Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | LEAL HENRIQUES | ||
Nº do Documento: | SJ200206050013793 | ||
Data do Acordão: | 06/05/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | V M SETÚBAL | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 52/01.60pestb | ||
Data: | 02/14/2002 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REC PENAL. | ||
Sumário : | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. Na Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial de Setúbal, e perante o respectivo Tribunal Colectivo, respondeu o arguido A, suficientemente id. nos autos, vindo a ser condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artº 21º, nº1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão. Descontente com a condenação, dela interpôs recurso o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, motivando-o para assim concluir: - «Ficou provado que o arguido é toxicodependente há vários anos e que destinava ao seu consumo e ao da sua companheira cerca de 1/3 da quantidade de heroína que lhe foi apreendida. - Sabido que a toxicodependência é considerada, hoje em dia, quer pela comunidade científica, quer até pelos cidadãos em geral, como uma doença, que se caracteriza pela dependência física e psíquica do produto estupefaciente, esta circunstância não se mostra minimamente contemplada na douta decisão recorrida. - O acolhimento desta factualidade, de resto adquirida no processo, levaria à subsunção no artigo 25º (tráfico de menor gravidade) ou no artigo 26º (traficante-consumidor) da lei 15/93, de 22/1, das condutas do arguido, ora recorrente. - Com o que se aplicaria ao mesmo uma pena de 2 anos, já que esta é a que se mostra mais consentânea com as circunstâncias envolventes. - Não sendo assim entendido, sempre haverá que lançar mão do instituto da medida da pena, do artigo 71º do C.P., e este instituto também não se mostra aqui contemplado, já que a dependência física-psíquica da toxicodependência do arguido postula uma acentuada diminuição da culpa do arguido e que uma boa aplicação do direito levaria aqui à atenuação especial da pena. - Tal atenuação abria caminho à aplicação ao arguido de uma pena de dois anos de prisão, medida que se mostra mais equilibrada e que permitiria ao arguido ressocializar-se, recuperando-se. - Assim, e também por esta via, se faria boa aplicação do direito. - Mostram-se violados, nomeadamente, os artigos 21º, 25º e 26º do D.L. 15/93, de 22/1 e artigo 71º do C.P...» Respondeu o MºPº na comarca, concluindo deste modo: - «Não se concorda com o recorrente, desde logo porque a matéria de facto dada como provada não pode ser subsumível aos tipos privilegiados, previstos nos art.ºs 25° e 26° do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1. - Tal matéria é apenas subsumível no art.º 21°, daquele diploma legal. - Também se discorda vivamente da medida da pena preconizada pelo arguido (2 anos de prisão), desde logo porque o crime em causa é punível com a pena mínima de 4 anos de prisão. - Tal não seria possível mesmo que se lançasse mão do disposto no art.º 71° do Código Penal, como pretende o arguido. - Certamente, quereria referir-se à atenuação especial prevista no art.º 72° do Código Penal, mas a matéria de facto não permite a integração naquela norma. - Assim, não se vislumbra que a decisão recorrida tenha violado qualquer norma legal, nem designadamente, as referidas pelo recorrente. - Pelo que, correctamente aplicada, deve ser mantida» Neste Supremo Tribunal de Justiça, o MºPº promoveu se designasse dia para julgamento. Colhidos os vistos, realizou-se a audiência oral, com obediência ao formalismo da lei, havendo agora que decidir. 2. Deu o Tribunal "a quo" como provada a seguinte matéria de facto: - «O arguido dedicou-se pelo menos nos dois meses anteriores à sua detenção, como forma de se sustentar e de arranjar heroína para o seu consumo, à compra e cedência de heroína, cocaína e haxixe a terceiros, mediante o pagamento das quantias que fixa a título de preço. - Nas suas deslocações para fornecimento e venda do produto estupefaciente o arguido utilizava o seu ciclomotor de matrícula LI, de marca "Honda NSR", de cores preta e amarela. - No dia 2 de Julho de 2001, pelas 14h10m, o arguido tinha consigo ao entrar na sua residência, em Setúbal: - nove sacos de heroína com o peso líquido de 8,718 grs; - dois sacos de cocaína com o peso líquido de 0,805 grs; - a quantia de 3500 escudos proveniente dessa sua actividade, dividida em três notas de 1000 escudos e uma nota de 500 escudos. - Na mesma ocasião tinha o arguido em sua casa: - heroína com o peso líquido de 0,011 grs; - cannabis sativa L com o peso líquido de 1,520grs; - 71 palhas inteiras vazias; - 15 palhas já cortadas; - a quantia de 98000 escudos, proveniente dessa actividade, dividida em 1 nota de 100000 escudos, 9 notas de 50000 escudos, 5 notas de 2000 escudos, 30 notas de 1000 escudos e 6 notas de 500 escudos; - um passador com resíduos de droga; - duas colheres com resíduos de droga; - duas facas com resíduos de droga; - duas facas, sendo uma grande e outra de pequena dimensão, com respectivo coldre; - dez fotocópias de cautelas de penhor da firma "Prestamistas"; - vários objectos de ouro e prata, nomeadamente uma pulseira com a inscrição "João Paulo". - As palhas, o passador, as duas colheres e as duas facas com resíduos destinavam-se a ser utilizados pelo arguido na actividade de venda de produtos estupefacientes. - A pulseira com a inscrição "João Paulo" foi obtida pelo arguido na actividade de venda de produtos estupefacientes, como pagamento dos mesmos por parte dos consumidores. - Bem sabia o arguido que pelas suas características não podia adquirir, deter ou ceder tais produtos. - Actuou o arguido livre, voluntária e conscientemente, apesar de saber ser proibido o seu comportamento. - O arguido é toxicodependente há vários anos. - O arguido destinava a seu consumo e de sua companheira cerca de 1/3 da quantidade de heroína que lhe foi apreendida. - O arguido não tem actividade laboral. - Vivia com a companheira. - Em 5/7/82 o arguido foi condenado na pena única de 2 anos e 15 dias de prisão e 67 dias de multa a 150 escudos ou em alternativa 44 dias de prisão, pela prática de um crime de furto e "encobridor". - Em 13/2/85 o arguido foi condenado na pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado. - Em 31/1/90 o arguido foi condenado na pena de 80 dias de multa à taxa diária de 200 escudos ou em alternativa 53 dias de prisão pela prática de um crime de ofensas corporais simples, por factos praticados em 8/3/89. - Em 13/7/92 o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado e crime de posse de arma proibida, por factos praticados em 3/4/88. - Em 22/3/93 o arguido foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, que englobou a anterior condenação, pela prática de um crime de ofensas corporais graves, por factos praticados em 16/10/91. - Em 18/11/93 o arguido foi condenado na pena de 45 dias de prisão pela prática de um crime de detenção de estupefacientes para consumo (artº 40º do DL 15/93), por factos praticados em 8/8/92. - Em 24/5/94 o arguido foi condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado, por factos praticados em 17/1/91. - Em 12/12/95 o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade (artº 25º do DL 15/93) na pena de 2 anos de prisão, por factos praticados em 22/7/95». O mesmo tribunal deu como não provado o seguinte: - «que o revólver, relógios e objectos em prata e ouro, com excepção da pulseira acima identificada, tivessem sido obtidos pelo arguido na venda de estupefacientes (...); - que a heroína apreendida se destinasse exclusivamente à venda ou cedência a terceiros». Conjugada esta factualidade - que se tem por definitivamente assente - com a decisão recorrida, coloca o recorrente as seguintes questões: 1ª.- Não será de equacionar erro de integração jurídico-penal, por se ter por mais ajustada a subsunção dos factos ao tipo do artº 25º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro (tráfico de menor gravidade) ou mesmo ao do artº 26º do mesmo diploma (tráfico para consumo)? 2ª.- A não se entender assim, não seria de fazer funcionar aqui o instituto da atenuação especial da pena, com o estabelecimento de uma censura que não fosse além de 2 anos de prisão, de modo a favorecer a recuperação do arguido? Há que apreciar. Comecemos naturalmente pela primeira questão (enquadramento jurídico-penal dos factos). Está provado que o arguido, pelo menos desde 2 meses antes da sua detenção (ocorrida em 01.07.02), se dedicava ao comércio de produtos estupefacientes, comprando e vendendo heroína, cocaína e haxixe, sendo certo que já em 95.12.12 havia sido condenado a 2 anos de prisão por tráfico de menor gravidade ocorrido em 95.07.22. Provou-se também que os produtos que adquiria no âmbito dessa actividade os destinava o arguido a consumo próprio e da sua companheira (1/3) e a venda (2/3). Provou-se ainda que o arguido não tem modo de vida, sustentando-se exclusivamente dos lucros obtidos através do tráfico. Finalmente provou-se que na altura dos factos (2 de Julho de 2001) o arguido tinha em seu poder 8,729 grs. de heroína, 0,805 grs. de cocaína e 1,520 grs. de haxixe, bem como diversos objectos usualmente destinados às práticas de tráfico (palhas, passador, colheres e facas), todos com resíduos. Perante esta factualidade é mais do que óbvio que o arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artº 21º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, pois que nem os meios utilizados, nem a modalidade e circunstâncias da acção, nem a qualidade e em parte a quantidade das substâncias que transaccionava denunciam considerável diminuição da ilicitude (artº 25º), nem o arguido tinha por finalidade exclusiva adquirir droga para seu consumo (artº 26º). Donde que improceda a primeira questão colocada pelo recorrente. Assente que o crime é o do artº21º daquele D.L., e não outro, há que ver se procede a segunda questão (isto é, se se justifica ou não a atenuação especial da pena). Diz o artº 72º do CP (e não 71º como por lapso refere o recorrente) que esse benefício será de atribuir ou nos casos expressamente previstos na lei (v.g. excesso de legítima defesa, estado de necessidade desculpante, tentativa, cumplicidade, etc.) - atenuação ope judicis -, ou quando concorrerem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena - atenuação ope legis. Para esta última situação - que é aquela que se afeiçoa ao caso em apreço - oferece o legislador circunstâncias exemplificativas, tais como, a ameaça, o motivo honroso, a forte solicitação ou tentação da vítima, a provocação ou a ofensa imerecida, o arrependimento, a reparação do mal do crime ou o bom comportamento após a prática do ilícito. Ora, de toda a economia do acervo fáctico provado, não resulta a verificação de qualquer destas ou de semelhantes circunstâncias, bem ao contrário, pois que o arguido arrasta consigo um rol já respeitável de antecedentes criminais, onde nem sequer falta uma incursão pelo mundo do tráfico de estupefacientes. Donde que a questão posta não mereça o menor acolhimento. 3. De harmonia com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar total provimento ao recurso. Vai o arguido condenado em 5 Uc de taxa de justiça. Honorários ao defensor: Lisboa, 5 de Maio de 2002. Leal Henriques, Borges de Pinho, Franco de Sá, Armando Leandro. |