Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1229/10.9TAPDL.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CABRAL
Descritores: PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
RESPONSABILIDADE CIVIL EMERGENTE DE CRIME
PRINCÍPIO DA ADESÃO
INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À VIDA
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS FUTUROS
EQUIDADE
OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS
CÔNJUGE SOBREVIVO
DESCENDENTE
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PENAL - INDEMNIZAÇÃO DE PERDAS E DANOS POR CRIME.
Doutrina:
- Antunes Varela, na R.L.J., nº123, p. 279, em comentário ao Acórdão do STJ, de 23.5.85.
- Dário Almeida, Manual dos Acidentes de Viação.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pp. 347, 348.
- Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 314.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 495.º, 496.º, 562.º, 566.º, N.º1, 566.º, N.ºS 2 E 3, 2003.º, 2004.º, 2009.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16-4-74, BMJ, N.º 236, P. 138; DE 13-5-1986, DE 12-9-2003; DE 11-7-2006; DE 5-7-2007; DE 8-5-2008; DE 25-1-2009; DE 8-3-2102, TRANSCREVENDO O QUE CONSTA DOS ACÓRDÃOS DE 25-11-2009 E DE 27-10-2010, PELO MESMO RELATOR, NOS PROC. N.º 397/03.0GEBNV E N.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1.
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NA QUANTIFICAÇÃO DO DESCONTO EM EQUAÇÃO A JURISPRUDÊNCIA TEM OSCILADO NA CONSIDERAÇÃO DE UMA REDUÇÃO ENTRE OS 10% E OS 33%.ASSIM:
1/3 OU ¼ - ACÓRDÃO DE 06-07-2000, BMJ N.º 499, PÁG. 309 E CJSTJ 2000, TOMO 2 PÁG. 144.
¼ - ACÓRDÃOS DE 25-05-1993, RECURSO N.º 83.505, CJSTJ 1993, TOMO 2, PÁG. 130, EM QUE SE DEFENDEU, CITANDO MANUEL DE OLIVEIRA MATOS, CÓDIGO DA ESTRADA, 4ª ED., PÁG. 94, QUE FEITA A CAPITALIZAÇÃO, PRECISO É AINDA DIMINUI-LA DE ¼, À SEMELHANÇA DE CERTA JURISPRUDÊNCIA FRANCESA, DADO O LESADO RECEBER O CAPITAL DE UMA SÓ VEZ; DE 25-11-1999, REVISTA N.º 827/99-7ª, IN STJSAC1999, PÁG. 385, INVOCANDO IGUALMENTE A JURISPRUDÊNCIA FRANCESA; DE 27-09-2001, REVISTA N.º 1979/01 - 7ª; DE 28-05-2002, REVISTA N.º 1038/02 - 2ª; DE 25-06-2002, CJSTJ 2002, TOMO 2, PÁG.128; DE 22-11-2007, REVISTA N.º 3829/07 - 7ª; DE 14-02-2008, REVISTA 4508/07-2ª; DE 23-09-2008, REVISTA N.º 1857/08 - 2ª; DE 29-10-2008, PROCESSO N.º 3373/08 - 3ª; DE 04-12-2008, REVISTA N.º 3728/08 - 2ª (SINISTRO EM CONSEQUÊNCIA DE QUEDA DO ELEVADOR); DE 22-01-2009, REVISTA N.º 3360/08 - 7ª; DE 11-02-2009, PROCESSO N.º 3980/08 - 3ª; DE 18-06-2009, PROCESSO N.º 81/04.8PBBGC.S1-3ª.
1/5 - ACÓRDÃOS DE 15-03-2001, REVISTA N.º 303/01-2ª; DE 17-11-2005, REVISTA N.º 3050/05-2ª E DE 30-10-2008, REVISTA N.º 3237/08-2ª.
30% - ACÓRDÃOS DE 06-02-2007, REVISTA N.º 4436/06-1.ª; DE 07-07-2009, PROCESSO N.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª.
10% - ACÓRDÃO DE 27-05-2009, REVISTA N.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª – (VALOR REPUTADO MAIS ADEQUADO DADA A ACTUAL RIGIDEZ DAS APLICAÇÕES DE CAPITAL EM VALORES MUITO BAIXOS).

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DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA ULTRAPASSANDO O LIMITE DE 5.0000 EUROS:-13-05-2004, REVISTA N.º 1845/03-2ª - 11.000.000$00 (44 ANOS);18-10-2007, REVISTA N.º 3084/07-6ª- 55.000,00 (31 ANOS)03-04-2008, REVISTA N.º 262/08-2ª - 60.000,00 (…)10-07-2008, REVISTA N.º 1840/08-6ª- 60.000,00 (14 ANOS);16-10-2008, REVISTA N.º 2697/08-7ª- 60.000,00 (28 E 44 ANOS);16-10-2008, REVISTA N.º 2477/08-2ª - 70.000,00 (29 ANOS);30-10-2008, REVISTA N.º 2989/08-2ª-60.000,00 (19 ANOS);18-11-2008, REVISTA N. 3422/08-2ª - 60.000,00 (44 ANOS);27-11-2008, PROCESSO N.º 1413/08-5ª-60.000,00 (17 ANOS);12-03-2009, PROCESSO N.º 611/09-3ª- 55.000,00 (24 ANOS).

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ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA DE 26-11-1996 (DR 274/96 SÉRIE I-A).
Sumário :

I - Os arts. 495.º e 496.º do CC (respectivamente em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais) consagram, no domínio da responsabilidade civil extracontratual, uma excepção ao princípio de que o detentor do direito à indemnização é o próprio portador do direito violado consagrando, assim, e a título excepcional, um direito indemnizatório aos que podiam exigir alimentos ao lesado, ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
II - O nascimento de tal direito na esfera jurídica do seu titular está dependente de existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, mesmo que não esteja a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles.
III -Da conjugação dos arts. 495.º, 2003.º, 2004.º e 2009.º do CC resulta que os recorrentes (demandantes) têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai, consistente nos rendimentos de que ficaram privados, na medida em que só mediante o recebimento desses rendimentos podiam manter o nível de vida que, para eles, o lesado se esforçava por alcançar, e que manteriam se este fosse vivo.
IV -Uma vez que incide sobre um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, tem-se por adquirido que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade. O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho. Nesse quadro de cálculo, devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.
V - Na procura da decisão adequada, a decisão da 1.ª instância emerge de um cálculo em que uma das componentes foi a expectativa de vida da demandante esposa da vítima (80 anos) e, consequentemente, considerou uma expectativa de vida de 31 anos.
VI -Não é susceptível de critica a decisão recorrida quando determina a barreira dos 70 anos como limite da vida activa e sinónimo duma capacidade de ganho que se vai esvair. Na verdade, no domínio duma previsibilidade que, embora de longo prazo, tem de equacionar o regime legal vigente neste momento em sede de aposentações, bem como uma normalidade de vida indiciada pelo modus vivendi da vitima, é de presumir que, após o fim da vida activa, o mesmo, na qualidade de funcionário publico, iria auferir uma reforma. Independentemente de qualquer consideração sobre uma diminuição do montante da pensão, indiciada pelas limitações orçamentais, e imposta pela sustentabilidade da segurança social, o certo é que tal reforma teria como base de sustentação o vencimento auferido como funcionário (não se considerando os trabalhos extra) e deveria ter em atenção que, com a idade, necessariamente que se avolumam as necessidades impostas pela manutenção do estado de saúde e dos cuidados necessários.
VII - Assim, ao montante bruto anual médio dos últimos 3 anos relativo a trabalho dependente de € 68 000 corresponderia nos dias de hoje, e sem penalização, uma pensão ilíquida mensal de cerca de € 4000. Imputando uma dedução fiscal de 40% alcançamos um montante de cerca de € 2400 sobre o qual vão incidir as despesas provenientes da manutenção de vida e cuidados de saúde próprios da idade que, que nesta fase da vida se potenciam e se computam a cerca de metade de tal montante ou seja cerca de € 1200 mensais líquidos a que corresponde um montante anual de cerca de € 1200 X 13 meses (€ 15 600). Tal montante deve ser computado em relação ao período de 5 anos que delimita a diferença entre a idade da reforma e o limite da expectativa de vida (sendo importante referir que nos reportamos a um momento prospectivo que contem uma elevada margem de incerteza quanto à tendência agravativa das condições em que é concedida a reforma). Tomando como base o cálculo enunciado, mas recorrendo essencialmente a um juízo de equidade, temos por adequado o montante de € 35 000 a receber pela demandante esposa, relativamente aos danos futuros relativos à perda de rendimento inerente à reforma da vítima.
VIII - A vida tem um valor social porque o homem é, antes de tudo, um ser em situação. E terá de ser atendendo a este valor, em temos relativos e numa perspectiva essencialmente de qualidade humana, em que o poder monetário não terá qualquer peso, que os tribunais têm de apreciar, em concreto, o montante da indemnização pela lesão do direito à vida.
IX -No caso concreto, importa considerar os valores que em termos jurisprudenciais têm sido fixadas pelo STJ e as condições concretas de idade e de vida da vítima que não só era um profissional de nível superior e de reconhecido mérito como também um pai e um marido extremoso, considerando-se equitativa a compensação de € 100 000 pelo direito à vida.

Decisão Texto Integral:

                                   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA; BB; CC bem como companhia de seguros DD vieram interpor recurso da decisão proferida nos presentes auts pelo Tribunal da Relação de Lisboa que alterou a decisão proferida em sede de primeira instância no que toca à parte cível e, em consequência:

a) Condenou a Companhia de Seguros DD a pagar aos demandantes ora recorridos a quantia global de 555.000,00 Euros a título de indemnização pelos danos futuros, sendo individualmente devida a AA a quando de 300.000,00 Euros, a BB a quantia de 135.000,00 Euros e a CC a quantia de 120.000,00 Euros;

b) Condenou a Companhia de Seguros DD a pagar aos demandantes ora recorridos, a quantia global de 75.000,00 Euros a título de indemnização por

perda do direito à vida de DD (na proporção de 25.000,00 Euros por cada um dos três demandantes);

c) Confirmar em tudo o mais a Sentença recorrida

Em sede de primeira instância e no que toca àquele especifico segmento decidiu-se:

Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido pelos demandados AA, por si e em representação de seu filho menor de idade, BB, e CC, viúva e filhos, respectivamente, de DD e em consequência a demandada Companhia de Seguros DD, S.A., foi condenada a pagar-lhes, a quantia global de 862.317 Euros (oitocentos e sessenta e dois mil trezentos e dezassete euros) assim repartida:

- 5.717 € a título de danos patrimoniais;

- 626.600 € a título de danos futuros sofridos pelos demandantes, sendo individualmente devida  a AA a quantia de 400.000 €, a BB a quantia de 120.000 € e a CC a quantia de 106.600 €;

- 150.000 € a título de compensação por perda do direito à vida de DD, na proporção de 50.000 € a cada demandante;

- 25.000 € por danos morais sofridos individualmente por cada um dos demandantes, no montante global de 75.000 €;

- 5.000 € pela compensação do sofrimento suportado por DD nos momentos que antecederam e em que ocorreu o acidente a repartir na proporção de 1/3 por cada demandante.

Foi ainda condenada a Seguradora a pagar juros de mora à taxa legal devida para os juros civis, contados sobre as quantias fixadas a título de danos patrimoniais, desde a notificação do pedido cível até ao seu efectivo e integral pagamento e quanto aos danos morais, os juros a pagar são devidos desde a prolação da sentença até efectivo e integral pagamento. 

As razões de discordância da companhia de seguros encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1ª A recorrente recorre do douto Acórdão no segmento que sofreu alterações decisórias por parte do Tribunal da Relação de Lisboa, não estando por isso, tal segmento decisório abrangido pela regra da "Dupla Conforme", conforme se constata, à contrario, no Acórdão deste Venerando Tribunal, no âmbito do Proc. N° 808/08.9 TTVCT.P1.S1, de 16 de Novembro de 2011, in www.dgsi.pt. sendo assim, passível, nos termos da actual lei processual civil, o presente recurso de revista;

2a A douta sentença de 1ª Instância apenas foi impugnada pela ora recorrente, tendo os Demandantes aceite a mesma e pugnado pela sua manutenção na resposta ao recurso apresentado pela ora recorrente;

3a Não tendo sido apresentado recurso pelos Demandantes, e tendo a sentença na sua parte dispositiva decisões distintas, como tem, decorrentes da divisão operada pelos Demandantes no pedido formulado, a mesma não é apreciada como um todo, podendo ser alvo de recurso parcial, como foi;

4a O Tribunal da Relação de Lisboa violou o princípio da reformatio in pejus, ao ter elevado os montantes específicos arbitrados aos Demandantes BB e CC com o argumento falicioso de que se encontrava dentro do valor global peticionado;

5ª Os Demandantes ao não terem apresentado recurso principal ou até subordinado da sentença de 1ª Instância, aceitaram tais montantes logo, e quanto aos mesmos, fazem caso julgado, não podendo, como tal, serem elevados como foram, dado ter sido apenas apresentado recurso pela demandada;

6a Tal elevação de montantes, além de consubstanciar uma violação ao disposto no arte 684°, n° 4 do CPC, ou 635°, n° 5 do NCPC, ou seja, violação da regra de estabilidade ínsita na proibição da reformatio in pejus;

7a Viola de igual modo, o princípio da defesa da recorrente, dado não lhe ter sido dada oportunidade de se defender do aumento dos montantes arbitrados em la Instância, proibição de indefesa constante do artº 20° da Lei Fundamental, ou seja, a Constituição da República Portuguesa;

8ª Tal entendimento é pacífico e indica-se apenas Acórdão deste Venerando Tribunal no Proc, 04B4805, in www.dgsi.pt;

9a Por outro lado, violou o douto Acórdão recorrido o disposto no artº 566°, nº 3, do Código Civil, ao fundamentar que, recorrendo à equidade, as reduções efectuadas face ao recebimento do capital indemnizatório de uma só vez, devem ter presente a inflacção, a taxa de juros e as actualizações salariais e progressão na carreira (neste caso do falecido), não fazendo uma correcta interpretação dos factos, dado que, sendo o falecido trabalhador da Administração Pública Regional, o mesmo estava sujeito a restrições na carreira, nos aumentos salariais e sujeito até a cortes no seu vencimento, conforme é do conhecimento geral;

10ª O recurso à equidade obtém-se na apreciação concreta dos factos que permitirão ao Tribunal a obtenção de decisão ajustada e conforme a Lei, o que nos presentes autos, efectivamente, não sucedeu.

11ª Assim, o douto Acórdão recorrido, violou o art. 684°, n° 4, do CPC ou 635°, nº5, do NCPC, o art. 20° da CRP e o art. 566°, nº 3 do CC, devendo em conformidade, ser corrigido.

 Termina pedindo que

Seja consignado que os montantes arbitrados aos Demandantes BB e CC pelo Tribunal de 1ª Instância não podem ser elevados, atento o princípio da reformatio in pejus;

b) Ser aplicado aos montantes arbitrados a título de Indemnização por Danos Patrimoniais Futuros a competente dedução por recebimento integral, de ¼ por cada um dos montantes.

Por seu turno os primeiros  recorrente suprarreferidos referem em sede conclusiva que:

1.         Efectuada a análise da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa nestes autos, entendem os Recorrentes que a mesma padece de vícios, que se reconduzem a erros de interpretação e aplicação da lei substantiva (art. 639°, n,º 1 e 2 do NCPC), com reflexo na violação do disposto nos artigos 564°, 566° e 496° do Código Civil, nos termos que adiante se explicitam.

Em sede de fixação do quantum indemnizatório a título de danos patrimoniais futuros a atribuir à viúva AA:

 2.        Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que é de estimar que a vítima, de 49 anos de anos de idade, trabalharia apenas mais 20 anos (com base na expectativa de uma vida activa até aos 70 anos), razão pela qual reduziu o montante indemnizatório fixado a este titulo em primeira instância de € 400.000,00 (quatrocentos mil euros) para € 300.000,00 (trezentos mil euros). Não podem os ora recorrentes concordar com uma tal redução indemnizatória, porquanto:

3.         A vida activa da vítima não pode ser reconduzida exclusivamente ao trabalho dependente que prestava no LREC e na Universidade dos Açores já que, como ficou amplamente demonstrado nos autos, a vítima DD prestava também trabalho independente a favor de terceiros, para além de publicar vários estudos e comunicações.

4.         Além disso, os factos provados demonstram que a vitima DD era, por um lado, uma pessoa profundamente empenhada e focada no seu trabalho, ostentando extrema competência e brio, altamente qualificado e reconhecido no seu meio como correspondendo ao chamado "fora de série", e por outro lado, uma pessoa que cuidava rigorosamente da sua saúde, preocupando-se com a alimentação e a prática constante e regular de desporto, criando assim condições efetivas e reconhecidas para o aumento da sua longevidade ativa.

5.         Com base nesta factualidade, teria de se concluir que a vítima DD escapa ao critério da mediania que nos faria presumir a cessação da vida laboral activa aos 70 anos, antes se impondo a conclusão de que a sua vida laboral activa não cessaria aos 70 anos de idade, mas se prolongaria muito além dessa idade.

6.         Também com base no facto, público e notório, que se prende com a melhoria geral das condições de vida e com o sucessivo aumento esperança média de vida, teria de se reconhecer que a vítima DD reunia todas as características que nos permitem concluir que acompanharia a tendência geral de manutenção de actividade laboral activa e remunerada muito para além dos 70 anos.

7.         Por outro lado, na fixação daquele valor indemnizatório, o Tribunal da Relação de Lisboa olvida totalmente que a vítima DD, ainda que cessasse a sua vida laboral activa aos 70 anos, continuaria a auferir rendimentos de reforma, com os quais prestaria alimentos à sua cônjuge e contribuiria para a vida conjugal..

8.         A equidade não pode conduzir o julgador a suprimir totalmente dos seus cálculos a pensão de reforma que a vítima muito provavelmente auferiria e contabilizar os lucros cessantes apenas com base nos rendimentos que auferiria até aos 70 anos de idade (por ser esta a idade estimada para a sua reforma).

9.         E o Tribunal da Relação de Lisboa olvida também que o período temporal de 31 anos fixado em primeira instância incorpora em si mesmo o período temporal correspondente ao capital produtor do rendimento que se perdeu e que se extingue no fim do período provável de vida do beneficiário.

10. Como refere, e bem, a decisão de primeira instância, «a indemnização em dinheiro relativa ao dano futuro deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se perdeu, mas que deve extinguir-se no fim do período a que o beneficiário tem direito (período provável de vida da demandante AA »> - 80 anos.

11.       Por fim, a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa vem acentuar, indevidamente, a prontidão e facilidade com que se fazem cortes na indemnização a atribuir a título de lucros cessantes,

12.       Mas sem que se contrabalance esta propensão restritiva por via da inclusão, nos cálculos que faz, da forte probabilidade de incremento dos valores remuneratórios que a vitima poderia vir a auferir no futuro (probabilidade essa assente na tendência da melhoria do nível de vida, nos aumentos salariais progressivos, na progressão na carreira, na inflação, no fim da crise actualmente instalada, na probabilidade de a vítima exercer actividade laboral após os 70 anos, na probabilidade de a vítima vir a auferir, após essa idade, uma pensão de reforma e na necessidade de compensar a perda de capital produtor do rendimento).

Em sede de fixação do quantum indemnizatório a título de perda do direito à vida (dano morte):

13.       Entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa que o quantum indemnizatório fixado pela primeira instância a título de compensação pela perda do direito à vida / dano morte (€ 150.000.00,, cabendo 50,000€ a cada um dos demandantes) seria «algo excessivo». pelo que decidiu reduzir tal montante para «75.000,00 Euros (o qual deverá ser repartido ) em partes iguais pelos três demandantes ora recorridos)». Não podem os ora recorrentes concordar com uma tal redução indemnizatória, porquanto:

14, Por um lado, sendo reconhecido que:

O direito à indemnização pela supressão do direito à vida é um direito próprio do familiar do falecido e não um direito da vítima que por via sucessória se comunica aos familiares;

O direito à vida é o mais importante dos direitos de personalidade, o direito de que todos os outros dependem, face até à acentuação dos valores da cidadania e à problemática existencial que se tem vindo a intensificar, o que faz com, que se valorize a vida enquanto bem mais valioso da pessoa;

15, Não se compreende o substracto lógico do raciocínio que levou o Tribunal da Relação de Lisboa a considerar que a quantia de € 75,000,00 é suficiente, em termos de justiça e equidade, para ressarcir os três lesados pelo dano em causa,

16, E menos ainda se compreende se tivermos em conta que a decisão recorrida promove uma verdadeira inversão da trajectória jurisprudencial que tem vindo a ser trilhada nesta matéria, e que vai no sentido do abandono de critérios "miserabilistas" e do progressivo aumento daquilo que se considera justo e equilibrado para o ressarcimento da perda da vida,

17, O que a decisão recorrida promove é o afastamento entre a teoria (acabar com os miserabilismos indemnizatórios) e a prática (que redunda quase sempre na contensão e redução, até ao limite do possível, do quantum indemnizatório),

18.       Por outro lado, não constituindo a decisão da primeira instância uma afronta manifesta às " regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida" - até porque nada disso invoca a decisão da Relação de Lisboa, que se limita a referir «[ ... ] entende-se como algo excessiva a indemnização fixada pelo tribunal a quo no valor de de 150.000,00 Euros» - não se vislumbra fundamento para a intervenção correctiva do Tribunal da Relação de Lisboa, que operou a redução para metade do valor inicialmente atribuído em primeira instância.

 19.      Em suma, e face a todo o circunstancialismo demonstrado nos autos, esteve mal o Tribunal da Relação de Lisboa, que violou o disposto nos artigos 564°, 566° e 4960 do Código Civil:

Ao reduzir o montante indemnizatório fixado em primeira instância a título de danos patrimoniais futuros a atribuir à viúva AA de e 400.000,00 para € 300.000,00; e

Ao reduzir o montante indemnizatório fixado em primeira instância a titulo de compensação pela perda do direito à vida I dano morte de € 150.000,00 para € 75.000,00.

Termina pedindo que seja concedido provimento sendo, consequentemente, parcialmente revogada a decisão recorrida e substituída por outra que mantenha a decisão proferida em primeira instância pelo Tribunal Judicial de Ponta Delgada, no que àquelas parcelas decisórias diz respeito.

Foi apresentada resposta às alegações de recurso da companhia seguradora onde se refere que:

 1.        Alega a Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa alterou indevidamente, porque para montantes superiores, valores parcelares indemnizatórios que haviam sido arbitrados em primeira instância aos Demandantes BB e CC (em sede de ressarcimento dos danos futuro), em violação do disposto no artigo 635°, nº 5 do NCPC e do princípio da defesa da Recorrente plasmado no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa.

2.         Não tem razão a Recorrente, porquanto:

1.1 O Tribunal da Relação de Lisboa não aumentou, tout coun, os montantes indemnizatórios arbitrados aos Demandantes BB e CC, limitando-se a corrigir uma gralha ou erro de cálculo patenteado na decisão de primeira instância.

1.2 O Tribunal de primeira instância escreveu coisa diversa daquilo que queria escrever, como decorre do texto e do raciocínio plasmados ao longo da decisão já que, querendo fixar montante indemnizatório até aos 25 anos de idade de cada um destes dois Demandantes (de 15 e 16 anos de idade no ano do acidente do seu pai), teria de multiplicar o valor encontrado por 10 e por 9 anos, respectivamente, e não por 9 e 8 anos, como, por lapso, fez.

1.3 A correcção de um erro de cálculo operado na decisão de primeira instância não atenta contra a defesa da Recorrente, nem importaria o exercício de contraditório.

1.4 A rectificação dessa incorrecção poderia ser concretizada por simples despacho do juiz, caso o mesmo tivesse detectado a falha, mas também pelo Tribunal de recurso, pelo que a remessa dos autos à primeira instância, exclusivamente para rectificação de um lapso, como pretende a Recorrente, para além de dispendioso, seria perfeitamente desnecessário e uma verdadeira inutilidade.

1.5 A posição da Recorrente não resultou agravada com a correcção deste lapso, já que não se aumenta o valor global do quantitativo indemnizatório fixado a título de compensação por danos futuros - que é, aliás, substancialmente reduzido pela decisão do Tribunal da Relação de Lisboa - apenas se corrige o valor de duas parcelas que compõem esse valor global.

2.         Alega também a Recorrente que o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa deverla ter reduzido em, pelo menos,1/4 os valores indemnizatórios arbitrados, com recurso à equidade e tendo em conta o caso concreto e a entrega do capital indemnizatório de um só vez. Não o fazendo, violou o artigo 566°, nº3 do CC.

3.         Também não tem razão a Recorrente, porquanto:

2.1 A própria fixação aritmética do valor indemnizatório alcançado já encerra em si um ajustamento que prejudica os Demandantes, porque não teve em conta vários aspectos relevantes, entre os quais a tendência da melhoria do nível de vida, os aumentos salariais progressivos, a progressão na carreira, a inflação, o fim da crise actualmente instalada, a descida dos escalões de IRS, o facto de a vítima escapar ao critério da mediania, sendo expectável que a sua vida laboral activa não cessasse aos 70 anos de idade, antes se prolongando muito além dessa idade, com a consequente percepção de rendimento do trabalho e de reforma.

2.2 Também na fixação do valor de rendimentos a ter em conta naquele cálculo aritmético se operou um ajustamento "por baixo", dado que se partiu do valor anual de rendimentos da vítima mais baixo dos últimos anos (nem sequer assentou numa média dos últimos anos, como seria expectável), para além de se ter estimado um valor consideravelmente elevado as despesas pessoais do falecido (que fixou em ¼ do seu rendimento, o que traduz despesas pessoais na ordem dos € 15.600,00 I ano e € 1.300,00 I mês), muito embora tenha de se reconhecer que a vítima não compraria bicicletas e capacetes todos os meses. Ao que ainda acresceu a mitigação decorrente do facto de a indemnização ser recebida toda de uma só vez, o que se entendeu ser um benefício que teria de ser descontado ao valor indemnizatório.

2.3 Todos os critérios de equidade utilizados traduziram um efectivo decréscimo do valor indemnizatório atribuído, pelo que reduzir ainda tais valores em 1/4 como pretende a Recorrente, seria perfeitamente desadequado, desproporcional e, como tal, excessivo e injusto.

2.4 Como tem sido entendido jurisprudencialmente, em caso de julgamento segundo a equidade, em que «os critérios que os tribunais devem seguir não são fixos», os tribunais de recurso devem limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, «as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida». Não é o caso.

2.5 Utilizando critérios de equidade e tendo em conta a realidade factual e circunstâncias concretas do caso em apreço, terá de se concluir que o ajustamento operado pelo Tribunal da Relação de Lisboa aos valores que aritmeticamente apurou não é, de todo, insuficiente nem desrespeita, por excessivo, o que estabelece o art. 566°, nº 3 do Código Civil.

3.         Em suma, a decisão recorrida não incorpora, na parte impugnada pela Recorrente, qualquer violação da lei (nomeadamente artigos 635°, nº 5 do Novo Código de Processo Civil, 20° da Constituição da República Portuguesa ou 566°, nº 3 do Código Civil) ou da equidade, revelando-se antes perfeitamente legítima, como dela se espera.

4.         Conclui-se, por isso, que nenhuma razão assiste à Recorrente que sustente o recurso de revista por si interposto, devendo o mesmo improceder integralmente e manter-se a decisão recorrida na parte impugnada pela Recorrente.

                                 Os autos tiveram os vistos legais.

                                                     *

                                       Cumpre decidir.
Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

1- Em 8 de Agosto de 2010, pelas 9h45 m, o arguido EE tripulava o automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula ...-PD, pela rua Baden Powell, de poente para nascente, para passar a circular pela 2ª Rua de Stª Clara, em Ponta Delgada.

2 - Ao aproximar-se do ponto em que as duas vias confluem, deparou-se-Ihe, pelo lado direito um sinal vertical indicativo do estreitamento da via pelo lado por onde circulava, e, sob ele, um outro a limitar a velocidade a 10 km/h.

3 - A uma distância não concretamente apurada desses sinais, a estreitar a faixa de rodagem pelo lado direito do arguido e fazendo ligeiro arco, relativamente ao passeio da direita, iniciava-se uma fiada de, pelo menos, cinco tambores vazios de combustível, pintados com faixas horizontais ver me lhas e amarelas, espaçados entre si, e blocos de cimento pintados de amarelo, entre eles.

4 - No local, a estrada tem a largura total de 9,9m.

5 - Considerados o sentido de marcha do arguido e o passeio que à direita lhe ficava, o mais avançado desses tambores deixava livres 6,30m de estrada para circulação; enquanto que o último, deixava 7,2m.

6 - A distância entre estes dois tambores era de 9m.

7 - Ao aproximar-se dos tambores, o arguido manteve a velocidade de que ia animado, não inferior a 70/80 km/h, aproximou-se do passeio que lhe ficava à esquerda, e o seu veículo passou transitar sobre uma faixa da estrada com 1,80m, contada desse passeio.

8 - Na emergência, DD (doravante DD), circulava no sentido inverso pedalando uma bicicleta, a uma distância de cerca de 3m do passeio do seu lado direito.

9 - Em dado momento, deslocou-se mais para a sua direita reduzindo a distância que o separava do passeio, mas apercebendo-se que o arguido se dirigia para si, encetou uma manobra de emergência, desviando o velocípede para a sua esquerda, manobra essa que não conseguiu completar, acabando por ser embatido pelo automóvel.

10 - Ao contrário do ciclista, o arguido não refreou o seu movimento, manteve-se a circular pela parte esquerda da via, considerado o seu sentido, e foi embater com o vértice anterior direito e com a parte lateral contígua do seu veículo sobre o lado direito do velocípede.

11 - Após o embate, o pneu do lado direito, frente, rebentou, continuando o arguido a marcha do veículo deixando um rasto de 46,65m de comprimento, produzido apenas por um dos pneus do seu lado direito, e iniciado a 1,8 m do passeio que à sua esquerda ficava e manteve-se a essa distância durante um terço do seu comprimento do comprimento rastro.

12 - Com o embate, DD foi arremessado contra a coluna em que encaixa o pára-brisas pelo lado direito, nela embateu, e voltou a cair sobre a parte superior da coluna direita da porta do porta-bagagens, para depois ser projectado, mais as duas partes em que se dividiu a bicicleta, para o centro da via.

13 - O embate verificou-se a 1,8m do passeio que ficava à esquerda do automobilista e a cerca de 15/l8m do último tambor.

14 - O corpo e duas partes do velocípede foram projectados, num movimento inverso ao que DD levava, para o centro da via e ficaram a 4,5m, do mesmo passeio, e a 3,6m, 6,9m e 9m, respectivamente, do ponto de embate e para nascente dele.

15 - Como consequência directa e necessária, resultaram, para DD as seguintes lesões que, também directa e necessariamente, lhe provocaram a morte: hemorragia difusa sub-aracnoideia na base dos lobos occipitais e nos hemisférios cerebelosos; congestão das leptomeninges; apagamento do relevo da superfície dos hemisférios cerebrais, com atenuação dos sulcos das circunvoluções; amolecimento generalizado do parênquima e sinais de edema cerebral; múltiplos focos de contusão na substância branca e cinzenta dos lobos frontais, parietais e occipitais e nos núcleos da base; focos de contusão no tronco cerebral; fractura do terço distal do rádio direito; e fractura do terço médio do fémur direito, com hemorragia abundante na região.

16 - Para o automóvel, do contacto com a bicicleta e o corpo de DD, seu tripulante, resultaram, directa e necessariamente: sulcos no párachoques, iniciados no vértice frontal direito e que se continuaram pela parte lateral desse mesmo lado até à cava da roda; fractura e remoção do farol direito; afundamento na parte superior do guarda-lamas direito em toda a zona que vai do farol à cava do pneu; estilhaçamento do terço direito do pára-brisas; afundamento da parte superior da coluna da porta do porta-bagagens.

17 - E para o velocípede: quebra do quadro em duas partes; a inteira separação da roda dianteira do corpo da bicicleta e fractura dos respectivos raios.

18 - No local, a estrada tem traçado rectilíneo e a largura total de 9,9m.

19- O piso estava seco.

20 Não havia obstáculos físicos, nem fenómenos atmosféricos que impedissem o condutor do automóvel de se aperceber dos sinais de trânsito, de limitar a velocidade do automóvel aos 10 km/h impostos por um deles, de alcançar com a vista todo o traçado rectilíneo em que se desenvolvia a estrada e, assim, a redução da faixa de rodagem pela presença dos tambores na estrada e também o ciclista que se aproximava.

21 - O ponto em que se deu o embate era-lhe visível a não menos de 100m de distância.

22 - E como condutor habilitado a conduzir, estava obrigado a adoptar, e sabia que estava obrigado a adoptá-los, os procedimentos referidos: verificar a existência dos sinais e interpretar as indicações e prescrições que davam, verificar as condições da via e adaptar a velocidade e modo de conduzir, em função de tudo isso, designadamente dos tambores que a via tinha.

23- Também podia e devia prever que se assim não fizesse, poderia dar causa a acidente como o descrito e às consequências que se verificaram.

24 - Apesar de tudo, não conjecturou a possibilidade de o acidente se dar.

25 - EE é casado há 16 anos, e tem uma filha menor de 9 anos de idade.

26 - Reside com a mulher e a filha em casa de seus pais, na companhia destes, sendo o ambiente familiar descrito como tendencialmente harmonioso e norteado pelos sentimentos de pertença e adequado suporte sócio-afectivo.

27 - Abandonou do sistema de ensino aos 13 anos, com o 4° ano de escolaridade, tendo concluído, já em adulto, em regime nocturno, o 6° ano de escolaridade.

28 - À data dos factos, EE exercia a profissão de carpinteiro de cofragem.

29 - O arguido trabalhou durante mais de vinde anos para a mesma entidade patronal, da qual apenas se desvinculou na sequência dos problemas financeiros da mesma.

30 - Em Junho de 2011, sofreu um grave acidente de trabalho tendo caído de um andaime de vários andares, o que determinou que estivesse mais de 4 meses imobilizado numa cama hospitalar.

31 - Recuperou alguma mobilidade mas ficou com lesões permanentes que o incapacitam para o trabalho.

32 - Não aufere actualmente qualquer quantia mensal, estando decorrer processo contencioso contra a seguradora no Tribunal do Trabalho de Ponta Delgada, para fixação de indemnização.

33 - O agregado familiar vive do rendimento do trabalho da mulher do arguido, no valor de cerca de 500 € mensais, com os quais assumem o pagamento da prestação referente à compra de uma viatura, no valor de 150 € e asseguram o pagamento das despesas domésticas de água, luz e gás, que ascende em média os 120 € mensais.

34 - EE e a esposa convivem ocasionalmente com alguns casais amigos, sendo no seio da família e do lar que o arguido ocupa a maior parte do seu dia.

35 - Presta algum apoio aos progenitores, passa muito tempo com a filha, com a qual mantém ligação afectiva privilegiada e ocupa-se a ver televisão e a jogar no computador.

36- Apresenta uma conduta social adequada sem registo de problemáticas comportamentais, quer desviantes (nomeadamente ligada aos consumos) quer criminais - e integração em grupo de pares pró-sociais, não indicia atracão por actividades ou comportamentos de risco.

37- Possui capacidades de auto-crítica, descentração e pensamento consequencial, reconhecendo claramente o dano causado pelos factos objecto dos presentes autos, lamentando a perda de uma vida humana e os danos causados à família da vítima, abordando os factos com afecto congruente.

38 - Apresenta competências interpessoais, pensamento convencional e atitudes pró-sociais.

39 - Os factos tiveram repercussão significativa na sua vida ao nível emocional, tendo durante algum tempo apresentado dificuldade em dormir e em concentrar-se, sendo frequente lembrar-se subitamente do acidente, ao qual se refere como o episódio traumático da sua vida.

40 - Após um período de algum isolamento e maior introversão, EE progressivamente retomou o seu quotidiano, nomeadamente no que se refere ao exercício da actividade profissional, tentando ainda proteger a família, em especial a filha, do impacto do presente processo.

41 - Não revelando necessidades de reinserção social, mostra capacidade de descentração, de responsabilização e sentido de auto-critica.

42 - Não tem antecedentes criminais.

43 - Tem averbada no seu RIC uma condenação por no dia 13.04.2011, circular à velocidade de 74 Km/h, sendo a velocidade máxima permitida no local de 50 km/h

44 -  É titular da carta de condução ..., emitida pela DROPT em  30.08.2002, e está habilitado a conduzir veículos da categoria B desde 31.10.2001.

45 - Em consequência da conduta do arguido descrita em 1) a 10), DD sofreu as lesões descritas em 15), tendo dado entrada no Serviço de Urgência do Hospital do Divino Espírito Santo, onde de foi assistido e lhe ministraram cuidados de saúde.

46 - O custo relativo ao atendimento no serviço de urgência ascendeu a 109,50 €; aos exames realizados a 732,70 €, e ao internamento, que perdurou durante 7 dias (08.08.2010 e 15.08.2010), ascendeu a 4.750,90 €.

47 - O veículo ...-PD era conduzido por EE, e encontrava-se segurado na Companhia de Seguros DD, a quem havia sido transferida validamente a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, através da apólice n° 4319897, até ao limite máximo de 3.250.000 €.

48 - O local do acidente situa-se na referida segunda Rua de Santa Clara, junto a uma antiga fábrica de lacticínios, hoje desmantelada, a poucos metros da zona em que esta se vai unir com a Rua Baden Powel.

49 - A via em que vinha circulando o veículo ...-PD, Rua Baden Powel, é mais estreita do que aquela onde DD vinha circulando, e na zona em que se unem, a faixa de rodagem em que circula quem se desloca no sentido do arguido sofre um estreitamento nos termos referidos em 4) e 5).

50 - Este estreitamento da via estava sinalizado nos termos indicados supra em 2) e 3).

51 - Acresce que, na faixa contrária da via onde se encontra naquele estreitamento, existe um entroncamento que dá acesso nomeadamente à Centrovia.

52 - O veículo ...-PD manteve-se sempre na faixa contrária à sua, até ao embate.

53 - O local caracteriza-se por uma recta com cerca de dez metros de largura, e mais de quinhentos metros de extensão, sem nenhum obstáculo que privasse a total visibilidade de quem circulasse em ambos os sentidos e em toda o seu percurso.

54 - O tempo estava bom, não chovia (nem existiam neblinas ou nevoeiros), bem como, no local do acidente, o piso de ambas as vias era igualmente bom, e em asfalto.

55 - DD circulava de bicicleta a uma velocidade de cerca de 26 km, pela sua mão de trânsito, e munido com o melhor equipamento de segurança disponível, nomeadamente ao nível da protecção da cabeça (capacete de fibra de carbono).

56 - O arguido circulava com o veículo ...-PD a uma velocidade superior a 70/80 Km/h, e a velocidade a que vinha circulando com a sua viatura, foi a mesma com que bateu em DD, pois não accionou os travões antes do embate.

57 - Já DD apercebeu-se de que o veículo ...-PD vinha na sua direcção, tendo tentado, numa manobra de recurso, guinar à esquerda, não tendo conseguido evitar o embate por cerca de 20 cm.

58 - Logo após o acidente DD foi transportado de urgência e internado nos serviços de urgência do Hospital Divino Espírito Santo, onde deu entrada pelas 10h,10 do dia 08/08/20 10, ali permanecendo hospitalizado durante seis dias, e até à sua morte.

59 - Foram-lhe diagnosticados, de imediato, vários traumatismos, nomeadamente:

• traumatismo craniano grave, com hemorragia difusa sub-aracnoideia, na base dos lobos occipitais,

• lesões, muito graves, no encéfalo, com múltiplos focos de contusão em toda a sua extensão, incluindo o tronco cerebral.

• várias escoriações no ombro, membro superior direito e tórax, e fartura distal do rádio direito.

• fractura óssea no fémur direito

60 - DD faleceu no dia 14.08.2010, pelas 21 h00m, no estado de casado.

61 Deixou a suceder-lhe sua mulher, AA, nascida em ..., e os dois filhos de ambos, CC, nascida em ..., e BB, nascido em ....

62 - A bicicleta, as roupas, e os restantes pertences de DD ficaram destruídos (capacete) ou desapareceram (relógio de pulso), na sequência do embate sofrido.

63 - A bicicleta era da marca Specialized, modelo Tarmac SLExpert, de 2010, totalmente em carbono, e encontrava-se à data do acidente em estado de nova, tendo custado 3.099 €.

64 - O capacete era de marca "Giro", modelo "Ionos ", e encontrava-se à data do acidente em estado de novo, valendo cerca de 300 €.

65 - Vestia na data do acidente uma camisa e uns calções, que ficaram destruídos, e tinham um valor de cerca de 30 €.

66 - Trazia no pulso um relógio de marca "Garmin ", modelo "Training Center ", em estado novo, no valor de cerca de 400 €, que desapareceu com o acidente.

67 - As despesas com o funeral e serviços de luto ascenderam a 1.888€

68 - DD nasceu em ..., pelo que tinha à data do acidente a idade de 49 anos.

69 - Toda a sua vida foi pautada por rigorosas preocupações com a saúde, que se reflectiam quer na sua alimentação, quer na manutenção de hábitos de exercício físico constante, das quais o ciclismo era a modalidade de eleição, gozando de excelente saúde,

70 - Era uma pessoa conhecida por todos como excepcionalmente cuidadosa, qualidade que se reflectia em todas as facetas da sua vida.

71 - Licenciou-se em Engenharia Civil - Ramo de Estruturas, no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, em Outubro de 1984.

72 - Fez o mestrado em Engenharia de Estruturas no Instituto Superior Técnico, em Julho de 1991, e o doutoramento em engenharia civil pela Universidade dos Açores, em Novembro de 2000.

73 - Trabalhava como técnico superior do... desde ..., exercendo à data do óbito as funções de ....

74 - Desde Novembro de 1993 que exercia funções como Professor convidado no ...da ....

75 Como projectista de estruturas desenvolveu e coordenou diversos projectos de estabilidade de estruturas em projectos ligados à construção de hotéis, escolas e edifícios habitacionais na Região Autónoma dos Açores.

76 - Ao longo da sua carreira profissional publicou vários estudos e comunicações.

77 Entre Outubro de 1997 e Março de 2002 representou Portugal no Programa Comunitário Cost 7, integrado na delegação portuguesa.

78 - Era um profissional de extrema competência e brio, com um percurso académico e profissional reconhecido a nível regional e nacional.

79 - A sua actividades profissional permitiu-lhe usufruir de um rendimento ilíquido anual nos últimos três anos anteriores à sua morte de, respectivamente _ 125.743,66 € (72.333,21 €, como trabalhador dependente, e 67.409,16 €, como prestador de serviços); 94.436,60 € (72.400,99 € como trabalhador dependente, e 35.676,80 €, como prestador de serviços); e 94.015,63€ (60.198,35 €, como trabalhador dependente e 33.817,28 €, como prestador de serviços), dando uma média de €104,731,96 (cento e quatro setecentos e trinta e um euros e noventa e seis sentimos) de rendimento anual bruto.

80 - DD aceitava realizar apenas parte dos trabalhos que lhe eram solicitados, para garantir que prestava um serviço de qualidade, demonstrativo do seu brio profissional.

81 - DD era percepcionado por aqueles que com ele conviviam como sendo uma pessoa excepcional, um profissional brilhante e qualificado.

82 - Era um cidadão exemplar, que pelo seu prestígio e fácil relacionamento marcou indelevelmente todos quantos com ele privaram, e principalmente sua mulher e filhos,

83 - Era um marido amigo e presente, um pai extremoso, e totalmente dedicado à família.

84 - O seu casamento era feliz e constituía o suporte emocional do casal.

85 - Os demandantes sentem profundamente, ainda hoje, a dor resultante da privação permanente da companhia, carinho e afectividade do marido e pai.

86 - Sentiram e sentem ainda uma profunda revolta, consternação pelas circunstâncias absolutamente evitáveis em que o acidente ocorreu, o que lhes provoca um sentimento de infelicidade, prolongado e doloroso.

87 - A notícia do acidente foi recebida pelos demandantes como um choque desmedido e com um grande sofrimento.

88 - A sua morte não foi imediata e foi perfeítamente percepcionada pelo mesmo, uma vez que DD vinha a monitorizar o seu percurso, sendo por isso perfeitamente perceptível o brutal aumento das batidas cardíacas nos segundos que precederam o embate.

89 - A dimensão, extensão e profundidade das sequelas do acidente provocaram, necessariamente, um quadro de sofrimento físico agudo em DD aquando do embate.

90 - Atenta a sua personalidade e o seu excepcional cuidado com a saúde, era expectável, pelo menos, mais vinte e um anos activos e com plena aptidão para o trabalho.

Da contestação da demandada:

91 - A estrada onde ocorreu o embate e referida em I) e 48) possui duas hemi-faixas de rodagem, afectas a sentidos de trânsito opostos, e não apresenta quaisquer marcas rodoviárias separadoras dos dois sentidos.

92 - Apresentando-se em recta, com piso de asfalto com irregularidades e acumulação de gravilha nas bermas.

93 - O estado do tempo naquele dia e hora era favorável, circulando o condutor do ...-PD de frente para o sol, atento o seu sentido de trânsito poente/ nascente.

94 - No final da Rua Baden Powell, na confluência com a 2a Rua de Santa Clara, o estreitamento da via, referido em 2) e ali existente há largos anos, obriga os condutores que circulem no sentido de trânsito do veículo ...-PD (arguido), a circularem na hemi faixa de rodagem contrária.

95 - Perante tal obrigação, o veículo ...-PD (arguido), passou a circular nos termos descritos em 7) e 52).

Mais resultou apurado:

96 - AA é engenheira civil e professora universitária na ....

97 - CC e BB são ambos estudantes.

                                                         *

E o Tribunal a quo considerou não provado o seguinte:

“Factos não provados:

Não se provaram outros factos constantes da acusação, dos p.i.c e da contestação, com interesse para a decisão da causa, designadamente, que:

1 - DD tenha travado quando se apercebeu que o arguido vinha na sua direcção, tenha iniciado a manobra a 3m do passeio do seu lado direito, mas, depois de percorridos 4, 10m, foi interrompida a 1,8m do mesmo passeio pelo automóvel.

2 - Após o embate, o arguido tivesse accionado os travões.

3 - DD opôs séria resistência à morte e essa resistência teve como reverso uma agonia profunda e prolongada.

4 - Esse sofrimento arrastou-se durante o período em que permaneceu internado no hospital, aumentando de intensidade com o passar dos dias, e culminado com a perspectiva da irreversibilidade das lesões e com a morte, o que veio a acontecer, passados seis dias.

5 DD contribuía para o seu agregado familiar anualmente com cerca de 59.000 €.

6 - O sol incidisse directamente no local por onde transitava o arguido.

7 - O arguido, após contorno dos obstáculos existentes na via do lado direito, atento o seu sentido de trânsito (bidões de sinalização), finaliza a manobra de contorno dos obstáculos, e inicia a mudança de via, para a via afecta ao seu sentido de trânsito, ou seja, a da direita.

8 - Quando se apercebe, subitamente, da existência do velocípede perto do eixo da via, e enceta manobra de recurso, tentando desviar-se novamente para a via da esquerda, de modo a poderem cruzar-se ambos, dado que o velocípede não se encontrava sobre a direita da hemi faixa de rodagem, atento o seu sentido de circulação.

9 - Porém, no momento em que inicia tal manobra de recurso (de desvio para a esquerda), o infeliz condutor do velocípede, em travagem, desvia-se de igual modo para a sua direita, tendo ocorrido o embate entre ambos.

10- Os bidões de sinalização existentes na via retirem visibilidade para a via (eixo da mesma e lado direito) e ocultam quem esteja sobre o eixo da via ou lado direito, após os mesmos,

11 - Após o embate, o arguido inicia travagem, mas o seu estado de choque e nervosismo só lhe permitiram imobilizar o veículo a 45 metros do local,

12 - O acidente ocorre devido ao facto de o infeliz condutor do velocípede se encontrar a circular na via sobre o eixo desta, circulando sem atenção ao trânsito existente na via, podendo e devendo avistar o veículo PD a circular e a efectuar a manobra de contorno dos obstáculos, atentas as dimensões deste.

13 - O velocípede encontrava-se oculto, devido à sua posição na via e face aos bidões que se encontravam no lado direito da mesma -  atento o sentido de trânsito do veículo 09-34-PD.

14 - Razão pela qual, o condutor não o avistou no momento em que inicia o contorno dos ditos bidões, mas somente mais tarde e face à proximidade deste quando o avista, leva o condutor do veiculo ...-PD (arguido) a encetar manobra de desvio à esquerda, atenta a posição do velocípede na via (no meio desta).

                                                                       *

I

O objecto do presente recurso centra-se em dois núcleos fundamentais que, sinteticamente, se podem reconduzir ao direito indemnizatório por danos patrimoniais futuros e ao direito à vida. Paralelamente importa decidir a questão suscitada pela ré seguradora relativamente ao que denomina violação de reformatio in pejus.

Importa relembrar o que, a propósito daqueles primeiros dois temas, se escreveu na decisão recorrida:

A) QUANTUM INDEMNIZATORIO FIXADO a TÍTULO de DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS

Os Autores demandantes e ora recorridos peticionaram ao Tribunal que a este título lhes fosse fixado um montante no total de 1.237,131 Euros mas o Tribunal a quo acabou por lhes fixar um montante total de 626.600,00 Euros repartidos do seguinte modo:

- 400.000,00 para a viúva AA;

- 120.000,00 para o filho BB;

- 106.600 para a filha CC;

 Entende a Seguradora recorrente que o apuramento do montante indemnizatório fixado a título de danos patrimoniais futuros no valor total de 626,600,00 repartido em:

400.000,00 Euros para a viúva demandante, 120.000,00 para o demandante filho BB e 106.000,oo para a demandante filha padece de erros, porquanto:

- foi considerado um período temporal de 31 anos, assim entendendo que o falecido trabalharia até aos 81 anos de idade;

- a alegada mitigação do montante a atribuir a este título aos demandantes provocado pelo facto de o recebimento do capital ser efectuado de uma só vez, enferma segundo a seguradora de erro de cálculo, pois o montante que foi descontado é perfeitamente irrisório.

Assim entende a Seguradora que se deve partir para o cálculo desta indemnização, do valor do rendimento líquido anual auferido pela vítima em 2009 (já deduzido do valor devido a título de impostos) o que se traduz num valor de 62.677,00 Euros e considerar tal como se fez no Tribunal a quo que desse montante ¼ seria empregue nos gastos pessoais da vítima pelo que a contribuição do lesado/falecido para o agregado familiar seria no valor equivalente aos ¾ restantes ou seja contribuiria para o seu agregado com um montante de 47.007,75 Euros por ano.

Este montante de contribuição para o agregado deverá ser dividido por três, por serem três os membros do agregado familiar da vítima beneficiários da mesma, a mulher viúva e os filhos menores, na altura do acidente com 14 e 16 anos de idade, pelo que após esta operação de divisão se obtém o valor de 15.669,25 Euros, tal como foi feito no Tribunal recorrido.

A partir daqui é que surgem depois os critérios divergentes que afastam o entendimento da Seguradora dos valores fixados pelo Tribunal da 1ª Instância:

- por um lado, defende a Seguradora que para o cômputo do dano patrimonial ora em análise terá sempre de ser ponderado não a esperança média de vida ou o tempo de vida que previsivelmente a vítima iria viver mas a vida útil profissional, pois essa é que poderá gerar um capital a considerar para efeitos de danos futuros, pois após essa vida útil, o capital auferido pela vítima será a título de reforma.

Assim considerando a actividade profissional do falecido, independentemente do facto de poder viver até aos 80 anos, o período de vida útil no activo até atingir a idade da reforma, não poderá ultrapassar os 70 anos, uma vez que o capital apurado a partir do qual estamos a procurar encontrar um montante indemnizatório (que recordamos ser no valor de 62.677,00 Euros ilíquidos por ano) só irá previsivelmente ser recebido até essa idade;

- por outro lado, entende que no Tribunal a quo não procedeu de forma equilibrada ao descontos ou mitigação do montante a atribuir à viúva lesada a este título de dano patrimonial futuro, pelo facto de ir receber o capital de uma só vez, porquanto os descontos que foram feitos por essa razão, foram irrisórios em detrimento da equidade e bom senso e beneficiando claramente os demandantes – o valor que foi descontado no montante indemnizatório a atribuir à viúva, foi apenas no montante de 85.746,75 Euros.

No que respeita ao cômputo do dano patrimonial futuro da viúva;

Defende assim que o valor de 15.669,25 Euros (acima referido correspondente ao valor da contribuição do sinistrado para o agregado familiar mas considerando apenas o beneficio obtido pela pessoa do cônjuge mulher) deverá ser multiplicado por 20 anos, por ser esse o período de vida útil do falecido, tendo em atenção que a vítima faleceu com 49 anos e 7 meses (data do nascimento foi em 10.1.1961 e faleceu em 14.8.2010) e que a sua mulher (nascida em 14.8.62) tinha à data do seu óbito 48 anos de vida, obtendo-se assim um montante de 313.385,00 Euros.

A este valor deverá ser acrescido o montante de 6.528,85 euros, referente ao proporcionais rendimentos que iria auferir nos 5 meses referentes ao ano do falecimento (2010), dado que até este falecimento o agregado familiar recebeu o contributo do falecido pelo que se obtém o valor de 319.913,00 Euros.

Depois a este valor haverá que descontar ¼  pelo facto de a viúva ir receber de uma só vez um capital que se não fosse o óbito iria receber ao longo da vida e como tal recebe um capital gerador de lucro, pelo que efectuado esse desconto se obtém o valor de 239.913,00 Euros.

Por último, uma vez que a contribuição da vítima para o seu agregado familiar não era essencial, uma vez que o seu conjugue mulher possuía e possui uma actividade profissional remunerada (é Professora Universitária na ...) e enquanto casados ambos têm a obrigação legal de participar nas despesas do agregado familiar, na ponderação do valor a atribuir, haverá que contar com este factor e como tal fazer o correspondente desconto, pelo que no final entende justo atribuir à demandante mulher a este título o valor de 180.000,00 Euros.

No que respeita ao cômputo do dano patrimonial futuro dos dois filhos do falecido:

A Seguradora aplica os mesmos critérios acima referidos (partindo pois para esse cálculo, do valor de 15.669,25 Euros acima referido, correspondente ao valor da contribuição do sinistrado para o agregado familiar mas considerando agora ser esse apenas o beneficio obtido por cada um dos seus dois filhos) com a ressalva do espaço temporal a ser considerado.

Entende que essa indemnização deverá ser calculada até aos 25 anos de cada um dos filhos, atenta a escolaridade e a formação superior e a correspondente necessidade de alimentos; mas entende também que essa necessidade de alimentos deve ser assegurada igualmente pela viúva enquanto titular de uma vida profissional activa, pelo que ponderando o facto de a mulher enquanto progenitora ter também responsabilidade nos alimentos a prestar aos filhos entende como justo fixar:

- a quantia de 70.000,00 euros para a demandante CC (nascida em 6.8.1994 que tinha na data do óbito do pai, 16 anos);

- a quantia de 80.000,00 euros para o demandante BB (nascido em 20.11.1995, que tinha 14 anos na data do óbito do pai). 

    Quid Júris?

A indemnização pelos danos patrimoniais devidos aos parentes em caso de morte da vítima, reconduz-se praticamente, à prestação de alimentos, sendo titulares deste direito os que podiam exigir alimentos ao lesado, ou aqueles a quem este os prestava, no cumprimento de uma obrigação natural.

Uma vez que os conjugues estão reciprocamente vinculados à obrigação de prestar alimentos e de contribuir para os encargos da vida familiar (artº 1672º, artº 1675º e artº 2009º/1 al. c) do C.civil) e que compete aos pais prover ao sustento dos filhos menores (artº 1878º/1 do C.C) assiste aos autores – respectivamente mulher e filhos da vítima do acidente de viação – o direito de serem indemnizados nos termos do artº 495º/3 do C.C.

Por outro lado, a indemnização do dano futuro deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinga no final do período provável da vida activa da vítima, mas que garanta as correspondentes prestações periódicas, sendo que o resultado desses cálculos não se pode cingir ao valor aritmeticamente alcançado devendo igualmente reflectir o juízo de equidade entre outros nos artºs 494º, 496º/3, 566º/3 todos do C.C.

Por outras palavras, a Jurisprudência do S.TJ defende maioritariamente que para a determinação do valor deste dano é essencial o recurso à equidade, constituindo as tabelas financeiras ou outras tabelas de cálculo instrumentos de mero valor auxiliar, porquanto os resultados obtidos por via desses instrumentos auxiliares são francamente insuficientes e devem ser corrigidos com o recurso à equidade.

E são insuficientes porque nomeadamente não contemplam a tendência da melhoria do nível de vida, o aumento progressivo dos salários, a progressão na carreira, a inflação etc

Ou seja, por o valor deste dano futuro mas previsível, não poder ser averiguado com exactidão será essencial o recurso à equidade para a sua quantificação, tal como o determina o artº 566º/3 do C.C (veja-se por todos o Ac. do S.TJ de 12.11.2009 proferido no processo nº 2952/03.0TBVIS.C1S1em que foi relator Costa Soares, o Ac. do S.T.J de 17.6.2008 em que foi relator Moreira Camilo no processo nº 1599/08 e ainda o Ac. do S.T.J de 23.2.2010 em que foi relator Urbano Dias proferido no processo nº 13/10.4YFLSB.)

Este tipo de indemnização correspondente ao prejuízo que advém para a pessoa que pode exigir a prestação de alimentos, não poderá exceder, nem em montante nem em duração, aquela prestação que suportaria se vivo fosse, isto é não poderá redundar num enriquecimento sem causa.

Assim, quanto ao período de tempo, a ser tido em conta para o cálculo desta indemnização, assiste razão à recorrente seguradora e tal como vem sendo defendido pela Jurisprudência maioritária no S.T.J esse período deverá corresponder ao período provável de vida útil ou activa da vítima titular desse dever de prestar alimentos, por ser nesse período que o mesmo (no caso o cônjuge marido) fica obrigado à prestação de alimentos calculados com base nos rendimentos por ele obtidos a partir do seu trabalho.

Aliás se o valor base a ter em conta é no caso presente o valor de 15.669,25 Euros (valor que foi aceite pela Seguradora e com o qual nós concordamos também por justo e equilibrado) e tal valor foi obtido a partir do rendimento anual ilíquido auferido pelo sinistrado ou vítima (62.677.00 euros) tendo em atenção a sua situação de profissional e os rendimentos por ele auferidos resultantes do seu trabalho e que declarou para efeitos fiscais (declarações de IRS juntas aos autos) então não vemos como possa ter sido sustentado pelo Tribunal a quo uma indemnização a atribuir ao cônjuge mulher durante 31 anos.

É verdade que a mulher do sinistrado tinha 48 anos na data do óbito do marido e que previsivelmente poderia viver até aos 80 ou 81 anos mas certamente que o marido falecido não ficaria obrigado até essa data a contribuir com alimentos de igual forma para o agregado familiar e sobretudo, é patente que não iria auferir até essa data, o rendimento ilíquido de 62.677,00 euros porquanto maxime aos 70 anos atingiria a idade da reforma e deixaria de auferir esse rendimento anual.

Assim a partir da idade dos 70 anos, com a reforma mensal que viesse a auferir o sinistrado, os cálculos a fazer para saber o valor dos alimentos a receber pela mulher seriam completamente diferentes.

A partir da fase em que cessa a vida activa da vítima (obrigado a alimentos) entra-se assim numa fase de grande álea pelo que se torna impossível neste momento poder calcular uma indemnização a título de danos futuros a partir desse ponto, até porque dada a presente conjuntura económica do país já se discute até a própria sustentabilidade da Segurança Social, sendo uma incógnita saber se dentro de 30 anos ainda haverá dinheiro para pagar reformas e a haver, quais os montantes que serão processados a cada trabalhador, independentemente dos descontos que tenham efectuado durante a sua vida activa.

Haverá assim que considerar o período temporal de 20 anos, atendendo a que o falecido trabalharia mais 20 anos até atingir os 70 anos e ainda os cinco meses correspondentes ao restante tempo do ano de 2010 em que o sinistrado deixou de contribuir para o agregado familiar, após o óbito ocorrido em 14.8.2010, com 49 anos de idade (tendo nascido em 10.1.1961 completaria os 50 anos em 10.1.2011).

Contudo já não assiste razão à Seguradora recorrente quando entende que se impõe ainda proceder ao desconto decorrente do facto de o cônjuge mulher (AA) ter vida profissional activa e também estar obrigada por lei a contribuir com alimentos para o agregado familiar ou para os filhos (como veremos melhor quando nos debruçarmos sobre a indemnização devida aos menores).

É que a situação de vida laboral activa da esposa não exclui nem diminui o dever de alimentos por parte do marido ora falecido, já que ambos estão por lei e na medida das suas possibilidades, obrigados a contribuir para as despesas do agregado familiar e para sustentar o bem estar e os estudos dos filhos, até estes serem capazes de por si próprios providenciar a esse sustento.

Uma tal indemnização é pois sempre devida, independentemente da efectiva necessidade o outro cônjuge, pois os cônjuges, no seio da comunhão conjugal não podem deixar de contribuir para encargos da vida familiar, na proporção das respectivas possibilidades e mutatis mutantis o mesmo se aplica em relação à indemnização a processar aos dois filhos do sinistrado no caso sub Júdice – isto é tal indemnização será sempre devida e não haverá que efectuar qualquer desconto pelo facto de a mulher da vítima, também contribuir para o sustento dos dois filhos do casal.

Daí que também se defenda maioritariamente no S.TJ que para o exercício deste direito à indemnização, não será necessário provar-se que o demandante esteja a receber da vítima, no momento do evento, qualquer prestação alimentar, por carência deles. Basta demonstrar-se a aptidão dele para proceder à exigência de alimentos.

Se não se deve permitir que por via desta indemnização se proporcione um enriquecimento sem causa dos beneficiários, também se deve impedir por outro lado, um efectivo empobrecimento do seu património e defender esse desconto, seria desconsiderar para o futuro um efectivo apoio económico que o agregado familiar tinha como certo vir a receber em consequência do trabalho do pai/marido (independentemente e para além do contributo dado pela mãe na sequência do seu próprio trabalho), o que em última instância redundaria no seu efectivo empobrecimento (neste sentido veja-se o Ac. do S.T.J de 12.10.2006 proferido no processo nº 2520/06 da 7ª secção, em que foi relator Alberto Sobrinho e o Ac. de 4.5.2010 no processo nº 111/04.3TBMUR.P1.S1 da 6ª secção em que foi relator Salazar Casanova).

Quanto ao desconto a efectuar, pelo facto de os familiares do sinistrado irem receber por força da indemnização arbitrada, um determinado capital, de uma só vez, o qual é susceptível de produzir uma mais valia traduzida em rendimentos de que esses beneficiários imediatamente podem usufruir, importa dizer que também não assiste razão à Seguradora recorrente.

Entende este Tribunal que no cálculo da indemnização devida para ressarcir os danos patrimoniais futuros é de efectuar um desconto em função dessa mais valia acrescida, mas a dedução a efectuar, deve ser encontrada também por recurso à equidade, entendendo-se por isso que aqueles descontos que foram efectuados na primeira instância por referência aos montantes indemnizatórios ali calculados não são irrisórios como defendeu a Seguradora na sua motivação do recurso (sendo certo que em posição minoritária, já houve até quem defendesse na Jurisprudência que não se justificava qualquer dedução para obviar a um “enriquecimento sem causa” devido ao recebimento imediato de uma só vez do capital global – neste sentido vide o Acórdão do S.T.J de 13.5.2004 no processo de revista nº 1845/03 em que foi relator Lucas Coelho e ainda o Acórdão de 29.3.2007 no processo nº 3261/06 da 2ª secção em que foi relator Bettencourt de Faria).

É que não podemos esquecer que os montantes indemnizatórios a fixar a este título, irão sempre ser desvalorizados para o futuro, por força da variação das taxas de juro e da inflação, variações essas que serão compensadas com os ganhos obtidos através do recebimento imediato de uma só vez, do capital da indemnização.

Tudo visto, ponderando a matéria de facto provada, se conclui:

- Quanto à Viúva AA:

Se à data do óbito de DD (14.8.2010) provocado pelo acidente de viação ocorrido em 8.8.2010, este contribuía com o rendimento proveniente do seu trabalho para o sustento do seu agregado familiar composto por si e pelos autores demandantes (a sua mulher nascida em 14.8.62 então com 48 anos, a sua filha CC nascida em 6.8.1994 então com 16 anos e o seu filho BB nascido em 20.11.95 então com 14 anos), perfazendo tal rendimento o montante anual de 62.677,00 euros liquídos (já previamente deduzido de 1/3 a título de imposto de acordo com o escalão de IRS a que o seu rendimento estaria sujeito), a esse valor anual há que abater 1/4, montante que se presume que o falecido disporia para os seus gastos pessoais (de acordo com o senso comum, tendo em conta o nível de vida do agregado familiar e o custo do material de ciclismo que ele adquiria em vida), pelo que restaria a contribuição anual de 47.007, 75 Euros para os encargos da vida familiar (quantia correspondente aos 3/4 restantes) e esta quantia há que dividi-la por três partes por serem três os elementos do agregado familiar cabendo assim à viúva e a cada um dos dois filhos a quantia anual de 15.669,25 Euros (47.007,75 euros : 3 = 15.669,25 Euros).

Considerando a idade da vítima à data do óbito provocado pelo acidente, que era de 49 anos (o DD nasceu em 10.1.1961) e o facto de ser um desportista, gozar de boa saúde e ter cuidados com a mesma procurando levar uma vida saudável, é de estimar que ainda trabalharia mais 20 anos (vida activa até aos 70 anos).

Assim, para a demandante mulher, temos que a quantia encontrada é de 313.385,00 Euros (15.669,25 euros X 20 anos) acrescida da quantia de 6.528,85 Euros (referente aos cinco meses do ano de 2010, ano do falecimento do DD, dado que até esse falecimento ocorrer, o agregado familiar recebeu o contributo do falecido) pelo que se obtém o montante total de 319.913,00 Euros.

Mas, não olvidando, que a indemnização a receber a este título representando a entrega imediata de um determinado capital, de uma só vez, é susceptível de produzir rendimentos de que a Autora imediatamente poderá usufruir (o que representa uma vantagem patrimonial relevante) e atendendo ainda às evoluções salariais, às taxas de juro e da inflacção, julga-se ajustada e equitativa (artº 566º/3 do C.C) a fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro no valor total de 300.000,00 Euros

Deverá pois ser-lhe paga pela Seguradora ora recorrente, a quantia de 300.000,00 Euros, a título de indemnização pela perda de rendimentos resultante da morte do seu marido e pai dos seus dois filhos menores.

- Quanto aos filhos menores CC e BB:

Estes como ficou claro na sentença recorrida, podem pedir uma indemnização a título de danos patrimoniais futuros, com base no artº 495º/3 do C.C indemnização que diz respeito a danos causados aos próprios demandantes, por terem ficado desprovidos da possibilidade de exigir alimentos.

Com efeito, este preceito concede às pessoas que podem exigir alimentos do lesado, o direito de pedir uma indemnização pelo dano da perde de alimentos que o sinistrado falecido (o DD) não fosse esse óbito, teria de lhes prestar.

A indemnização neste âmbito visa ressarcir o interessado pela perda dos proventos que a fonte de rendimentos que cessou (pela lesão ou morte do obrigado) lhe proporcionaria.

Por outro lado, sabe-se que neste domínio, a obrigação de alimentos se não mede apenas em função do indispensável ao sustento, habitação e vestuário do titular (cfr artº 2003 do C.C) mas antes “implica de algum modo a igualação do seu trem de vida económico e social” (Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil anotado vol IV 2ª edição, Coimbra 1992, pág 265).

Sendo assim, haverá que considerar que a morte da vítima no caso presente foi determinante da perda futura de ganhos com reflexos na esfera patrimonial dos seus dois filhos menores, que o sinistrado falecido DD contribuía com a quantia anual de 15.669,25 Euros para cada um dos filhos (segundo os cálculos acima explicados) e que os seus dois filhos tinham à data do óbito do pai ocorrido em 14.8.2010, respectivamente 14 anos (o filho BB nascido em 20.11.95 completava no ano do falecimento os 15 anos) e 16 anos (a filha CC completou os 16 anos no ano do falecimento).

Tal como acima já foi referido, ponderando a idade da vítima à data do óbito provocado pelo acidente, que era de 49 anos (o DD nasceu em 10.1.1961) e o facto de ser um desportista, gozar de boa saúde e ter cuidados com a mesma procurando levar uma vida saudável, é de estimar que ainda trabalharia mais 20 anos (vida activa até aos 70 anos) e por outro lado, é de considerar que os seus dois filhos iriam necessitar dos rendimentos que o pai lhes proporcionava (alimentos) até cada um deles atingir a idade de 25 anos por ser essa a idade com que previsivelmente irão terminar a sua formação académica.

Assim considerando que essa necessidade de alimentos (que o inesperado falecimento do pai lhes veio coarctar) se irá sentir com especial acuidade na presente conjuntura de crise económica que o país atravessa e se irá prolongar por um período de 10 anos em relação ao BB e por um período de 9 anos em relação à CC (e não de 9 e 8 anos como foi certamente por lapso calculado na sentença proferida pelo Tribunal recorrido) então:

- para a CC a quantia encontrada é a de 141.023,25 Euros (15.669,25 euros X 9 anos) e para o BB a quantia encontrada é a de 156.692,5 Euros (15.669,25 euros X 10 anos).

Mas, não olvidando, que a indemnização a receber a este título representando a entrega imediata de um determinado capital, de uma só vez, é susceptível de produzir rendimentos de que estes dois autores imediatamente poderão usufruir (o que representa uma vantagem patrimonial relevante) e atendendo ainda às evoluções salariais, às taxas de juro e da inflacção, julga-se ajustada e equitativa (artº 566º/3 do C.C) a fixação da indemnização pelo dano patrimonial futuro no valor total de 135.000,00 Euros para o BB e de 120.000,00 Euros para a CC

Deverá pois ser-lhes pago pela Seguradora ora recorrente, a quantia de 135.000,00 Euros, para o BB e de 120.000,00 Euros para a CC, a título de  indemnização pela perda de rendimentos resultante da morte do pai (sendo certo que o que determina as balizas das indemnizações não são os pedidos parcelares mas o pedido global formulado pelos Autores).

                                                             *

      I

            Toma-se por dado adquirido doutrinal e jurisprudencialmente o de que os artigos 495 e 496 do Código Civil (respectivamente em sede de danos patrimoniais e não patrimoniais) consagram no domínio da responsabilidade civil extracontratual uma excepção ao princípio de que o detentor do direito á indemnização é próprio portador do direito violado.

            Sobre a natureza de tal direito desenhou-se uma divergência em termos doutrinais que oscilava entre a classificação como um direito de terceiro, por referência ao fenómeno sucessório, ou atribuição da natureza de um direito próprio com génese na esfera jurídica daquele terceiro. Antunes Varela, no registo linear que é seu timbre, expõe tal questão referindo que  “É aos danos assim causados a terceiros (aqueles que só reflexa ou indirectamente os hajam prejudicado), sem violação de nenhuma relação negocial ou para-negocial e sem infracção de nenhum dever geral de abstenção ou omissão … e que não encontram, realmente, por razões óbvias, cobertura directa, nem na responsabilidade aquiliana, nem na responsabilidade contratual. Excepcionalmente, porem, a indemnização pode competir também ou caber apenas a terceiros. Assim sucede nos casos versados no art. 495º (…)

…………………………………………………………………………………..

Se a vítima falece no próprio momento da agressão ou da lesão, o instituto da sucessão não chegaria para assegurar o direito à indemnização por parte dos seus herdeiros, pois dificilmente se poderia sustentar a tese do nascimento desse direito no seu património. E, todavia, não seria justo que, em tais circunstâncias, os sucessores ou familiares do lesado não tivessem direito a nenhuma indemnização, e o tivessem quando a vítima houvesse sobrevivido alguns escassos segundos ao momento da lesão.”

 Conclui, referindo que:

“Há na concessão deste direito de indemnização (do direito aos danos patrimoniais consagrado no art. 495º) uma verdadeira excepção à regra de que só os danos ligados à relação jurídica ilicitamente violada contam para a obrigação imposta ao lesante.”

Com efeito, a obrigação alimentar, quer a fundada na lei, quer (…) constitui um direito relativo a que o lesante era estranho. Só por disposição especial da lei este poderia, por conseguinte, ser obrigado a indemnizar os prejuízos que para o titular desse direito relativo advieram da prática do facto ilícito.” 

            Na esteira de tal entendimento, que se perfilha, entendemos que o direito de indemnização na titularidade das pessoas a que se refere aquele normativo é um direito próprio que só depende do facto de elas assumirem a posição de poderem exigir alimentos à vítima da lesão de morte (Ac. do STJ, de 16.4.74, BMJ, n.º 236, pág. 138). O normativo em causa consagra, assim, e a título excepcional, um direito indemnizatório aos que podiam exigir alimentos ao lesado, ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural. O nascimento de tal direito na sua esfera jurídica está dependente da existir a possibilidade legal do exercício do direito aos alimentos, e mesmo que não estejam a receber da vítima qualquer prestação alimentar por carência efectiva deles.

No caso vertente, considerando o disposto no art.º 2009º do Cód. Civil, conclui-se que os demandantes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai.

            Questão distinta da titularidade daquele direito é a forma como o mesmo se define em concreto sendo certo que, também, aí se denota alguma divergência jurisprudencial. Enquanto alguns constroem a obrigação de indemnização em convergência com os parâmetros da obrigação alimentar já outros entendem que a solução adequada passa pela recondução aos princípios gerais inscritos no artigo 562 e seguintes do Código Civil.

             Numa opção dentro de tal dicotomia se fundamenta alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal quando refere que o artigo citado, pelo seu carácter excepcional, deve ser interpretado no sentido de que os beneficiários do direito a alimentos apenas poderão, in abstracto, exigir indemnização pelos danos efectivos- que não meramente potenciais- da cessação da prestação de alimentos.

Como se refere no Acórdão de 8 de Maio de 2008 é essencial para o apuramento do dano a que se reporta o normativo em causa, o recurso à equidade, sem prejuízo de, para procurar atingir a justiça do caso concreto, nos socorrermos de operações matemáticas que, tal como vem sendo utilizado pela jurisprudência comummente aceite, quanto à indemnização a pagar pela frustração do ganho, permitam representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no final do período em que a sua beneficiária auferiria, a título de alimentos, dos proventos do falecido. Tal entendimento é por alguma forma explicitado na mesma decisão quando, precisa a forma como se concretiza tal direito aos alimentos fazendo-o reconduzir á perda de rendimento de trabalho.

     Estamos em crer que, também aqui, importa ter presente uma perspectiva sistémica, integrando o capítulo em que a mesma norma se inscreve e, muito mais do que ficcionar uma hipotética ou virtual necessidade de alimentos, sem consistência prática e jurídica, é necessário saber se existiu, ou não, um dano no património dos demandantes e que merece ser indemnizado. Como se refere em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 2006 , não são a necessidade da prestação alimentar e a sua medida - que reporta ao disposto nos arts. 2003º, nº1º, e 2004º, nº2ºdo Código Civil - que efectivamente balizam a indemnização do dano previsto no art. 495º, nº3º do mesmo diploma. Quer isto dizer que também aos lesados indirectos quer a lei que se atribua o que na realidade perderam : e vem isso, muito claramente, a ser tudo aquilo com que o lesado directo efectivamente os vinha beneficiando e provavelmente continuaria a beneficiar se não tivesse falecido

Com a morte do lesado directo ocorre efectiva perda patrimonial, em termos de previsíveis danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou, quando não assim, poderia eventualmente vir a prestar, à família. Não fora a lesão do direito à vida do lesado directo, os ora recorridos, lesados indirectos ( ou por reflexo ) com essa morte, podiam sempre contar, com toda a probabilidade, beneficiar no futuro da parte dos rendimentos daquele que o mesmo lhes vinha habitualmente atribuindo ou poderia eventualmente vir a atribuir-lhes.

Os danos indemnizáveis ora em questão são, desde logo, constituídos por tudo quanto, independentemente do montante de alimentos eventualmente exigível, - e sem com tal, enfim, qualquer correlação -, o lesado directo efectivamente prestava, e com toda a probabilidade continuaria a prestar, à família, incluindo o cônjuge de facto, se fosse vivo.

Portanto, conjugando aquele dispositivo com o disposto no art.º 2009º do Cód. Civil, não há dúvida de que os demandantes recorrentes têm direito a indemnização pelos danos que eles próprios tenham sofrido em consequência do óbito de seu marido e pai, consistente nos rendimentos de que ficaram privados, na medida em que só mediante o recebimento desses rendimentos podem manter o nível de vida que, para eles, o lesado se esforçava por alcançar, e que manteriam se este fosse vivo, que é o que os alimentos tendencialmente visam na interpretação mais correcta dos art.ºs 2003º e 2004º do Cód. Civil.

            Entende-se, assim, que o óbito do lesado provoca sempre, no próprio momento em que se verifica, para além do dano consistente na perda do bem da vida, um dano patrimonial, também indemnizável, que se traduz na perda da capacidade produtiva pelo tempo de vida que previsivelmente lhe restaria, dano esse cujo valor só pode ser aferido tendo em conta o próprio rendimento susceptível de ser produzido mediante a concretização dessa capacidade; e os sucessores do lesado directo, que são precisamente os autores, têm direito também à indemnização correspondente a esse dano patrimonial sofrido pelo lesado, direito esse que se lhes transmite, integrado na herança.

O direito de indemnização atribuído aos lesados indirectos na hipótese prevenida nesse preceito tem, como qualquer outro, a medida estabelecida nos arts.562º seg. do Código Civil.

      Na verdade,

         É em função da denominada teoria da diferença, conjugada nos termos do artigo 562 e seguintes do citado Código, que é definido o direito de indemnização de que são titulares as pessoas referidas no art.495º, nº3º, independentemente da necessidade efectiva de alimentos.

            Como se refere na decisão citada  “Como, nomeadamente, estipulado no art.563º, - e bem que a tal limitada, como determina o advérbio " só " omitido na transcrição que segue -, " a obrigação de indemnização (...) existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão ". Quer isto dizer que também aos lesados indirectos quer a lei que se atribua o que na realidade perderam, ou seja, tudo aquilo com que o lesado directo efectivamente os vinha beneficiando e, provavelmente, continuaria a beneficiar se não tivesse falecido. Com a morte do lesado directo ocorre efectiva perda patrimonial, em termos de previsíveis danos futuros, correspondente ao que o falecido vinha efectivamente prestando, ou, quando não assim, poderia eventualmente vir a prestar, à família.

            Não fora a lesão do direito à vida do lesado directo os lesados indirectos (ou por reflexo) com essa morte, podiam sempre contar, com toda a probabilidade, beneficiar no futuro da parte dos rendimentos daquele e que o mesmo lhes vinha habitualmente atribuindo, ou poderia eventualmente vir a atribuir-lhes.

Os danos indemnizáveis ora em questão são, desde logo, constituídos por tudo quanto, independentemente do montante de alimentos eventualmente exigível, - e sem com tal, enfim, qualquer correlação -, o lesado directo efectivamente prestava, e com toda a probabilidade continuaria a prestar à família se fosse vivo.

      Estamos, assim, reconduzidos ao princípio de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, fixável em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).

            A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado à data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser avaliado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil).

Uma vez que a nossa atenção incide sobre um dano futuro, abrangendo um longo período de previsão, entende-se por adquirido que a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento de avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.

            Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole várias, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que, como bem aponta a decisão deste Supremo Tribunal de 12 de Dezembro de 2003, se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, pelo que há que valorizar essencialmente nesta matéria o critério da equidade.

O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho 

Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.

Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.

            Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, e tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

                                                                 *

A decisão recorrida foi ao encontro da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e nem sequer são contestados os valores encontrados em relação ao montante anual liquido percebido. A questão nuclear situa-se tão somente em saber se os danos futuros devem ser aferidos em relação á vida activa, cujo previsível terminus constituiria, assim, um limite inultrapassável no respectivo cálculo, ou se, pelo contrário, haverá que ficcionar a expectativa de vida da vítima pois que, decorrido o tempo de vida activa, existiria, com a probabilidade relativa que revestem todas as suposições, um período de reforma em que a vítima receberia a respectiva pensão.

            Portanto tudo se resume á forma de considerar este período da vida, para além da reforma, para efeito do cálculo indemnizatório: indiferente para a seguradora ou até ao limite daquela expectativa de vida ou seja os 80 anos para os demandantes.

Se para a decisão de primeira instância a tese dos demandantes era de sufragar já a decisão recorrida se pronuncia no sentido de que:

É verdade que a mulher do sinistrado tinha 48 anos na data do óbito do marido e que previsivelmente poderia viver até aos 80 ou 81 anos mas certamente que o marido falecido não ficaria obrigado até essa data a contribuir com alimentos de igual forma para o agregado familiar e sobretudo, é patente que não iria auferir até essa data, o rendimento ilíquido de 62.677,00 euros porquanto maxime aos 70 anos atingiria a idade da reforma e deixaria de auferir esse rendimento anual.

Assim a partir da idade dos 70 anos, com a reforma mensal que viesse a auferir o sinistrado, os cálculos a fazer para saber o valor dos alimentos a receber pela mulher seriam completamente diferentes.

A partir da fase em que cessa a vida activa da vítima (obrigado a alimentos) entra-se assim numa fase de grande álea pelo que se torna impossível neste momento poder calcular uma indemnização a título de danos futuros a partir desse ponto, até porque dada a presente conjuntura económica do país já se discute até a própria sustentabilidade da Segurança Social, sendo uma incógnita saber se dentro de 30 anos ainda haverá dinheiro para pagar reformas e a haver, quais os montantes que serão processados a cada trabalhador, independentemente dos descontos que tenham efectuado durante a sua vida activa.

Haverá assim que considerar o período temporal de 20 anos, atendendo a que o falecido trabalharia mais 20 anos até atingir os 70 anos e ainda os cinco meses correspondentes ao restante tempo do ano de 2010 em que o sinistrado deixou de contribuir para o agregado familiar, após o óbito ocorrido em 14.8.2010, com 49 anos de idade (tendo nascido em 10.1.1961 completaria os 50 anos em 10.1.2011).

   Em posição distinta se colocou a decisão de primeira instância considerando que ao longo da sua vida (referindo que a média de vida dos homens portugueses é de 75,5) iria continuar a contribuir para a economia doméstica e para a sua mulher e os seus filhos.

                                                               +

            Na procura da decisão adequada para o caso vertente importa acentuar em primeiro lugar que a decisão de primeira instância emerge dum cálculo em que uma das componentes foi a expectativa de vida da demandante esposa da vítima (80 anos) e, consequentemente, considerou uma expectativa de vida de 31 anos. Sucede que a vitima tinha 49 anos e que, considerandos os dados que nos são fornecidos por instituições reconhecidas como a ONU ou a Fundação Francisco Manuel Santos (Pordata), é de admitir como razoável a expectativa de vida indicada nas decisões ou seja cerca de 75 anos.

            Sendo assim a diferença em relação à expectativa de vida da vítima é de 26 anos tendo em atenção a dada do seu decesso.

            Nestes termos não consideramos susceptível de critica a decisão recorrida quando determina a barreira dos setenta anos como limite da vida activa e sinónimo duma capacidade de ganho que se vai esvair. Na verdade, no domínio duma previsibilidade que, embora de longo prazo, tem de equacionar o regime legal vigente neste momento em sede de aposentações, bem como uma normalidade de vida indiciada pelo modus vivendi da vitima, é de presumir que, após o fim da vida activa, o mesmo, na qualidade de funcionário publico, iria auferir uma reforma.

Independentemente de qualquer consideração sobre uma diminuição do montante da pensão, indiciada pelas limitações orçamentais, e imposta pela sustentabilidade da segurança social, o certo é que tal reforma teria como base de sustentação o vencimento auferido como funcionário (não se considerando os trabalhos extra) e deveria ter em atenção que, com a idade, necessariamente que se avolumam as necessidades impostas pela manutenção do estado de saúde e dos cuidados necessários.

Reportando-nos ao que, a propósito, se escreveu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/1/2009[1] Partindo necessariamente da idade do lesado, tendo em conta a sua idade à data do acidente, ou à data da fixação da incapacidade, bem como a idade em que previsivelmente entrará (ia) no mercado de trabalho, há que projectar a previsível duração de vida, o tempo provável da vida, não só enquanto “trabalhador”, portador de força de trabalho, fonte produtiva de património, geradora de rendimentos, mas também enquanto “pessoa” e “cidadão”, que vive para lá do tempo da vida activa, além do tempo da reforma.

O recurso a determinados factores de cálculo tem vindo a sofrer inflexões, o que se verifica igualmente em torno da consideração do termo do período de vida activa do lesado.

Neste aspecto tem sido discutida a prevalência da “idade de reforma”, a estrita observância do limite de vida activa, ou diversamente, a esperança média de vida dos cidadãos deste País.

Tudo se reconduz a distinguir expectativa de vida activa e expectativa de vida, que acresce (valor acrescido) para além daquela.

A consideração dos 65 anos de idade, como limite etário da vida activa, rigidamente considerado durante muito tempo, passou a ser questionada pela jurisprudência.

Considerando redução da capacidade laboral até aos 70 anos, num caso em que o lesado tinha 11 anos de idade, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-05-1977, BMJ n.º 267, pág. 144; opondo alguma reserva à consideração dos 65 anos como limite da vida activa, veja-se o acórdão de 08-06-1999, BMJ n.º 488, pág. 323; no acórdão de 14-03-2000, revista n.º 53/00-6ª,STJSAC, Edição anual 2000, pág. 103, afirma-se que o limite da vida activa profissional não tem de reportar-se à idade de 65 anos; afastando tal limite, de forma clara, o acórdão de 27-06-2000, processo n.º 1937/00, BMJ n.º 498, pág. 222.

            Assim, entendemos que no calculo indemnizatório haverá que ter em atenção a expectativa que a vítima teria de auferir um montante relativo á sua reforma sendo certo que sobre esta haverá que ter em consideração as incidências próprias da idade em que a mesma é percebida.

            Seja permitido, ainda, referir que no caso concreto a decisão recorrida já foi de algum modo favorável para os demandantes recorrentes ao considerar como limite do cálculo da capacidade de ganho equivalente ao auferido no momento da morte a expectativa de vida (70 anos) e não a idade legal para a concessão da reforma que se situa nos 66 anos a partir de 2014. Porém, tal questão não foi aflorada e não está agora em análise pois que o núcleo do recurso se encontra bem delimitado.

            Assim, e em relação àquele período de vida situado entre a reforma (70 anos) e o limite da expectativa de vida (75 anos):

            Ao montante bruto anual médio dos últimos três anos relativa a trabalho dependente e considerado pelas instâncias, e aceite pelos intervenientes, de 68.000 Euros

corresponderia nos dias de hoje, e sem penalização, uma pensão ilíquida mensal de cerca de 4.000 Euros. Imputando uma dedução fiscal de 40% alcançamos um montante de cerca de 2.400 Euros sobre o qual vão incidir as despesas provenientes da manutenção de vida e cuidados de saúde próprios da idade que, que nesta fase da vida se potenciam e se computam ascendem a cerca de metade de tal montante ou seja cerca de 1.200 Euros mensais líquidos a que corresponde um montante anual de cerca de 1.200 Euros X 13 meses ou seja 15.600 Euros.

Tal montante deve ser computado em relação ao período de cinco anos que delimita a diferença entre a idade da reforma e o limite da expectativa de vida. Porém, é importante referir que nos reportamos a um momento prospectivo que se reporta a uma margem de cerca de quarenta anos com toda a margem de incerteza que está inscrita na previsão bem como é manifesta   a marca duma tendência agravativa das condições em que é concedida a reforma.

Tomando como base o cálculo enunciado mas recorrendo essencialmente a um juízo de equidade temos por adequado o montante de 35.000 Euros a receber pela demandante esposa e relativa aos danos futuros relativos à perda de rendimento inerente à reforma da vítima.

 

II

            Na determinação da obrigação de indemnização a primeira questão que se suscita é um tema por demais decantado em termos doutrinais e jurisprudenciais e consubstancia-se na determinação do valor do direito á vida.

Em abstracto todos somos iguais perante o direito mas este princípio terá de ser equacionado em concreto com outros factores como a idade; a saúde e a função perfeitamente social.

            No plano individual compreende-se que o bem da vida possa ser valorado em abstracto, através de uma compensação uniforme. Mas, do ponto de vista social, as coisas já não serão assim. A vida tem, sobretudo, um valor social porque o homem é, antes de tudo, um ser em situação E terá de ser atendendo a este valor, em temos relativos e numa perspectiva essencialmente de qualidade humana, em que o poder monetário não terá qualquer peso, que os tribunais têm de apreciar, em concreto, o montante da indemnização pela lesão do direito à vida. Tais factores são evidenciados por Dario Almeida[2] quando aponta três vertentes sob que deve ser analisada a lesão deste direito, ou seja:

a)- Enquanto vida que se perde, na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral;

b)-Enquanto vida que se perde, no papel excepcional que desempenha na sociedade (um cientista, um escritor, um artista); e

c) Enquanto vida que se perde, sem qualquer função específica na sociedade (uma criança, um inválido, mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte.

            A jurisprudência, sem nunca ter caído na arbitrariedade, tem feito um apelo á regra da equidade acentuando-se hoje em dia uma tendência para acentuar o valor absoluto de um direito fundamental, e que é a génese de todos os outros direitos, perante valores referenciados como parâmetros da sociedade de consumo em que vivemos. Não admira assim que desde os 150.000$00 em que foi valorado o direito á vida de um jovem de 22 anos (conf. Acórdão do STJ de 13/5/1986) se tenha percorrido um caminho de sucessivo afinamento de critérios jurisprudenciais que levam, hoje em dia, á consideração de valores que, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, se situam entre os € 50.000,00 e 70.000,00 euros[3] [4] [5]

No caso concreto a decisão recorrida considerou por um lado os valores que em termos jurisprudenciais têm sido fixadas pelo Supremo Tribunal de Justiça e por outro as condições concretas de idade e de vida da vítima que, saliente-se não só era um profissional de nível superior e de reconhecido mérito como também um pai e um marido extremoso.

Tais circunstâncias necessariamente que marcam o caso vertente pela sua natureza excepcional de conjugação de elementos que valorizam em termos sociais, pessoais e familiares a vida que se perdeu.

Consideramos equitativa a compensação, de € 100.000,00 pela perda do mesmo direito.[6]

III

            Igualmente a seguradora interpôs recurso referindo que existiu uma alteração da decisão recorrida no que concerne aos danos patrimoniais futuros.

            Argumenta a recorrente que:

 Em sede de decisão de primeira instância e relativamente àqueles danos foram determinados os seguintes montantes: a AA a quando de 400.000,00 Euros, a BB a quantia de 120.000,00 Euros e a CC a quantia de 106.600,00.

Sucede que os demandantes aceitaram a mesma decisão e que apenas a seguradora recorreu. Todavia em sede de decisão recorrida foram aqueles valors alterados e fixado os montante: a AA a quando de 300.000,00 Euros, a BB a quantia de 135.000,00 Euros e a CC a quantia de 120.000,00 Euros.

Na perspectiva do recorrente existe caso julgado em relação àqueles danos fixados em relação aos demandantes BB e CC pelo que não poderiam ser alterados pela decisão recorrida.

Uma das traves mestras do nosso processo civil declaratório é o princípio dispositivo pelo qual as partes dispõem do processo, como da relação jurídica material (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, p. 347).

Corolário deste princípio são, entre outros, a necessidade de impulso processual (Código de Processo Civil, artigo 264.º, n.º 1), quer o inicial quer o subsequente, e a correspondência entre o requerido e o pronunciado, expressão de Calamandrei, ut M. de Andrade (ob. cit., p. 348), sem esquecer a necessária relação entre a causa de pedir e o pedido (Vaz Serra, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 109, p. 314) exigida pelo disposto nos artigos 193.º, n.º 2, alíneas a) e b), e 498.º, n.º 4, do Código de Processo Civil. Como se refere em Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 26-11-1996 (DR 274/96 SÉRIE I-A ) o princípio do pedido, como se pronunciou este Supremo Tribunal (v. Acórdão de 3 de Junho de 1993, in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 428, p. 562), é um princípio axial que atravessa todo o processo civil e se manifesta em diversos preceitos do Código de Processo Civil [designadamente os artigos 3.º, n.º 1, 193.º, n.º 2, alínea a), 467.º, n.º 1, alínea d), e 661.º, n.º 1] e se impõe a todos os tribunais, independentemente do seu grau hierárquico.

O artigo 661.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ao dispor que «a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir», consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium.

Desta disposição apenas interessa aqui o limite estabelecido no aspecto quantitativo.

Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor.

Pedido é a pretensão do autor [Código de Processo Civil, artigo 467.º, n.º 1, alínea d)], «é a enunciação da forma de tutela jurisdicional pretendida pelo autor e do conteúdo e objecto do direito a tutelar», «o direito para que ele solicita ou requer a tutela judicial e o modo por que intenta obter essa tutela (a providência judiciária requerida)» (autor e ob. cit., p. 107).

O autor, ao concluir a sua petição (isto sem prejuízo da sua posterior modificabilidade, em sentido amplo, onde e quando for admitida), deve formular o pedido, «dizer com precisão o que pretende do tribunal - que efeito jurídico quer obter com a acção» (A. Varela, Manual de Processo Civil, p. 245, nota 1). A este se refere expressamente o artigo 498.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.

Sem pedido não existe requisição da tutela jurisdicional para a pretensão processual individualizada, como escreveu M. Teixeira de Sousa, citando Schönge-Schröeder-Niese (in Boletim do Ministério da Justiça, n.º 325, p. 105).

Decorre daqui que, em princípio, não pode o tribunal ultrapassar quantitativamente o pedido mas, desde que se mantenha dento deste, está habilitado a altear qualquer uma das parcelas que o decompõem.

Porém, a invocação do principio reformatio in pejus igualmente é de considerar inusitada porquanto, além, do mais a decisão recorrida se limitou a efectuar as mesmas operações de cálculo e com os mesmos pressupostos da decisão de primeira instância apenas tendo efectuado a correcção de elementos de cálculo que se encontravam incorrectamente elaborados pois que, como ali se refere, calculou-se um período de dez e nove anos em relação a cada um dos filhos, e não de nove e oito anos, sublinhando-se  “como foi certamente por lapso calculado na sentença proferida pelo tribunal recorrido”   

A recorrente Seguradora pretende ver efectuado desconto de ¼ por antecipação do capital, o que em seu entender não terá sido feito nas instâncias. No que concerne permitimo-nos seguir o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2102[7]  tratando-se de operação a efectuar após determinação do capital, a razão para operar este “desconto” está em que o lesado perceberá a indemnização por junto, que o capital a receber pode ser rentabilizado, produzindo juros, e que se impõe que, no termo do prazo considerado, o capital se encontre esgotado.

   Trata-se de subtrair o benefício respeitante à recepção antecipada de capital, de efectuar uma dedução correspondente à entrega imediata e integral do capital, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia.

    Na quantificação do desconto em equação a jurisprudência tem oscilado na consideração de uma redução entre os 10% e os 33%.Assim:

1/3 ou ¼ - acórdão de 06-07-2000, BMJ n.º 499, pág. 309 e CJSTJ 2000, tomo 2 pág. 144.

¼ - acórdãos de 25-05-1993, recurso n.º 83.505, CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 130, em que se defendeu, citando Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada, 4ª ed., pág. 94, que feita a capitalização, preciso é ainda diminui-la de ¼, à semelhança de certa jurisprudência francesa, dado o lesado receber o capital de uma só vez; de 25-11-1999, revista n.º 827/99-7ª, in STJSAC1999, pág. 385, invocando igualmente a jurisprudência francesa; de 27-09-2001, revista n.º 1979/01 - 7ª; de 28-05-2002, revista n.º 1038/02 - 2ª; de 25-06-2002, CJSTJ 2002, tomo 2, pág.128; de 22-11-2007, revista n.º 3829/07 - 7ª; de 14-02-2008, revista 4508/07-2ª; de 23-09-2008, revista n.º 1857/08 - 2ª; de 29-10-2008, processo n.º 3373/08 - 3ª; de 04-12-2008, revista n.º 3728/08 - 2ª (sinistro em consequência de queda do elevador); de 22-01-2009, revista n.º 3360/08 - 7ª; de 11-02-2009, processo n.º 3980/08 - 3ª; de 18-06-2009, processo n.º 81/04.8PBBGC.S1-3ª.

1/5 - acórdãos de  15-03-2001, revista n.º 303/01-2ª; de 17-11-2005, revista n.º 3050/05-2ª e de 30-10-2008, revista n.º 3237/08-2ª.

30% - acórdãos de 06-02-2007, revista n.º 4436/06-1.ª; de 07-07-2009, processo n.º 1145/05.6TAMAI.C1-3.ª.

10% - acórdão de 27-05-2009, revista n.º 3413/03.2TBVCT.S1-1.ª – (valor reputado mais adequado dada a actual rigidez das aplicações de capital em valores muito baixos).

No caso em apreciação, foi aplicado um montante de cerca 15%. o que é admissível. Assim, tendo em conta todos os elementos constantes dos autos admitem-se como correctos, os montantes encontrados na decisão recorrida de 300.000 Euros em relação `a demandante AA; de 135.000 Euros em relação ao demandante BB e 120.000 Euros em relação à demandante CC.

Termos em que se julga parcialmente procedente o recurso interposto pelos demandante cíveis e, em consequência:

a) Julga-se procedente o recurso interposto pelos demandantes no que concerne  ao cálculo de danos futuros provenientes do não recebimento de reforma da vítima, condenando-se a ré DD no pagamento do montante de 35.000,00 Euros à demandante AA.

b) Igualmente parcialmente procedente o recurso interposto pelos mesmos demandantes no que concerne à perda do direito à vida que se fixa em 100.000,00 Euros correspondendo, em proporção, o montante de 3.333,00 Euros em relação a cada demandante.
Consequentemente,

c) Condena-se a Companhia de Seguros DD a pagar aos demandantes ora recorridos a quantia global de 590.000,00 Euros a título de indemnização pelos danos futuros, sendo individualmente devida a AA a quantia de 335.000,00 Euros (300.000,00 Euros a que acresce o montante do dano relativo à perda de reforma-35.000 Euros), a BB a quantia de 135.000,00 Euros e a CC a quantia de 120.000,00 Euros.

d) Acresce àquele montante o montante indemnizatório devido, nos termos supra referidos em relação a cada um dos demandantes e relativo à perda do direito á vida.

e) Julga-se improcedente improcedente o recurso interposto pela Companhia de Seguros DD.

f) Mantem-se  no restante a decisão recorrida

Custas pela recorrente DD

Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes

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[1] Relator Juiz Conselheiro Raul Borges
[2] Manual dos Acidentes de Viação
[3] Cfr. Ac. deste Supremo Tribunal de 5.7.2007 – Proc. 07A1734,

[4] A compensação atribuída pela perda desse direito vai sendo com frequência fixada em 10.000.000$00 ( = € 50.000), valor correspondente ao considerado em decisão do Provedor de Justiça de 19/3/2001, publicada no DR, II Série, nº96, de 24/4/2000 (Parte VIII, nº56.).
[5] Decisões do Supremo Tribunal de Justiça ultrapassando o limite de 5.0000 Euros:-13-05-2004, Revista n.º 1845/03-2ª - 11.000.000$00 (44 anos);18-10-2007, Revista n.º 3084/07-6ª- 55.000,00 (31 anos)03-04-2008, Revista n.º 262/08-2ª - 60.000,00 (…)10-07-2008, Revista n.º 1840/08-6ª- 60.000,00 (14 anos);16-10-2008, Revista n.º 2697/08-7ª- 60.000,00 (28 e 44 anos);16-10-2008, Revista n.º 2477/08-2ª - 70.000,00 (29 anos);30-10-2008, Revista n.º 2989/08-2ª-60.000,00 (19 anos);18-11-2008, Revista n. 3422/08-2ª - 60.000,00 (44 anos);27-11-2008, processo n.º 1413/08-5ª-60.000,00 (17 anos);12-03-2009, Processo n.º 611/09-3ª- 55.000,00 (24 anos);
[6] Na RLJ nº123, pág. 279, em comentário ao Acórdão do STJ, de 23.5.85, o Professor Antunes Varela, referia que “ (...) A compensação pecuniária prevista na lei visa cobrir um dano, que é a perda da vida causada pela lesão, embora na determinação do seu montante o julgador não possa, como resulta do disposto no nº3 do art. 496º e no art. 494º do Código Civil, abstrair do grau de culpa do agente, do reflexo económico-social que o facto tem na vida dos familiares do lesado, nem da repercussão que o pagamento da indemnização pode ter na situação patrimonial do responsável... (...) a indemnização pela morte de uma pessoa não tem um valor fixo...”. Por seu turno Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”

[7] Relator Juiz Conselheiro Raul Borges transcrevendo o que consta dos acórdãos de 25-11-2009 e de 27-10-2010, pelo mesmo relatada nos processos n.º 397/03.0GEBNV e n.º 2519/06.0TAVCT.G1.S1.