Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1906/17.3T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.SI-A (publicado em Diário da República, 1.ª Série, n.º 212, 3-11-2012, pp. 10 e ss.), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«I - No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7.º, n.º 1, 312.º, n.º 1, al. a), e 314.ºdo CVM, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31-10, e 342.º, n.º 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

II - Se o Banco, intermediário financeiro - que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” - informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no art. 7.º, n.º 1, do CVM.

III - O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

IV - Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

II - Esta é a solução que resulta da circunstância de o AUJ, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III - Tendo ficado provado que o gerente de conta do autor marido, emigrante e reformado por invalidez, lhe disse que tinha uma aplicação em tudo semelhante a um depósito a prazo, com capital garantido pelo banco e com rentabilidade assegurada e que este aplicou a quantia de € 100 000,00 de que era titular juntamente com a autora, em Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, sem que soubesse concretamente em que consistia tal produto financeiro, ficou provada a violação do dever de informação pelo banco intermediário financeiro.

IV - Tendo ficado provado que «se o autor marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de Obrigações SLN Rendimento Mais 2004, produto financeiro de risco em que o capital não era garantido pelo banco réu, jamais o teria autorizado» é inequívoco que está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório 

 1. O Banco BIC Português, SA interpôs recurso de apelação da sentença do Juízo Central Cível – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., proferida no âmbito da ação declarativa sob a forma de processo comum que contra ele-recorrente foi proposta por AA e BB, a qual, julgando a ação parcialmente procedente, o condenou a pagar aos autores a quantia de cem mil euros (€100.000,00), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 06.07.2017 e até integral pagamento.

2. O Tribunal da Relação de Évora decidiu julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida.

3. O Banco BIC, novamente inconformado interpôs recurso de revista excecional, que foi admitido pela Formação prevista no n.º 2 do artigo 671.º do CPC, por despacho datado de

4. O processo esteve suspenso na instância aguardando o trânsito em julgado do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022.

5. Na sua alegação de recurso, o recorrente, Banco BIC, formulou as seguintes conclusões:

«1. O douto acórdão da Relação de Évora violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado ao Autor (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação, emitindo opiniões sobre a solvabilidade da entidade emitente quando não conhecia, em concreto a sua situação financeira, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos.

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação.

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garanta de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garanta de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave.

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo sua obrigaçõão assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa.

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resulta sequer um único facto que permita estabelecer uma qualquer ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptível de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que se configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato.

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva de probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente, como afirma o Acórdão Recorrido que eles não foram informados do risco de insolvência ou da característica da subordinação e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo…

... JUSTIÇA!»

6. Os recorridos apresentaram contra-alegações nas quais pugnam pela manutenção do decidido.

7. As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne prejudicada pelo tratamento dado a outras questões (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

Em consequência, as questões suscitadas pelo recorrente e que importa apreciar e decidir são os pressupostos da responsabilidade civil do Banco enquanto intermediário financeiro, designadamente a ilicitude e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Cumpre decidir.

II – Fundamentação

A – Os factos

Os factos provados, após o exercício pelo Tribunal da Relação dos seus poderes modificativos da matéria de facto, são os seguintes:

1 – Os autores eram clientes do réu (BPN), na sua agência de ..., com a conta à ordem n° ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efetuavam poupanças.

2 - Em 13 de Outubro de 2008 o gerente do Banco Réu da agência de ..., disse ao A. marido, que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada.

3 - O dito funcionário do Banco Réu sabia que o A. marido não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem.

4 - E que, por isso, tinha um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até essa data, sempre o aplicou em depósitos a prazo.

5 - As orientações e comunicações internas existentes no BPN e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e a garantia do capital investido.

6 - Um dos argumentos invocados pela Direção Comercial do BPN e que os funcionários da rede de balcões do Banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com o autor-marido, era o de que se tratava de um investimento seguro, com garantia de capital investido e de juros.

7 - O Réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

8 - O dinheiro dos autores - 100.000,00€ - viria a ser colocado em obrigações SLN 2006, sem que aqueles soubessem em concreto o que era.

9 - Os autores não foram informados sobre a compra das obrigações subordinadas SLN 2006.

10 - Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações SLN 2006, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores; e nem nunca conheceram os autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente.

11 - O que motivou a autorização, por parte do autor-marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

12 - O autor-marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

13 - Se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria.

14 - Nunca foi intenção dos autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e os autores sempre estiveram convencidos que o Réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitassem.

15 – O autor teve conhecimento de que havia subscrito obrigações SLN 2006, em novembro de 2008.

16 - Os juros foram sendo semestralmente pagos.

17 – O que se manteve até novembro de 2015, data em que o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.

18 - O Banco Réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN.

19 - O Banco R. é depositário de 100.000,00 €, que mantém aplicados em obrigações SLN 2006.

20 - Na data de vencimento contratada, o réu não lhes restituiu o montante que os autores lhe confiaram, sendo que na agência de ... lhes diziam que era melhor esperar até à maturidade das obrigações.


B) O Direito

1. Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

2. Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado” (cfr. Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, AAFDL Editora, Lisboa, p. 201), dotado de especial força de persuasão, conforme se deduz do regime do artigo 629.º, n.º 2, al. c), do CPC, preceito segundo o qual é sempre admissível interpor recurso contra qualquer decisão que contrarie a jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Apesar de não estarmos, rigorosamente, perante um precedente judiciário em relação ao acórdão recorrido, que foi proferido antes do AUJ n.º 8/2022, há que considerar que o presente processo esteve com a instância suspensa a fim de lhe ser aplicada a orientação que viesse a ser fixada no AUJ a proferir no processo n.º1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, pelo que estamos, num sentido substancial, perante uma decisão uniformizadora dotada de uma força especial de persuasão.

I - Violação do dever de informação

3. No cerne do caso em análise encontra-se o dever de informação a cujo cumprimento estão vinculados quer as instituições bancárias, enquanto tal, quer os intermediários financeiros.

O negócio de aquisição pelos autores/recorridos do produto financeiro em causa nos autos (obrigações SLN 2006) ocorreu em outubro de 2008, altura em que já estava em vigor o Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro na redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, diploma que veio reforçar e densificar o dever de informação.

Apesar de o AUJ ter sido proferido em relação a factos verificados no domínio de vigência da versão originária do CVM (Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de novembro), não se verifica qualquer obstáculo a que se indague se foi ou não respeitado o grau de densificação do dever de informação exigido pelo AUJ. Tal via não representa qualquer quebra de expetativa das partes uma vez que a legislação que entrou em vigor em novembro de 2007 atribui ao dever de informação um conteúdo mais amplo do que a legislação anterior.     

Quanto à questão do nexo de causalidade entre o facto e o dano, o direito aplicável é o direito comum – artigo 563.º do Código Civil – pelo que tem de se considerar que, para este efeito, não releva a data em que as obrigações foram subscritas. 

4.  Nos termos dos pontos 1. e 2. do segmento uniformizador do AUJ n.º 8/2022, cabe aos autores, mesmo que investidores não qualificados, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos.

O Banco réu/recorrente, instituição financeira da qual os Autores já eram clientes, celebrou com estes um contrato de intermediação financeira (cfr. artigos 293.º, n.º 1, al. a), 289.º, n.º 1, al. a) e 290.º, n.º 1, al. b), do CVM), quando lhes propôs e recebeu uma ordem de compra de obrigações SLN 2006. 

Incumbe às instituições de crédito assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios materiais e humanos adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência (artigo 73.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 292/92, de 31/12). Em conformidade, incumbe aos administradores e empregados dessas instituições proceder, nas relações com os clientes e nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados (artigo 74.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras). Incumbe ainda às instituições de crédito informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos (artigo 77.º, do diploma supra referido).

5. No Código dos Valores Mobiliários (CVM) também está previsto que os intermediários financeiros estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. E daí que entre os deveres dos intermediários financeiros previstos expressamente no Código de Mercado de Valores Mobiliários, ressalte o dever de informação ao cliente.

O artigo 7.º, n.º 1, do CVM prescreve que «A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita».

O artigo 312.º do CVM/1999 prescrevia que «1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar. 2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente».

A nova redação do artigo 312.º, n.º 1, do do CVM/2007, dispõe, para além do que já estava fixado na redação anterior, que

1 - O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar:

i) Sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adotadas para mitigar esses riscos; e

ii) Em qualquer caso, a informação deve ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses e cumprir o disposto na legislação da União Europeia;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado;

g) À proteção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

 (…)

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

(…)

9 - O intermediário financeiro informa os potenciais ou atuais clientes que sejam investidores não profissionais que podem optar pela prestação da informação em papel.

10 - A informação sobre o custo do serviço e do instrumento financeiro referida na alínea h) do n.º 1:

a) Abrange informação relacionada com os serviços de investimento e os serviços auxiliares, nomeadamente os custos do serviço de consultoria para investimento, do instrumento financeiro recomendado ou vendido ao investidor e modo de pagamento, incluindo a terceiros;

b) Deve agregar todos os custos e encargos que não resultem do risco de mercado subjacente ao instrumento ou serviço, de modo a permitir ao investidor conhecer o custo total e o respetivo impacto sobre o retorno do investimento, podendo a informação ser dividida por categoria de custos a pedido do cliente.

11 - A informação prevista no número anterior é comunicada periodicamente ao investidor e, pelo menos, anualmente, durante todo o período de duração do investimento.

 (…)»

O critério de exigência da qualidade de informação atende ao investidor médio e às suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida, valendo, em geral, para toda a informação obrigatória e ainda para a informação facultativa que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores (cfr. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, 2.ª edição, p. 688),

A extensão e a profundidade da informação a prestar devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência que o cliente tiver, estando o intermediário financeiro vinculado a obter a informação preliminar relevante em relação ao cliente de modo a assegurar que toda a informação prestada subsequentemente seja adequada, porque completa e objetiva, na perspetiva das necessidades de esclarecimento do cliente em concreto.

De acordo com o disposto no artigo 304.º do CVM (quer na redação de 1999, quer na de 2007), o intermediário financeiro deve orientar a sua atividade no sentido de proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, observando os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

O dever de proteção dos legítimos interesses dos seus clientes implica, nomeadamente, um dever de recolha de todo um conjunto de informações sobre o conhecimento e experiência do cliente em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido/solicitado, de modo a permitir ao intermediário determinar se o produto/serviço de investimento considerado lhe é, ou não, adequado, bem como um dever de recolha de toda a informação sobre o instrumento financeiro que é proposto ao cliente, de forma a ficar habilitado para ajuizar da adequação/desadequação entre um determinado produto/serviço de investimento e as características concretas do cliente.

Dispõe o artigo 304.º-A do CVM/2007 (equivalente ao artigo 314.º do CVM/1999) que:

«1- Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhe sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 – A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.»

O incumprimento dos deveres de informação é, pois, suscetível de gerar responsabilidade civil contratual, cujos pressupostos estão previstos no artigo 798.º, do CC.

São eles: a) o facto voluntário, b) a ilicitude, c) a culpa, d) o dano; e) o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

O “facto voluntário”, enquanto comportamento dominável pela vontade, pode revestir a forma da ação ou a da omissão. A assunção de determinada atividade de intermediação financeira perante o cliente implica que a conduta do primeiro se desenvolva segundo padrões de profissionalismo.

A “ilicitude” resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro e essa desconformidade traduz-se na inexecução da obrigação para com o cliente.

A “culpa”, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal.

Tem-se entendido que o padrão de aferição de culpa do intermediário financeiro transcende, na sua exigência, o critério geral a que se refere o artigo 487.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, «(…) um padrão de diligentissimus pater familias, em que, para efeitos de definição da forma de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.» (cfr. Gonçalo Castilho, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, Coimbra: Edições Almedina, 2008 p. 210).

  6. De acordo com os factos do presente caso, os autores são investidores não qualificados, o que era do conhecimento do funcionário que lhes sugeriu a compra de obrigações (facto provado n.º 3, 4 e 14), adquiriram obrigações SLN, por sugestão do funcionário do Banco onde já eram clientes, desconhecendo as caraterísticas deste produto financeiro (factos provados n.ºs 8 e 9), nunca lhes foi entregue qualquer documento ou fornecida explicações sobre as caraterísticas dos produtos em causa (facto provado n.º 10), e foi dito pelo funcionário do Banco, de acordo com o que era a orientação deste, que o produto tinha capital garantido e juros e que era semelhante a um depósito a prazo (factos provados n.º 2 e n.ºs 5 e 6).

7. Como se entendeu nos fundamentos do AUJ n.º 8/2022, enquanto os depósitos a prazo estão cobertos por um Fundo de Garantia, nas obrigações subordinadas não há qualquer fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis.  O investimento na subscrição de obrigações envolve sempre um risco superior ao dos depósitos a prazo porquanto as “obrigações” representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais), o que implica que é aquela que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista). Por outro lado, as obrigações em causa são «obrigações subordinadas», isto é, obrigações em que o titular da obrigação, em caso de insolvência da entidade emitente, apenas se pode pagar sobre o património do emitente depois de satisfeitos todos os credores comuns, informação relevante que também não foi prestada aos autores.

 Provou-se que o recorrente transmitiu ao cliente que se tratava de um produto seguro, com capital garantido, equivalente a um depósito a prazo, o que para um declaratário normal colocado na posição do autor (artigo 236.º, n.º 1 do CC) significaria que o capital lhe seria restituído a 100% e que estava a colocar o seu dinheiro num produto com risco exclusivamente do Banco. O que não era verdade, como se veio, de resto, a verificar, pois findo o prazo do vencimento das obrigações os autores não foram reembolsados do capital que investiram.

Em suma, o Banco recorrente não só omitiu informação importante como prestou informação incorreta, inexata e obscura sobre as características do produto, criando no autor a convicção de que estava a adquirir um produto equivalente a um depósito bancário, logo um produto do Banco, garantido por este último, sendo manifesto que violou os deveres de lealdade, de respeito pelos interesses dos clientes e de informação que sobre si impendiam, quer na qualidade de instituição financeira, quer na qualidade de intermediário financeiro.

8. Assim sendo, decorre do âmbito do dever de informação tal como densificado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, bem como da orientação fixada no AUJ, que se verificou violação deste dever, estando preenchido o requisito da ilicitude.

9. Uma vez que a culpa do intermediário financeiro se presume nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, e nada decorre da matéria de facto que permita fundamentar o afastamento desta presunção, dúvidas não restam de que estamos perante um facto ilícito e culposo da parte do Banco réu enquanto intermediário financeiro.

10. Este facto foi também causador de danos uma vez que os autores perderam o capital investido e os juros: segundo o facto provado n.º 17, só receberam juros até novembro de 2015 e segundo o facto provado n.º 20, na data de vencimento contratada, o réu não lhes restituiu o montante que os autores lhe confiaram.

II - Nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano

11. Resta, pois, averiguar se ficou demonstrada na matéria de facto, o nexo causal entre o facto e o dano, nos termos da doutrina da causalidade adequada, fixada no artigo 563.º do Código Civil.

Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).

Prescreve o artigo 563.º, do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento do dever de informação.

Na disposição normativa supra citada está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

12. Nos termos do AUJ n.º 8/2022, a presunção de culpa do intermediário financeiro não abrange qualquer presunção legal de causalidade, cabendo ao investidor, nos termos do artigo 342.º, nº 1, do Código Civil o ónus da prova (ponto 1). O AUJ prossegue, afirmando no ponto 3. que «O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir» e no ponto 4. que «Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir». 

13. Para o efeito de determinar se ficou ou não preenchido o ónus da prova importa analisar a matéria de facto provada:

«11 - O que motivou a autorização, por parte do autor-marido, foi o facto de lhe ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim o entendesse, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias.

12 - O autor-marido atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente Banco.

13 - Se o A. marido tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria».

Nesta factualidade, é por demais evidente que se encontra verificado o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do Banco Réu/recorrente, pois provou-se que o autor atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo,  e que, se tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de obrigações – um produto de risco sem capital garantido pelo BPN –não o teria autorizado.

14. Pelo que se conclui que o Banco Réu incorre na obrigação de indemnizar os autores.

 15. Não vindo questionada a forma como foi determinado o montante ou a extensão do dano indemnizável, confirma-se a decisão do acórdão recorrido e condena-se o Banco BIC a pagar aos autores a quantia de cem mil euros (€100.000,00), acrescida de juros, à taxa legal, contados desde 06.07.2017 e até integral pagamento.

16. Anexa-se sumário nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC:

I - Sendo as questões a decidir em tudo semelhantes às que foram objeto do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido no Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), haverá apenas que verificar se o acórdão recorrido solucionou as questões de direito relativas à ilicitude e ao nexo causal entre o facto e o dano de forma compatível com o estipulado no AUJ, que fixou a seguinte orientação:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».  

II - Esta é a solução que resulta da circunstância de o acórdão de uniformização de jurisprudência, apesar de não gozar do caráter vinculativo das fontes de direito, constituir um “precedente judiciário qualificado”, dotado de especial força de persuasão.

III -   Os autores lograram cumprir o ónus da prova da violação do dever de informação pelo Banco intermediário financeiro pois ficou provado que são investidores não qualificados, que adquiriram obrigações SLN, por conselho do Banco onde eram clientes, cujo funcionário lhes disse que as obrigações tinham capital garantido e que eram um produto semelhante a um depósito a prazo.

IV – Tendo ficado provado que, se o autor tivesse percebido que poderia estar a dar ordem de compra de um produto financeiro de risco e que o capital não era garantido pelo BPN, não o autorizaria, está demonstrada a existência de nexo de causalidade entre o facto e o dano.


III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 17 de janeiro de 2022

Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Tomé (2.º Adjunto)