Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
11674/16.0T8LSB.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RESOLUÇÃO BANCÁRIA
LIQUIDAÇÃO DE INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
BANCO DE TRANSIÇÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIA GERAL DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PARTES / PERSONALIDADE E CAPACIDADE JUDICIÁRIA – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
DIREITO DAS SOCIEDADES - DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE / CASOS DE DISSOLUÇÃO IMEDIATA.
DIREITO FALIMENTAR - EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA - VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS.
Doutrina:
-Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2001, 2.ª Edição, 212.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 601.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 11.º E 287.º, ALÍNEA E).
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 141.º, N.º 1, ALÍNEA E)
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 85.º, N.º 1, 90.º, 128.º, 130.º E SS..
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 62.º.
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF), APROVADO PELO DL N.º 298/92, DE 31 DE DEZEMBRO: - ARTIGOS 139.º, 145.º-A, 145.º-B, N.º 3 E 145.º-H.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO UE N.º 1024/2013 DO CONSELHO DE 15 DE OUTUBRO DE 2013: - ARTIGO 4.º, N.º 1, ALÍNEA A).
DIRECTIVA DA RESOLUÇÃO E RECUPERAÇÃO BANCÁRIA, TRANSPOSTA EM PARTE PELA LEI Nº 23-A/15, DE 26-3, EM VIGOR DESDE 31-3-15.
TRATADO DA UNIÃO EUROPEIA: - ARTIGO 236.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 1/2014;
- DE 03-03-2017, PROCESSO N.º 725/14, IN WWW.DGSI.PT, CJSTJ, TOMO I, 141.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 07-03-2017 E DE 09-03-2017, CJ, TOMO I, 69 E 89;
Sumário :
I. Revogada pelo Banco Central Europeu a licença de uma instituição bancária portuguesa, tal implica para o Banco de Portugal o dever de requerer a sua liquidação perante os tribunais nacionais.

II. A resolução de instituição bancária, acompanhada da criação de um banco de transição, constitui uma das medidas que podem ser adoptadas pelo Banco de Portugal ao abrigo dos poderes legais e regulamentares que lhe estão atribuídos, envolvendo ainda o poder de, dentro dos parâmetros legais, definir os elementos do activo e do passivo que ficarão afectos ao banco de transição.

III. Nem o direito de propriedade nem o princípio da igualdade entre credores têm natureza absoluta, devendo ser conjugados com outros direitos e princípios constitucionais, designadamente com a necessidade de assegurar a estabilidade do sistema bancário ou a tutela dos interesses dos clientes, maxime dos depositantes.

Decisão Texto Integral:
I - AA e mulher BB, intentaram a presente acção declarativa sob a forma comum contra o Banco CC, S.A., e o Banco DD, S.A., peticionando a sua condenação solidária no pagamento da quantia de € 180.862,3, com juros vincendos sobre € 160.850,00 desde a citação até integral pagamento.

Fundamentam o seu pedido na subscrição de acções preferenciais Poupança Plus e Euro Aforro sem o seu conhecimento e autorização, tendo sido vítimas de burla por parte dos funcionários do CC. Consideram que existe responsabilidade civil contratual e extra-contratual do CC por violação dos seus deveres enquanto banqueiro e de intermediário financeiro, responsabilidade que, por força da medida de resolução aplicada ao CC e criação do banco de transição, foi transferida para o Banco DD, S.A..

Por requerimento entrado em 17-8-16, veio o CC informar que, por deliberação do BCE de 13-7-16, foi revogada a autorização que detinha para o exercício da actividade bancária, pelo que tal deliberação determinou a sua insolvência, seguida de liquidação, devendo considerar-se extinta a instância por inutilidade superveniente da lide.

O R. Banco DD, contestou a acção, invocando que, por via da medida de resolução do Banco de Portugal, de 3-8-14, o crédito aqui reclamado não se transferiu para si, tendo-se mantido na esfera do CC, conforme deliberação rectificativa de 11-8-14 do BdP, a qual foi objecto de duas novas deliberações, em 29-12-15, a clarificar que não haviam sido objecto de transferência para o Banco DD os créditos decorrentes de acções preferenciais emitidas por sociedades veículo, estabelecidas e vendidas pelo CC. Alegou ainda que mesmo que, por via destas deliberações, tivessem sido transmitidos os passivos, estes devem considerar-se retransmitidos ao Banco CC com efeitos às 20 h do dia 3-8-14, atenta a deliberação do BdP denominada “retransmissão”, da mesma data.

Notificados os AA. para se pronunciarem sobre a matéria das excepções alegadas pelos RR., vieram responder que o Banco DD é o sucessor do CC, tendo os títulos na sua posse, pelo que poderá exercer os direitos nele previstos contra o CC, sendo pois parte legítima na demanda.

Foi proferida decisão decomposta em dois segmentos:

- Por um lado, julgou extinta a instância contra a massa insolvente do Banco DD, SA, por impossibilidade superveniente da lide, decorrente da declaração de insolvência;

- Por outro lado, julgou a acção improcedente relativamente ao Banco DD, S.A., que foi absolvido do pedido.


Os AA. interpuseram então recurso de revista per saltum em que suscitam as seguintes questões:

- Inadmissibilidade de um órgão administrativo, como o Banco de Portugal, se imiscuir nos direitos fundamentais económicos, em violação do princípio da separação de poderes, quer do poder legislativo, quer dos tribunais;

- Caracteriza como confisco as deliberações do Banco de Portugal que executaram a resolução do CC e criaram um banco de transição, em detrimento da garantia patrimonial que os credores poderiam exercer sobre todo o património do CC e sem garantia e justa indemnização de todos os credores;

- Solidariedade de ambos os RR. pelo ressarcimento de todos os prejuízos causados aos AA. pelo antigo CC, em consequência da violação dos deveres de cuidado relativamente aos clientes comuns;

- Inconstitucionalidade material e orgânica das normas ao abrigo das quais se operou a transferência de património para o Banco DD;

- O Banco DD deve ser considerado com sucessor nos direitos e obrigações que foram transferidas da esfera do CC;

- Inverificação de uma situação de impossibilidade superveniente da lide relativamente ao CC em Liquidação e afirmação da legitimidade material do Banco DD relativamente à pretensão dos AA.


Houve contra-alegações de ambas as RR.

Cumpre decidir.

(…)

III – Decidindo:

1. A decisão recorrida decompõe-se em dois segmentos, um relacionado com a pretensão que foi deduzida contra o Banco CC, SA, agora em Liquidação, e outro reportado ao Banco DD, S.A., entidade que foi constituída por deliberação do Banco de Portugal, ao abrigo dos poderes de resolução bancária que lhe foram legalmente atribuídos.

Relativamente ao CC, em Liquidação, a 1ª instância decidiu considerar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, ao passo que, quanto ao Banco DD, S.A., foi apreciado o mérito da pretensão, culminando na sua improcedência e na consequente absolvição do pedido.

Os argumentos que foram empregues na decisão recorrida relativamente a cada um dos segmentos não são coincidentes. Com efeito, a decisão de natureza formal que foi adoptada quanto ao CC, em Liquidação, assenta fundamentalmente numa decisão do Banco Central Europeu que revogou a licença bancária que o CC, S.A, detinha. Por via disso, o CC, S.A, entrou em liquidação, que foi iniciada no tribunal nacional onde se encontra pendente. Já no que respeita ao Banco DD, S.A., o resultado declarado funda-se essencialmente em deliberações do BdP, no exercício das suas funções que integram o poder de declarar a resolução de entidades bancárias, a constituição de banco de transição e a repartição dos activos e passivos da entidade bancária.

Fundando-se a decisão recorrida naqueles argumentos de ordem legal e administrativa, tendo em conta os poderes que são conferidos quer ao BCE, pelo Tratado da União Europeia, quer ao BdP, por legislação interna que visa regular a liquidação de instituições de crédito e a criação de bancos de transição, os recorrentes não colocam em crise o acerto da decisão fundada estritamente nas normas de direito ordinário que subjazem tanto á declaração do BCE como às deliberações do BdP. E na verdade, nenhuma crítica há a fazer relativamente aos efeitos jurídicos que foram extraídos pelo tribunal recorrido dos referidos instrumentos legais e regulamentares, de tal modo que, falhando outros fundamentos alegados, nada mais haveria a fazer do que confirmar ambos os segmentos decisórios e as respectivas motivações.

Ciente desta realidade os AA. procuraram evitar a confirmação da sentença e fizeram-no com uma argumentação que, em múltiplos aspectos, acaba por ser comum a ambos os segmentos decisórios, que essencialmente nos remete para preceitos ou princípios constitucionais que teriam sido violados, justificando-se que seja feita uma análise conjunta antes de tomar posição sobre a pretendida revogação da decisão recorrida.

Os AA. veicularam a sua pretensão através de recurso de revista per saltum, o que se compreende no âmbito de uma estratégia que visou evitar a ocorrência de uma situação de dupla conforme (art. 671º, nº 3, do CPC) que porventura projectaram a partir da multiplicidade de acórdãos das Relações que vêm confirmando decisões semelhantes às que agora são objecto de recurso proferidas em acções com semelhantes contornos fáctivos e jurídicos (ver por todos os Acs. da Rel. de Lisboa, de 7-3-17 e de 9-3-17, CJ, tomo I, págs. 69 e 89).


2. Não deixaremos de analisar e de responder aos argumentos expostos pelos recorrentes que assim se sintetizam:

a) O primeiro argumento terçado pelos recorrentes é o de que não compete ao BdP, enquanto entidade de natureza administrativa, imiscuir-se nos direitos fundamentais económicos dos cidadãos, em substituição do legislador, vendo no regime legal instituído fundamento para a declaração de inconstitucionalidade com base na violação do princípio da separação de poderes na vertente legislativa e jurisdicional. Violação que existiria ainda quando, com base nos poderes administrativos do BdP, o tribunal a quo remeteu para as deliberações do BdP, o que representaria violação do direito de acesso aos tribunais.

b) O segundo argumento é dirigido contra a deliberação do BdP de 29-12-15, que estabeleceu a separação dos activos e passivos que transitariam ou não para o Novo Banco, considerando os recorrentes que é “profundamente injusta e imoral”, violando a CRP, a CEDH, a DUDH e o CC, valendo este como “lei ordinária reforçada”. Tal deliberação traduziria, na sua tese, um autêntico confisco, ao retirar aos lesados a possibilidade de poderem fazer uso do art. 601º do CC, ou seja, de satisfazerem os seus direitos de crédito através da execução de todo o património do devedor.

Nesta perspectiva, a deliberação do BdP violaria o art. 62º da CRP que estabelece os casos de requisição e de expropriação mediante justa indemnização. Violação que também incidiria sobre o art. 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e do Protocolo Adicional nº 1 que tutela do direito de propriedade, instrumentos que vigoram no direito nacional.

Assim, uma vez que o Banco DD, S.A., ficou proprietário dos chamados “activos não tóxicos”, seria co-responsável, em regime de solidariedade com o CC em Liquidação, pelos prejuízos causados por este aos clientes, tendo em conta que sucedeu nos direitos e obrigações do antigo CC, SA.

c) De uma forma geral, consideram os recorrentes que as deliberações do BdP não determinam nem a inutilidade superveniente da lide, nem a exoneram o Banco DD da responsabilidade civil que lhe é assacada.


3. Antes de passar à análise de cada questão justificam-se – ainda que sem excessos argumentativos – algumas considerações preliminares em torno dos especiais mecanismos de liquidação e de resolução previstos para as instituições de crédito.

Em teoria, as instituições de crédito poderiam ser equiparadas a qualquer outra entidade particular que exercesse uma actividade lucrativa, de tal modo que, sem ponderar outras circunstâncias e desconsiderando outras consequências, ficassem sujeitas às regras gerais que vigoram para a responsabilidade patrimonial. Nos termos do art. 601º do CC, esta abarcaria todo o património do devedor (instituição financeira), de modo que, em caso de insuficiência desse património, haveria que requerer a declaração de insolvência, sendo arrolado todo o activo e feita a convocação universal de todos os credores para, em processo de liquidação, proceder à execução de todo o património, dividindo-o pelos credores, de acordo com as regras gerais.

Não é, porém, este o regime que está instituído. Aliás, do referido regime geral sempre foram excluídas as instituições financeiras precisamente porque se manifestou a necessidade de tratar de uma forma diversa o que apresenta uma configuração diversa. Mesmo antes da integração de Portugal na União Europeia ou na União Monetária, a liquidação de instituições financeiras já estava submetida a um regime especial (Dec. Lei nº 30.689, de 27-8-40), implicando a intervenção substancial do BdP enquanto órgão de supervisão do sistema bancário (cfr. Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2001, 2ª ed., pág. 212).

E se este era o regime que vigorava antes da integração num espaço económico e monetário comum, compreende-se que, em defesa do sistema bancário europeu, tenha sido atribuído ao BCE um papel relevantíssimo no controlo e supervisão das entidades que, no espaço da União, exercem a actividade bancária. Carecendo esta de licenciamento, a revogação de alguma licença bancária por parte do BCE por decisão tornada definitiva tem o significado natural de colocar a entidade respectiva numa situação de insolvência, a carecer da correspondente liquidação.

Foi precisamente o que ocorreu no caso concreto. Devido aos conhecidos e graves problemas que foram detectados no funcionamento e na solvabilidade do CC, S.A, e designadamente tendo em consideração a violação de regras prudenciais e a impossibilidade de satisfazer as suas obrigações, o BCE retirou-lhe a licença para o exercício da actividade bancária e remeteu para a entidade nacional, o BdP, a iniciativa de promover a sua liquidação através de um mecanismo muito próximo do que está previsto no CIRE para os processos de insolvência em geral.

Porém, considerando as implicações que decorrem de um processo que se traduz na insolvência e liquidação pura e simples de instituições bancárias no espaço da União, foi criado um modelo especial que, entre as suas especificidades, admite que seja declarada a resolução da instituição bancária e que, dentro desta, se proceda à divisão dos activos e dos passivos, por forma a assegurar a manutenção da actividade bancária num banco de transição. Para o efeito, foram concedidos poderes ao BdP para identificar, de entre os activos e os passivos detidos pela instituição financeira, aqueles que devem transitar para um eventual banco de transição e os que permanecem vinculados à instituição financeira em liquidação.

Os recorrentes apontam a este modelo diversos vícios, mas não podemos olvidar a especial natureza e circunstâncias que rodeiam a actividade bancária e a necessidade de proceder a um tratamento diferenciado de situações que são verdadeiramente diferentes. Compreende-se perfeitamente que, para assegurar a credibilidade do sistema financeiro em geral seja dado um tratamento diferenciado designadamente aos depositantes bancários, distinguindo essa relação de depósito de outras relações jurídicas existentes.

Desde logo, a distinção quanto aos accionistas: como titulares do capital social, é natural que a liquidação bancária os afecte por completo, em primeira linha. Depois, os obrigacionistas que apresentam uma posição de credores substancialmente diversa daquele que é detida pelos comuns depositantes que, acreditando na solvabilidade das instituições financeiras e nos mecanismos de regulação e de supervisão, se limitam a confiar às instituições bancárias as suas poupanças. Também encontra fácil justificação a distinção relativamente a indivíduos que se tenham relacionado com a instituição bancária na sua função de intermediação financeira, mais a mais quando os “produtos” comercializados são afinal títulos de entidades que integram o mesmo grupo económico, como ocorreu no caso.

Ou seja, é natural que, no âmbito de uma solução que visa assegurar a manutenção em funcionamento de um banco de transição, se trate de forma desigual o que é substancialmente desigual.

A alternativa porventura pretendida pelos recorrentes passaria pela liquidação radical do CC, S.A, com a posterior venda de todo o activo, para pagamento (na medida do possível) de todo o passivo, com o encerramento de toda a actividade, sem olhar a outras consequências. Nessa actuação radical seriam submersos diversos interesses, com especial destaque para os depositantes que confiaram à instituição financeira as suas economias, para os particulares cuja actividade depende da concessão de crédito ou mesmo para os trabalhadores da instituição de crédito.

É duvidoso que uma tal medida beneficiasse os AA., o que dependeria da demonstração de que, num processo de liquidação universal, o activo executado seria suficiente para satisfazer o seu alegado crédito de natureza comum (emergente da invocação de responsabilidade contratual e extracontratual e ainda carecido de uma declaração judicial), depois de serem ponderados, de acordo com as regras gerais, as regras sobre a graduação de créditos que dão preferência a créditos sobre a massa insolvente e a outros créditos dotados de garantias reais, nuns casos registadas (v.g. hipotecas), noutros ocultas (v.g. privilégios creditírios mobiliários ou imobiliários, direito de retenção, penhor, etc).

Seja como for, a verdade é que tanto ao nível das instituições europeias, como a nível interno, os diversos órgãos com função legiferante e que naturalmente se regem por critérios que não renegam a discricionariedade técnica, nem opções de natureza política, associados a órgãos de supervisão e de regulação bancária (BCE e BdP), entenderam configurar de forma diversa a liquidação de instituições de crédito, de que resultou, por um lado, a insolvência e liquidação do CC, S.A, e, por outro, a autonomização de um património (activo e passivo) susceptível de permitir a continuação da actividade bancária num banco de transição, o Banco DD, S.A..

É, pois, neste contexto que se enquadra a presente acção e que deve ser apreciada o mérito do recurso de revista per saltum.


4. No que concerne à extinção da instância relativamente ao CC, em Liquidação:

4.1. A decisão recorrida é linear e solidamente apoiada quer em normas europeias, quer nos seus reflexos ao nível interno, com especial destaque para a necessária liquidação que se seguiu à decisão do BCE de revogação da licença bancária sustentada no Regulamento do Conselho nº 1024/2013. Não foram invocados nem existem motivos que impeçam que se extraia da referida decisão e dos posteriores reflexos a nível interno a extinção da instância quanto ao CC, em Liquidação.

Nos termos do no art. 4º, nº 1, al. a), do aludido Regulamento, cabe ao BCE conceder e revogar a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito nos Estados Membros. E segundo o art. 8º, nº 2, do DL nº 199/06 de 25-10 (alterado pelo DL nº 31 -A/12), a decisão e revogação de autorização para o exercício da actividade, que não foi impugnada para TJUE (art. 263º do Tratado), nem foi anulada, equivale à declaração de insolvência definitiva da entidade bancária em apreço, cumprindo ao BdP requerer a sua liquidação nos tribunais competentes, no prazo e termos indicados nos nºs 3 e 4 do art. 8º.

Tendo sido requerida a liquidação do CC, S.A, e tendo sido proferido despacho judicial de prosseguimento dessa liquidação e despacho de nomeação de liquidatário, quaisquer questões sobre a legalidade da decisão de revogação da autorização apenas serão susceptíveis de invocação em processo de impugnação contenciosa da competência exclusiva dos tribunais administrativos (nº 1 do art. 9º e art. 15º do DL nº 199/06).

Deste modo, sendo inequívoco que foi definitivamente retirada ao antigo CC, S.A, a licença para o exercício da actividade bancária e que, equivalendo esse acto à declaração de insolvência, foi entretanto accionada a sua liquidação no âmbito de um processo judicial que está pendente no Tribunal do Comércio, tal determina a extinção da presente instância quanto ao CC, em Liquidação.

Com efeito, com ressalva dos activos e passivos que transitaram para o Banco DD, S.A., é em tal processo de liquidação que se fará a execução do activo restante, cujo produto será utilizado para satisfação do passivo que nele vier a ser verificado e graduado.

Nesta medida, tal como decorre do CIRE aplicável ao caso, a liquidação de uma entidade determina a extinção da instância nas acções que se encontrem pendentes, de modo que quaisquer credores devem reclamar os seus créditos dentro dos prazos e no âmbito do processo de liquidação/insolvência.


4.2. Explicitando:

Circunscritos ao processo de liquidação/insolvência, esta implica a dissolução da insolvente e a perda da sua personalidade jurídica (art. 141º, nº 1, al. e), do CSC, e art. 11º do CPC).

Acresce que, nos termos do art. 90º do CIRE “os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.” E estando pendente acção contra a insolvente, determina o art. 85°, n° 1, do CIRE, que “todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo”.

Face à aplicação supletiva do regime do CIRE, impõe-se a reclamação do crédito na insolvência, a qual se estrutura como uma verdadeira e própria acção declarativa, com potencialidades para apreciar a existência e o montante do direito de crédito em discussão na presente acção declarativa (arts. 130º e segs.).

Enfim, os credores da insolvência devem reclamar a verificação dos seus créditos, nos termos do art. 128º do CIRE, dentro do prazo assinalado na decisão que decretou o prosseguimento da liquidação judicial, tornando-se evidente que deixa de ter interesse o prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência.

Tal solução ficou, aliás, estabilizada com a prolação do AUJ deste STJ nº 1/2014, segundo o qual “transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287º do CPC”

Por conseguinte, com a revogação da autorização para o exercício da actividade do CC (equiparada à declaração de insolvência), a qual não foi impugnada nos termos previstos no art. 263º do TUE, sendo definitiva, mais não restava do que verificar a impossibilidade superveniente da lide, quanto a este R., devendo confirmar-se a decisão recorrida.


4.3. Não existe motivo algum para assacar a tal efeito a violação de alguma norma constitucional ou mesmo normas de direito internacional vinculativas para o Estado Português, pois que aos credores é assegurada a defesa dos seus interesses que, por razões de ordem prática, são concentrados no processo de liquidação.

Nem o facto de o direito de crédito invocado pelos AA. carecer de confirmação judicial constitui obstáculo, na medida em que, como se disse, o processo de liquidação tem vocação universal e permite que, no seu âmbito, sejam apreciados os factos e as razões de direito que, na perspectiva dos AA., sustentam o seu alegado direito de crédito de natureza indemnizatória assente em eventuais actos ilícitos ou no incumprimento de deveres contratuais.


4.4. Por conseguinte, confirma-se a decisão recorrida que declarou a extinção da instância relativamente ao CC em Liquidação.


5. Quanto à decisão que julgou improcedente a pretensão deduzida contra o Banco DD, S.A.:

5.1. Na decisão recorrida considerou-se que o Banco DD era parte legítima, tendo em conta o modo como fora descrita a relação material controvertida, mas conclui-se que respeitava ao mérito da causa apreciar se as deliberações do BdP têm como efeito a desresponsabilização do Banco DD relativamente aos fundamentos da presente acção e ao pedido de condenação que foi formulado, o que redundou na declaração de improcedência da pretensão.

No caso, trata-se de apurar se se transmitiu para o Banco DD, S.A., enquanto banco de transição, a alegada obrigação de indemnização que, na tese dos AA., incidia sobre o antigo CC, S.A, decorrente do facto de ser imputada aos seus funcionários uma actuação fraudulenta em prejuízo dos AA. e que se traduziu na subscrição de títulos sem o seu conhecimento ou acordo. Argumentam os AA. para reforçar a sua tese que o Banco DD, S.A., lhes apresentou uma proposta comercial para resolução do diferendo que por eles foi rejeitada.

A apreciação do mérito de tal pretensão depende da apreciação das deliberações do BdP no que concerne à delimitação dos passivos que transitaram ou não para o Banco DD, sendo, no entanto, de notar que, como já se referiu anteriormente, é da competência exclusiva dos tribunais administrativos a apreciação da validade das deliberações do BdP (o que, resultando expressamente da lei, já foi também afirmado no Ac. do STJ, de 3-3-17, 725/14, em www.dgsi.pt e na CJSTJ, tomo I, pág. 141).

Como já se disse anteriormente, os AA. não questionam o que objectivamente decorre de tais deliberações do BdP, ou seja, que formalmente delas emerge a manutenção na esfera do CC em Liquidação de eventuais obrigações emergentes de litígios como o presente, mas invocam a inconstitucionalidade do regime legal que lhe subjaz, a sua legalidade e até a justeza de tal resultado.

Como decorre das referidas deliberações, quer das iniciais, quer das que assumiram natureza interpretativa, ficaram excluídas da transferência para o Banco DD eventuais obrigações derivadas de “contingências”, designadamente das que possam eventualmente resultar da resolução de conflitos sujeitos a apreciação jurisdicional em processos pendentes.

Mais concretamente, por via da deliberação de 11-8-14, excluídas quedaram da esfera do banco de transição, ou seja, do Banco DD, S.A.:

“(v) Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contra-ordenacionais;” bem como

“(vii) Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo CC, sem prejuízos de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30-6-14, documentalmente comprovadas nos arquivos do CC, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

Qualquer dúvida que porventura ainda pudesse suscitar-se a este respeito acabou por ser solucionada pela deliberação do BdP de 29-12-15, que veio alterar a redacção da subalínea (vii) da al. (b) do nº 1 do Anexo 2, o qual passou a ter a seguinte redacção:

Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas (iii) e (v), que (a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respectivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respectivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente (b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30-6-14, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do CC e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do CC, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”


5.2. Face ao teor de tais deliberações, há que reafirmar que uma eventual obrigação de indemnização que a favor dos AA. se tenha constituído, porventura, na esfera do CC, S.A, não pode considerar-se transferida para o Banco DD, S.A., improcedendo, deste modo, com toda a evidência, a pretensão que contra este foi deduzida.

Com efeito, atenta a sua alegação, a eventual obrigação de reembolso do capital investido pelos AA. que pudesse ser imputada ao CC, enquanto instituição de crédito e intermediário financeiro, emerge de uma alegada fraude praticada pelos seus funcionários na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram ou integraram o Grupo CC.

Nos termos do art. 139º do RGICSF, ao Banco de Portugal, enquanto entidade de supervisão, são cometidos os poderes necessários para aplicação das medidas “tendo em vista a salvaguarda da solidez financeira da instituição de crédito, dos interesses dos depositantes ou da estabilidade do sistema financeiro”, exigindo-se que a adopção dessas medidas fosse norteada pela sujeição “aos princípios da adequação e da proporcionalidade, tendo em conta o risco ou o grau de incumprimento, por parte da instituição de crédito, das regras legais e regulamentares que disciplinam a sua actividade, bem como a gravidade das respectivas consequências na solidez financeira da instituição em causa, nos interesses dos depositantes ou na estabilidade do sistema financeiro.”

Por outro lado, ao Banco de Portugal foi atribuído o poder de proceder à selecção dos “activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para o banco de transição”, devendo “ser objecto de uma avaliação, reportada ao momento da transferência, realizada por uma entidade independente designada pelo Banco de Portugal, em prazo a fixar por este, a expensas da instituição de crédito, devendo a mesma avaliação, para efeitos do disposto no nº 3 do art. 145º-B, incluir também uma estimativa do nível de recuperação dos créditos de cada classe de credores, de acordo com a ordem de prioridade estabelecida na lei, num cenário de liquidação da instituição de crédito originária em momento imediatamente anterior ao da aplicação da medida de resolução.”


5.3. Dos preceitos acima referidos decorre expressamente que ao BdP, enquanto entidade de supervisão, incumbe expressamente a adopção das medidas necessárias à salvaguarda da instituição de crédito, dos depositantes e do sistema financeiro, aplicando as que forem consideradas adequadas e proporcionais, sendo-lhe dada ampla liberdade de decisão na escolha das medidas mais adequadas e eficazes. Tendo sido adoptada a medida de resolução com a simultânea criação de um banco de transição, tal envolve a faculdade de seleccionar os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão a transferir para esta instituição, no momento da sua constituição, conforme o disposto no art. 145º-H, nº 1, do RGICSF, bem como a faculdade de posteriormente retransmitir estes activos e passivos para a instituição originária (nº 5).

Tais poderes cometidos à entidade de regulação e supervisão bancária, resultam também da Directiva da Resolução e Recuperação Bancária, transposta em parte pela Lei nº 23-A/15, de 26-3, em vigor desde 31-3-15.

Nos termos desta Directiva, pode a entidade de resolução transferir a totalidade ou parte dos activos, direitos ou passivos para uma instituição de transição, tendo como princípios orientadores o interesse público e a estabilidade do sistema financeiro, ainda que dessa transferência parcial de activos, direitos e passivos possam resultar prejuízos para credores ou possa sair afectada a igualdade de tratamento dos credores dentro de uma mesma categoria (desde que tal seja justificado, tendo em conta os princípios orientadores da referida directiva, acima referidos entre outros).

Com tais medidas pretendeu-se preservar a estabilidade financeira e a confiança no sistema financeiro, protecção dos depositantes e dos fundos públicos e o bom funcionamento do mercado interno dos serviços financeiros.

A possibilidade de criação de um banco de transição já estava, aliás, prevista no Aviso do Banco de Portugal nº 13/12, de 8-10-12, nos termos do qual (n° 1 do art. 2°), se dispunha que “os bancos de transição são instituições de crédito com duração limitada, com a natureza jurídica de banco e a forma de sociedade anónima, que se regem pelos estatutos aprovados por deliberação do Banco de Portugal, pelas disposições legais e regulamentares que lhes são especialmente aplicáveis, pelas normas aplicáveis aos bancos e, subsidiariamente, pelo Código das Sociedades Comerciais, com as adaptações necessárias aos objectivos e natureza destas instituições.”

Acrescenta o nº 3 que “os bancos de transição são criados para receberem e administrarem a totalidade ou parte dos activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão de uma instituição originária, desenvolvendo todas ou parte das actividades dessa instituição com vista à prossecução das finalidades enunciadas no art. 145º-A do RGICSF.”

Ou seja, de acordo com este quadro legal (e comunitário), a entidade de supervisão, o BdP, pode adoptar medidas para salvaguarda da solidez financeira das instituições de crédito, dos interesses dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro, sendo que, de entre as várias medidas previstas, encontra-se a medida de resolução, estando ainda expressamente prevista a faculdade de serem seleccionados activos, direitos e passivos a serem transmitidos para um banco de transição e a faculdade de retransmissão destes mesmos activos ou passivos, desde que tais decisões sejam norteadas pela tutela do interesse público, do sistema financeiro e dos depositantes.


5.4. Alegam os AA. que o regime assim descrito de forma sintética representa um autêntico “confisco”, sendo violador da Constituição e de instrumentos de direito internacional que tutelam o direito de propriedade e que exigem a atribuição de uma justa indemnização em casos de expropriação ou de requisição. Outrossim consideram que sai violado o princípio da igualdade no tratamento dos credores.

Não importa nesta ocasião apreciar se os factos alegados pelos AA. para sustentar o seu direito de indemnização são ou não verdadeiros, mas tão só verificar a constitucionalidade do modelo legal que foi construído e no qual se deve integrar a sua pretensão e outras semelhantes.

E a resposta é positiva, na medida em que o direito de propriedade ou, numa visão mais lata, o direito de crédito que deva ser exercitado através da execução do património do devedor, não é de natureza absoluta, devendo compaginar-se com outros direitos ou interesses e ainda com princípios como o da proporcionalidade.

Porventura um modelo diverso poderia determinar para os AA. alguma vantagem, na medida em que o seu alegado crédito contaria com um activo mais vasto do que aquele que ficou no património do CC, em Liquidação. Mas também é seguro que o modelo instituído, o qual obedece a uma vontade política que ultrapassa as fronteiras nacionais, envolvendo instituições europeias, tem subjacentes outros interesses, como o da necessidade de assegurar a estabilidade do sistema bancário, tutelar interesses dos clientes ou proteger interesses dos trabalhadores das instituições financeiras.

É neste quadro de interesses mais vastos e diversificados que deve integrar-se o problema suscitado pelos AA., para concluir que, para além de não terem qualquer garantia de que, uma vez reconhecido o alegado direito de crédito de natureza indemnizatória, a sua posição ficasse assegurada através de um modelo de liquidação universal, com chamamento de todos os credores e execução de todo o activo, nos termos do regime geral da insolvência, o sistema que foi instituído não se revela arbitrário, tendo subjacente a genuína e legítima intenção de acautelar outros interesses de não menor valia.

Nesse modelo foi atribuído ao BdP um papel central que de facto se pode reflectir positiva ou negativamente na esfera de cada classe de credores. Mas, para além da impugnação dos actos regulamentares se inscrever na esfera de competência dos tribunais administrativos, a delimitação das situações litigiosas que transitaram ou não para o Banco DD não se revela arbitrária, obedecendo a um critério que parece razoável, distinguindo o que de facto deveria ser distinguido.

De acordo com as referidas deliberações, o critério de escolha visou afastar do banco de transição o que constituísse responsabilidades e contingências ainda não determinadas, não se verificando que dentro da mesma categoria de credores exista um tratamento diferente e não justificável.

Assim, estas medidas não assentam em normas feridas de inconstitucionalidade, ainda que delas possa, porventura, resultar uma situação menos vantajosa para os AA. do que a que decorreria de um modelo geral de liquidação de patrimónios sem consideração alguma pela natureza da entidade financeira que foi objecto de medidas de liquidação e de resolução, pela actividade específica que pela mesma era desenvolvida ou pelas diferenças que existem entre as diversas classes de credores ou de potenciais credores.


5.5. Não deve (ou não deveria) olvidar-se jamais que a intervenção radical que ocorreu (liquidação do CC) e a solução transitoriamente encontrada (criação do Banco DD) foi justificada pela verificação da deterioração grave da situação financeira e prudencial do CC, S.A, revelando-se a sua incapacidade para prosseguir os seus fins, o que colocou em causa não só a própria instituição, como ainda a estabilidade do sistema financeiro nacional já por si depauperado pela crise que existia e por outros incidentes com outras instituições bancárias.

Com tais medidas pretendeu-se assegurar a liquidação do que devesse ser liquidada e potenciar que uma parte dos activos e passivos pudessem continuar a desempenhar a sua função de forma transitória, através do Banco DD, S.A., entidade financiada pelo Fundo de Resolução, com uma parcela do risco assumida também pelo Estado Português.

Em teoria poderia ter sido encontrada uma solução que se mostrasse mais favorável aos AA. (e outros interessados em semelhantes condições), como ocorreria se acaso a opção se tivesse traduzido na nacionalização do CC.

Todavia, se desse modo poderiam ser garantidos todos os créditos sobre essa entidade, tal seria feito em grande medida (veja-se o famigerado caso BPN) à custa do Orçamento Geral do Estado, já sobrecarregado por outras ocorrências anteriores, o que foi recusado pelas entidades decisoras (BCE, BdP, Governo Português).

Pelo exposto, há que confirmar a decisão recorrida que absolveu do pedido o Banco DD, S.A..


IV – Face ao exposto, acorda-se em negar provimento à revista e:

a) Confirmar a decisão recorrida que declarou a extinção da instância quanto ao CC, em Liquidação;

b) Confirmar a decisão recorrida que julgou improcedente o pedido formulado contra o Banco DD, S.A..

Custas da revista a cargo dos AA.

Notifique.

Lisboa, 2-11-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo