único grau de recurso, salvo se for demonstrado pelo recorrente que o acórdão de que pretende recorrer se encontra em oposição com outro proferido pelas Relações ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, que haja decidido de forma diversa a mesma questão fundamental de Direito e não houver jurisprudência já fixada pelo Supremo.
3. Analisado o requerimento de recurso apresentado pela recorrente Abanca, verifica-se que no mesmo se invocam genericamente todos os fundamentos de revista excepcional a que alude o artigo 672º, n.º 1, do CPC, mas a verdade é que, nos termos da norma especial do artigo 14º do CIRE o fundamento dessa revista estará cingido ao da contradição de acórdãos.
4. No caso presente não existe qualquer contradição entre o Acórdão recorrido e os acórdãos invocados pela recorrente Abanca, não havendo sequer qualquer similitude entre os casos aí decididos e o que aqui temos sub judicio.
5. Nos acórdãos invocados pela recorrente – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2019 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2019 – a questão decidenda não é coincidente com a questão objecto dos presentes autos e, bem assim, do recurso inicialmente interposto pela Sra. Administradora Judicial, agora recorrida.
6. No Acórdão da Relação de Coimbra de 13/11/2019, a questão decidenda passava pela interpretação do n.º 1 do artigo 195º do CPC quando os actos omitidos que a lei prescreve são os previstos no n.º 2 do artigo 164º do CIRE, o que no nosso caso não se discute.
7. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/02/2019, a questão decidenda passava mais uma vez pela verificação da possibilidade, ou não, de arguição de nulidade da venda ao abrigo do n.º 1 do artigo 195º do CPC por preterição do formalismo previsto no n.º 2 do artigo 164º do CIRE, o que no nosso caso também não se discute.
8. No tocante à falta de similitude deste caso com os casos que originaram os acórdãos fundamento, a mesma resulta evidente com a mera verificação da tramitação da venda aqui sindicada, que não tem nada a ver com o modo como foram realizadas as vendas nos processos que originaram os acórdãos fundamento, onde os administradores judiciais aí nomeados não cumpriram nada do que determina o artigo 164º do CIRE.
9. Salvo melhor opinião, a agora recorrente não cumpriu o ónus que lhe assiste nos termos do disposto no artigo 672º, n.º 2, alínea c), do CPC, de indicar na sua alegação os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada, o que também per se constituiria fundamento de recusa do recurso, o que expressamente se invoca.
10.Afigura-se que o que a agora recorrente Abanca pretende é que o Supremo Tribunal de Justiça reaprecie a decisão da Relação do Porto no tocante ao cumprimento ou não pela recorrida das formalidades previstas no artigo 164º do CIRE (o que lhe está legalmente vedado pelo artigo 14º, n.º 1, do CIRE) e não discutir, como nos acórdãos fundamento, a aplicabilidade do regime geral das nulidades ao caso, que nunca foi questionada neste processo.
11.Apodítico do que acaba de se referir é o facto da própria recorrente, na sua alegação, referir que “…Tendo sido dadas como provadas as omissões de formalidades do procedimento de venda, não compreende a aqui Recorrente, como poderá o Tribunal da Relação deixar de lhes atribuir relevância e de aplicar a consequência legal resultante da sua verificação, como estatuído no artigo 195º do CPC.” e, mais adiante, “…Salvo o devido respeito, duvidas não subsistem que estamos perante uma errada interpretação dos factos dados por provados e cujas ilações não foram devidamente extraídas pelos venerandos Srs. Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto.”.
12.A correcção do procedimento de venda foi confirmada no Acórdão da Relação do Porto aqui recorrido, que nenhuma omissão procedimental imputa à recorrida, decisão que, por não existir a alegada contradição de acórdãos, já não pode ser sindicada em revista.
13.Ainda assim, a recorrente Abanca atua nestes autos em abuso de direito, quando alega que não lhe foi dado conhecimento da decisão final tomada pela recorrida sobre a modalidade de venda, pois bem sabe que houve total coincidência entre a modalidade de venda e preço base indicados pela recorrida e aqueloutros constantes da resposta da recorrente Abanca nesta matéria, o que o Acórdão recorrido sublinha.
14.A credora hipotecária, aqui recorrente Abanca, sempre soube que os bens iriam ser vendidos por leilão electrónico e pelo valor de base de € 121.000,00, razão pela qual se mostrou, nesta fase processual, integralmente cumprida a obrigação que para a recorrida decorre do artigo 164º do CIRE, mas agora não se coíbe de vir aos autos sustentar que não sabia de tal realidade, porque não lhe foi comunicada a “decisão final” tomada pela recorrente quanto à venda.
15.Para além disso, não assiste ao credor hipotecário qualquer direito de preferência na compra dos bens sobre os quais dispõe de garantia.
16.A lei atribui-lhe no artigo 164º, n.º 3, do CIRE, um primeiro prazo (privativo) de uma semana após auscultação pelo administrador da insolvência sobre a modalidade da venda e valor base de venda, para propor a aquisição querendo; permite-lhe ainda, não usando esse seu primeiro prazo “exclusivo”, que possa ainda assim em tempo útil vir a propor a aquisição do bem; mas não lhe confere um direito de preferência na compra dos imóveis objecto de garantia, em termos do administrador judicial ter de o notificar do valor oferecido em sede de leilão electrónico para que proponha nesse momento – querendo – um valor superior.
17.Não se vislumbra que o sentido e alcance da expressão em tempo útil, contida no artigo 164º, n.º 3, do CIRE possa ser outro que não a prerrogativa concedida ao credor hipotecário de propor a aquisição do bem objecto de venda e sobre o qual goza de garantia, mas antes de concretizada a venda ou da tomada de compromisso firme de vender assumida pelo administrador da insolvência.
18.Se a recorrente comunicou à administradora judicial que não pretendia adquirir os prédios anunciados para venda quando para tal foi notificada nos termos previstos no artigo 164º do CIRE; e se posteriormente não licitou no leilão a sua aquisição; não pode vir agora querer prevalecer-se de todo esse seu comportamento omissivo anterior para anular uma venda por não lhe ter sido dada oportunidade de comprar ou indicar comprador para os bens vendidos.
19.O interesse que a lei quer proteger com o instituto previsto no artigo 164º do CIRE é o que se prende com a tutela do direito de crédito e não com qualquer outro interesse do credor garantido que seja paralelo àquele interesse, v.g., relacionado com a aquisição do bem objecto de garantia.
20.Tendo decorrido o leilão electrónico (cujo início não tinha de ser comunicado à recorrente Abanca que dispunha de toda a informação relevante no apenso de liquidação); tendo sido aceite uma proposta (que também não tinha de ser comunicada à recorrida Abanca, muito menos para lhe facultar o exercício de qualquer direito de preferência na compra); estando o preço pago pelo comprador e cumpridas as obrigações fiscais; e estando outorgada a escritura pública de compra e venda das fracções autónomas; ter-se-á de concluir que o processo de venda decorreu sem mácula e tinha de ser mantido, não havendo qualquer procedimento de venda que tenha de ser repetido, como muito bem se decidiu no Acórdão recorrido.
21.Não existiu qualquer omissão de pronúncia quanto à violação do disposto no n.º 3 do artigo 55º do CIRE e n.º 1 do artigo 164º do CIRE.
22.Em sede recursiva o Venerando Tribunal da Relação do Porto apenas tinha de apreciar as questões que lhe foram suscitadas nas alegações dos então recorrentes (a aqui recorrida administradora judicial e a Leilostar, Lda.), e balizadas pelas respectivas conclusões, não tendo se de debruçar sobre as questões suscitadas pela recorrida nas suas contra-alegações.
23.São as conclusões dos recorrentes que delimitam o objecto do recurso e a matéria a apreciar – são essas as questões que o tribunal não pode nunca deixar de conhecer e decidir – e não os argumentos que os recorridos possam esgrimir nas suas contra-alegações.
24.Fazendo-se notar, para além disso, que a pretensa violação do artigo 55º, n.º 3, do CIRE por parte da recorrida (por ter feito intervir leiloeira na venda por leilão eletrónico), não constituiu fundamento de anulação da venda no despacho de 1ª Instância (nem foi alegada para esse efeito pela Abanca nessa instância), pelo que o recurso interposto pelas recorridas para o Venerando Tribunal da Relação do Porto nunca poderia ter versado sobre essa matéria.
25.Desse modo, não existe qualquer omissão de pronúncia que deva ser aqui considerada, muito menos a propugnada nulidade daí decorrente, que não deve ser declarada.
26.O recurso de revista não deve ser admitido, por legalmente inadmissível mas, sendo-o, o douto acórdão recorrido proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto deve ser confirmado, por não conter qualquer violação de lei que importe a sua revogação.

II – FACTOS PROVADOS.
Encontra-se provados nos autos que:
1. A credora Abanca Corporación Bancaria, S.A., Sucursal em Portugal (ora recorrente) tem registadas a seu favor hipotecas sobre as fracções apreendidas para a massa insolvente, a saber:
- fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente à habitação no rés-do-chão esquerdo traseiras, corpo II, com entrada pelo número ...50, com tudo o que a compõe, do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, primeiro e segundos andares, sito na Rua ..., ..., e Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial do sob o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...63, da dita freguesia ... e;
- fracção autónoma designada pelas letras "DL", correspondente à garagem na cave, com entrada pelo número ...48, com tudo o que a compõe, do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, primeiro e segundos andares, sito na Rua ..., ..., e Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial do sob o número ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...63, da dita freguesia ....
2. A 14 de Fevereiro de 2022, foi a requerente notificada nos termos art. 164º, nº 2, 1ª parte, do CIRE pela Administradora de Insolvência para se pronunciar quanto à modalidade de venda e valor base dos imóveis.
3. Foi ainda a requerente notificada, nos termos art. 164º/3 do CIRE, para querendo “Dentro de uma semana após o envio desta notificação ou em tempo útil, o seu representado CH propor a aquisição do imóvel por valor superior ao do valor base”.
4. Em resposta à notificação mencionada em 2 e 3, a requerente pronunciou-se em 21 de Fevereiro de 2022, tendo concordado com posição da Sra. Administradora de Insolvência, que a venda fosse efectuada na modalidade de venda por leilão electrónico, fixando-se o valor base da venda em € 121.000,00, devendo o mesmo ir à praça por 85% do valor acima mencionado, ou seja, €102.850,00.
5. Foi ainda transmitido à Exma. Sra. Administradora de Insolvência, que “naquela fase, não pretendia a Credora propor a aquisição do imóvel por valor superior ao do valor base indicado, devendo as frações ser colocadas à venda, possibilitando propostas de terceiros para maior transparência e eventual benefício para a massa insolvente, não obstante, não excluía a hipótese de apresentação de licitação no leilão a realizar.”.
6. Em 23 de Fevereiro de 2022 a Sra. administradora da insolvência criou o presente apenso de liquidação juntando a cópia de um leilão eletrónico a realizar entre os dias 24 de Fevereiro de 2022 e 21 de Março de 2022.
7. A requerente interpelou a Exma. Sra. Administradora de Insolvência, por e-mail no dia 19 de Abril de 2022, questionando acerca do estado da liquidação, não tendo obtido qualquer resposta.
8. Em 28 de Abril de 2022 a Sra. administradora da insolvência veio requerer a junção aos autos de escritura de compra e venda realizada em 28 de Abril de 2022.
9. Em 3 de Maio de 2022 foi proferida sentença de encerramento da liquidação, tendo a requerente sido notificada dessa sentença.
10. No leilão mencionado em 6 foi apresentada uma proposta para aquisição dos imóveis identificado no ponto 1.
11. A Sra. administradora da insolvência não notificou o credor hipotecário da realização do leilão, nem da proposta mencionada em 10.
 
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER.
1 – Admissibilidade do presente recurso de revista.
2 – Arguição de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
3 – Fundamento (ou falta dele) para a anulação da venda dos bens da massa insolvente e consequentemente da decisão que declarou finda a fase processual da liquidação. Exigências legais da actuação do administrador da insolvência aquando da venda dos bens apreendidos para a massa insolvência. Garantias e faculdades conferidas neste contexto ao credor hipotecário.
Passemos à sua análise:
1 – Admissibilidade do presente recurso de revista.
Dispõe o artigo 14º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE):
“No processo de insolvência e nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência, não é admitido recurso dos acórdãos proferidos por tribunal da relação, salvo se a recorrente demonstrar que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686º e 687º do Código de Processo Civil, jurisprudência com ele conforme”.
Estabelece, por seu turno, o artigo 17º, nº 1, do CIRE:
“Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código.”.
A irrecorribilidade das decisões de 2ª instância, através da interposição de recurso de revista para o Supremo Tribunal, tal como se encontra prevista no artigo 14º, nº 1, do CIRE, é circunscrita aos processos de insolvência, aos embargos à insolvência, e aos incidentes que sejam tramitados no âmbito do próprio processo de insolvência, não abrangendo, portanto, os apensos que nele não são tramitados.
Trata-se, de resto, da posição assumida, de forma unânime, pelos membros da 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, de competência especializada neste tipo de matérias – mormente processos de insolvência e aplicação do regime do CIRE.
(Vide sobre este ponto, Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Almedina 2020, 6ª edição, página 80, nota 118, onde terá revisto a sua posição anterior mencionada pela reclamada e expressa no acórdão por si invocado e que, por isso mesmo, encontra-se presentemente ultrapassada).
No sentido propugnado pronunciaram-se:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Outubro de 2019 (relator Ricardo Costa), proferido no processo nº 255/10.2AVR-J.P1.A.S1, disponível in www.dgsi.pt; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Novembro de 2014 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 1444/08.5TBAMT-S-P1.S1, disponível in www.dgsi.pt; acórdão de 25 de Março de 2014 (relator Azevedo Ramos), proferido no processo 1729/12.6TBCTB-B.C1.S1, disponível in www.dgsi.pt;  acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 2014 (relator Fernandes do Vale), proferido no processo nº 3125/11.3TJCBR-B-C1.S1, disponível in www.dgsi.pt; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2020 (relator Raimundo Queiróz), proferido no processo nº 966/19.9T8STB-B.E1.A.S1, disponível in www.dgsi.pt, com voto de vencida de Ana Paula Boularot onde se expõe a posição genericamente assumida pela 6ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, que reserva a aplicação do artigo 14º, nº 1, do CIRE – em termos de irrecorribilidade especial – para “os apensos ao processo de insolvência desde que tramitados endogenamente, ou nos embargos opostos à sentença de declaração de insolvência”.
Adoptando a referida posição – que se perfilha inteiramente – vide Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, Lisboa 2008, a páginas 112 a 113; Luís Menezes Leitão, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Almedina 2011, 11ª edição, a página 74.
Ora, o acórdão recorrido versou sobre uma decisão que fora proferida no apenso de liquidação e não no âmbito do processo de insolvência respectivo.
Logo, o regime aplicável à admissibilidade o recurso de revista é o geral, conforme resulta do artigo 17º, nº 1, do CIRE, e não aquele que é especialmente consagrado no artigo 14º, nº 1, do mesmo diploma legal (exclusivo do processo de insolvência e dos embargos opostos à declaração de insolvência).
Pelo que não se torna necessário ao recorrente demonstrar a verificação de qualquer situação de contradição de julgados com vista à admissibilidade da sua revista.
Por outro lado, embora a decisão em causa tenha a ver com questões interlocutórias e de natureza processual, o que é certo é que as mesmas tiveram influência e reflexo (directos e decisivos) na decisão final respeitante ao apenso de liquidação.
Com efeito, a decisão de 1ª instância teve por consequência a anulação da declaração final de extinção dos autos de liquidação (incluída na própria decisão sobre o recurso).
Em contrapartida, o acórdão recorrido determinou a validade dessa mesma declaração última de extinção dos autos de liquidação que coloca o ponto final no presente apenso (quando o juiz a quo a havia declarado sem efeito).
Por este motivo, o regime aplicável ao recurso será o do artigo 671º, nº 1, do Código de Processo Civil e não o seu nº 2, conforme pretendiam os recorridos, não sendo exigível a verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e b), deste último normativo (mormente a demonstração da contradição de julgados com acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça).
Finalmente, não é possível afirmar, de modo algum, que o recorrente não tenha ficado prejudicado com a decisão que ora impugna, nem que, por isso mesmo, não se verifique o seu decaimento, tal como este requisito é genericamente exigido pelo artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil.  
Para chegar à conclusão adversa basta atentar em que, a ser julgado procedente o seu recurso, haverá lugar à repetição de um conjunto de actos respeitantes aos procedimentos de venda dos bens imóveis, com a possibilidade de nova actuação processual por parte do credor hipotecário em termos substancialmente diversos daquela que se verificou (podendo agora acompanhar com outra atenção os termos em que decorre o leilão em apreço e eventualmente sobrepor uma oferta sua à melhor que venha a ser oferecida por terceiro).
(Vide sobre esta questão da legitimidade para recorrer, e em situação similar à presente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt).   
Nesse sentido, não é possível afirmar, com a segurança mínima necessária, que o seu benefício com a procedência do recurso seja necessariamente em valor não superior a metade da alçada do Tribunal de que recorre (sendo sempre de atender, em caso de dúvida, apenas ao valor da causa, nos termos da parte final do artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Pelo que o presente recurso de revista é admissível.
2 – Arguição de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Alegou o recorrente a este respeito:
O acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, na medida em que desconsiderou a matéria constante das contra-alegações apresentadas.
Apreciando:
É óbvio que não assiste razão ao arguente.
O acórdão recorrido versou, com a suficiência necessária e bastante, sobre todas as questões verdadeiramente relevantes e decisivas para o conhecimento o mérito do recurso de apelação.
Nesse sentido, não era o Tribunal da Relação do Porto obrigado a conhecer a matéria alegada nas contra-alegações que extravasa o essencial do thema decididendum, sendo certo que nessa sede não fora apresentada qualquer ampliação do objecto do recurso, nos termos gerais do artigo 636º do Código de Processo Civil.
Toda a temática jurídica em discussão foi devidamente abordada, não sendo nessa circunstância obrigatória a apreciação de matéria passível de ser qualificada como obiter dictum.
Pelo que, sem necessidade de outras considerações ou desenvolvimentos, improcede a referida arguição de nulidade.
3 – Fundamento (ou falta dele) para a anulação da venda dos bens da massa insolvente e consequentemente da decisão que declarou finda a fase processual da liquidação. Exigências legais da actuação do administrador da insolvência aquando da venda dos bens apreendidos para a massa insolvência. Garantias e faculdades conferidas neste contexto ao credor hipotecário.
A questão principal que é colocada na presente revista prende-se com a existência (ou não) de fundamento legal para invalidade da venda realizada em processo de liquidação, por apenso à insolvência, com base na ofensa de normas processuais que visam tutelar os direitos e interesses do credor hipotecário.
Vejamos:
No âmbito das modalidades de venda dos bens integrados na massa insolvente, o artigo 164º, nº 2, do CIRE é claro ao impor as seguintes (e individualizadas) obrigações ao administrador da insolvência face ao credor hipotecário:
1ª – ouvi-lo sobre a modalidade da alienação.
2ª – informá-lo do valor base fixado ou do preço de alienação projectada a determinada entidade.
Ou seja, as obrigações legalmente previstas neste tocante (deveres de conduta processual do administrador da insolvência para com o credor hipotecário na fase da venda dos bens da massa insolvente) circunscrevem-se a estas duas referenciadas actuações, não contemplando a disposição legal outras suplementares ou adicionais.
Por outro lado, ciente do conteúdo destes elementos que lhe serão, de acordo com a norma legal, transmitidos pelo administrador da insolvência, poderá o credor hipotecário, no prazo de uma semana ou posteriormente, e ainda em tempo útil, propor a aquisição do bem em causa, por si ou por terceiro, por preço superior, nos termos e sob a cominação prevista no artigo 164º, nº 3, do CIRE.
(A sanção para a não aceitação dessa proposta pelo administrador da insolvência consiste, não na invalidade da venda, mas na sua constituição na obrigação de colocar o credor na situação que decorreria da alienação a esse preço, caso a venda venha a ocorrer por preço inferior, conforme expressamente resulta da parte final do nº 3 do artigo 164º do CIRE).
Na situação sub judice, o administrador da insolvência cumpriu de facto as duas obrigações estabelecidas pelo nº 2 do artigo 164º do CIRE, nenhuma dúvida se suscitando quando à correcção e suficiência dessa sua conduta processual.
Por sua vez, o credor hipotecário, ora recorrente, e nessa mesma sequência, concordou (pelo menos aparentemente) com a modalidade de venda de que foi informado (leilão electrónico) e ficou consciente do valor base fixado para a venda dos imóveis, nenhuma objecção havendo na altura apresentado sobre tais questões.
De notar também que o administrador da insolvência não se encontra vinculado à modalidade de venda eventualmente sugerida pelo credor hipotecário, podendo perfeitamente optar por outra diversa que entendesse mais adequada, sem que tal divergência fosse susceptível de colocar em crise a validade dos actos processuais subsequentes.
Conforme inequivocamente dispõe o artigo 164º, nº 1, do CIRE: “O administrador da insolvência procede à alienação dos bens preferencialmente através de venda em leilão electrónico, podendo, de forma justificada, optar por qualquer das modalidades admitidas em processo executivo ou por alguma outra que tenha por mais conveniente”.
 Salientam Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, in obra citada supra, “esta opção insere-se no quadro geral do reforço dos poderes do administrador e satisfaz, de modo significativo, a intenção de desjudicialização do processo”.
É o que resulta ainda do disposto no artigo 55º, nº 1, alínea a), do CIRE, quando aí se estabelece como tarefa cometida ao administrador da insolvência “Preparar o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram”.
Sempre se dirá que apesar de a concordância ou discordância do credor hipotecário relativamente à modalidade da venda a seguir pelo administrador da insolvência não revestir especial significado ou particular importância, afigura-se-nos que poderá ter existido um eventual equívoco quanto à compreensão da expressão da modalidade transmitida (leilão electrónico – que veio a ser realizado electronicamente, mas em estabelecimento de leilões) e a que foi concretamente entendida pelo destinatário (leilão electrónico a realizar na plataforma aprovada pelo Ministério da Justiça, e-leilões).
Todavia, a circunstância de o mesmo leilão não ter ocorrido na plataforma electrónica oficial (e-leilões) não produz, por si só, desacompanhada de outros elementos de facto, a ilegalidade do acto de venda e a sua consequente anulação judicial.
No caso concreto, o mesmo credor garantido aproveitou a oportunidade que lhe foi conferida para comunicar ao administrador da insolvência, nesse momento processual, não ser sua vontade propor (de imediato), por si ou terceiro, a aquisição dos imóveis por valor superior, embora não excluísse a possibilidade de o vir a fazer futuramente, em tempo útil.
Acresce também que o leilão veio a decorrer em ambiente público (não se tratou, pois, de uma venda por negociação particular), rodeado de suficiente publicidade, assistindo ao credor hipotecário o poder de ao mesmo aceder, diligenciando nesse sentido de forma atempada e atenta (como qualquer outro interessado).
(Diferentemente, se se tratasse de venda por negociação particular a mesma sujeitar-se-ia ao regime especial consignado no artigo 161º, nº 4, do CIRE, com vista a prevenir eventuais fraudes, podendo mesmo ser sobrestada pelo juiz a requerimento do devedor ou credor relevante desde que os mesmos demonstrassem a plausibilidade da alienação a outro interessado em termos mais vantajosos para a massa insolvente, nos precisos termos do nº 5 do artigo 161º do CIRE.
Sobre esta temática, vide Alexandre Sobral Martins Soveral Martins in “Um Curso de Direito da Insolvência”, Almedina, 2015, a página 291; Maria do Rosário Epifânio in “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, Outubro de 2020, 7ª edição, a página 324; Paula Costa e Silva in “A liquidação da massa insolvente”, publicado na Revista da Ordem dos Advogados nº 65 (2005), 3).
Por outro lado, e contrariamente ao pretendido pelo recorrente, não existe disposição legal (mormente no âmbito do CIRE) que imponha ao administrador da insolvência a obrigação processual de avisar o credor hipotecário, quanto à concreta data do leilão (fixado dentro de uma baliza temporal alargada); ao teor das propostas que vão sendo concorrencialmente oferecidas; ao acto final de aceitação da proposta mais elevada ou mesmo da escritura pública subsequente e com ela conforme, quando os actos de licitação sejam registados em ambiente público e passível do conhecimento pelo credor hipotecário, que deverá, querendo, dar-se ao trabalho, enquanto interessado na liquidação de bens da massa insolvente, de informar-se, com a regularidade, a diligência e a atenção devidas, acerca da forma como decorria o venda (que sabia que iria ter lugar).
A circunstância do leilão haver acontecido com a inerente publicidade, durante o anunciado período de quase um mês, significa que os interessados – incluindo o credor hipotecário – poderiam acompanhar o desenrolar dos trabalhos e interagir em conformidade com os seus propósitos, não se vislumbrando o fundamento legal para concluir que o administrador da insolvência estaria nessas circunstâncias vinculado a ir informando, passo a passo, ponto por ponto, a pessoa do credor hipotecário em relação ao processamento do leilão, o que o mesmo poderia razoavelmente saber agindo pelos seus próprios meios.
Também parece óbvio e manifesto que a validade da venda não pode ser posta em causa, com todas as sérias e profundamente gravosas consequências daí advenientes para a massa insolvente, pela circunstância do administrador da insolvência não haver dado resposta a um determinado e-mail avulso enviado em momento próximo – um pouco mais de uma semana antes (19 de Abril de 2022, quando a venda a escritura pública teve lugar em 28 de Abril de 2022) - da realização da escritura pública da venda, e já depois de encerrado o leilão electrónico, no qual o credor hipotecário pedia informação, em termos vagos e gerais, sobre “o ponto da situação da liquidação”.
Desde logo, porque a pergunta apresentada nestes termos indeterminados consubstancia um pedido de consulta de natureza genérica sobre o andamento dos autos de liquidação, sem qualquer tipo de concretização específica, não se descortinando a obrigação legal do administrador da insolvência, neste indefinido contexto, de lhe dar resposta.
Por outro lado, e na sequência do que foi dito, não reveste a relevância que o credor hipotecário lhe pretende atribuir a ausência de resposta sobre tal pedido de informação quando a modalidade de venda (leilão electrónico, rodeado de suficiente publicidade) permitia o respectivo acesso (se se mantivesse atento ao que estava a suceder a este propósito num período temporal pré-anunciado que se estendeu durante praticamente um mês).
Note-se igualmente que aquando do envio do mencionado e-mail estava apenas em causa a obrigação do administrador da insolvência de dar a normal sequência ao resultado do leilão electrónico que teve publicamente lugar, cumprindo a obrigação de concretizar a escritura de compra e venda com o proponente que apresentou a maior oferta.
A eventual notificação prévia do credor hipotecário quanto à data da dita escritura pública não lhe conferiria, nestas circunstâncias, o direito a sobrepor uma oferta sua, ou de terceiro, àquela que foi aceite, regularmente, no âmbito do leilão em ambiente público que teve lugar.
Importa salientar que as verbas em causa foram vendidas por valor superior a 85% do valor base e bastante próximo, aliás, deste último (faltou o montante de € 1.000,00), pelo que tem de considerar-se tratar-se de um acto de venda e liquidação da massa insolvente perfeitamente normal e que não suscita, pelos elementos que os autos fornecem, quaisquer dúvidas ou reservas em termos da sua (intocada) legalidade.
De todo o modo, tendo o credor hipotecário em seu poder outros elementos que suportem consistentemente a responsabilidade do administrador da insolvência pelo (alegado) deficiente e prejudicial desempenho de funções poderá sempre, nessas circunstâncias, socorrer-se da acção declarativa comum de responsabilidade, seguindo aliás a regra geral que resulta do artigo 163º do CIRE.
Refira-se, a este propósito, que em relação aos actos jurídicos que assumam especial relevo para o processo de insolvência, e que por isso mesmo dependem do consentimento da comissão de credores, verifica-se a tendencial prevalência, segundo a opção assumida pelo legislador, do princípio da subsistência de validade da venda realizada sob a égide do administrador de insolvência, procurando-se dessa forma tutelar preferencialmente os direitos e interesses dos adquirentes, assim salvaguardados e reforçados com a manutenção dos efeitos substantivos do acto de alienação, protegendo-o contra a ocorrência de vícios procedimentais (a que são alheios) em que o administrador tenha porventura incorrido, conforme resulta expressa e inequivocamente do disposto no o artigo 163º do CIRE, segundo o qual “a violação dos números anteriores (respeitantes aos requisitos procedimentais na venda dos bens da massa insolvente) não prejudica a eficácia dos actos do administrador da insolvência, excepto se as obrigações por ele assumidas excederem manifestamente as da contraparte”, afastando, nestes exactos termos, o regime geral previsto no artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil.
(sobre esta temática vide:
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, Quid Juris, 2015, 3ª edição, a páginas 614 a 615.
- Maria do Rosário Epifânio in “Manual de Direito da Insolvência”, Almedina, Outubro de 2020, 7ª edição, a páginas 324 a 325.  
- David Sequeira Dinis e Luís Bártolo Rosa, in “A protecção dos credores garantidos e o regime do artigo 164º, nº 2, do CIRE”, publicado na Revista de Direito da Insolvência, nº 2, 2018, Almedina
- Luís Menezes Leitão, in “Direito da Insolvência”, Almedina, Junho de 2018, 8ª edição, a página 266).
Ou seja, a regra geral consagrada nesta disposição legal é a de que, apurando-se a existência de irregularidades formais no processamento dos trâmites da liquidação da massa insolvente imputáveis ao administrador da insolvência, estas não deverão ser, em princípio, impeditivas da validade do acto de venda e dos seus efeitos  (que não é assim anulado), remetendo-se para o campo da responsabilidade pessoal e funcional do administrador (incluindo a possibilidade da sua destituição nos termos do artigo 56º do CIRE) as consequências dos erros por si cometidos e o ressarcimento dos prejuízos daí resultantes, com a instauração pelos interessados da competente acção autónoma de natureza declarativa destinada a esse efeito.
(Sustentando que, não obstante a previsão do artigo 163º do CIRE, o credor garantido que não tenha sido devidamente informado do valor base fixado para o bem a vender, ou do preço da alienação projectada a entidade determinada não ficará impedido de arguir a nulidade da alienação vide Catarina Serra in “Lições de Direito da Insolvência”, 2021, 2ª edição, a página 291, onde invoca a seu abono o acórdão do Tribunal Constitucional nº 616/2018, de 21 de Novembro).
A ressalva à aplicação deste princípio reside na circunstância de as obrigações assumidas pelo administrador excederem manifestamente as da contraparte, conforme consignado na parte final do referenciado artigo 163º do CIRE.
(Pronunciando-se, de forma assaz crítica, sobre esta opção legislativa vide, entre outros:
- o acórdão do Tribunal Constitucional de 21 de Novembro de 2018 (relator Telles Pereira), proferido no processo nº 215/2018, que julgou inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 4, conjugado com o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a norma contida nos artigos 163.º e 164.º, n.os 2 e 3, do CIRE, na interpretação segundo a qual o credor com garantia real sobre o bem a alienar não tem a faculdade de arguir, perante o juiz do processo, a nulidade da alienação efetuada pelo administrador com violação dos deveres de informação do valor base fixado ou do preço da alienação projetada a entidade determinada.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, que se revelou aliás particularmente crítico em relação às opções legislativas neste domínio, apelando mesmo para a sua revisitação ou reponderação.
- o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2017 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 1182/14.0T2AVR.H.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, que considerou a inconstitucionalidade por violação da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, da solução legal de não permitir a impugnação dos actos ilegais praticados pelo administrador da insolvência fora do enquadramento excepcional consignado no artigo 163º, 2ª parte, do CIRE;
- o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24 de Outubro de 2019 (relator Paulo Dias da Silva), proferido no processo nº 264/15.5T8VNG-E.P1, publicado in www.dgsi).
Em suma, o leilão foi suficientemente publicitado, acolhendo diversas propostas, sendo a maior (e que foi aceite) superior a 85% do valor base da venda e não tendo proposto o credor hipotecário, no momento processual destinado ao efeito (uma semana depois da notificação que lhe foi realizada pelo administrador da insolvência, nos termos do artigo 164º, nº 3, do CIRE), a aquisição, por si ou por terceiro, do bem a vender, por valor superior, nem atentado, por si (como lhe competia), no momento útil em que ainda poderia exercer essa mesma faculdade.
De resto, segundo o que consta da correspondência trocada entre o credor hipotecário e o administrador da insolvência resulta que o primeiro estaria porventura convencido de que disporia de um regime legal ou de um estatuto processual semelhante ou equiparado ao do titular do direito de preferência na venda (a que erroneamente fez alusão), o que manifestamente não sucede.
O que explicará a invocada necessidade, na sua óptica, de ser notificado para a data da realização da escritura pública, assente, porém, numa faculdade de preferir ou de nela interferir que não tem acolhimento legal.
Nesse momento processual havia unicamente que aceitar e fazer cumprir o resultado do leilão electrónico, perfeitamente regular, nenhuma influência sendo conferida à posição do credor hipotecário, ainda que tivesse conhecimento prévio da data da realização da escritura.
Pelo que mesmo perante o regime geral das nulidades processuais previsto no artigo 195º do Código de Processo Civil, a omissão apontada não teria relevo algum por não ser susceptível de influir no exame e decisão da causa.
Por último, relativamente à diversa jurisprudência citada pelo recorrente e através da qual este visa demonstrar existir respaldo jurisprudencial para a sua pretensão por encontrar-se, a seu ver, firmada em sentido oposto e contraditório com o decidido nos autos, cumpre esclarecer:
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 2018 (relator Henrique Araújo), proferido no processo nº 4488/11.6TBLRA-M.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, aborda um caso de venda por negociação particular dos bens da massa insolvente – a que se aplica, como se viu, um regime especial de muito maior sindicância e exigência -, em que o credor hipotecário apenas foi informado do resultado da última fase da venda (oferta final e diligências para a marcação a escritura pública).
Entendeu-se no aresto que “mostra-se grosseiramente violado o comando do nº 3 do artigo 164º, na medida em que a venda foi escriturada antes de decorrido o prazo de que a credora dispunha para propor a aquisição do imóvel por preço superior ao da alienação”.
Considerou-se seguidamente que a venda podia e devia ser anulada, concluindo-se que “é de facto intolerável a protecção da eficácia dos actos praticados pelo administrador da insolvência, mesmo produzidos com total desrespeito pelas normas que tutelam as operações da fase de liquidação, sendo indispensável e urgente, a nosso ver, uma intervenção legislativa que corrija este estado de coisas”.
Ora, a situação de facto versada neste aresto – em que foram cumpridos os deveres previstos no artigo 164º, nº 2, do CIRE, e o leilão foi público e rodeado da suficiente publicidade, apresenta acentuadas diferenças relativamente à que foi objecto de análise nos presentes autos.
Naquele caso, o credor hipotecário não foi ouvido sobre a modalidade de venda, nem sobre o respectivo valor base; não houve verdadeira oportunidade para o exercício por este da faculdade prevista no nº 3 do artigo 164º do CIRE (entre a informação prestada e a conclusão da escritura pública mediaram apenas quatro dias); os contornos da venda (através de negociação particular) impediam, pelo seu carácter privado, o efectivo acompanhamento pelo credor hipotecário).
- O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Abril de 2017 (relator Fonseca Ramos), proferido no processo nº 1182/14.0T2AVR.H.P1.S1, publicado in www.dgsi.pt, versa sobre uma situação de venda extrajudicial, por negociação particular do bens da massa insolvente em causa.
Naquele caso, o credor hipotecário não fora previamente ouvido sobre a modalidade de venda e respectivo valor base.
Tal aresto debruça-se essencialmente pela inconstitucionalidade por violação da tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, da solução legal de não permitir a impugnação dos actos ilegais praticados pelo administrador da insolvência fora do enquadramento excepcional consignado no artigo 163º, 2ª parte, do CIRE.
Ou seja, as circunstâncias que envolveram tal decisão são totalmente dessemelhantes das verificadas in casu, salientando-se, mais uma vez, o regime especial prevista para a venda por negociação particular destinado a prevenir eventuais fraudes.
- O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13 de Novembro de 2019 (relator Emídio Santos), proferido no processo nº 108/17.3T8LRA-N.C1, publicado in www.dgsi.pt, versa igualmente sobre uma situação de facto completamente diversa da que está em análise nesta revista.
Trata-se de uma venda por negociação particular em que não foram, indiscutivelmente, cumpridos pelo administrador da insolvência os deveres consignados no artigo 164º, nº 2, do CIRE: o credor hipotecário não tinha sido ouvido sobre a modalidade de alienação ou informado sobre o valor base da venda.
O que se discutia nesse aresto era se para a anulação da venda nos termos gerais do artigo 195º, nº 1, do Código de Processo Civil seria necessário que o credor demonstrasse, em termos plausíveis, que, os ditos deveres tivessem sido observados, ele, credor, teria exercido efectivamente as faculdades previstas no nº 3 do artigo 164º do CIRE (questão que não foi colocada na situação sub judice).
- O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 2020 (relatora Vera Antunes) proferido no processo nº 7688/16.9T8SNT.L1, publicado in www.dgsi.pt, aborda unicamente uma situação de pedido de suspensão da venda através de leilão electrónico.
No caso concreto, o credor hipotecário foi ouvido e nada obstou à modalidade de venda escolhida pelo administrador da insolvência, não estando ainda em causa o valor base do bem.
Foi, nesse pressuposto, aceite a validade da venda.
Logo, inexiste qualquer similitude entre a situação versada neste aresto e a situação sub judice).
Ou seja, nenhum dos acórdãos sufraga sequer, em verdadeira contradição de julgados, a tese sustentada pelo ora recorrente, atentas as particularidades típicas pertinentes ao respectivo quadro factual essencial e à ratio decidendi de cada um dos arestos invocados.
Por todo o exposto, a revista será naturalmente negada.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) negar a revista.
Custas pela recorrente.
 


Lisboa, 3 de Maio de 2023.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Resende

Maria José Mouro



V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.