Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4724/10.6TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
DEVER ACESSÓRIO
BOA -FÉ
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
MORA
INTERPELAÇÃO ADMONITÓRIA
PRAZO RAZOÁVEL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
RESTITUIÇÃO DO SINAL
Data do Acordão: 11/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / PROVA TESTEMUNHAL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Adriano Vaz Serra, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 110º, p. 186;
- Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9.ª Edição, Almedina, p. 279 e 283;
- João Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 8.ª Edição, p.133 ; Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do Vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2.ª Edição, Coimbra, 1995., p. 292;
- José Carlos Brandão Proença, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial de 1989, p. 244 e ss. ; Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica, Resolução, 2.ª Edição, Separata do número especial do Boletim da faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em Homenagem ao professor Doutor António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1996;
- Vaz Serra e Mota Pinto, Revista de Legislação e Jurisprudência n.º107 p. 311 e ss. ; Colectânea de Jurisprudência 1985, Tomo III, p. 11 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 394.º, N.º 1, 570.º, 801.º, 802.º E 808.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2, 635.º, N.º 4, 639.º E 674.º, N.ºS 1, ALÍNEAS B) E C) E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 15-10-2002, PROCESSO N.º 02A1160;
- DE 11-12-2003, PROCESSO N.º 03A3363, IN WWW.DGSI.PT,
- DE 13-01-2009, PROCESSO N.º 08A3649;
- DE 12-01-2010, PROCESSO N.º 628/09.3YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-09-2012, PROCESSO N.º 3026/05.4TBSTS.P1.S1;
- DE 12-09-2017, PROCESSO N.º 148/14, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - A resolução do contrato enquanto exercício de um direito potestativo vinculado impõe à respectiva parte o ónus de alegar e demonstrar o fundamento justificativo da desvinculação contratual.

II - No negócio jurídico bilateral, de onde emergem direitos e deveres para cada uma das partes, a avaliação do incumprimento contratual não se confina aos deveres principais adstritos às respectivas partes, estendendo-se, necessariamente, aos deveres acessórios ou complementares ínsitos nas estipulações contratuais e aos que decorrem do desígnio da própria vinculação contratual (deveres inerentes à dinâmica negocial assentes no princípio de boa-fé e num critério ético-normativo de razoabilidade).

III – A ausência de razoabilidade por parte dos promitentes cedentes na fixação de um prazo limite para a realização do contrato definitivo (em desrespeito do que os ditames da boa-fé na execução do contrato impunham) não faz converter a mora das promitentes-cessionárias (relativamente ao cumprimento pontual do contrato-promessa) em incumprimento definitivo em função da não realização da escritura no referido prazo (admonitório).

IV - Revelando os factos a vontade séria e inequívoca de ambas as partes em, definitivamente, não cumprirem, pontualmente, o contrato-promessa nos termos firmados, verifica-se uma situação de incumprimento definitivo do contrato promessa imputável a ambas as partes.

V - As consequências desse inadimplemento bilateral para efeitos de fixação do montante devido a título indemnizatório deverão ser ponderadas à luz do disposto no artigo 570.º, do Código Civil, por forma a obter a solução que se mostre mais razoável perante todas as circunstâncias do caso.

VI – Sendo de atribuir paridade de culpas aos contraentes, as consequências da extinção do contrato (equiparadas à nulidade ou anulação do negócio) implicam a devolução do sinal prestado.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA, S.A. e BB, S.A., intentaram acção contra CC, DD e EE[1], pedindo:
- a resolução do contrato-promessa dos autos, por incumprimento imputável aos 1.º e 2.º Réus, e serem estes condenados a pagar às Autoras a quantia de € 6.675.000,00, a título de indemnização correspondente à devolução, em dobro, do sinal por estas prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Subsidiariamente, e na situação da improcedência deste pedido;
- a anulação do contrato-promessa dos autos, por erro sobre o objecto e os motivos do negócio, e serem os Réus condenados a pagar às Autoras a quantia de € 3.337.500,00, a título de restituição, em singelo, do sinal prestado, acrescida dos juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Ainda, subsidiariamente;
- a execução específica do contrato-promessa dos autos, com a declaração de venda às Autoras das participações sociais que compõem o capital social da 3.ª Ré, e, indirectamente, por via dessa venda, a venda da ....

Alegaram para o efeito e essencialmente que através da celebração de um contrato-promessa de cessão das quotas representativas da totalidade do capital da sociedade EE, que os 1.ºs e 2.ºs Réus nela detinham, estes se obrigaram a vender o prédio rústico ..., que constituía o único activo da referida sociedade. Referiram ainda as Autoras que no prédio rústico em causa visavam realizar um projecto imobiliário o qual se lhes revelou gorado face à falta de capacidade edificativa do imóvel, tendo sido tal capacidade o pressuposto do negócio celebrado entre as partes.

Considerando que a manifestação de vontade declarada na certificação de comparência no Cartório Notarial de não outorga da escritura não configura uma recusa ilícita de cumprimento do contrato-promessa, concluem que não ocorre fundamento para a resolução do contrato-promessa operada pelos Réus através da carta que enviaram em 26-03-2010. Em consequência imputam a estes o incumprimento definitivo do contrato.

2. Após citação os Réus apresentaram contestação impugnando a factualidade alegada na petição. Assim e fundamentalmente referiram que o incumprimento do contrato, imputável às Autoras, ocorreu por dificuldades financeiras das mesmas, que determinaram a não concretizaram do negócio. Refutaram ainda terem garantido às Autoras qualquer capacidade edificativa para o prédio e que a mesma tenha constituído condição ou pressuposto do contrato-promessa celebrado. Concluíram pela improcedência total da acção.

3. Realizado julgamento foi proferida sentença (em 18 de Abril de 2016) que julgou improcedente a acção e absolveu os Réus dos pedidos.

4. Inconformadas as Autoras apelaram, tendo o Tribunal da Relação de Évora (por acórdão de 11 de Maio de 2017), julgado a apelação parcialmente procedente tendo alterado a matéria de facto fixada e, ainda que com fundamentação diversa, foi a sentença confirmada.

5. Interpuseram as Autoras recurso de revista formulando as seguintes conclusões:
A. Os Recorridos adoptaram uma conduta que configura uma recusa de cumprimento do contrato-promessa, desde logo porque declararam “rescindir” esse contrato, sem que para tal tivessem fundamento, com o que deixaram clara a sua vontade de porem fim ao contrato-promessa e de não realizarem a prestação a que se obrigaram através desse contrato.
B. Para além disso, os Recorridos afirmaram, nas missivas enviadas à Recorrente e à FDO - Imobiliária, que haviam perdido o interesse na celebração do contrato definitivo.
C. O Tribunal da Relação de Évora considerou que não se provaram factos que fundamentem a perda de interesse por parte dos Recorridos, pelo que julgou ilícita a rescisão contratual por eles declarada, o que equivale a um incumprimento definitivo do contrato-promessa pelos Recorridos.
D. Ao ser ilícita, a rescisão do contrato-promessa por parte dos Recorridos manifesta a vontade destes de não cumprirem tal contrato.
E. Acresce que, numa reunião tida apenas pelo Recorrido CC na Câmara Municipal de ... em Março de 2010, convocada a pedido daquele e cujo tema foi a discussão de uma nova proposta para o Plano de Pormenor da ..., o Recorrido declarou que iria retomar pessoalmente o assunto – cfr. Ponto 26 dos Factos Provados e Acta junta com a contestação como documento n.º 4.
F. Esta conduta do Recorrido CC demonstra inequivocamente que naquele momento já não era intenção dos Recorridos alienar a sociedade EE, incluindo a ..., à Recorrente e à BB, porque até então e desde a celebração do contrato-promessa tinham ficado as promitentes-compradoras a conduzir o processo de elaboração do projecto do Plano de Pormenor – cfr. Ponto 19 dos Factos Provados.
G. Ademais, na sequência daquela reunião, em Junho de 2010, ou seja, já depois da rescisão do contrato-promessa declarada pelos Recorridos, o gabinete de arquitectura “E...” elaborou, a pedido dos Recorridos, um novo projecto, designado “Estudo Prévio”, para a ... - cfr. Ponto 27 dos Factos Provados, artigo 75.º da contestação e documento de fls. 133 e seguintes dos autos.
H. Mais: o teor da contestação deduzida pelos Recorridos no presente processo é uma manifestação clara e inequívoca de que não pretendiam nem pretendem cumprir o contrato-promessa, o que é inegável tendo em consideração que se opuseram ao pedido de execução específica.
I. Por fim, certo é que até hoje, mais de sete anos depois de terem declarado a rescisão do contrato-promessa, os Recorridos não tomaram qualquer iniciativa com vista à celebração do contrato definitivo, ao contrário do que haviam feito em momento anterior.
J. Como é pacificamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a recusa de cumprimento por parte do devedor consubstancia um incumprimento definitivo do contrato e dispensa o credor dos ónus previstos no artigo 808.º, n.º 1, do CC.
K. O comportamento adoptado pelos Recorridos, do qual resulta de forma manifesta o repúdio do contrato-promessa, é irreversível, sob pena de abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium, sobretudo porque permitiria aos Recorridos, agora e mais de sete anos depois, receber cerca de 2 milhões de euros, para além dos mais de 3 milhões que já receberam, por uma sociedade cujo único activo é a ..., cujo valor é de apenas €808.000 – cfr. Ponto 30 dos Factos Provados.
L. Mesmo que se considere, como fez o acórdão recorrido, que a declaração de rescisão emitida pelos Recorridos é uma declaração de resolução, ilícita, estamos também perante uma recusa do cumprimento e, como tal, de um incumprimento definitivo do contrato.
M. Com essa declaração de resolução, os Recorridos extinguiram o contrato-promessa, sendo que não poderiam, nem em tese, querer voltar atrás e oferecer a sua prestação, uma vez que a resolução de um contrato opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, que se torna irrevogável logo que chega ao poder da parte contrária ou é por esta conhecida – cf. artigos 436.º, 224.º, n.º 1, e 230.º, n.º 1, do CC.
N. Pelo que, tendo extinguido o contrato-promessa, os Recorridos já não podiam cumprir a obrigação que para eles resultava desse contrato.
O. A recusa de cumprimento do contrato-promessa por parte dos Recorridos equivale a um incumprimento culposo, por causa imputável àqueles, na medida em que foi um acto que dependeu apenas e só da vontade dos Recorridos e que estes bem sabiam não ter fundamento.
P. Assim, havendo um incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa por parte dos Recorridos, à Recorrente assiste o direito de receber, em dobro, o sinal que prestou, no valor total de €6.672.660 (seis milhões seiscentos e setenta e dois mil seiscentos e sessenta euros), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até efectivo e integral pagamento – cf. artigo 442.º, n.º 2, do CC.
Sem prescindir:
Q. Da conjugação dos factos dados como provados na sentença proferida pela primeira instância jurisdicional e não impugnados em sede de recurso com os factos dados agora por provados pelo Tribunal da Relação de Évora resulta que a Recorrente contratou com os Recorridos no convencimento de que o objecto real do contrato possuía determinadas características tidas por essenciais, entre elas a de que a ... tinha a potencialidade construtiva necessária para nela ser edificado um complexo comercial.
R. A potencialidade edificativa da ... era conhecida dos Recorridos como uma característica essencial do objecto do negócio, na qual a Recorrente fundara a sua decisão de contratar, e sem a qual não teria celebrado o contrato com os Recorridos.
S. No caso em análise, existe uma especificidade resultante de se tratar de dois contratos distintos – o de promessa e o prometido -, que se encontram numa coligação contratual e em que os pressupostos para a realização de um são aferidos pelo outro, sabendo-se que os dois contratos se celebrariam em momentos temporais distintos.
T. O que vale por dizer que o momento relevante para aferir da verificação integral dos pressupostos em que as partes fundaram a sua decisão de celebrar o contrato é o momento da celebração do contrato definitivo ou prometido; aqui, verificar-se-ia se as circunstâncias essenciais que determinaram a vontade de prometer celebrar um determinado contrato estão ou não reunidas.
U. A essencial potencialidade edificativa em que assentou a vontade de celebrar a promessa e que tinha de se verificar no momento da escritura pública não estava concretizada no momento em que os Recorridos exigiram celebrar a escritura pública do contrato prometido.
V. Deparou-se, pois, a Recorrente com erro sobre o objecto e os motivos do negócio, o que torna o contrato-promessa anulável com a consequente restituição do já prestado, nos termos dos artigos 251.º e 252.º do CC.
W. Ao contrário do que foi entendido pelo Tribunal da Relação de Évora, houve efectivamente uma representação inexacta da realidade pelo declarante e que foi determinante da decisão de celebrar o negócio: a potencialidade edificativa, a que apenas faltavam as formalidades administrativas próprias da elaboração, já decidida pela Câmara de ..., e aprovação de um Plano de Pormenor, em alteração ao Plano Director Municipal, não se tratando, pois de qualquer “error in futurum”.
X. A falta de conversão de potencialidade em capacidade edificativa não se deveu a qualquer alteração superveniente ao contrato-promessa, pois que o terreno mantinha-se o mesmo à data marcada para a celebração do contrato definitivo, mas não detinha a capacidade construtiva que fora o reconhecido pressuposto essencial da celebração do contrato-promessa.
Y. Mas, ainda que se admitisse que se trata aqui dum “error in futurum”, sempre se diga, na senda de FF, que sempre seria defensável a configuração do erro sobre a base do negócio que diga respeita ao futuro: o que existe é um erro (actual) sobre a representação futura das circunstâncias básicas do negócio e não propriamente uma alteração delas.
Z. Assim, seja pela via da anulação fundada em erro actual sobre características presentes do objecto mediatamente prometido comprar seja por erro sobre um pressuposto de verificação futura, sempre o contrato é anulável, por erro, o que a aqui Recorrente pretende ver reconhecido, com a consequente restituição às partes do que cada uma prestou, que, no caso, se resume à devolução à Recorrente do sinal prestado, acrescido de juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação para a presente acção até efectivo e integral pagamento.
AA. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo fez uma errada aplicação e/ou interpretação dos artigos 442.º, 436.º, 224.º, n.º 1, e 230.º, n.º 1, 808.º, n.º 1, e 251.º e 252.º, todos do CC.

6. Em contra alegações os Réus defendem a improcedência da revista e requerem a reforma do acórdão quanto a custas[2], tendo ainda deduzido ampliação do âmbito do recurso nos termos do artigo 636.º, n.º1, do CPC, relativamente à (i)licitude da resolução do contrato por si levada a cabo e nos termos do n.º2, do mesmo Código, quanto à matéria de facto alterada (alínea d) dos factos provados) pelo tribunal da Relação por contradição com a cláusula 5.1 do contrato-promessa.

HH – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostram-se colocadas para apreciação deste tribunal as seguintes questões[3]:
ü Da violação pela Relação da disposição que fixa a força de determinado meio de prova (objecto de ampliação do âmbito do recurso requerida pelos Réus)
ü Da (in)validade da rescisão do contrato-promessa celebrado e seus efeitos (objecto do recurso e ampliação do âmbito do recurso por parte dos Recorridos)
ü Da existência de erro sobre o objecto e os motivos do negócio (pedido subsidiário)

1.1 Os factos provados (destacada a bold a factualidade alterada pelo acórdão em função do conhecimento do recurso sobre a matéria de facto)
1). No dia 29/11/05, no Cartório Notarial de GG, as Autoras e os Réus CC e DD celebraram um contrato junto com o requerimento de providência cautelar como documento nº. 2, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, denominado contrato de promessa de cessão de quotas, renúncia e nomeação de gerente, mediante o qual aquelas prometeram adquirir os créditos e as quotas de que os Réus eram titulares na Sociedade EE …, …, Lda., com sede na Rua …, número quarenta e três, segundo andar, em Lisboa, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o nº. ..., representativas da totalidade do capital social de €5.000,00.
2). O Réu marido era titular de uma quota no valor nominal de €3750,00 e, por sua vez, a Ré mulher de uma quota no nominal de €1.300,00.
3).O preço da cessão acordado foi de €5000.000,00.
4).Os Autoras e os Réus CC e DD subscreveram um documento complementar cujas cláusulas foram as seguintes:
documento complementar elaborado nos termos do número dois do artigo sessenta e quatro do Código de Notariado que instrui a escritura de vinte e nove de Novembro de dois mil e cinco lavrada no cartório Notarial de GG.
Promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos
Considerando que:
A) CC, adiante designado por Primeiro Promitente Cedente, e sua mulher, DD, adiante designada por Segunda Promitente Cedente, ambos em conjunto designados por Promitentes Cedentes, detêm a totalidade do capital social da sociedade EE-…, Limitada (adiante designada abreviadamente por “Sociedade”), com sede registada na Rua …, n.° …, 2.°, freguesia ..., em Lisboa, nesta data deslocada para a Av. …, n° …, 4° Esq., freguesia de ..., em Lisboa, pessoa colectiva n.° ..., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o número ..., com o capital social de cinco mil euros, integralmente realizado, e dividido em duas quotas com o valor nominal de três mil e setecentos euros e de mil e trezentos euros, pertencentes, respectivamente, aos primeiro e segunda Promitentes Cedentes;
B)A Sociedade é proprietária de um prédio misto, designado por ..., descrito na Segunda Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... da freguesia de ...(fls.115 B-28), encontrando-se a parte urbana inscrita na respectiva matriz predial sob os artigos …, …., …, …, ..., :…, …, … e …,devendo tais artigos urbanos, que actualmente correspondem a meras ruínas, desaparecer por não terem qualquer interesse para nenhum projecto de urbanização que possa vir a ser implementado pela Sociedade, e a parte rústica inscrita na respectiva matriz sob o artigo 57 da Secção A (adiante designado abreviadamente por Imóvel), o qual se acha inteiramente livre de ónus e encargos e se encontra melhor identificado na planta que se junta como Anexo 1, onde s encontra delimitado a carmim;
C) As sociedades AA., S.A., adiante designada por Primeira Promitente Cessionária, e BB, S.A., adiante designada por Segunda Promitente Cessionária, ambas em conjunto designadas por Promitentes Cessionárias, têm interesse na execução e exploração do imóvel, designadamente, se possível, através de um projecto a implantar no Imóvel (adiante designado abreviadamente por Centro Comercial e um … e pela constituição habitação, comércio e/ou serviços;
D) A forma acordada pelas Partes para concretizar tal interesse, foi a aquisição pelas Promitentes Cessionárias da totalidade das quotas representativas de cem por cento do capital social da Sociedade;
E) Sobre o prédio identificado no Considerando B.) e zona envolvente a Câmara Municipal de ... já deliberou (Anexo 2) a elaboração do Plano de Pormenor de …, que pretende viabilizar uma área de construção destinada a comércio, serviços, hotelaria, habitação, cultura e lazer;
F) O Primeiro Promitente Cedente é credor da Sociedade no montante de quatro milhões, quinhentos e nove mil e seis euros, quantia correspondente a suprimentos efectuados e devidamente contabilizados;
G) O Imóvel foi comprado pela Sociedade para revenda, com a inerente isenção temporária, à altura, de sisa, pelo que, ultrapassando o Projecto os prazos da referida isenção, será devido IMT por força da não transmissão do Imóvel dentro dos prazos legais relativos à isenção;
H) As Promitentes Cessionárias são detidas na sua totalidade, directamente a primeira e indirectamente a segunda, pela sociedade comercial AA, SGPS, S.A., pessoa colectiva nº…., com sede na Praceta ..., 5, … …, com o capital social de dez milhões de euros integralmente realizado, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Braga sob o nº. …, a qual é também detentora da totalidade do capital social da sociedade comercial HH, S.A., NIPC …., com sede registral na Rua …, …, .., matriculada na Conservatória do Registo Comercial de ... sob o nº.....
É celebrado o presente Contrato-promessa de Cessão de Quotas e Cessão de Créditos, de que fazem parte os Considerandos supra e que se rege nos termos e pelas cláusulas seguintes:
PRIMEIRA
Objecto
1.1.Com a assinatura do presente contrato-promessa, os Promitentes Cedentes prometem ceder às Promitentes Cessionárias e estas prometem adquirir-lhes, nos termos e condições estabelecidos no presente Contrato-promessa, as quotas que detêm na Sociedade, melhor identificadas no considerando A), e que constituem a totalidade do capital social da Sociedade, livres de quaisquer ónus, encargos, garantias ou responsabilidades.
1.2.Igualmente com a assinatura do presente contrato-promessa, o Primeiro Promitente Cedente compromete-se a ceder, e as Promitentes Cessionárias reciprocamente a adquirir, a totalidade dos créditos que o Primeiro Promitente Cedente detém sobre a Sociedade, no montante de quatro milhões quinhentos e nove mil e seis euros.
1.3 Nos termos do artº. 583º. do Código Civil, compromete-se o Primeiro Promitente Cedente notificar a Sociedade da realização da cessão de créditos, utilizando para o efeito a minuta de comunicação que se junta como Anexo 3.
1.4 Fica perfeitamente entendido entre as partes que as promessas de cessão das quotas e dos créditos, e respectivas promessas de aquisição, são incidíveis, não podendo o presente contrato-promessa ser cumprido em relação a umas sem que o seja simultaneamente quanto às outras, importando, consequentemente, o incumprimento da promessa de cessão (ou de aquisição) das quotas o incumprimento da promessa de cessão (ou de aquisição) dos créditos e vice versa.
1.5 Nos termos do acima acordado:
- o Primeiro Promitente Cedente cederá à Primeira Promitente Cessionária uma quota com o valor nominal de três mil e setecentos euros e créditos no montante de três milhões trezentos e trinta e seis mil seiscentos e sessenta e quatro euros e à Segunda Promitente Cessionária créditos no montante de um milhão cento e setenta e dois mil trezentos e quarenta e dois euros;
- a Segunda Promitente Cedente cederá à Segunda Promitente Cessionária uma quota com o valor nominal de mil e trezentos euros.
SEGUNDA
Preço
2.1 As quotas serão cedidas pelos respectivos valores nominais, sendo os créditos referidos na cláusula 1.2 cedidos pelo preço de quatro milhões novecentos e noventa e cinco mil euros, dos quais três milhões seiscentos e noventa e seis mil e trezentos euros a pagar pela Primeira Promitente Cessionária e um milhão duzentos e noventa e oito mil e setecentos euros a pagar pela Segunda Promitente Cessionária, tudo no montante global (créditos e quotas) de cinco milhões de euros.
2.2 O referido preço será pago da seguinte forma:
a).Com a assinatura do presente Contrato-promessa, a título de sinal e princípio de pagamento, a Primeira Promitente Cessionária pagou ao Primeiro Promitente Cedente a quantia de trezentos e setenta euros por conta da quota e trezentos e sessenta e nove mil seiscentos e trinta euros por conta do crédito a ceder, tendo a Segunda Promitente Cessionária pago à Segunda Promitente Cedente a quantia de cento e trinta euros e ao Primeiro Promitente Cedente a quantia de cento e vinte e nove mil oitocentos e setenta euros;
b).No momento da outorga da escritura pública de cessão de quotas a Primeira Promitente Cessionária entregará ao Primeiro Promitente Cedente a quantia de um milhão seiscentos e sessenta e sete mil e quinhentos euros e a Segunda Promitente Cessionária entregará à Segunda Promitente Cedente a quantia de mil cento e setenta euros e ao primeiro Promitente Cedente um milhão cento e sessenta e oito mil oitocentos e trinta euros,
c).O remanescente do preço devido pela Primeira Promitente Cessionária ao Primeiro Promitente Cedente, isto é, a quantia de um milhão seiscentos e sessenta e dois mil e quinhentos euros será liquidada mediante a entrega, até ao valor correspondente, de fracções autónomas do empreendimento de Hotel-Apartamento de 5 estrelas que a HH, S.A., está a promover no prédio rústico, denominado “A...” ou “M...”, com a área registral de 87.400 m2 a confrontar do norte com Estrada …, do Sul com Estrada de M..., do Nascente com Herdeiros de II e Outros e do Poente com Estrada da A..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n°…., Freguesia de ..., actualmente inscrito na matriz sob o art° 1 da Secção G.
TERCEIRA
Projecto
3.1 Os Promitentes Cedentes desde já permitem que as Promitentes Cessionárias, actuando em nome da Sociedade, procurem obter junto de todas as entidades competentes a aprovação das licenças necessárias à realização do Projecto a implantar no Imóvel, composto por um Centro Comercial e um RetailPark.
3.2 Para o efeito do acordado no número anterior, a Sociedade atribuirá, no prazo de quinze dias após instada para o efeito, por procuração ou qualquer outro documento suficiente para o efeito, à Segunda Promitente Cessionária, os poderes representativos necessários que esta razoavelmente lhe solicite.
3.3 Correrão por conta das Promitentes Cessionárias todos e quaisquer encargos e custos necessários ou em que incorram para obtenção da aprovação do Projecto.
3.4 Sem prejuízo do disposto nos números antecedentes, ficam a cargo da Sociedade quaisquer impostos ou taxas inerentes à existência e funcionamento da sociedade a partir da celebração do presente contrato-promessa, bem como os devidos por força da detenção do Imóvel pela Sociedade, designadamente o IMT que vier a ser devido pela não alienação do Imóvel dentro dos prazos legais relativos à respectiva isenção, conforme referido no Considerando G.
3.5 Caso as eventualidades previstas no número anterior se verifiquem antes da aquisição pelas Promitentes Cessionárias do capital da Sociedade, tais pagamentos serão adiantados pela Segunda Cessionária.
QUARTA
Da Situação da Sociedade
4.1 Os Promitentes Cedentes declaram e garantem para todos os efeitos que, na presente data e na data da outorga da escritura pública, a Sociedade:
a) É exclusivamente detida pelos Promitentes Cedentes;
b) É legítima proprietária e possuidora pacífica do Imóvel;
c) O Imóvel supra referido encontra-se livre de quaisquer ónus, encargos ou responsabilidades, e devoluto de pessoas e bens;
d) Não tem qualquer passivo exigível;
e) Está livre de quaisquer responsabilidades bancárias;
f) Não tem vínculo com qualquer trabalhador ou prestador de serviços, excepto as obrigações decorrentes de contrato de prestação de serviços em vigor com o Gabinete de Arquitectura E...- …, Lda., cujas obrigações resultam exclusivamente da proposta constante da carta de 4 de Abril de 2005;
g) Tem regularizada a sua situação contributiva perante a Segurança Social e a Fazenda Nacional, conforme certidões que se juntam como Anexos 4 e 5, as quais se consideram partes integrantes do presente Contrato-promessa;
h) Tem a sua contabilidade em dia e as suas contas devidamente aprovadas em assembleias gerais de sócios.
4.2 Os Promitentes Cedentes garantem que a situação económica actual da Sociedade se encontra fielmente retractada no balanço e demonstração de resultados, e balancete mensal reportado ao mês de Julho de 2005 que se junta como Anexo 6, o qual se considera parte integrante do presente Contrato-promessa.
4.3 As Promitentes Cessionárias poderão, mediante comunicação por escrito dirigida aos Promitentes Cedentes, antes ou na data da escritura pública de cessão de quotas, optar por resolver o presente Contrato-promessa, caso ocorra violação das garantias enunciadas no número 4.1 da presente cláusula.
4.4 Exceptua-se do acordado na cláusula anterior a violação das garantias que comprovadamente decorram do cumprimento do presente contrato-promessa, bem como aquelas que decorram de factos alheios à vontade dos Promitentes Cedentes e sobre os quais estes não tenham influência, designadamente a casos fortuitos ou de força maior, expropriações, ocupações.
4.5 O Primeiro Promitente Cedente compromete-se a, no prazo de quinze dias a contar da celebração do presente contrato, notificar o gabinete de Arquitectura E...-…, Lda., da alteração da gerência da Sociedade e de que o mesmo deve prestar toda a sua colaboração quer ao novo gerente nomeado quer à entidade que a Sociedade nomeie para o efeito, atendendo ao disposto na cláusula terceira.
QUINTA
Escritura de cessão de quotas
5.1 A outorga da escritura pública de cessão de quotas terá lugar em Lisboa, no prazo máximo de dezoito meses contados a partir de 15 de Outubro de 2005 ou nos trinta dias após a obtenção pela Sociedade da aprovação referida na cláusula terceira, conforme o que ocorra primeiro, em dia, hora e Cartório Notarial que as Promitentes Cessionárias vierem a indicar por escrito aos Promitentes Cedentes, com a antecedência mínima de quinze dias, por meio de carta registada com aviso de recepção.
5.2 Os Promitentes Cedentes comprometem-se a entregar às Promitentes Cessionárias, no prazo de cinco dias a contar da recepção da carta mencionada no parágrafo anterior, todos os documentos necessários à instrução da escritura pública, bem como a entregar até à data da escritura pública, duas certidões actualizadas, uma de inexistência de dívidas fiscais e outra de inexistência de dívidas à Segurança Social.
5.3 Havendo acordo das partes, a cessão de créditos poderá ser efectuada por documento particular assinado imediatamente antes da escritura referida em 5.1 antecedente. Na falta de acordo, a cessão de créditos será incluída na referida escritura pública.
5.4 Caso a escritura pública de cessão de quotas não seja marcada pelas Promitentes Cessionárias nos termos e/ou prazos estabelecidos em 5.1, poderá qualquer um dos Promitentes Cedentes proceder à marcação de tal escritura, comunicando a mesma aos demais com pelo menos quinze dias de antecedência, por meio de correio registado com aviso de recepção, comprometendo-se as Promitentes Cessionárias a enviar ao Promitente Cedente em causa toda a sua documentação necessária à instrução da escritura pública.
5.5 A não realização da escritura na data marcada pelo(s) Promitente(s) Cedente(s), nos termos referidos em 5.4, por facto imputável a qualquer uma das Promitentes Cessionárias, constitui estes em incumprimento definitivo das respectivas obrigações contratuais.
SEXTA
Condução da actividade até à data da escritura pública.
6.1 Os Promitentes Cedentes, também no acto da celebração do presente contrato-promessa nomeiam como gerente da Sociedade o Sr. JJ.
6.2 Desta forma, a Sociedade será vinculada com a assinatura conjunta dos gerentes CC e JJ.
6.3 Acordam os Outorgantes que a gerência se manterá conforme estipulado nos números um e dois da presente cláusula até a celebração da escritura pública de cessão de quotas.
SÉTIMA
Custos, Despesas e Encargos
Todas as despesas notariais e registais relativas à cessão de quotas serão suportadas, na respectiva proporção, pelas Promitentes Cessionárias.
OITAVA
Execução específica
Fica expressamente acordado que a estipulação de pagamento de sinal não preclude a possibilidade de ser requerida a execução específica do presente Contrato-promessa, nos termos previstos no Art.° 830 do Código Civil.
NONA
Notificações
9.1 Todas as notificações e outras comunicações requeridas ou permitidas pelo presente Contrato-promessa serão efectuadas por escrito e serão consideradas como efectivas quando efectuados por meio de carta registada com aviso de recepção ou através de fax (desde que a cópia da notificação enviada por fax seja enviada por correio registado com aviso de recepção previamente pago no dia em que a mesma é transmitida para que sirva de confirmação) para os outorgantes nas seguintes moradas (ou para qualquer outra morada indicada por uma das partes desta mesma forma):
a) Para os Promitentes Cedentes: Herdade ..., …;
b) Para a Primeira Cessionária: Praceta ..., n° 5, Apartado …, … …: Fax n°…;
d) Para a Segunda Cessionária: Rua …, n° 3, Apartado …, ….
9.2 O Primeiro Promitente Cedente compromete-se a dar conhecimento ao gerente JJ de toda e qualquer notificação recebida pela Sociedade, devendo enviar cópia da mesma para a morada ou número de fax constantes da alínea b) do número 9.l.
DÉCIMA
Invalidades e Alterações
10.1 Caso qualquer disposição do presente contrato-promessa ou a aplicação de qualquer disposição a qualquer pessoa ou circunstância seja considerada inválida, ilegal ou não executável a qualquer título por um tribunal do foro competente, tal falta de validade, ilegalidade ou não execução não afectará quaisquer outras disposições aqui previstas, desde que os objectivos ou economia do presente contrato-promessa não sejam afectados.
10.2 O presente contrato-promessa poderá ser alterado ou aditado por acordos adicionais, desde que celebrados por escrito e devidamente assinados pelas partes constantes do mesmo.
DÉCIMA PRIMEIRA
Lei aplicável e foro competente
O presente contrato-promessa, no omisso, rege-se pela lei portuguesa aplicável e para todos e quaisquer litígios emergentes do mesmo será competente o Tribunal da Comarca de Lisboa, com expressa renúncia a qualquer outro.
DÉCIMA SEGUNDA
Início de vigência
O presente Contrato-promessa tem efeitos retroactivos a dia 15 de Outubro de 2005, data que, para todos os efeitos legais e contratuais, se terá como data da sua assinatura e entrada em vigor.
DÉCIMA TERCEIRA
Eficácia real
As Partes atribuem eficácia real à promessa de cessão de quotas e correspondentes promessas de aquisição constantes do presente documento.
DÉCIMA QUARTA
Fracções
14.1 O empreendimento referido em 2.2 c) encontra-se em fase inicial de licenciamento, estando estimada a sua conclusão para finais do ano de 2008.
14.2 Nos termos referidos em 2.2 c), a Primeira Cessionária compromete-se a entregar ao Primeiro Promitente Cedente, fracções autónomas no empreendimento acima referido até ao valor de um milhão seiscentos e sessenta e dois mil e quinhentos euros.
14.3 Para efeitos deste contrato, é atribuído a cada fracção o valor de duzentos e trinta e sete mil e quinhentos euros, tendo assim o Primeiro Promitente Cedente direito a sete fracções autónomas.
14.4 O valor atribuído a cada fracção tem em conta as características previstas para as mesmas, nomeadamente tratar-se de empreendimento de Hotel-Apartamentos de 5 estrelas, com fracções de tipologia T-1, com área bruta aproximada de sessenta e cinco metros quadrados, incluindo varandas.
14.5 O Primeiro Promitente Cedente desde já escolhe as seguintes fracções, com referência a planta que se junta como Anexo 7 ao presente, na qual as mesmas se encontram assinaladas a carmim.
14.6 Compromete-se a Primeira Promitente Cessionária a entregar as fracções ao Primeiro Promitente Cedente, completamente acabadas e dotadas das respectivas licenças de utilização, até ao dia 31 de Dezembro de 2008, sendo da responsabilidade deste os custos notariais, registrais e outros que venham a ser devidos pela formalização da entrega.
14.7 Assiste o direito à Primeira Promitente Cessionária de, a todo o tempo e até ao momento da prometida entrega das fracções, proceder ao pagamento em numerário do valor das mesmas, atendendo ao acordado em 2.2. C) e 14.2, extinguindo-se desta forma a obrigação da entrega das fracções.
14.8 De forma a garantir o cumprimento pela Primeira Cessionária da obrigação de entrega das fracções ou pagamento do valor das mesmas, esta entregará ao Primeiro Promitente Cedente, no momento da realização do contrato definitivo de transmissão de participações sociais, uma garantia bancária no valor de um milhão seiscentos e sessenta e dois mil e quinhentos euros, válida até 31 de Janeiro de 2009, emitida de acordo com o modelo constante do Anexo 8.
14.9 A garantia bancária a que alude o número anterior caducará e deverá ser imediatamente libertada, com a entrega das fracções ou pagamento do valor das mesmas, nos termos da presente cláusula.
14.10 O acordado nos dois números anteriores fica sem efeito se, até à data da celebração do contrato definitivo de transmissão de participações sociais a Primeira Cessionária tiver efectuado a entrega das fracções ou o pagamento do valor correspondente.
14.11 Compromete-se a Primeira Promitente Cessionária que as fracções prometidas entregar aos Promitentes Cedentes terão características rigorosamente análogas às restantes do empreendimento, quer em termos de tipologia, quer de áreas, quer de materiais escolhidos, quer de acabamentos.
14.12 Qualquer alteração no projecto das fracções escolhidas pelo Primeiro Promitente Cedente, ou a indisponibilidade destas por virem a integrar a unidade hoteleira do empreendimento, confere o Primeiro Promitente Cedente no direito de escolher novas fracções em substituição das primeiras, tendo sempre em consideração o previsto nos números 3 e 4 da presente cláusula, em termos de ajuste de valor e escolha de fracções.
DÉCIMA QUINTA
Solidariedade
A responsabilidade dos Promitentes Cedentes, por um lado, e das Promitentes Cessionárias, por outro lado, é solidária, pelo que o incumprimento por qualquer um dos Promitentes Cedentes ou das Promitentes Cessionárias responsabiliza ambos os Promitentes Cedentes ou ambas as Promitentes Cessionárias, conforme o caso, como se tivesse sido provocada por ambos os Promitentes Cedentes ou Promitentes Cessionárias.
DÉCIMA SEXTA
Cessão da posição contratual
16.1 Desde já os Promitentes Cedentes dão o seu expresso consentimento a que as Promitentes Cessionárias cedam a sua posição contratual no presente contrato a quaisquer entidades de sua escolha.
16.2 Comprometem-se os Promitentes Cedentes a, caso tal se torne necessário em virtude do exercício pelas Cessionários do direito de cederem a sua posição contratual, a realizarem, no momento da celebração do contrato definitivo, a divisão e/ou união de quotas correspondente.
16.3 Em qualquer caso de exercício do direito concedido nos números anteriores, as Promitentes Cessionárias permanecerão solidariamente responsáveis pelo cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato-promessa, salvo caso de expressa exoneração por parte dos Promitentes Cedentes. (….) ” .
5- Em Dezembro de 2006, as Autores e os Réus marido e mulher subscreveram o acordo junto com o requerimento da providência cautelar, como documento nº. 3, que se dá por integralmente reproduzido, denominado Aditamento ao Contrato-promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos, nos termos do qual estipularam que “(…) a data limite para a celebração do contrato definitivo de cessão de quotas e de cessão de créditos é o último dia do mês de Dezembro de 2007(…)” e “(…) até ao dia 15 de Abril de 2007, as Promitentes Cessionárias entregarão ao Primeiro Promitente Cedente a quantia de € 500.000,00(…) como reforço de sinal e continuação de pagamento do preço do crédito prometido ceder”.
6- No dia 25/01/08, os Autores e Réus marido e mulher subscreveram o acordo escrito, junto com o requerimento da providência cautelar, como documento nº. 4, que se dá por integralmente reproduzido, denominado Segundo Aditamento ao Contrato-promessa de Cessão de Quotas e de Cessão de Créditos, nos termos do qual estipularam que “(...) a data limite para a celebração do contrato definitivo de cessão de quotas e de cessão de créditos é o último dia útil do mês de Dezembro de 2009 (…) ” e (…) “até ao dia 25 de Janeiro de 2008 as Promitentes Cessionárias entregarão ao Primeiro Promitente Cedente a quantia de €2.336.330,00 (…) à qual atribuem o carácter de sinal”.
7- Nos termos da cláusula Sétima do Segundo Adiamento foi estipulado, além do mais, que “caso a Primeira Promitente Cessionária não entregue ao Primeiro Promitente Cedente as fracções identificadas no Contrato-promessa de Cessão de Quotas, Renúncia e Nomeação de Gerente supra referido nem efectue o pagamento do valor às mesmas aí atribuído até à data de 31 de Dezembro de 2009, poderá fazê-lo até ao dia 30 de Junho de 2010 (…).”
8 - O prédio misto denominado ..., está inscrito a favor da EE …, Lda., na 2ª. Conservatória do Registo Predial de ... sob o número ... do Livro n.º 28, da freguesia de ...(a que corresponde também a ficha n.º…), encontrando-se a parte urbana inscrita na respectiva matriz predial sob os artigos … a … e … e a parte rústica inscrita na respectiva matriz sob o artigo 57 da Secção A.
9-O património da Ré sociedade EE era constituído unicamente pelo prédio misto denominado ....
10- A actividade da Ré EE consistia em deter e explorar a dita ....
11- Por conta do acordo celebrado os Autores entregaram aos Réus a quantia total de € 3.336.330,00 a título de sinal e princípio de pagamento.
12- Aquando da celebração do acordo os Réus estavam a elaborar, a expensas suas, o Plano de Pormenor da ... para apresentar à Câmara Municipal de ....
13- As Autoras enviaram aos 1.º e 2.º Réus, uma carta datada de 30 de Dezembro de 2009, junto com o requerimento de providência cautelar, como documento nº. 5, que se dá por reproduzida, na qual constava, além do mais que “Constatou-se, porém, que apesar dos sucessivos e grandes esforços que fizemos não é de todo em todo, possível a exploração imobiliária do referido imóvel, em virtude da inviabilidade de edificação nesse imóvel “ e mais adiante “ perante este circunstancialismo, e como única forma de “salvar” o contrato-promessa passa pela modificação do mesmo (…) Tal modificação consiste em alterar o preço da compra e venda, reduzindo-o para o valor efectivo do terreno, considerado à luz da sua inaptidão edificativa (…)”.
14-A essa missiva responderam os 1.º e 2.º Réus, por carta de 8 de Janeiro de 2010, junto com o requerimento de providência cautelar, como documento nº. 6, que se dá por integralmente reproduzida, referindo, além do mais, que “(…) prometeram adquirir a totalidade das nossas participações e créditos sobre a EE 26 sem quaisquer condicionalismos, designadamente quanto a imóveis “ (…) vindo agora pelo presente (…) comunicar que a realização da referida escritura pública de cessão de quotas e de créditos está marcada para o dia 03 de Fevereiro de 2010 pelas 15 horas, no Cartório Notarial de KK, sito na Rua …, nº. …., em Lisboa, devendo V.Exas. entregar-nos os documentos relativos a essa sociedade (….) até cinco dias antes da referida data (…).
Apesar da marcação feita, admitimos que V..Exas possam ter algum impedimento relativamente à data ou hora referidos, pelo que, sendo esse o caso, agradecemos nos indiquem, no prazo de 3 dias e de acordo com a BB, SA, outras alternativas, para que possamos atempadamente agendar nova marcação com o notário.
Revelamos que a não celebração da escritura pública de cessão de quotas e de créditos no dia e hora marcados, mormente face á referida carta de V.Exas. de 30 de Dezembro de 2009, será considerada como incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda por parte de V.Exas e implica a perca do interesse dos signatários na realização do negócio (…).”
15- Como resposta as Autoras enviaram aos 1º e 2º Réus, a carta junto com o requerimento de providência cautelar, como documento nº 7, que se dá por reproduzida, na qual solicitavam o cancelamento da marcação da escritura pública de cessão de quotas da EE para que pudesse ser previamente apreciada pelo Tribunal o litígio entre as partes.
16- Os 1.º e 2.ª Réus não desmarcaram a escritura pública.
17- As Autoras compareceram no Cartório Notarial, no dia e hora indicados para a realização da escritura, tendo sido lavrado o instrumento notarial, que constitui o documento nº.9 junto como o requerimento de providência cautelar, do seguinte teor: “É entendimento das sociedades “AA, S.A.” e “BB, S.A.” que, à luz dos princípios e regras jurídicas aplicáveis a este caso, a aludida escritura pública não deve realizar-se, pelo que os promitentes-cedentes deveriam ter-se abstido de a agendar;
b) Com efeito, como é do conhecimento dos promitentes-cedentes e lhes foi reiteradamente comunicado pelas sociedades “AA,S.A.” e “BB, S.A.”, é convicção destas sociedades que o negócio objecto da presente escritura é inválido, por erro sobre o objecto do negócio ou, pelo menos, por erro sobre os motivos;
c) Perante este entendimento, afigura-se às sociedades acima referidas inadmissível (ou, pelo menos, imprudente e temerário) celebrar escritura pública, assim consumando um negócio que se acredita ser inválido;
d) Por isso, tais sociedade propuseram-se, perante os promitentes cedentes, intentar, no prazo máximo de 15 dias, uma acção de simples apreciação, que permita às partes aferir cabal e definitivamente a validade do contrato-promessa – outorgando, posteriormente, a escritura pública, caso o tribunal decidisse pela validade do negócio;
e) As sociedades propuseram-se adicionalmente a, caso tal decisão judicial fosse no sentido da validade do negócio, suportar os juros vencidos entre a data de 31 de Dezembro de 2009 e a data da efectiva outorga da escritura pública, na sequência da sentença;
f) Para maior conforto e demonstração da boa fé, as sociedades propõem-se inclusivamente entregar uma garantia bancária pelo valor do remanescente do preço em falta, que poderá ser accionada pelos promitentes-cedentes, mediante a apresentação ao banco garante da eventual sentença que considerasse válido o contrato-promessa.
g) Perante este circunstancialismo, ao persistirem na intenção de outorgar de imediato a escritura pública de cessão de quotas e créditos, os promitentes-cedentes procedem de má fé.”
18- Por carta datada de 26 de Março de 2010, junta como documento nº.9, com o requerimento de providência cautelar, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, enviada pelos Réus CC e DD às Autoras consta, além do mais, o seguinte “ Face à recusa de V.Exas de outorgarem a escritura a que se referia o contrato-promessa (…) vimos confirmar o teor da parte final da nossa carta de 08 de Janeiro de 2010, isto é, de que, consideramos definitivamente incumprido por V..Exas. o contrato-promessa em epígrafe, o qual, assim, consideramos rescindido para todos os efeitos legais (…) ”.
19 - As Autoras após a assinatura do denominado contrato-promessa assumiram a condução e controlo do processo de elaboração do projecto de plano de pormenor para a ....
20 – Os Réus não tiveram qualquer controlo nem conheciam com detalhe o plano desenvolvido e proposto pelas Autoras à CMS.
21- O prédio denominado ... era o único activo da sociedade EE 26.
22 - As Autoras, sendo sociedades de construção e promoção imobiliária, tinham interesse em adquirir o prédio denominado ... porque anteviram uma oportunidade de investimento com a implementação de um projecto imobiliário de grandes dimensões.
23 - Por razões de natureza fiscal as Autores e os Réus ajustaram em formalizar a transmissão do prédio misto denominado ... para as Autoras através da compra e venda das participações representativas do capital social dessa sociedade, pelos respectivos sócios, os 1.º e 2.ª Réus, e da cessão de créditos detidos pelos sócios.
24 - As Autoras após a assinatura do denominado contrato-promessa assumiram a condução do processo de elaboração do plano de pormenor da ....
25 - A partir daí os Réus não tiveram qualquer controlo do plano desenvolvido e proposto pelas Autoras à Câmara Municipal de ....
26 - No dia 16 de Março de 2010, o Réu CC esteve presente numa reunião da Câmara Municipal de ..., convocada a seu pedido, para análise do Plano de Pormenor da ....
27 - Pelo Gabinete de arquitectos E... foi elaborado o relatório 5, novo programa desenhado do “Estudo Prévio”, junto aos autos a fls. 133, que aqui se dá por reproduzido.
28 - O potencial de valorização que representava a possibilidade de implementar um projecto imobiliário influiu na fixação do preço.
29 - A ... dada a possibilidade de implementação no imóvel do empreendimento imobiliário de grandes dimensões a que se alude em 1) é de €8.978.000,00.
30 - O valor da ..., sem viabilidade de construção desse empreendimento imobiliário, é de €808.000,00.
Matéria provada decidida pelo acórdão recorrido, alterando o sentido (não provada) que lhe havia sido dado pelo tribunal de 1ª instância.
- Provado que às Autoras, no desenvolvimento da sua actividade, foi oferecida e apresentada a possibilidade de comprar um terreno com potencial capacidade edificativa para construir um conjunto comercial, terreno esse que era a ....
- Provado que os 1.º e 2.ª Réus tinham conhecimento que as Autoras só prometeram comprar a sociedade EE e créditos dos 1.º e 2.ª Réus sobre a sociedade, com o objectivo de adquirir a ... com vista à implementação de um centro comercial e retail park no terreno.
- Provado que 1.º e 2.ª Réus sabiam que as Autoras não tinham interesse em prometer comprar tal prédio nem a sociedade EE, no caso da referida ... não vir a ter a necessária capacidade edificativa para a implementação de um centro comercial e retail park.
- Se assim não fosse, as Autoras não teriam prometido comprar o terreno, por via da aquisição do capital social da EE 26, pelo preço dos €5.000.000,00.

1.2 Os factos não provados
I) - As prorrogações da data da outorga do acordo prometido ocorreram devido à demora em obter das entidades licenciadoras, nomeadamente com a Câmara Municipal de ..., a aprovação /autorização/definição da capacidade construtiva da ....
J) - Os Réus informaram as Autoras que a viabilidade de implementação do projecto de um centro comercial, um retailpark e vários lotes destinados a habitação, comércio e/ou serviços estava garantida porque a Câmara Municipal de ... já tinha deliberado a elaboração de um Plano de Pormenor de … com viabilidade para construção destinada a comércio, serviços, hotelaria, habitação, cultura e lazer.

2. O direito
1. Da violação pela Relação da disposição que fixa a força de determinado meio de prova
Consideram os Recorridos que o tribunal recorrido não podia ter dado como provado que “Se assim não fosse, as Autoras não teriam prometido comprar o terreno, por via da aquisição do capital social da EE 26, pelo preço de €5.000.000,00”, alterando o que havia sido decidido na sentença onde esta factualidade foi considerada não provada.
Defendem para o efeito que este facto se encontra em manifesta contradição com o expressamente convencionado no contrato-promessa, nomeadamente, com o teor da cláusula 5.1, tendo o tribunal da Relação violado ainda norma de direito probatório material uma vez que alicerçou a sua convicção probatória no depoimento de testemunha e em presunção judicial.

Como resulta da lei, a intervenção do STJ no domínio factual é muito limitada, encontrando-se reservada aos casos contemplados no artigo 674.º, n.º3, do CPC - ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

As questões colocadas pelos Réus – contradição entre a matéria de facto e violação de disposição legal relativa a direito probatório - não obstante reportadas à fixação da matéria de facto, assumem cabimento nos poderes de sindicância anulatória deste Supremo Tribunal (cfr. artigo 674.º, n.º1, alíneas b) e c) e n.º3, do CPC).

Alegam os Recorridos que o teor do clausulado no ponto 5.1 do contrato-promessa (“A outorga da escritura pública de cessão de quotas terá lugar em Lisboa, no prazo máximo de dezoito meses contados a partir de 15 de Outubro de 2005 ou nos trinta dias após a obtenção pela Sociedade da aprovação referida na cláusula terceira, conforme o que ocorra primeiro (…)”) evidencia que as partes quiseram sujeitar a celebração do contrato definitivo a um determinado limite temporal, ainda que não fossem obtidas as licenças pretendidas pelas Autoras; daí a oposição frontal com o fixado pela Relação “Se assim não fosse, as Autoras não teriam prometido comprar o terreno, por via da aquisição do capital social da EE 26, pelo preço dos € 5.000.000,00.

A inexistência de contradição resulta evidenciada no próprio teor da matéria colocada em causa, sendo que o posicionamento dos Recorrentes se alicerça no equívoco decorrente da circunstância de não cuidarem que a factualidade alterada pelo tribunal a quo não respeita a qualquer cláusula contratual, mas reporta-se, tão só, à intenção/motivação de uma das partes ao contratar: a das promitentes cessionárias.

Acresce que também não se verifica a alegada violação do artigo 394.º, n.º1, do Código Civil.

De acordo com o n.º1 do artigo 394º, do Código Civil, é inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores.

Resulta assim do referido preceito e no que aqui assume importância para a situação sub judice, que a inadmissibilidade da prova testemunhal se reporta a aspectos adicionais e ao conteúdo de documentos particulares na parte em que estes têm força probatória plena (cfr. artigo376.º, do Código Civil).

Este regime[4] tem por finalidade obstar os perigos decorrentes da prova testemunhal no que toca ao conteúdo do documento[5], pelo que não assume aplicação na interpretação da intenção ou vontade do(s) contraente(s) na celebração do negócio, como é o caso dos autos[6].

Nessa medida há que considerar legitimo o recurso, pelo tribunal a quo, a prova por testemunhas e a presunção judicial na alteração da aludida matéria.


2. Da (in)validade da rescisão do contrato-promessa celebrado e seus efeitos
A presente acção visa, fundamentalmente[7], a apreciação e efeitos da (i)licitude do comportamento dos Réus ao rescindirem o contrato-promessa celebrado com as Autoras através de carta de 26 de Março de 2010, invocando a recusa daquelas em celebrar o contrato prometido cuja formalização havia sido marcada para 3 de Fevereiro do mesmo ano.
Quer a sentença, quer o acórdão recorrido julgaram a acção improcedente, embora tenham assumido posições não coincidentes quanto à apreciação dos comportamentos das partes e, nessa medida, quanto à validade/efeitos da declaração rescisória emitida pelos Réus.
A 1ª instância entendeu lícita a rescisão focalizando-se na circunstância das Autoras se encontrarem em mora e terem recusado, sem fundamento, a outorga do contrato definitivo. O entendimento sufragado na sentença mostra-se ancorado em duas premissas:
- não terem as Autoras cumprido ao que contratualmente se encontravam adstritas: marcação da escritura no prazo (essencial) estabelecido no contrato;
- falta de demonstração da condição de celebração do contrato-promessa: a garantia prestada pelos Réus quanto à capacidade construtiva do terreno para implementação de projecto imobiliário.
Ao invés, o acórdão recorrido considerou que a declaração resolutiva emitida pelos Réus (pela carta de 26-03-2010) foi ineficaz para fazer extinguir o contrato[8] por entender indemonstrada a perda de interesse (objectivo) na prestação e por não se poder considerar que as Autoras tenham faltado definitivamente à promessa.
O tribunal a quo considerou que na declaração resolutiva os Réus apenas alinharam um fundamento concreto do seu direito potestativo de resolver o contrato[9]: a perda de interesse na prestação das Autoras pela não realização da escritura na data designada. E, a tal respeito, entendeu que o quadro fáctico provado não permitia descortinar a alegada perda do interesse por parte dos Réus pela não realização da escritura no prazo acordado, ainda que fosse de conceber a mora das Autoras. Assim, alicerçado na falta de demonstração da perda de interesse por parte dos Réus e do consequente incumprimento definitivo das Autoras, concluiu o acórdão no sentido da inexistência do direito dos Réus à resolução do contrato-promessa.
O acórdão afastou, igualmente, ocorrer incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte dos Réus consubstanciado na recusa categórica em cumprir; como tal, a inexistência do direito das Autoras à devolução do sinal em dobro. 
Conhecendo dos pedidos subsidiários deduzidos, o acórdão entendeu não se verificar qualquer situação de erro sobre a base negocial em que as Autoras sustentaram o pedido de anulação do contrato e rejeitou a possibilidade das mesmas obterem a execução específica do contrato-promessa por falta de legitimidade substantiva para o efeito (uma vez que não cumpriram a promessa).
           
2.1. Mostra-se pacífico nos autos estar em causa contrato-promessa bilateral em que ambas as partes se obrigaram reciprocamente a celebrar o contrato prometido: contrato de cessão de quotas e de cessão de créditos[10].
Não merece igualmente controvérsia que a referida promessa de aquisição pelas Autoras da qualidade de sócias da sociedade EE constituía a forma das mesmas obterem a disponibilidade do imóvel ...[11].
Em resultado da matéria provada (pela alteração à matéria de facto decidida no acórdão recorrido), verifica-se ter sido oferecida e apresentada as Autoras a possibilidade de comprar um terreno com potencial capacidade edificativa para construir um conjunto comercial, a .... A importância do imóvel na vontade de contratar por parte das Autoras resulta espelhada na circunstância de se mostrar provado que as mesmas só prometeram comprar a sociedade EE e créditos dos 1.º e 2.ª Réus sobre a sociedade, com o objectivo de adquirir a ... com vista à implementação de um centro comercial e retail park no terreno. Tal importância/interesse das Autoras era do conhecimento dos Réus, que também sabiam que as Autoras não tinham interesse em prometer comprar tal prédio nem a sociedade EE, no caso da referida ... não vir a ter a necessária capacidade edificativa para a implementação de um centro comercial e retail park.
Com relevância neste âmbito resulta também provado que quando da celebração do contrato-promessa os Réus estavam a elaborar, a expensas suas, o Plano de Pormenor da ... para apresentar à Câmara Municipal de ... e que, após a assinatura do contrato-promessa passaram as Autoras assumir a condução do referido processo.

Quanto à influência da implementação do projecto imobiliário no preço do imóvel ficou apurado que o respectivo valor seria de €8.978.000,00 ou de €808.000,00, consoante ocorresse, ou não, viabilidade de construção de tal empreendimento imobiliário.
Configura realidade inquestionável que os Réus, por carta de 26-03-2010, que fizeram chegar às Autoras, procederam à rescisão do contrato-promessa – cfr. n.º 18 dos factos provados.
O direito de resolução do contrato, traduzido no acto de um dos contraentes, dirigido à dissolução do vínculo contratual[12], contemplado no artigo 432.º, do Código Civil, assumindo pleno cabimento no âmbito do contrato-promessa (já que o incumprimento deste contrato é regido pelos preceitos de carácter geral atenta a equiparação estabelecida pelo n.º1 do artigo 410.º relativamente ao contrato prometido), constitui um direito potestativo com eficácia extintiva dependente de um fundamento legal, que é a situação de incumprimento definitivo (resolução de génese legal), ou da verificação de uma cláusula resolutiva expressa (resolução de origem contratual).

Porque, no caso, o direito de resolução não foi convencionado entre as partes[13], a validade da destruição do vínculo contratual firmado mostra-se dependente da verificação de fundamento legal legitimado na situação de incumprimento definitivo do contrato que pode ser configurada por diversas vias: impossibilidade de cumprimento, falta de cumprimento de obrigação que, pelas circunstâncias que a rodeiam, revele a clara intenção de não cumprir; falta de cumprimento depois de ter sido expressamente interpelado para o efeito; recusa de cumprimento; desinteresse objectivo da parte (que poderá ser caracterizado pelo decurso de um prazo excessivo revelador da falta de vontade de cumprir ou do desinteresse da contraparte) - cfr. artigos 801 e 808.º, n.º1, do Código Civil.

Assim, a resolução do contrato enquanto exercício de um direito potestativo vinculado impõe à respectiva parte o ónus de alegar e demonstrar o fundamento justificativo da desvinculação contratual.

Considerou o acórdão que, no caso, não se verificou motivo legítimo para a resolução do contrato, partindo do pressuposto de que os Réus teriam fundamentado tal resolução na perda de interesse (objectivo), que não lograram demonstrar por não ser possível descortinar em face da factualidade provada “a razão pela qual a prestação das AA subsequentemente aquele momento já não teria para os RR préstimo determinante relativamente à decisão de contratar e de assumir a obrigação de dar o correspectivo prometido”.

Cremos que na apreciação feita o acórdão recorrido não valorou adequadamente o fundamento em que os Réus ancoraram a decisão de rescindir o contrato-promessa.

Na declaração rescisória (carta de 26 de Março de 2010) os Réus fizeram constar que consideravam o contrato definitivamente incumprido pelas Autoras alicerçados na recusa da outorga da escritura – n.º 18 dos factos provados. E, conforme decorre da referida missiva, os Réus explicitam o seu posicionamento remetendo para o teor da carta de 8 de Janeiro de 2010, que haviam remetido às Autoras, onde informavam da data de marcação da escritura do contrato definitivo (03-02-2010), referindo: “Revelamos que a não celebração da escritura pública de cessão de quotas e de créditos no dia e hora marcados, mormente face á referida carta de VºExas. de 30 de Dezembro de 2009, será considerada como incumprimento definitivo do contrato-promessa de compra e venda por parte de V. Exas e implica a perca do interesse dos signatários na realização do negócio” – n.º 14 dos factos provados.

A interpretação da declaração rescisória não parece suscitar dúvidas quanto ao fundamento da rescisão: incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte das Autoras pela recusa das mesmas em celebrar o contrato definitivo. Nessa medida, importará averiguar se, no caso, ocorreu efectivo incumprimento definitivo do contrato imputável às Autoras.

2.2 No contrato-promessa bilateral, como é o caso sob apreciação, em que ambas as partes se encontram adstritas à obrigação de celebrar o contrato definitivo, o cumprimento dessa obrigação por cada uma das partes terá de ser avaliado em função do conteúdo da prestação atribuído aos outorgantes no contrato-promessa firmado (liberdade de fixação/modelação do conteúdo dos contratos) e de acordo com as normas gerais respeitantes ao cumprimento das obrigações[14].

           Neste domínio importa igualmente ter presente o princípio da força vinculativa contratual[15] ínsito no artigo 406.º, do Código Civil, que pressupõe dois postulados indispensáveis à segurança do comércio jurídico e corolários da liberdade contratual[16]: pontualidade (o contrato deve ser executado ponto por ponto, em todas as suas cláusulas) e estabilidade (que se traduz na irrevogabilidade do vínculo e na intangibilidade do respectivo conteúdo) contratuais.

Por outro lado, tendo em conta que no negócio jurídico bilateral emergem direitos e deveres para cada uma das partes, a avaliação do incumprimento contratual não se confina aos deveres principais adstritos às respectivas partes, estendendo-se, necessariamente, aos deveres acessórios ou complementares ínsitos nas estipulações contratuais e aos que decorrem do desígnio da própria vinculação contratual, isto é, aos deveres inerentes à dinâmica negocial assentes no princípio de boa-fé e num critério ético-normativo de razoabilidade. Por conseguinte, a avaliação das situações de não cumprimento terá necessariamente de resultar de uma análise circunstanciada do caso concreto levando em conta o tipo de negócio e os interesses em jogo, a qualidade das partes e os usos gerais do comércio jurídico.

2.3 Como já sublinhado, a declaração resolutiva emitida pelos Réus reporta-se ao incumprimento das Autoras quanto ao prazo que lhes foi fixado para a realização do contrato prometido e entendido enquanto recusa de cumprimento no contexto em que se verificou a não outorga da escritura.

            A estipulação de um prazo para o cumprimento de um contrato (no contrato-promessa, para realização do contrato definitivo) pode assumir alcance e significado diversos.

           A este propósito refere o acórdão deste Supremo Tribunal, de 12-01-2010, “O prazo fixado para a execução de um contrato – incluindo o prazo para a celebração do contrato prometido –, pode ter a natureza de prazo absoluto ou de prazo relativo: a) sendo absoluto – o que sucederá quando as partes fixarem um prazo para o cumprimento de determinada obrigação, de modo que a prestação seja efectuada dentro dele, sob pena de o negócio já não ter interesse para o credor –, decorrido o prazo para a celebração do contrato prometido sem que este seja realizado, caduca o contrato-promessa; b) sendo relativo, determina a simples constituição em mora, conferindo ao credor o direito a pedir o cumprimento, a sua resolução (verificados os demais pressupostos legais) ou a indemnização legal moratória. HHI – A determinação da natureza do prazo depende da natureza do negócio ou da interpretação da vontade das partes, devendo, em caso de dúvida, ter-se como estabelecido um prazo absoluto, por ser de presumir que os outorgantes quiseram efectivamente vincular-se de harmonia com os termos do contrato[17]

               Assim, nas chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto (negócios fixos absolutos ou de prazo fatal), o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, enquanto nas de prazo fixo relativo, simples ou usual, o decurso do prazo poderá fundamentar o direito de resolução (legitimada se verificados os requisitos gerais - artigos 808.º, 801.º e 802.º, do Código Civil).[18].

           Na cláusula 5ª, 5.1 do contrato-promessa mostra-se estipulado que a escritura pública de cessão “terá lugar em Lisboa, no prazo máximo de dezoito meses contados a partir de 15 de Outubro de 2005 ou nos trinta dias após a obtenção pela Sociedade da aprovação referida na cláusula terceira, conforme o que ocorra primeiro, em dia, hora e Cartório Notarial que as Promitentes Cessionárias vierem a indicar por escrito aos Promitentes Cedentes, com a antecedência mínima de quinze dias, por meio de carta registada com aviso de recepção”, constando em 5.3 que “caso a escritura pública de cessão de quotas não seja marcada pelas Promitentes Cessionárias nos termos e/ou prazos estabelecidos em 5.1, poderá qualquer um dos Promitentes Cedentes proceder à marcação de tal escritura, comunicando a mesma aos demais com pelo menos quinze dias de antecedência, por meio de correio registado com aviso de recepção, comprometendo-se as Promitentes Cessionárias a enviar ao Promitente Cedente em causa toda a sua documentação necessária à instrução da escritura pública”.

            Verifica-se assim que relativamente ao prazo para celebração do contrato definitivo as partes estabeleceram um prazo certo definido em função de uma data (18 meses a partir de 15-10-2005) ou dependente de um facto futuro, mas tido como certo[19] (30 dias após a obtenção da aprovação das licenças necessárias à realização do projecto a implementar no imóvel), consoante o que ocorresse primeiro.

Em 5.5 as partes fizeram ainda consignar que “a não realização da escritura na data marcada pelo(s) Promitente(s) Cedente(s), nos termos referidos em 5.4, por facto imputável a qualquer uma das Promitentes Cessionárias, constitui estes em incumprimento definitivo das respectivas obrigações contratuais”.

Não podemos deixar de acompanhar o concluído na sentença quanto à natureza (essencial, ainda que não absoluta) do prazo fixado para a celebração do contrato definitivo, pois a advertência estabelecida no ponto 5.5 (de que o incumprimento do prazo fixado pelos promitentes cedentes faria recair as promitentes cessionárias em incumprimento definitivo) faz ultrapassar eventuais dúvidas que pudessem ocorrer pela forma algo imprecisa com que se encontra estipulado o prazo.

Com efeito, tal como salientado pela 1ª instância, as prorrogações do prazo para realização do contrato definitivo (para o último dia do mês de Dezembro de 2007 e último dia útil do mês de Dezembro de 2009, estabelecidas, respectivamente, nos (dois) aditamentos ao contrato de Dezembro de 2006 e Janeiro de 2008 – cfr. n.ºs 5 e 6 dos factos provados[20]) não fazem desmerecer a natureza essencial do prazo fixado, tendo em conta que, nos termos do contrato-promessa, o não cumprimento pelas Autoras dos prazos (inicial e os que foram objecto das duas prorrogações) para realização da escritura definitiva a que se encontravam contratualmente adstritas, devolveria a possibilidade de serem os Réus (promitentes cedentes) a designar a data de realização da escritura (tendo sido expressamente estipulado, sublinhe-se, que a não realização do contrato por facto imputável às Autoras constituiria incumprimento definitivo das respectivas obrigações contratuais).

Constitui dado incontestado no processo que, após o decurso dos sucessivos prazos fixados pelas partes (o inicial e as duas prorrogações, sendo que na segunda e última prorrogação foi fixado o prazo para o último dia útil de Dezembro de 2009), as Autoras não procederam à marcação da escritura pública, tendo sido os promitentes cedentes (os Réus) que tomaram tal iniciativa, notificando-as para comparecerem no dia, hora e local que designaram para o efeito.

A conduta dos Réus ao tomarem tal iniciativa emerge da carta de 30-12-2009, que lhes foi enviada pelas Autoras e onde por elas é referido “em virtude da inviabilidade de edificação nesse imóvel (…) como única forma de “salvar” o contrato-promessa passa pela modificação do mesmo (…) Tal modificação consiste em alterar o preço da compra e venda, reduzindo-o para o valor efectivo do terreno, considerado à luz da sua inaptidão edificativa (…)” – cfr. n.º 13 dos factos provados.

A manifestação da vontade expressa na referida carta, mencionando a necessidade de se alterar o contrato-promessa quanto ao preço do negócio como a forma de o conservar (na expressão das Autoras, salvar), não pode deixar de ser entendida, à luz dos critérios interpretativos previstos nos artigos 236.º. n.º1 e 238.º, do Código Civil[21] (corroborada pela conduta posterior assumida ao comparecerem no Cartório Notarial no dia e hora indicados pelos Réus lavrando o instrumento notarial aludido em 17 dos factos provados), enquanto intenção das promitentes cessionárias em não cumprir a obrigação de celebrar o contrato definitivo nos termos estipulados (quanto ao preço) no contrato-promessa.

A referida carta – enquanto manifestação de vontade em não cumprir pontualmente o contrato-promessa – poderia ter sido configurada, na perspectiva dos Réus, como incumprimento definitivo das Autoras (embora não o tenha sido assim entendido/querido pelos mesmos porquanto e em resposta procederam à notificação das mesmas para celebração do contrato definitivo) fundado numa ilegítima recusa em cumprir.

A notificação por que os Réus optaram nos termos efectuados (carta de 8 de Janeiro de 2010) constituiu, nessa medida, a escolha de interpelarem admonitoriamente as Autoras, pressupondo, por isso e nessa medida, tão só, a mora por parte destas no cumprimento da obrigação a que se encontravam adstritas por força da celebração do contrato-promessa.

A questão que se coloca no quadro factual a subsumir e por forma a legitimar a conversão da mora em incumprimento definitivo (em resultado da inobservância de cumprimento da respectiva obrigação no prazo concedido pelos Réus para realização da escritura), é a de saber se, efectivamente, as Autoras incorreram em situação de mora por forma a legitimar a interpelação admonitória nos termos levados a cabo pelos Réus.

2.4 De acordo com o preceituado no n.º2 do artigo 804.º do Código Civil, ocorrerá mora do devedor quando, por acto ilícito e culposo deste, se verifique um cumprimento retardado da prestação a que se encontrava adstrito, pressupondo, por isso, que a realização da mesma continua a ser possível.

Acresce que a não realização da prestação no momento do cumprimento só faz constituir o devedor em situação de mora se sobre ele recair um juízo de censura ou de reprovação, isto é, se a falta de cumprimento lhe seja imputável a título de culpa, a qual se presume no domínio das relações contratuais (artigo 799.º, do Código Civil).

A este propósito, as Autoras invocam que formaram a sua vontade de contratar num pressuposto essencial que não veio a verificar-se e que havia sido garantido pelos Réus cedentes[22]: capacidade construtiva do imóvel com vista à implementação de um projecto imobiliário de grandes dimensões, constituído por um Centro Comercial, um Retail Park e vários lotes destinados a habitação, comércio e/ou serviços.

Relativamente a este aspecto e mostrando-se consensual não se encontrar o negócio em causa sujeito a condição (suspensiva e/ou resolutiva - cfr. nota 19), tal como concluído na sentença (e, bem assim, pela Relação ao manter como não provado que em finais de 2009, as Autoras foram surpreendidas com a negação, pelas entidades licenciadoras, de qualquer capacidade edificativa na ...), não ficou demonstrado que a Câmara Municipal de ... tenha negado aprovação do Plano de Pormenor da ... com vista a aumentar a capacidade edificativa do referido prédio (factualidade que impendia sobre as Autoras provar, tanto mais que na carta que enviaram aos Réus, em 30-12-2009, solicitaram a modificação do contrato em virtude da inviabilidade de edificação do imóvel – n.º 13 dos factos provados).

Embora as Autoras não tenham demonstrado a alegada inviabilidade de edificação do imóvel, a factualidade assente também não permite imputar-lhes qualquer responsabilidade pelo facto de a mesma ainda não se encontrar (ou mesmo não ter sido) solucionada pela Câmara Municipal de ...[23]. Tal responsabilidade não pode, igualmente, ser assacada aos Réus em termos de violação de deveres acessórios de conduta relativamente à prossecução dos procedimentos necessários com vista à exploração imobiliária do imóvel ..., face ao que se encontra apurado a tal respeito: quando da celebração do acordo os Réus estavam a elaborar, a expensas suas, o Plano de Pormenor da ... para apresentar à Câmara Municipal de ... (n.º 12); após a assinatura do contrato-promessa passaram as Autoras a assumir a condução e controlo do processo de elaboração do projecto de plano de pormenor para o imóvel, tendo os Réus deixado de ter qualquer controlo e/ou conhecer em detalhe o plano desenvolvido e proposto pelas Autoras à Câmara (n.ºs 19, 20, 24 e 25 dos factos provados).

No que para a apreciação da mora das Autoras assume relevo, decorre dos autos que incumbia às mesmas, enquanto promitentes cessionárias, a marcação da escritura, tendo por limite o último dia útil de Dezembro de 2009. Porém, em 30 Dezembro de 2009, as Autoras dirigiram aos Réus carta comunicando a vontade de celebrar o contrato definitivo (“salvar o contrato-promessa”) com alteração do preço estabelecido, que justificaram por efeito da inviabilidade de edificação no imóvel ....

Tendo presente os interesses/motivações das partes que alicerçaram a celebração do contrato-promessa (expressamente invocados nos considerandos que antecedem as cláusulas contratuais – cfr. n.º 4 dos factos provados alíneas A), a H) e em face do que resulta provado: as Autoras só prometeram comprar a sociedade EE e créditos dos 1.º e 2.ª Réus sobre a sociedade, com o objectivo de adquirir a ... com vista à implementação de um centro comercial e retail park no terreno, sendo que aquele sabiam que as Autoras não tinham interesse em prometer comprar tal prédio nem a sociedade EE, no caso da referida ... não vir a ter a necessária capacidade edificativa para a implementação de um centro comercial e retail park), não podemos deixar de considerar que a manifestação de vontade das Autoras expressa na aludida missiva, no referido contexto contratual, de modo algum legitimava (em termos do que imporia a boa fé negocial na execução do contrato) os Réus a responderem marcando, de imediato (e persistindo na realização da mesma), a escritura para celebração do contrato definitivo para o dia 3 de Fevereiro, recusando-se a proceder a eventuais negociações por forma a viabilizar, não necessariamente uma alteração do contrato-promessa, mas um eventual terceiro aditamento do mesmo (hipótese que o próprio contrato seria passível de contemplar em face do teor da cláusula 10.2 nos termos da qual O presente contrato-promessa poderá ser alterado ou aditado por acordo adicionais, desde que celebrados por escrito e devidamente assinados pelas partes constantes do mesmo).

Na verdade, assumindo a carta de 3 de Fevereiro cabimento ao abrigo do disposto no artigo 808.º, n.º1, 2ª parte, do Código Civil (nos termos do qual assiste ao credor a possibilidade de considerar não cumprida a obrigação se, em termos formais, tiver notificado o devedor para esse efeito), cabia aos Réus satisfizer três pressupostos: intimar o devedor ao cumprimento; fixar-lhe um termo peremptório para cumprimento da obrigação, proferir declaração (admonitória) de que a obrigação se terá por definitivamente não cumprida se não se verificar o cumprimento dentro do prazo estabelecido.

Ora, perante toda a contextualização e o desenrolar da relação contratual já referenciada, sopesando ainda o facto de os Réus terem plena consciência das motivações/expectativas que as Autoras tinham quanto ao negócio, somos de entender que inexiste factualidade para sustentar a razoabilidade do determinado no que se reporta a, unilateralmente e nos termos levados a cabo, isto é, em desrespeito do que os ditames da boa-fé na execução do contrato impunham, fixarem às Autores, sem mais, um prazo limite para a realização do contrato definitivo sob pena de rescisão do contrato.
Assim sendo, há que concluir que a eventual situação de mora das Autores (relativamente ao cumprimento pontual do contrato-promessa) não se mostra convertida em incumprimento definitivo em função da não realização da escritura no prazo fixado pelos Réus. Acresce que, igualmente, tal como aliás, resulta decidido no acórdão recorrido, não se encontra demonstrada a perda do interesse (objectivo) na celebração do contrato definitivo.

2.5 Não se configurando pois a existência de incumprimento definitivo do contrato-promessa por parte das Autoras tem de considerar-se que não existia fundamento para a resolução do contrato-promessa feita pelos Réus, sendo, por isso, ilegítima. Logo, a declaração resolutiva feita através da carta de 26 de Março de 2010 consubstancia manifestação clara da vontade definitiva de não cumprir o contrato por parte dos Réus.
Todavia, sublinhe-se, não pode deixar de ser ponderado que as Autoras contribuíram, decididamente, para esse incumprimento ao manifestaram, previamente, inequívoca vontade em não cumprir o contrato nos termos inicialmente estabelecidos.

Neste contexto fáctico, não podemos deixar de concluir que o comportamento assumido por cada uma das partes evidencia o desinteresse de cada uma delas (Autoras e Réus) no cumprimento do contrato-promessa nos precisos termos celebrados. Com efeito, as Autoras aceitavam cumpri-lo desde que ocorresse redução do preço da transacção, o que os Réus recusaram, propondo o cumprimento imediato e sem qualquer negociação prévia, ainda que cientes do(s) obstáculo(s) razoavelmente invocados pelas Autoras e motivadores da posição assumida.
Assim, revelando os factos a vontade séria e inequívoca de ambas as partes em, definitivamente, não cumprir pontualmente o contrato-promessa nos termos firmados há que concluir que se está perante uma situação de incumprimento definitivo do contrato imputável a ambas as partes.

As consequências deste inadimplemento bilateral para efeitos de fixação do montante devido a título indemnizatório deverão ser ponderadas à luz do disposto no artigo 570.º, do Código Civil (compensação de culpas concorrentes porque verificados os respectivos pressupostos), por forma a obter a solução que se mostre mais razoável perante todas as circunstâncias do caso[24].

Conforme referido no Acórdão do STJ de 15-10-2002 (Processo n.º 02A1160)[25], citando Calvão da Silva (Sinal e Contrato-Promessa; 8.ª edição, p.133). “Assim, a indemnização poderá ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, consoante a gravidade das culpas de ambas as partes e as consequências que delas resultaram. Se as culpas dos dois contraentes forem iguais, a indemnização deve ser excluída, devendo o accipiens, porém, restituir o sinal em singelo, pois não se vê a que título possa retê-lo legitimamente. É que tal restituição, importa repeti-lo, não reveste natureza indemnizatória, sendo antes mera consequência da resolução - equiparada, quanto aos efeitos, à nulidade ou à anulabilidade (arts. 433º e 434º) -, que tem eficácia retroactiva, pelo que deve ser restituído tudo o que tiver sido prestado (art. 289º, ex vi do art. 433º)».”[26]

Em face do exposto, da ponderação das condutas dos contraentes e das consequências que as mesmas determinaram na resolução do contrato-promessa, é de lhes atribuir paridade de culpa (Autoras e Réus) uma vez que não ocorre fundamento para diferenciar (qualitativa e/ou quantitativamente) o grau culpa de ambas. Por conseguinte, como consequência da extinção do contrato (equiparada quanto aos efeitos à nulidade ou anulação do negócio), impõe-se a devolução do sinal prestado, ou seja, no caso, o montante de 3.337.500,00 euros[27].

           Mostra-se assim prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário reportado ao invocado erro sobre o objecto e os motivos do negócio.

IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista parcialmente procedente, pelo que, revogando o acórdão recorrido, julgam a acção parcialmente procedente, condenando os Réus a restituírem às Autoras o montante de 3.337.500,00 euros, que haviam recebido a título de sinal e princípio de pagamento, acrescido dos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até pagamento.

Custas (do recurso e da acção) pelas Autoras e Réus na proporção de ½ para cada.

  Lisboa, 27 de Novembro de 2018

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

________________
[1] Declarada insolvente por decisão proferida em 14/05/2012.
[2] Indeferida por acórdão de fls. 1263.
[3] As referidas questões serão apreciadas em função da precedência lógica do respectivo conhecimento ainda que suscitadas em sede de ampliação do âmbito do recurso.
[4] Comporta as situações excepcionais quando haja um começo ou princípio de prova por escrito; quando tenha sido impossível, moral ou materialmente, ao contraente obter uma prova escrita e quando se tenha perdido sem culpa do contraente, o documento que fornecia a prova.
[5] Cfr. Vaz Serra e Mota Pinto, respectivamente em Revista de Legislação e Jurisprudência n.º107 p. 311 e ss e Colectânea de Jurisprudência 1985, Tomo 3, p. 11 e ss.
[6] De sublinhar que a referida matéria nem sequer se reporta ao sentido das declarações contidas no documento.
[7] Sem prejuízo da apreciação do pedido de anulação do negócio, por erro, deduzido, a título subsidiário, pelas Autoras.
[8] Perfilhou o acórdão o entendimento que considera que a inexistência de fundamento da declaração resolutiva não produz efeitos na extinção do contrato.
[9] Retirado do teor das cartas (de 8 de Janeiro de 2010 e de 26 de Março de 2010) que enviaram às Rés.
[10] O objecto do contrato-promessa foi a cessão onerosa (através de compra e venda) dos créditos e das quotas de que os Réus eram titulares na Sociedade EE …, Lda.- n.ºs 1 e 4 dos factos provados.
[11] Como salientado pelo acórdão recorrido e citando o acórdão do STJ de 10-11-2002 (número convencional JSTJ000 da Base de Dados do IGFEJ) “Se na compra e venda de quotas sociais as partes indicam os bens que constituem o património da sociedade, isso significa que determinaram o conteúdo do direito social alienado também quanto aos bens que constituem o objecto mediato desse direito” – cfr. considerandos B), C) e D) do contrato-promessa em que as partes fizeram consignar “a sociedade proprietária de um prédio misto, designado por ...  (…) as sociedades AA., S.A., adiante designada por Primeira Promitente Cessionária, e BB, S.A., adiante designada por Segunda Promitente Cessionária, ambas em conjunto designadas por Promitentes Cessionárias, têm interesse na execução e exploração do imóvel, designadamente, se possível, através de um projecto a implantar no Imóvel (adiante designado abreviadamente por Centro Comercial e um RetailPark e pela constituição habitação, comércio e/ou serviços (…) a forma acordada pelas Partes para concretizar tal interesse, foi a aquisição pelas Promitentes Cessionárias da totalidade das quotas representativas de cem por cento do capital social da Sociedade”.
[12] Que se efectiva extrajudicialmente através de declaração à contraparte (n.º 1 do artigo 436.º do Código Civil).
[13] Excepto na situação contemplada em 4.3 (As Promitentes Cessionárias poderão, mediante comunicação por escrito dirigida aos Promitentes Cedentes, antes ou na data da escritura de cessão de quotas, optar por resolver o presente Contrato Promessa, caso ocorra violação das garantias enunciadas no número 4.1 da presente cláusula.).
[14] Desde logo do que decorre do artigo 762.º, n.º1, do Código Civil, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.
[15] Uma vez celebrado o contrato plenamente válido e eficaz constitui lei imperativa entre as partes –Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, Almedina, p. 279.
[16] Encontrando-se as partes vinculadas pela sua própria autonomia da vontade, terão de ficar adstritas às estipulações que quiseram firmar – cfr. Almeida e Costa, obra citada, p. 283.
[17] Processo n.º 628/09.3YFLSB, acessível através das Bases Documentais do IGJEI
[18] Cfr. Acórdão do STJ de 11-12-2003, Processo 03A3363, acessível através das Bases Documentais do IGJEI.
[19] Decorre da referida estipulação que a viabilidade na obtenção da aprovação das licenças necessárias à realização do projecto era tida como acontecimento esperado.
[20] Em que ficou também fixado pagamento de reforço de sinal (de €500.000,00 no primeiro aditamento e de €2.336.330,00, no segundo).
[21] Sentido que um declaratário normal, colocado na posição dos Réus possa deduzir do comportamento das declarantes
[22] Note-se que do teor do contrato-promessa firmado verifica-se que as partes não o quiseram sujeitar a condição suspensiva e/ou resolutiva em função da capacidade edificativa do imóvel (a condição suspensiva suspende a eficácia do negócio, por forma a que ele só produzirá os seus efeitos, se vier a verificar-se o evento visado; tornando-se impossível a verificação desse evento, o negócio jurídico não poderá produzir os seus efeitos. Na condição resolutiva, a verificação da condição faz resolver o contrato, isto é, os efeitos são retroactivamente anulados) – cfr. artigo 270.º, do Código Civil.
[23] Mostra-se assim sem consistência fáctica a afirmação constante da sentença Na verdade, o processo relativo ao plano de pormenor da Quinta do ... acabou por ficar sem andamento devido ao comportamento das próprias Autores.
[24] Quanto aos efeitos do incumprimento do contrato-promessa imputável à conduta culposa de ambas as partes, por violação recíproca do mesmo e à aplicabilidade do regime da concorrência de culpas à luz do artigo 570.º, do Código Civil, cfr. entre outros, Acórdão do STJ de 11-09-2012, Processo n.º 3026/05.4TBSTS.P1.S1 e Acórdão do mesmo Tribunal de 12-09-2017, Processo n.º 148/14, a que se pode aceder através das Bases Documentais do ITIJ. Na doutrina (citada neste último Acórdão), ADRIANO VAZ SERRA em anotação ao acórdão do STJ de 14-05-1976, JOÃO CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Separata do Vol. XXX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2.ª ed., Coimbra, 1995., p.292, JOSÉ CARLOS BRANDÃO PROENÇA, Do Incumprimento do Contrato Promessa Bilateral, A Dualidade Execução Específica – Resolução, 2.ª ed., Separata do número especial do Boletim da faculdade de Direito de Coimbra, Estudos em Homenagem ao professor Doutor António de Arruda Ferrer Correia, Coimbra, 1996.
[25] Trata-se de incumprimento imputável a condutas ilícitas e culposas de ambos os contraentes, a que se deve ter como aplicável a regra geral consignada no artigo 570º, n.º 1, do Código Civil – cfr. o mencionado acórdão do STJ citando Vaz Serra, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 110º, p. 186, e Brandão Proença, no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, número especial de 1989, p. 244 e segs.).
[26] Cr. Neste sentido acórdão do STJ de 13/01/2009, Processo n.º 08A3649.
[27] Conforme refere o citado Acórdão do STJ de 11-09-2012, Revista n.º 3026/05.4TBSTS.P1.S1: “Sendo de imputar, em igual medida de censura e responsabilidade, a não celebração dos contratos prometidos a ambas as partes, devem elas ser restituídas ao statuo quo ante, não funcionando as regras do incumprimento ligadas ao mecanismo do sinal que tenha sido passado – art. 442.º, n.º 2, do CC.”.