Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1110/05.3TBSCD.C2.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL
PARENTESCO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
- O poder paternal é exercido por ambos os pais mas, havendo separação, mesmo de facto, deve o Tribunal regular o exercício do poder paternal.
- Critério orientador, na regulação do poder paternal é o superior interesse do menor, conceito aberto que carece de concretização, por parte do Juiz, devendo tomar-se em linha de conta a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a capacidade, ou não, dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar ás suas necessidades.
- É o superior interesse da criança que norteia toda a regulação do exercício do poder paternal, e, modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia.
- Por outro lado, este critério está em harmonia com as orientações legais acerca do conteúdo do poder paternal e com as que consideram a vontade da criança como um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito á sua vida.
- A regra da figura primária de referência é um critério objectivo e funcional, relacionado, como se disse, com o dia-a-dia da criança, ou seja, com a realização de tarefas concretas prestadas ao menor, no quotidiano.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 05.11.30, no Tribunal Judicial de Santa Comba Dão, AA deduziu o presente pedido de regulação do poder paternal em relação às suas filhas menores, BB e CC, contra o seu então ainda marido DD, pai dos menores, por não estarem os mesmos de acordo quanto aos moldes do seu exercício.

Para tanto alegou, em síntese, que se encontrava separada de facto do requerido desde Junho de 2005, altura em que este abandonou o lar conjugal e foi viver para o Porto, levando consigo a menor DD, que apenas permitiu que visitasse duas vezes.

Pediu que fosse regulado o exercício do poder paternal, por forma a que as menores ficassem entregues à sua guarda e cuidados.

Foi designada data para a conferência prevista no artigo 175º da Organização Tutelar de Menores, para a qual foi regularmente citado o requerido, tendo ainda sido notificados para comparecerem os tios / padrinhos da menor DD, com quem a menor se encontrava (e encontra) a residir, que nela estiveram presentes, não tendo todavia sido possível alcançar qualquer acordo.

Regularmente notificados para alegar o que tivessem por conveniente, oferecendo testemunhas e juntando documentos, nos termos do artigo 178º, nºs 1 e 2 da OTM, apenas a requerente apresentou alegações (constantes de fls. 100 e seguintes), tendo os tios / padrinhos apresentado a “exposição” junta aos autos a fls. 151 e seguintes (admitida por despacho de fls. 164).

Foram realizados inquéritos sociais a ambos os progenitores das menores, assim como à tia paterna, os quais se mostram juntos aos autos a fls. 179, 183 e 189.

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, por meio da qual foi regulado o exercício do poder paternal das menores DD e BB.
Inconformados com tal decisão, recorreram requerente e requerido para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, pelo acórdão de fls. 1012 e seguintes, veio a anular a decisão proferida em 1ª instância, ordenando a remessa dos autos para que se procedesse à audição das menores DD e BB e à inquirição do menor EE e determinando a ampliação da matéria de facto, no caso de por meio de tal audição/inquirição ser adquirida nova matéria factual.

Em cumprimento do douto acórdão proferido, foram ouvidas as menores DD e BB e inquirido o menor EE.

Em 08.06.13 foi proferida nova sentença em que se decidiu o seguinte:
A) - A menor BB fica entregue à guarda e cuidados da mãe, que sobre ela exercerá o poder paternal;
- A menor CC fica entregue à guarda e cuidados da sua tia paterna FF, incumbindo a esta o exercício do poder paternal, designadamente no que concerne ao desempenho das funções inerentes à instrução, educação, religião, sustento, assistência à saúde, segurança, etc. No mais, o poder paternal fica atribuído, na parte não prejudicada, à requerente, AA, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 1907º do Código Civil (pese embora, se considerar este segmento absolutamente inócuo, porquanto nada subsiste de relevante que importante salvaguardar, o Tribunal, para evitar quaisquer pedidos de esclarecimento, opta por deixar esclarecido este ponto).
B) - A menor DD passará o último fim-de-semana de cada mês com a irmã BB e com a mãe, nas Laceiras, devendo o pai deslocar-se com ela a fim de contactar também com a filha BB.
- A menor BB deslocar-se de dois em dois meses ao Porto, no segundo fim-de-semana do mês, aí ficando com o pai e a irmã.
- O encargo da deslocação da menor BB ao Porto deverá ser suportado pela mãe (a quem cabe providenciar pela ida da menor) e pelo pai ou tia paterna das menores, a quem incumbirá assegurar o seu regresso às Laceiras.
- Em qualquer dos casos, as menores devem já almoçar juntas no sábado, juntamente com o respectivo progenitor, devendo o regresso dar-se no domingo à tarde.
- Durante o período das férias de Verão, as menores BB e DD passarão um mês juntas, sendo as primeiras duas semanas nas Laceiras, junto da mãe, e as restantes duas semanas no Porto, junto do pai, ficando todas as despesas com as deslocações a cargo do pai das menores.
- As menores passarão juntas as férias do Natal (uma semana nas Laceiras e outra no Porto), passando alternadamente o Natal com um dos progenitores e o fim de ano com o outro, devendo para tanto, logo no início das férias escolares as menores reunir-se com o respectivo progenitor, nas Laceiras ou no Porto, de acordo com a alternância a observar, onde permanecerão até ao dia 26 de Dezembro, altura em que voltarão, para o Porto ou para as Laceiras, a fim de aí passarem o Fim do Ano com o outro progenitor, devendo o regresso da menor deslocada fazer-se no dia 2 de Janeiro (ou no dia 1, no caso de as aulas se reiniciarem logo no dia 2), permitindo-se deste modo que ainda prepare o regresso às aulas.
- As menores passarão ainda juntas uma semana nas férias da Páscoa (incluindo o domingo de Páscoa), um ano nas Laceiras, junto da mãe, outro ano no Porto, junto do Pai.
- As despesas de deslocação nas férias do Natal e da Páscoa correrão por conta do pai, ficando apenas a cargo da mãe as despesas das viagens de regresso às Laceiras da menor BB, sempre que esta se desloque ao Porto.
- As menores passarão o seu dia de aniversário, alteradamente, um ano com o pai, um ano com a mãe, mediante acordo prévio entre os interessados, e sem prejuízo das actividades escolares das menores, devendo também passar com os progenitores os respectivos dias de aniversário, em termos a acordar entre os interessados e sempre sem prejuízo das actividades escolares das menores.
C) - A título de pensão de alimentos devidos à menor BB, deverá o pai entregar à mãe, mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de 75€ (setenta e cinco euros), a actualizar no início de cada ano em 5€;
- A título de pensão de alimentos devidos à menor DD, deverão a mãe e o pai entregar à tia paterna FF, mensalmente, até ao dia 8 de cada mês, a quantia de € 50 (cinquenta euros) cada um, montante anualmente actualizável, no mês de Janeiro, em 5€.
- As despesas de educação e saúde – livros e material escolar – deverão ser suportadas na proporção de metade por cada um dos progenitores, mediante apresentação de factura, devendo a quota parte de cada um ser paga com a prestação de alimentos do mês seguinte.
- Todas as quantias devidas a título de alimentos serão pagas por forma a acordar entre os respectivos interessados”.

Ambas as partes apelaram, sem êxito, pois a Relação de Coimbra, por acórdão de 08.12.17, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformados, a AA e o DD deduziram revistas, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
Foi proferido despacho em que se decidiu não conhecer do objecto do recurso interposto pelo DD, por dizer respeito a decisão proferida de acordo com critérios de oportunidade.
Não houve contra alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido
a única questão proposta para resolução consiste em saber se foram seguidos os critérios legais para a menor DD ser confiada à guarda da tia FF.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:
A) A requerente, AA, contraiu matrimónio com o requerido, DD, no ano de 1994.
B) Deste casamento nasceram duas filhas, ainda menores: a BB, nascida a 4 de Junho de 1996 e a CC, nascida a 26 de Março de 1998, tendo por decisão proferida também no ano de 1998, pelo Tribunal de Família e Menores do Porto, sido confiado judicialmente à requerente o menor EE, nascido em 04.04.1995.
C) Na sequência do nascimento da segunda filha do casal, sofreu a requerente, AA, uma depressão pós-parto que a impossibilitou de tomar conta das filhas.
D)Por esse motivo, foi a avó materna quem passou a cuidar da BB e do EE, tendo a menor CC, com apenas 10 dias, sido entregue aos cuidados da tia paterna, FF, residente no Porto.
E) Decorrido cerca de ano e meio, a AA teve melhorias acentuadas e, por vontade sua e do requerido, passou a ter consigo a DD na residência da família, em Laceiras, concelho de Carregal do Sal.
F) Passado cerca de um mês, a requerente voltou ao Porto, entregando novamente a DD aos cuidados da tia, alegando que não tinha condições para ter as três crianças junto de si.
G) Desde essa data até agora sempre a DD viveu junto da tia paterna, no Porto, juntamente com o pai, que para lá se mudou na altura da separação do casal, em Junho de 2005, ficando a BB com a mãe nas Laceiras.
H) Do agregado familiar da tia paterna, e para além do pai da menor, fazem ainda parte os avós paternos, o companheiro da tia, GG, e um tio, HH.
I) Residem todos num apartamento de tipologia T3, com boas condições de habitabilidade, estando um dos quartos reservado ao casal, outro aos avós paternos da menor, e outro ainda ao requerido, que partilha o quarto com o irmão HH, tendo a menor o seu espaço reservado na sala de jantar, onde dispõe de um estúdio que lhe confere a necessária privacidade.
J) O agregado familiar da tia paterna, assim constituído, goza de uma situação económica estável, contando com os rendimentos do trabalho da tia paterna (que actualmente desempenha as funções de desenhadora têxtil, auferindo cerca de 500€ mensais); do seu companheiro,II (enfermeiro, cujo vencimento ascende a 1371.69€ mensais), do próprio requerido (que trabalha como tecelão e recebe mensalmente cerca de 374,7€) e ainda com as reformas percebidas pelos avós paternos (no montante de 254,61€ e 343,45€, respectivamente).
K) Actualmente a menor DD frequenta o 5º ano de escolaridade e ainda um ATL, revelando bom aproveitamento escolar (sendo mesmo uma das melhores alunas), mostrando-se integrada e revelando grande facilidade de adaptação à vida escolar.
L) Desde o início que tem sido a tia paterna, FF, a acompanhar a menor DD na escola, indo lá várias vezes e manifestando alegria com a prestação escolar da menor.
M) É à tia paterna que a menor dedica os trabalhos escolares realizados no dia da mãe, entregando os referentes ao dia do pai, ao “tio” II, indicando também as profissões de ambos quando tais informações lhe são solicitadas na escola.
N) Habitualmente a DD trata os tios por “tios” ou “padrinhos”, tratando a requerente pelo seu nome próprio (e não por “mãe”) e o requerido por “pai”, referindo-se por vezes à tia como a “outra mãe”.
O) Durante todo o tempo que tem residido no Porto, e até à decisão da presente acção, as visitas da DD à mãe e à irmã, que continuaram a residir nas Laceiras, revelaram-se esporádicas e irregulares, ocorrendo apenas em alguns fins-de-semana e nas férias escolares, sendo as deslocações da menor BB e da requerente AA ao Porto ainda mais raras.
P) Após a separação do casal, a menor BB continuou a residir nas Laceiras com a mãe e com o menor EE, integrando passado pouco tempo o agregado familiar o companheiro da mãe, sendo que na presente data tal relacionamento terminou já.
Q) Residem todos em casa própria da requerente, com condições de habitabilidade modestas, dispondo cada um dos menores de um quarto próprio, que a BB partilha com a irmã, DD, quando esta se desloca às Laceiras.
R) A situação económica do agregado familiar da requerente revela-se algo precária, uma vez que esta se encontra desempregada e não tem perspectivas de emprego (trabalhando apenas umas horas por semana a fazer limpezas), dependendo do Rendimento de Inserção Social (no montante de 460€).
S) A menor BB frequenta actualmente o 6º ano de escolaridade, revelando também bom aproveitamento escolar e mostrando-se igualmente integrada, apresentando-se bem cuidada e limpa, sem quaisquer indícios de desleixo.
T) A requerente AA sofre de doença bipolar - perturbação da esfera afectiva/emocional, caracterizada pela presença de alterações cíclicas de humor e de vitalidade, quer no sentido depressivo, quer no sentido hipomaníaco/maníaco – cujos sintomas se encontram actualmente em remissão, sendo acompanhada medicamente e tomando medicação, não impedindo tal quadro psicopatológico a assunção por parte da requerente dos deveres inerentes à parentalidade.
U) Os menores EE e BB preparam o seu próprio pequeno-almoço, ajudando e/ou preparando por vezes as refeições, colaborando também nos trabalhos do campo, onde realizam pequenas tarefas.
V) Aconteceu já, em algumas ocasiões, os menores DD, BB e EE ficarem, por algumas horas, sozinhos à noite em casa, enquanto a requerente AA trabalhava.
W) Em data não concretamente apurada, e na sequência de uma discussão mantida entre ambas, a requerente AA bateu à BB, nas pernas, com um ferro da lareira, não tendo tal agressão deixado marcas físicas visíveis.
X) Em data não concretamente apurada, a menor BB, ao manusear o fogão, sofreu uma queimadura na mão, quando se encontrava aos cuidados do pai DD.

Os factos, o direito e o recurso

No acórdão recorrido entendeu-se confiar a menor DD à guarda e cuidados da sua tia paterna FF, em homenagem ao princípio da continuidade das relações pessoais e com o ambiente social e familiar envolvente com esta e tendo em conta que o conceito de perigo para a segurança, saúde, formação moral ou educação de um menor, pressuposto para a atribuição da guarda de um menor a terceira pessoa exigido no artigo 1918º do Código Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1905º do mesmo diploma, “abrange também a hipótese de a ruptura da relação quotidiana do menor com a figura primária de referência lhe causar danos psíquicos, pelo facto de ter criado com esta uma relação afectiva semelhante à da filiação”,conforme citação da sentença proferida na 1ª instância feita no acórdão recorrido.
A recorrente AA entende que não se verificam aqueles pressupostos e, por isso, reunindo actualmente as condições necessárias para o exercício da parentalidade, deve o poder paternal ser-lhe atribuído.
Cremos que não tem razão e se decidiu bem.

Hoje em dia, em vez de "poder paternal", fala-se, preferencialmente, em "responsabilidades parentais", para acentuar que estamos perante "não um conjunto de faculdades de conteúdo egoísta e de exercício livre, ao arbítrio dos respectivos titulares, mas um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objectivo primacial de protecção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral" - nas palavras do Sr. Juiz Conselheiro Armando Leandro, “in” Poder Paternal: natureza, conteúdo, exercício e limitações. Algumas reflexões de prática judiciária, p. 119.

O poder paternal é exercido por ambos os pais mas, havendo separação, mesmo de facto – artigo 1909° do Código Civil - deve o Tribunal regular o exercício do poder paternal.
Critério orientador, na regulação do poder paternal é o superior interesse do menor, conceito aberto que carece de concretização, por parte do Juiz, devendo tomar-se em linha de conta a disponibilidade afectiva demonstrada pelos progenitores, ou terceira pessoa, a capacidade, ou não, dos progenitores em promoverem o harmonioso desenvolvimento do menor e de se adaptar ás suas necessidades.

A guarda pode ser confiada a qualquer dos pais, ou a terceira pessoa, quando se verifiquem as circunstâncias previstas no art. 1918° do Código Civil – cfr. artigo 1905º já citado.
Como se disse, é o superior interesse da criança que norteia toda a regulação do exercício do poder paternal, e, modernamente, tem-se entendido que o factor relevante para determinar esse interesse é constituído pela regra da figura primária de referência, segundo a qual a criança deve ser confiada é pessoa que cuida dela no dia-a-dia.
Como refere a Drª Clara Sottomayor, "esta regra permite, por um lado, promover a continuidade da educação e das relações afectivas da criança e por outro, atribuir a guarda dos filhos ao progenitor com mais capacidade para cuidar destes e a quem estes estão mais ligados emocionalmente. A figura primária de referência será, também, em regra, aquele progenitor com quem a criança prefere viver" - “in” Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 3ª edição, página 46, Almedina, 2000.

Por outro lado, este critério está em harmonia com as orientações legais acerca do conteúdo do poder paternal - arts. 1885°, 1918° - e com as que consideram a vontade da criança como um factor decisivo na resolução de questões que dizem respeito á sua vida - cfr. artigos 1878°, nº2 e 1901°, nº2, ambos do Código Civil.
A regra da figura primária de referência é um critério objectivo e funcional, relacionado, como se disse, com o dia-a-dia da criança, ou seja, com a realização de tarefas concretas prestadas ao menor, no quotidiano.

Postos estes conceitos, atentemos no caso concreto em apreço.

Em termos de parentalidade, verifica-se a ausência da citada figura primária de referência uma vez que, quanto ao pai, apesar de a menor viver na mesma habitação e agregado familiar em que ele vive, quem cuida da menor DD desde Outubro de 1999 é a sua tia FF.
E quanto à mãe, com que não vive, as visitas que lhe faz são “esporádicas e irregulares” e as vistas desta à filha “ainda mais raras”.
A figura primária de referência da menor é a sua tia, a referida FF.

Nos termos do disposto nas disposições conjugadas do nº2 do artigo 1905º do Código Civil e do artigo 1918º do mesmo diploma, um menor pode ser entregue à guarda de terceira pessoa que não os pais “quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação (…) se encontrem em perigo”.
Será que a alteração da situação em que vive a DD no sentido de ser entregue à mãe pode pôr em perigo aqueles valores?
Cremos que sim.

A menor, que actualmente tem onze anos, vive desde 1999 com a referida tia e com o pai, em agregado familiar que “goza de uma situação económica estável”, frequente a escola e um ATL, “mostrando-se integrada e revelando grande facilidade de adaptação à vida escolar”, sendo que” desde o início que tem sido a tia paterna,FF, a acompanhar a menor DD na escola, indo lá várias vezes e manifestando alegria com a prestação escolar da menor” e que “é à tia paterna que a menor dedica os trabalhos escolares realizados no dia da mãe, entregando os referentes ao dia do pai, ao “tio” II, indicando também as profissões de ambos quando tais informações lhe são solicitadas na escola”.

Por outro lado e sem embargo de concordamos que o critério da situação económica não é o único para a resolução da questão de se saber a quem a guarda de um menor deve ser atribuída, o certo é que este critério deve ser ponderado com o critério da manutenção de uma relação afectiva e laços criados, em suma, da protecção da estabilidade de uma criança.
Ora e em relação à mãe da menor, infelizmente da matéria de facto dada como provada não se pode concluir que, apesar de se modesta – a mãe encontra-se desempregada, não tem perspectivas de emprego, dependendo o Rendimento de Inserção Social (no montante de 460 €) - essa situação não seja perigosa para a menor viver com ela, ponderada a situação em que aquela menor actualmente se encontra, acima exposta.

Na verdade e conforme muito bem de diz na sentença proferida na 1ª instância, “retirar neste momento a menor DD do ambiente em que sempre viveu e que reconhece como sendo o seu meio de vida (…) seria alterar radicalmente a vida desta criança, causando-lhe perturbação e inquietação emocional e afastando-a do ambiente securizante que até hoje proporcionou que crescesse e se desenvolvesse em ternos francamente satisfatórios”.

Por mais que aceitemos a existência de como um “direito subjectivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” – conceito abstracto a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo.
Se esse “interesse subjectivo” dos pais não coincide com o “interesse superior” do menor, não há outro remédio senão seguir este último interesse.

Ora, face ao que ficou dito, cremos que a segurança, a saúde a educação da DD seriam postos em perigo se se interrompesse a continuidade da relação que tem com a tia e com o ambiente familiar envolvente.
O interesse – legítimo, como se disse – da recorrente em ter a sua filha DD consigo não coincide com o interesse desta.

Motivo porque entendemos ser de manter a decisão recorrida quanto à matéria em questão.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 4 de Fevereiro de 2010


Oliveira Vasconcelos (Relator)
Serra Baptista
Álvaro Rodrigues