Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JÚLIO GOMES | ||
Descritores: | RECORRIBILIDADE TRIBUNAL ARBITRAL SERVIÇOS MÍNIMOS RECURSO DE REVISTA | ||
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Data do Acordão: | 11/03/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO. | ||
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Sumário : |
O artigo 22.º, n.º 1, do DL 259/2009 deve ser interpretado no sentido de que da decisão do tribunal arbitral que fixa serviços mínimos, no âmbito de uma greve, só cabe o recurso para o Tribunal da Relação, que decide definitivamente, não sendo admissível recurso de revista, salvo se for invocada alguma das situações contempladas no artigo 629.º, n.º 2, do CPC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1006/23.7YRLSB-A.S1 Acordam em Conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, O Ministério da Educação, reclamante nos autos à margem identificados, em que são reclamados Associação Sindical de Professores Licenciados e outros, veio reclamar para a Conferência da decisão singular que indeferiu a sua reclamação, nos termos do artigo 643.º e do artigo 652.º do CPC, requerendo que sobre a matéria recaia Acórdão. Foi o seguinte o teor da decisão objeto da presente Reclamação: “O Ministério da Educação veio reclamar, ao abrigo do disposto no artigo 643.º n.º 1 do CPC, do despacho da Exma. Relatora no Tribunal da Relação proferido a 28/06/2023 que não admitiu o recurso de revista para este Tribunal, recurso de revista em que é Recorrida a Associação Sindical de Professores Licenciados e Outros. A Associação Sindical de Professores Licenciados e Outros respondeu à Reclamação. O Reclamante e Recorrente pretende que do artigo 22.º n.º 1 do Decreto-lei n.º 259/2001 de 25 de setembro não limita a possibilidade de recurso a um único grau nem tal seria compreensível, mesmo à luz de exigências de celeridade processual. O referido artigo 22.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 259/2001, aplicável à arbitragem de serviços mínimos por força do artigo 27.º n.º 5 do mesmo diploma, estabelece que “[d]a decisão arbitral cabe recurso com efeito devolutivo para o Tribunal da Relação, nos termos previstos no Código de Processo civil para o recurso de apelação”. O Reclamante pretende que o único sentido útil da disposição é o de possibilitar o recurso da decisão arbitral que depois seguiria os termos gerais, consentindo, designadamente, um recurso de revista. Mas se assim fosse seria suficiente afirmar que “da decisão arbitral cabe recurso”. Sendo a decisão arbitral equivalente a uma decisão de 1.ª instância seria evidente que o recurso deveria ser interposto no Tribunal da Relação, tanto mais que o recurso per saltum está sujeito a pressupostos específicos. Ao prever que cabe recurso para o Tribunal da Relação o legislador pretendeu, no fundo, permitir apenas esse recurso. O que, ao contrário do que afirma o Reclamante, se justifica por razões de celeridade, havendo todo o interesse em que a definição de serviços mínimos seja definida, para cada greve, com a brevidade possível. Esse interesse na celeridade transparece não apenas nas regras aplicáveis à decisão arbitral, mas também no próprio prazo muito curto para a interposição do recurso de apelação previsto no artigo 22.º n.º 2 do Decreto-lei n.º 259/2001. Por outro lado, não é necessariamente exato que a definição dos serviços mínimos em sede de recurso se reporte sempre a situações definitivamente passadas. Importa ter presente que a greve pode ser decretada, no nosso sistema legal, por tempo indeterminado o que mostra bem a importância de definir rapidamente se deve haver, e em caso afirmativo qual a sua extensão, serviços mínimos, o que explica que só se permita um grau de recurso. É, pois, indeferida, a presente Reclamação”. Na sua Reclamação para a Conferência, o Ministério da Educação vem sustentar, nomeadamente, que: - Este entendimento não tem suporte na letra da lei e quando o legislador veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça di-lo inequivocamente (Conclusões 3 a 6); - O sentido do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 259/2001 seria tão-só o de permitir o recurso para os tribunais judiciais (Conclusão 7) e ao estipular que “[d]a decisão arbitral cabe recurso, com efeito devolutivo, para o tribunal da Relação …” visaria permitir o recurso para os tribunais judiciais e assegurar a conformidade da arbitragem necessária, que regula, com o disposto no artigo 20º da Constituição (Conclusão 12); - A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que veda o recurso de revista nos casos de arbitragem obrigatória surgiu no domínio da propriedade industrial e por razões de celeridade por estar em jogo a colocação de medicamentos no mercado, sendo que no caso vertente não haveria quaisquer razões de celeridade, porquanto quando os serviços mínimos são decretados a greve normalmente já ocorreu (“os serviços mínimos são decretados para greve convocada para data que, na maioria dos casos senão em todos já é passado”) (Conclusões 15 e 16): - A decisão individual objeto da presente Reclamação seria incompatível com a letra da lei (“não tem correspondência (…) com o texto da lei”) e, por conseguinte, representaria uma violação do artigo 9.º do Código Civil (Conclusão 17). Cumpre apreciar. Começando pelo último dos argumentos enunciados deve dizer-se que longe de ser uma violação do artigo 9.º do Código Civil a decisão objeto da presente Reclamação assenta na interpretação mais próxima da letra da lei, à luz da presunção de que o intérprete deve partir de um legislador razoável e que se sabe exprimir. Com efeito, se tudo o que a norma legal visasse fosse permitir o recurso para os tribunais judiciais, o legislador teria empregado outra redação, como, por exemplo, afirmado que a decisão arbitral era suscetível de recurso para os tribunais judiciais. A fórmula legal empregue sugere, ao invés, que houve o escopo de apenas permitir o recurso para o Tribunal da Relação e já não o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. E ao contrário do que pretende o Reclamante há um interesse na celeridade da definição definitiva dos serviços mínimos. No nosso sistema legal a greve pode ser decretada por um período determinado, mais ou menos longo, mas também por período indeterminado. É certo que tradicionalmente a greve era decretada por alguns poucos dias, de tal modo que sendo os serviços mínimos definidos pelo tribunal arbitral, o Tribunal da Relação normalmente já se pronunciará após a greve ter cessado. No entanto, não só nada impede que a greve, como se disse, seja decretada por um período substancialmente mais longo, fenómeno hoje mais comum, mormente pela difusão dos designados “fundos de resistência”, como a celeridade prende-se com a importância em definir rapidamente se deverão existir e em caso afirmativo quais serão os serviços mínimos a assegurar pelos grevistas. Com efeito, não só o incumprimento dos serviços mínimos pode acarretar consequências para a licitude da própria greve, como os trabalhadores grevistas que não cumpram os serviços mínimos expõem-se a responsabilidade designadamente disciplinar. E como já se disse a própria lei é manifestamente sensível a esta exigência de celeridade tanto mais que fixa para o próprio recurso de apelação um prazo mais curto que o normal. Decisão: Indefere-se a reclamação. Custas: Estando o Estado isento da taxa de justiça, condena-se o Reclamante nas custas de parte. Lisboa, 3 de novembro de 2023 Júlio Gomes (Relator) Mário Belo Morgado Ramalho Pinto |