Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1057
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: OCUPAÇÃO DE IMÓVEL
DESPEJO
COMPROPRIEDADE
INDEMNIZAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: SJ200505240010572
Data do Acordão: 05/24/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8713/04
Data: 11/18/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Na avaliação do requisito da legitimidade activa ("legitimatio ad causam") nas acções conexas com relações locatícias (v.g nas acções por ocupação abusiva post despejo) não é questão dirimenda central a questão do domínio ou da propriedade por banda do locador ou credor das rendas devidas.
II. O locatário não pode eximir-se ao pagamento das rendas refugiando-se numa suposta querela (alegadamente ainda não resolvida) de divisão de coisa comum entre os diversos comproprietários, ou seja da coisa objecto da locação e das proporções da respectivas quotas.
III. A prova da propriedade ou da titularidade do bem indevidamente utilizado pode ser efectuada v.g através da competente certidão predial/registral, mormente de certidão extraída dos autos de processo de inventário no qual haja sido adjudicada aos demandantes a quota-parte alegada do prédio locado.
IV. Qualquer comproprietário pode administrar os bens comuns, nesses poderes de administração se incluindo o de receber as correspondentes rendas, assistindo-lhe mesmo legitimidade para, por si só, propor acção de despejo fundado na falta do respectivo pagamento, salva convenção em contrário - conf. artºs 985 e 1407, nº 1, do C. Civil.
VI. Ainda que se não trate de uma verdadeira compropriedade, mas de uma simples comunhão hereditária, sempre o co-herdeiro, enquanto titular de um mero direito à herança (titularidade do direito a uma simples fracção ideal do conjunto até à efectivação da partilha), será, por força do disposto no artº 1404º do C. Civil, equiparável ao comproprietário para efeitos do exercício dos direitos próprios do locador.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. "A", B, C e D instauraram, na 6ª Vara Cível de Lisboa, com data de 17-7-00, acção ordinária contra E, pedindo que esta fosse condenada a pagar, pela posse do prédio a que se reportam os autos, entre 1-3-95 e 27-4-99, as importâncias de 3.555.074$00 à 1ª A., 3.357.570$00 à 2ª A. e 691.264$00 a cada dos 3° e 4° AA., acrescidas essas quantias de juros vencidos, até efectivo e integral pagamento.

Mais requereram que, conjuntamente a citação, a Ré fosse notificada para proceder ao pagamento dos juros vencidos, sob capitalização, nos termos do artigo 560° do Código Civil.
Alegaram os AA em síntese, que:

- são comproprietários do prédio, identificado no artigo 1° da petição inicial, detendo actualmente a 1ª A. 3/10, a 2ª 17/60 e cada um dos 3° e 4° autores 7/120 da plena propriedade daquele prédio;
- por escritura pública lavrada em 22 de Julho de 1975, a então usufrutuária do prédio, F, deu o mesmo de arrendamento, pelo prazo de um ano prorrogável nos termos da lei, à clinica "G", Lda;
- a referida F veio a falecer em 18 de Abril de 1991, tendo a propriedade plena do prédio dos autos passado a pertencer em compropriedade indivisa aos Autores e a outros;
- em finais do ano de 1999, a ré adquiriu, por negociação particular, o direito ao arrendamento do prédio dos autos, cuja renda era na altura de 187.697$00 ilíquidos;
- em Fevereiro de 1995, a ré pagou, pela ocupação do prédio referente ao mês de Março seguinte, a quantia de 157.842$00, retendo na fonte 27.855$00, mas, a partir de Março de 1995, a ré nada mais pagou aos autores, sendo certo que os pagamentos deviam ser efectuados, no domicilio da primeira autora, no primeiro dia do mês anterior ao do mês de ocupação;
- entretanto, em 14/04/1993, a 1ª autora intentou contra a aqui ré uma acção declarativa de condenação, peticionando a declaração de resolução e/ou a caducidade do mencionado arrendamento e consequente despejo do prédio dos autos;
- no âmbito dessa acção, foi deduzido incidente de despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, tendo sido proferido, em 15-4-99, despacho decretando o despejo imediato do prédio por falta de pagamento das referidas rendas;
- a Ré continuou na posse do prédio dos autos até à data do despejo, o qual foi efectuado em 27-4-99, nada tendo pago, desde 1-4-95, pelo uso e ocupação do prédio durante esse período de tempo.

2. Contestou a ré, alegando que não resulta dos autos, nem os AA disso fazem prova, que, à data da propositura da acção, fossem comproprietários do prédio, relativamente ao qual peticionam o pagamento de rendas/indemnização, como também não resulta dos autos que as duas primeiras AA sejam comproprietárias nas percentagens indicadas na p.i.
Os AA não têm direito aos valores peticionados, nem os restantes 16 herdeiros mandataram os quatro AA para, em seu nome, peticionarem quaisquer valores à ora Ré.
A Ré não está constituída em mora, pelo que não há lugar ao pagamento de quaisquer juros, como nunca foi estabelecido pelos comproprietários o local onde a hipotética renda/indemnização deveria ser paga.

3. Replicaram as duas primeiras AA, peticionando a condenação da ré como litigante de má fé por não as reconhecer como comproprietárias.

4. Por sentença de 23-3-04, o Mmo Juiz da 6ª Vara Cível de Lisboa julgou a acção parcialmente procedente, e em consequência, condenou a ré a pagar:
a) - 12.504,41 € - doze mil quinhentos e quatro euros e quarenta e um cêntimos - (equivalente a 2.506.910$00) à 1ª autora;
b) - 11.809,73 € - onze mil oitocentos e nove euros e setenta e três cêntimos - (equivalente a 2.367.638$00 à 2ª autora;
c) - 2.431,42 € - dois mil quatrocentos e trinta e um euros e quarenta e dois cêntimos - (equivalente a 487.455$00), respectivamente, ao terceiro e quarto autor.
E ainda:
- a pagar juros moratórios sobre as aludidas quantias, à taxa legal, a contar da data de vencimento de cada uma das rendas em causa, até à data da propositura da acção, considerando-se o montante de tais juros capitalizados;
- a pagar juros moratórios sobre as quantias referidas (capital inicial mais juros capitalizados) à taxa legal, a contar da data da propositura da acção até integral e efectivo pagamento.
- o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 18-11-04, negou provimento ao recurso.

6. De novo irresignada, desta feita com tal aresto, dele veio a Ré recorrer de revista para este Supremo tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:
1ª- O facto provado na alínea i) dos factos assentes e o facto do n° 3 da base instrutória são contraditórios entre si;
2ª- Essa contradição deve conduzir à repetição do julgamento;
3ª- Os A.A. não lograram provar que à data dá interposição da acção fossem comproprietários do imóvel, objecto do arrendamento;
4ª- Os A.A. apenas juntaram aos autos uma certidão de partilha pela qual em 1977 lhes advieram diversas quotas partes no imóvel;
5ª- Os A.A não tinham, à data da interposição da acção, inscrita a seu favor qualquer quota parte do imóvel;
6ª- Não gozam, assim, os AA. da presunção de compropriedade que resultaria caso tal facto estivesse registado;
7ª- A falta de registo não pode ser oposta a terceiros como é o caso da Ré;
8ª- Em consequência, não tendo os A.A. logrado provar que à data da propositura da acção eram comproprietários de imóvel, devem os mesmos ser considerados partes ilegítimas para peticionarem as rendas e restantes pedidos à Ré;

9ª- O Tribunal de 1ª Instância e o Tribunal da Relação de Lisboa, ao considerarem que os RR à data da acção eram comproprietários do imóvel, conheceram de facto de que não estavam habilitados a conhecer e daí que ambas as decisões sejam nulas, sendo certo que relativamente aos terceiro e quarto A.A., as instâncias não deram como provada qual a hipotética quota parte de que seriam detentores.

Termos em que deve revogar-se o acórdão recorrido na parte em que apreciou a legitimidade dos A.A. e, face à inexistência de prova da sua qualidade de comproprietárias à data da propositura da acção, serem os mesmos julgados partes ilegítimas absolvendo-se a Ré da instância e ainda porque existe contradição efectiva ente a matéria de facto dada como provada e ordenar-se a repetição do julgamento, como é de direito.

7. Contra-alegou a A. recorrida B, sustentando a correcção do julgado pelas instâncias, formulando, por seu turno, as seguintes conclusões:
a) - Não existe contradição entre a alínea i) da matéria dos factos assentes e a resposta ao quesito 3° da base instrutória, na medida em que a primeira se reporta ao local de pagamento, na perspectiva do acordo celebrado entre as partes, e a segunda trata da forma como, na prática, o pagamento era efectuado;
b) - No sistema jurídico português, o registo não tem efeito constitutivo da propriedade, pelo que este direito pode ser demonstrado por outros meios;
c) - Ao juntarem certidão da decisão proferida em processo de inventário obrigatório, os autores provaram, pois, o seu direito de propriedade sobre o prédio dos autos;
d) - O douto acórdão sob recurso não violou nenhum normativo legal, não sendo, pois, pelos motivos expostos, merecedor de censura.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
9. Em matéria de facto relevante, deu a Relação como assentes os seguintes pontos:
1°- Por força da sentença homologatória de partilha, já transitada em julgado, proferida nos autos de inventário que, sob o n.° 351/69, correu termos pela 1ª Secção do 10° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, os AA adquiriram, cada um deles, um direito indiviso à nua compropriedade do prédio sito em Lisboa, na Rua Gomes Freire, nºs 140 a 142-A, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.° 8340, a fis. 55 do livro B-24 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 316 da freguesia da Pena.
2°- O usufruto do referido prédio pertencia a F, que veio a falecer em 18 de Abril de 1991;
3°- Por contrato de arrendamento outorgado mediante escritura pública lavrada em 22 de Julho de 1975, a então usufrutuária do prédio identificado, F, deu o mesmo de arrendamento, pelo prazo de um ano prorrogável nos termos da lei, à Clínica G, Lda;
4°- Em finais do ano de 1990, no âmbito do processo de execução fiscal que, sob o n° 63/1990, correu termos no 10° Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, a ora ré adquiriu, por negociação particular, o direito ao arrendamento do prédio dos autos;
5°- Nessa data, a renda mensal devida pela ocupação do prédio dos autos era de 185.697$00;
6°- Em Fevereiro de 1995, a ré pagou, pela ocupação do prédio dos autos referente ao mês de Março seguinte, a quantia de 157.842$00, tendo retido na fonte 27.855$00.
7°- A partir de Marco de 1996 (inclusive), a ré nada mais pagou aos autores pela ocupação do prédio dos autos;
8º- Os mencionados pagamentos deviam ser efectuados no domicílio da primeira autora, no primeiro dia útil do mês anterior ao do mês da ocupação do imóvel a que diziam respeito;
9°- Em 14 de Abril de 1993, a primeira autora intentou contra a aqui ré uma acção declarativa de condenação, peticionando a declaração de resolução e/ou a caducidade do mencionado arrendamento e consequente despejo do prédio dos autos;
10° - No âmbito dessa acção, foi deduzido incidente de despejo imediato por falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da acção, tendo sido proferido, em 15 de Abril de 1999, despacho decretando o despejo imediato do prédio por falta de pagamento das referidas rendas;
11°- Tal despejo foi efectuado em 27 de Abril de 1999;
12° - A ré continuou na posse do prédio dos autos até à data do despejo;
13°- No período entre 1 de Abril de 1995 e 27 de Abril de 1999, a ré não pagou aos autores qualquer quantia pelo uso e ocupação do prédio durante esse período de tempo;
14°- No âmbito do processo de inventário judicial supra referido, a primeira autora adquiriu 24/480, a segunda 16/480 e os 3° e 4° autores adquiriram, cada um deles, 28/480 do prédio acima identificado;
15° - A primeira autora detém actualmente 3/10 da plena propriedade do referido prédio identificado em 1.
16°- A segunda autora detém actualmente 17/60 da plena propriedade do aludido prédio;
17°- A ré pagou à 1ª autora, através de depósito na conta com o n° 0106/001069/900, do balcão do Areeiro, da Caixa Geral de Depósitos, a totalidade da renda mensal devida pela locação do prédio dos autos, desde a data em que a ré adquiriu o direito ao arrendamento até 08.06.1995.
Direito aplicável.
10. Insiste a recorrente em ver repetido o julgamento, tendo alegado perante a Relação a nulidade da sentença por alegada "contradição entre o facto e a fundamentação da sentença" e ainda porque não estaria (O Mmo julgador) habilitado a conhecer da qualidade dos comproprietários do imóvel.
Designadamente o facto provado constante da alínea i) dos factos assentes e o facto levado ao n° 3 da base instrutória seriam contraditórios entre si, contradição essa geradora "a se" de nulidade da decisão.
Todavia, tal como a Relação já deixou claro, a recorrente confunde manifestamente o julgamento da matéria de facto (artigo 653°) com a sentença propriamente dita (artigo 659°), confundindo ainda hipotéticos erros de julgamento com nulidades da decisão, na circunstância com imputação à decisão de 1ª instância da nulidade contemplada na al. c) do n° 1 do artigo 668° CPC.
Ora, em sede de julgamento de matéria de facto a Relação é soberana: se reputar as respostas aos quesitos de deficientes, (se não tiver sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos), obscuras, (se houver respostas ambíguas ou pouco claras) ou contraditórias (se colidirem entre si as respostas dadas a certos quesitos ou colidirem as respostas com factos especificados) pode anular a decisão sobre a matéria de facto (cfr. artigo 712°, n º 4, do CPC ). E dessas decisões em sede factual não cabe mesmo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - conf. nº 6 do mesmo preceito.
O certo é, porém, que a Relação não exercitou nenhum desses poderes em matéria de facto, permanecendo assim a por si dada como assente como incontroversa.
E quanto à suposta oposição entre os fundamentos e a decisão, o acórdão sub-judice, ao rejeitar a arguida nulidade, não incorreu, ele próprio, em tal vício abstractamente invalidante da decisão, mas, quando muito, em erro de julgamento traduzido na não coonestação de uma tal nulidade, circunstância que a recorrente parece também olvidar.
Erro esse que, contudo, igualmente se não descortina.
De resto, só ocorre nulidade do acórdão por oposição/contradição entre os fundamentos e a decisão - artº 668º, nº 1, al. c) do CPC - se a construção lógica da decisão se apresentar como viciosa, rectius em manifesta colisão com os fundamentos em que ostensivamente se apoia, isto é quando os fundamentos invocados no aresto hajam de conduzir logicamente não ao resultado nele expresso mas a resultado oposto.
O que igualmente não sucede no caso "sub-specie".
Uma hipotética contradição alegadamente existente entre os factos que a sentença dá como assentes e outros já apurados no processo, apenas poderá ser em si configurador - repete-se - de erro de julgamento, que não de nulidade da decisão.
Seja como for, a Relação já demonstrou que a suposta (e aparente) contradição entre a citada alínea e o aludido quesito não ocorrem na realidade: a alínea i) em apreço apenas contempla o lugar em que por força do contrato as rendas teriam que ser pagas à 1ª A, enquanto que no citado quesito apenas se contempla o "modus faciendi" ou "operandi", que a prática veio a consagrar, de tais pagamentos (através de depósito n° 016/001069/900 do balcão do Areeiro da Caixa Geral de Depósitos), pagamentos esses abrangendo a totalidade da renda mensal devida pela locação dos prédios dos autos, desde a data em que a ré adquiriu o direito ao arrendamento, (nos termos referidos na al. E), até 8/06/1995.
Nem se insinue - como faz a Ré recorrente - com uma suposta "mora creditoris" ou "mora locatoris" na tentativa de subtracção ao pagamento dos correspondentes juros de mora.
E isto porque - tal como conclui a Relação - os locadores sempre aceitaram o pagamento das rendas na CGD e das mesmas deram quitação, pelo que a recorrente sabia e conhecia muito bem o lugar do cumprimento das suas obrigações. E sem qualquer necessidade aparente de recurso ao chamado depósito liberatório na CGD, tudo sendo sabido, ademais, que se tratava de obrigações com prazo certo.
E quanto à questão da propriedade ou compropriedade dos locadores relativamente aos prédios locados ?
Ao pronunciar-se favoravelmente quanto a tal qualidade a favor dos recorridos, teria a sentença recorrida conhecido de questões de que não estava apta a conhecer, assim havendo incorrido em nulidade por excesso de pronúncia nos termos e para os efeitos da 2ª parte da al. d) do nº 1 do artº 668º do CPC ?
Não terão os AA, ora recorridos, logrado provar que à data da interposição da acção fossem comproprietários do imóvel mas tão só que pelo inventário referido adquiriram as quotas partes indivisas do mencionado prédio ?
Convém não olvidar que o requisito da legitimidade ("legitimatio ad causam") nas acções conexas com relações locatícias se não centra na qualidade de "proprietário", mas sim na de senhorio; neste tipo de acções não é questão dirimenda central a questão do domínio ou da propriedade por banda do locador ou credor das rendas devidas.
Não se trata de nenhuma acção de revindicação na qual importe decisivamente a prova da (aquisição) da propriedade ou da transmissão do domínio.
O locatário não pode eximir-se ao pagamento das rendas refugiando-se numa suposta querela (alegadamente ainda não resolvida) de divisão de coisa comum entre os diversos comproprietários, ou seja da coisa objecto da locação e das proporções da respectivas quotas.
A questão da propriedade da coisa locada, relevando sem dúvida no domínio das "relações internas", não pode ser arvorada em causa liberatória do pagamento a cargo do locatário ("relações externas").
Tudo pode e deve ser resolvido por forma incidental e de harmonia com as regras de repartição do ónus da prova, atenta a factualidade dada como assente, devidamente caldeadas com os princípios da oficiosidade ou da oficialidade e da aquisição processual.
Isto sendo sabido que o registo não assume, no nosso sistema jurídico, natureza constitutiva da propriedade, ainda que constituía presunção "juris tantum" da respectiva titularidade por banda do titular inscrito (artº 7º do CReg Predial). O registo não surte eficácia constitutiva, mas meramente publicitária do facto (neste caso a propriedade) registado).
A prova da propriedade ou da titularidade do bem pode ser efectuada através de outros meios que não a competente certidão predial/registral. Ora, foi oportunamente junta pelos AA, ora recorridos, uma certidão extraída dos autos de processo de inventário obrigatório no qual lhes foi atribuída a quota parte alegada do prédio locado à ora recorrente, assim se, demonstrando, de forma, inequívoca a qualidade invocada de sujeitos activos da considerada relação jurídico-locatícia.
Inventário esse que havia corrido os seus termos - tal como assentou a Relação - já no ano de 1977, quando é certo que a subjacente acção apenas deu entrada em 17-7-2000!...
De resto, qualquer comproprietário pode administrar os bens comuns, nesses poderes de administração se incluindo o de receber as correspondentes rendas, assistindo-lhe mesmo legitimidade para, por si só, propor acção de despejo fundado na falta do respectivo pagamento - conf. artºs 985º e 1407º, nº 1, do C. Civil. Isto a menos que haja convenção em contrário, o que não sucede no caso sob apreciação.
Mas ainda que se não tratasse de uma verdadeira compropriedade, mas de uma simples comunhão hereditária, sempre o co-herdeiro, enquanto titular de um mero direito à herança (titularidade do direito a uma simples fracção ideal do conjunto até à efectivação da partilha), seria, por força do disposto no artº 1404º do C. Civil, equiparável ao comproprietário para efeitos do exercício dos direitos próprios do locador.

E daí que não enferme o acórdão revidendo dos apontados erros de julgamento.
11. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Maio de 2005
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos,
Duarte Soares.