Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6038/10.2TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TAVARES DE PAIVA
Descritores: SUCESSÃO
QUINHÃO HEREDITÁRIO
LEGADO
TRANSMISSÃO
REGISTO PREDIAL
EFEITOS DA SENTENÇA
INTERPRETAÇÃO
NULIDADE
UNIVERSALIDADE
HERDEIRO
LEGATÁRIO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES / ESPÉCIES DE SUCESSORES.
DIREITO DOS REGISTOS E NOTARIADO – REGISTO PREDIAL.
Doutrina:
- Galvão Telles, Sucessões, 163.
- Pereira Coelho, Lições 1966, 38.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º1, 2030.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DO REGISTO PREDIAL (CRPRED): - ARTIGOS 16.º, AL. B), 43.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
-DE 30.01.2013, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:
-DE 14.01.1970, NA J.R. 16.º - 167.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
-DE 10.03.1972, NO B.M.J. 215.º - 282.
Sumário :   
1 - No caso dos autos estamos perante uma sentença que declarou transmitido o quinhão hereditário de CC para a aqui, Ré e fazendo o confronto dessa declaração judicial com a distinção entre herdeiro e legatário, à luz do art. 2030 do C Civil , parece não haver dúvidas, mesmo socorrendo-nos do art 236 nº 1 do C Civil que aquela declaração pretendeu instituir como herdeira do quinhão hereditário do identificado CC  como um todo, a, aqui, Ré.

2 - E nessa medida os bens a título do legado não podiam ser objecto do registo, porque a sentença é respeitante ao direito ao quinhão hereditário, que não pode incluir os bens que foram legados ainda que os mesmos façam parte dessa herança.

3 - A distinção formal entre herdeiros e legatários, ou entre herança e legado, assenta na particularidade de haver ou não determinação do objecto da sucessão, isto é, dos bens e valores do património do de cujus nela abrangidos

4 - Ao nível de matéria registral esta distinção tem interesse nomeadamente quando confrontada com o estatuído no art. 49 do Cod. Reg. Predial  segundo qual “ o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento da habilitação e em declaração que identifique os bens a registar como fazendo parte da herança”.

5 - Significa que  o citado normativo distingue para efeitos de registo a herança  como universalidade de bens, circunstância que já  não se passa com o legado que  diz respeito a bens ou valores determinados (art. 2030 nº2 do C Civil), sendo que no domínio registral    só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem ( cfr. também  art. 43 nº1 do Cod. Reg. Predial), 

6 - E sendo a sentença judicial respeitante  apenas à transmissão  do  direito á universalidade que é indivisível, enquanto a partilha se não fizer,   não podia abranger o legado (este   relativo a bens determinados)  como fundamento do registo

7 - E sendo assim o averbamento nº 2 à inscrição G7 ,aqui, em causa, feito com base na identificada decisão judicial,  é nulo por ter sido lavrado com base em título insuficiente.( art. 16 al b) do C. Reg. Predial).

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

AA intentou acção declarativa soba forma ordinária contra BB pedindo que seja reconhecida e declarada a nulidade por falta de título do registo efectuado pela inscrição G7, da transmissão do direito a 1/6 do prédio o prédio composto de cave, rés do chão, 1º e 2º andares, com área coberta de 152, 80 m2 e anexos com 144 m2 e logradouro descrito sob o nº ..44/19890327 na 1ª  Conservatória do Registo Predial de Cascais, tendo como sujeito passivo CC e sujeito activa BB e consequentemente seja determinado o cancelamento do referido registo.

            Alegou, em síntese:

1) É filho de CC que, por sua, vez foi filho de DD e EE.

2) Sob o nº …44/19890327, está descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais (CRPC) um edifício composto de cave, rés-do-chão, 1º e 2º andares, com área coberta de 152,80 m2 , e anexos com 144 m2 e logradouro.

3) Pela inscrição G1 (Ap. 02/240827), foi registada a aquisição, por FF, GG, DD (avó do A), HH, II, e JJ, por doação, do prédio que pertenceu a KK.

4) Em 01/04/1977 faleceu DD que, por testamento de 26/09/1968, legou aos seus filhos CC, MM e NN, as partes que à data da sua morte lhe pertencessem em quaisquer prédios de que fosse comproprietária.

5) Pela inscrição G3 (Ap. 10/270389), foi registada a favor de DD a aquisição, juntamente com GG e OO, por sucessão hereditária, e sem determinação de parte ou direito, de 1/6 do prédio descrito em 1., que pertenceu a FF.

6) A 14 DEZ 90, no P.n.º110/89, que correu termos no 3º Juízo Cível da Comarca de Cascais, e no qual figurou como A. BB e R. o A.CC, foi proferida decisão que declarou “transmitido do R. para a A. o quinhão hereditário do primeiro na herança aberta por morte da mãe de ambos, com excepção da parte que (…)”

7) Pela inscrição G7 (Ap. 35/15042004, e Ap.40/20040603), foi registada a aquisição, a favor de CC, MM e NN, por legado, sem determinação de parte ou direito, do 1/6 do prédio - anteriormente registado sob a inscrição G1;

8) Pelo Av.7 à inscrição G3,Ap.72/20050920, foi registada a transmissão a favor de PP (pai do A), MM e NN, por sucessão hereditária.

9) Pelo Av.09, à inscrição G3, Ap.56/20070611, foi registada a transmissão do direito que pertencia a CC a favor de NN, por decisão judicial.

10) Pelo Av.02 à inscrição G7, Ap.16/20070314, foi registada a transmissão do direito que pertencia a CC a favor de NN, por decisão judicial.

11) A decisão judicial referida em 6 declarou transmitido parte do quinhão hereditário, não tendo sido declarado transmitido qualquer legado.

12) O registo é assim nulo por falta de título.

A Ré contestou, em síntese:

1) O pedido formulado na petição respeita ao registo do legado, quando este pretende impugnar a sentença e o registo desta consta do Av 02 à inscrição G7.

2) O apelante impugnou o registo junto da Cons. Reg. Predial de Casais, sendo o pedido indeferido e as partes remetidas para os meios comuns.

3) A questão de saber se no quinhão hereditário se encontram incluídos os legados foi suscitada no inventário por óbito da testadora que, com o n.º1247/1979, correu termos na 1ª Secção da 7ªVara Cível de Lisboa.

4) Aí, na conferência de interessados, foi deliberado por todos os presentes que a cessão dos direitos à herança da inventariada abrangia os legados construídos a favor de CC.

5) Posição que está em consonância com a declaração proferida por CC no contrato que celebrou com PP no sentido de, após aquele contrato, perder todo o interesse no inventário que corria por óbito da mãe de ambos.

6) Os irmãos e madrasta do A declararam nos referidos autos de inventário que têm conhecimento dos contratos pelos quais o falecido LL cedeu a seus irmãos, NN e PP, todos os direitos que lhe cabiam na herança inventariada, não tendo assim qualquer interesse jurídico a defender naqueles autos, por não serem titulares de qualquer direito aos bens da herança.

7) Deve a acção ser julgada improcedente.

O Autor replicou rebatendo a contestação requerendo que:

A) seja admitida a rectificação do pedido do Autor no sentido de que “seja declarada a nulidade, por falta de título, do registo efectuado pelo averbamento nº 2 (Ap. 16/20070314) à inscrição G-7, à descrição  º …44/1989.03.27, referente à transmissão de CC, (…), para (…) a ora Ré BB, do direito em 1/6 do prédio identificado naquela descrição”;

B) seja reconhecida a confissão de que “o registo efectuado pelo averbamento nº 2 (Ap. 16/20070314) à inscrição G-7, à descrição nº …44/1989.03.27, referente à transmissão de CC, (…), para (…) a ora Ré BB, do direito em 1/6 do prédio identificado naquela descrição”, tem por base a sentença proferida no Pº110/89, 4º Juízo, 1ª Secção, a 14 FEV 90;

C) seja ordenado o desentranhamento dos documentos juntos com a Contestação, por irrelevantes para a boa decisão da causa.

Mais se requer, renovando o pedido, que seja determinado o cancelamento do referido registo datado de 14MAR07.

Posteriormente, em 29/09/2011, foi proferido despacho admitindo a intervenção dos alegados titulares inscritos.

O Município de Cascais, contestou em 02/01/2012, e declarou ser, actualmente, o único proprietário do prédio em questão, adquirido, parte por expropriação amigável (2/3),escritura pública de16/03/2010, e 1/3 por adjudicação em expropriação litigiosa, despacho de 28/09/2011 proferido no proc.n.º2653/11.5TBCSC).

Pede que seja considerado proprietário de boa-fé.

Os demais citados, excepto QQ declararam aderir à contestação da apelada BB.

QQ declarou aderir aos articulados do apelante.

Oportunamente, sem qualquer diligência prévia, foi proferido despacho saneador- sentença, que julgou a presente acção improcedente e absolveu a R. do pedido contra si deduzido.

O A não se conformou e interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação que, pelo Acórdão de fls.587 a 601, revogou a sentença e declarou nulo o registo em causa e ordenou o cancelamento do Av 02 ( ap 16 de 2007/03/14) à inscrição G7( ap. de 2004/04/15) do prédio urbano sito em Próximo da …, composto de edifício de cave, rés do chão, 1º e 2º andares, com área coberta DE 152, 80 m2 anexos com 144 m2 e logradouro , descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais sob o nº …44/ 19890327.

A Ré não se conformou e interpôs para este Supremo Tribunal recurso de revista.

 Nas suas alegações de recurso formula a seguintes conclusões:

1. Revogando o julgado em l8 instância, o acórdão recorrido interpretou a sentença proferida, em 14 de Fevereiro de 1990, no processo que, sob o ne 110/89, correu seus termos no 3a Juízo Cível da Comarca de Cascais, no sentido de nela se haver declarado transmitida uma parte do quinhão hereditário de CC, mantendo-se na sua titularidade, os legados instituídos, a seu favor, pela sua mãe, DD, donde,

2. Da exclusão dos legados resultaria a nulidade do registo (referido G-7, averb. 02), por insuficiência do titulo com base em que foi lavrado, a citada sentença: - artigo 16e, b) do Código do Registo Predial.

3. Este entendimento e consequente decisão é destituído de fundamento por olvidar a inoficiosidade dos referidos legados que, a redução na sua totalidade, implicou a integração dos bens deles objecto na legítima, concorrendo para sua licitação e composição dos quinhões hereditários.

4. Assim foi considerado no mapa de partilha, na parte referente a "bem legados" (verbas n°s 54° a 148e); composição e pagamento dos quinhões legitimários da recorrente e demais licitantes.

5. De entre esses bens destacam-se os 4/18 (quatro dezoito avos) do prédio denominado "Casa da …", actualmente descrito na ficha ns …44/1989.03.27, da l8 Conservatória do Registo Predial de Cascais, especificado na referida verba n9 140.

6. Posta à licitação esta verba, a mesma obteve o maior lanço da parte da ora recorrente e, em sua conformidade, organizado o mapa de partilha, em que a referida verba compõe o seu quinhão legitimário.

7. O mapa de partilha foi homologado por sentença proferida em 26 de Junho de 2014, transitada em julgado, conforme tudo se comprova pela certidão junta com o requerimento apresentado em 15 de Julho 2015, omitido no acórdão recorrido.

8. Convertidos os extintos legados em quinhões hereditários, a referida sentença é título suficiente, ficando sanada a sua declarada nulidade.

9. Independentemente do momento da sua ocorrência, a caducidade dos legados inoficiosos retroage à data da abertura da herança: artigo 2119° do Código Civil, aplicável por identidade de razões.

10. Ao julgar, nos termos em que julgou, o acórdão recorrido violou, por erro de interpretação e aplicação, os artigos 2168º, 2169º e 2171º do Código Civil, quanto à inoficiosidade dos legados instituídos, sua redução, total, e preenchimento da legítima, e artigo 16°, b), do Código do Registo Predial, quanto à nulidade do registo (cit. G-7, averb. 02), por pretensa insuficiência do título (cit. sentença de 14 de Fevereiro de 1990), além de contrariar a sentença de 26 de Junho de 2014, que homologou o mapa de partilha e transitou em julgado, por não impugnada.

Termos em que, deve ser revogado o acórdão recorrido e confirmada a sentença apelada pelo fundamento nela aduzido e pelos ora desenvolvidos.

O A respondeu, pugnando pela improcedência do recurso e subsidiariamente seja declara a nulidade resultante da não notificação ao Autor do requerimento junto pela Ré a 15 de Julho de 2015 e da documentação com ele supostamente junta.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Factos :

1. Encontra-se descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, sob o nº …44/19890327, o prédio urbano sito em Próximo da Parada, Vila de Cascais, composto de edifico de cave, rés-do-chão, primeiro e segundo andares, com área coberta de 152,80 m2,anexos com 144 m2 e logradouro.

2. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 2, datada de 24 de Agosto de 1927, a aquisição, a favor de DD, por doação de KK, de 1/6 do prédio descrito em 1..

3. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 10, datada de 27 de Março de 1989, a aquisição, por sucessão hereditária por óbito de FF, a favor de BB, GG e OO, sem determinação de parte ou direito, de 1/6 do prédio descrito em 1..

4. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 72, datada de 20 de Setembro de 2005, o averbamento à Ap. 10, de 27/03/1989, da transmissão de posição por sucessão.

5. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 56, datada de 11 de Junho de 2007, o averbamento à Ap. 10, de 27/03/1989, da transmissão de posição por aquisição a favor de BB, por decisão judicial.

6. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 35, datada de 15 de Abril de 2004, a aquisição, por legado, sem determinação de parte ou direito de 1/6, a favor de EE, CC e BB.

7. Encontra-se inscrita na 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais, mediante Apresentação nº 16, datada de 14 de Março de 2007, a transmissão de posição por aquisição a favor de BB, por decisão judicial.

8. DD faleceu no dia 1 de Abril de 1977, no estado de viúva de EE.

9. Por testamento datado de 26 de Setembro de 1968 DD declarou “Lego a meu filho PP e por força da quota disponível, a quota ou quotas sociais que à data da minha morte me pertençam na sociedade RR e Companhia Limitada (…). Lego aos meus restantes filhos, CC, MM e NN as partes que me pertençam à data da minha morte em quaisquer prédios de que seja comproprietária. Lego também a esses meus filhos, CC, MM e NN, os móveis, louças, pratos e qualquer outro recheio que me pertença e que se encontrem à data da minha morte na minha casa da Marinha, no segundo andar da Rua Maria da (…), numero catorze e na minha casa do …, na Régua. Instituo meu único herdeiro da restante parte da minha quota disponível o meu filho PP”.

10. Por escrito datado de 11 de Agosto de 1978, CC declarou ceder à R., no prazo de 60 dias, o seu direito à acção e herança da mãe de ambos, com excepção da parte que lhe coube nas 4 212 acções na Empresa SS, SARL, e nas restantes 6 000 acções da citada empresa, obrigando-se ainda a entregar nessa mesma data os móveis detinha e que se devam considerar como da herança

11. Por escrito datado de 25 de Outubro de 1991, CC declarou ceder a seu irmão PP “todos os direitos à herança da mãe de ambos que não tenham sido cedidos a D. BB pelo contrato anexo”, mediante o pagamento de quantia monetária.

12. Em decisão datada de 14 de Fevereiro de 1990, já transitada em julgado, proferido no âmbito do processo nº 110/89, que correu termos no 3º Juízo Cível da Comarca de Cascais, e na qual figurou como A. BB e R. CC, consta “declaro transmitido do R. para a A. o quinhão hereditário do primeiro na herança aberta por morte da mãe de ambos, com excepção da parte que couber ao R. nas 10.212 (dez mil duzentas e doze) acções da Empresa de SS, SARL”.

13. CC faleceu a 12 de Novembro de 1996, no estado de casado com TT.

14. Por escritura pública de habilitação outorgada no dia 15 de Janeiro de 1997, no 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi declarado que CC faleceu no dia 12 de Novembro de 1996, tendo deixado como únicos herdeiros legitimários o cônjuge, TT, e seus oito filhos, EE, UU, VV, AA, XX, ZZ, AAA, BBB.

15. Da Acta de conferência de interessados realizada, em 11/10/2007, no âmbito do Processo de Inventário n.º 1247/1979, que correu termos na 1.ª Secção, da 7.ª Vara Cível de Lisboa, em que foi inventariada DD, consta o seguinte:

“Pedida a palavra pelos mandatários da interessada BB e pelos Mandatários de todos os herdeiros do falecido PP, pelos mesmos foi declarado o seguinte: Todos os herdeiros e legatários do interessado PP, reconhecem e aceitam que os legados deixados pela Inventariada, DD, a seu filho CC, por testamento, se consideram, para todos os efeitos, como fazendo parte integrante dos direitos à herança, do identificado CC na herança aberta por óbito da inventariada sua mãe, o qual foi transmitido por contrato-promessa de 11/08/1978 (Fls. 1558) e sua execução específica (Fls. 786 e ss.) para a interessada BB. Assim sendo, a cessão de direitos à herança da inventariada, referida no contrato promessa de 11/08/78, celebrado entre os já identificados interessados CC e BB, abrange os legados constituídos pela testadora a favor do referido CC os quais se consideram, deste modo, excluídos do contrato celebrado entre o interessado CC e o seu irmão PP com 25/10/1991 (Fls. 1554). Os restantes interessados nada opuseram. (…) Seguidamente, pela M.ª Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO: Defiro o requerido e concedo o prazo de 30 dias de suspensão para realização da presente conferência. Notifique.”

Apreciando:

Registe-se as divergências das instâncias:

A 1 ª instância em função dos factos assentes nomeadamente segundo o escrito datado de 11 de Agosto de 1978, CC declarou ceder à R, no prazo de 60 dias, o seu direito à acção e herança da mãe de ambos, com excepção da parte que lhe coube nas 4.212 acções na Empresa SS, SARL e nas restantes 6.000 acções da citada empresa, obrigando-se ainda a entregar nessa mesma data os móveis que detinha e que se devam considerar como herança.

Com vista à execução específica da transmissão do direito á herança da mãe de ambos para a, aqui, Ré, esta intentou contra o R CC (não confundir com o, aqui, Autor) a acção ordinária que correu termos no 3º Juízo Cível da Comarca de Cascais sob o nº 110/89, que, no que, aqui, interessa foi decidido por sentença de 14.02.1990 já transitada em julgado, declarar transmitido do R para a A o quinhão hereditário do primeiro na herança aberta por morte da mãe de ambos, com execpção da parte que couber ao R nas 10.212 acções da Empresa de SS, SARL. (cfr. cópia da sentença inserida fls. 196 a 210).

Pela inscrição G7 (Ap.35/15042004 e Ap. 40/20040603) foi registadas a aquisição a favor de CC, MM e BB, por legado sem determinação de parte ou direito do 1/6 do prédio – anteriormente registado sob a inscrição G1, sendo que pela Ap. 16/ 20070314-Av.02 foi registada a transmissão do direito que pertence a CC a favor de BB com base na apontada decisão judicial (fls. 125/126).

  A 1ª instância depois de concluir que embora os legados não façam parte do quinhão hereditário, considerou que com aquela “cedência do dos direitos à herança efectuada pelo CC à Ré abrangeu os legados referidos no testamento de DD e consequentemente o prédio em causa e se o referido CC pretendeu ceder á Ré todos os direitos na herança de sua mãe independentemente da qualidade de herdeiro ou legatário a que os mesmos lhe advieram, não existindo, por isso qualquer erro registral que cumpra sanar, porquanto a decisão judicial na base do aludido registo, transmitiu todos esses direitos “.

Por seu turno, a Relação considerou que a sentença proferida em 14 de Fevereiro de 1990 no identificado processo nº 110/ 89, que correu termos no 3º Juízo Cível de Cascais apenas transmitiu uma parte do quinhão hereditário de CC, não abrangendo os legados instituídos a favor do A pela sua mãe e, por conseguinte, a exclusão dos legados leva à nulidade do registo em causa.

Esta a problemática que se discute e na presente revista.

            No entanto importa sublinhar o que está em causa é saber se se verifica a nulidade do averbamento nº 02 à inscrição G7, relativa ao registo da aquisição a favor de CC, MM e BB sem determinação de parte ou direito do 1/6 do prédio referido em 1 dos factos provados, sendo que a inscrição tem como fundamento um legado.

O Av. 02 à inscrição G7 Ap16.20070314 foi registada a transmissão do direito que pertencia a CC a favor de BB por decisão judicial, teve como base a sentença proferida em 14.02. 1990 no processo que sob o nº 110/ 89, que correu termos no 3º Juízo da Comarca de Cascais, sentença essa que declarou “transmitido do R para a A o quinhão hereditário do primeiro na herança aberta por morte da mãe de ambos, com excepção da parte que couber ao R nas 10.212 acções da empresa de SS, SARL “.

            O referido réu na identificada acção, CC é pai do, aqui, Autor, sendo a aqui, Ré, sua irmã e tia do A .

            Sublinhe-se o que, aqui está em causa, é saber se se verifica ou não a nulidade do registo consubstanciado no averbamento em causa. E daí que o que se passou relativamente ao bens em causa em sede do identificado inventário já extravasa o âmbito da presente revista, porquanto o que urge resolver prende-se tão só com a legalidade do registo em causa.

O Acórdão recorrido depois de fazer a distinção entre herdeiros e legatários com base no art. 2030 do C. Civil e socorrendo –se das normas registrais considerou e bem o registo nulo.

          Efectivamente, legatário é o que sucede apenas em certos bens com exclusão dos restantes (Pereira Coelho, Lições 1966, 38)

           Herdeiro é o que sucede no património, mas no património considerado unitariamente, visto por um prisma universal (Galvão Telles, Sucessões, 163).

            A distinção formal entre herdeiros e legatários, ou entre herança e legado, assenta na particularidade de haver ou não determinação do objecto da sucessão, isto é, dos bens e valores do património do de cujus nela abrangidos (RC de 14.01.1970 JR 16º -167).

           Ao nível de matéria registral esta distinção tem interesse nomeadamente quando confrontada com o estatuído no art. 49 do Cod. Reg. Predial segundo qual “o registo de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito é feito com base em documento da habilitação e em declaração que identifique os bens a registar como fazendo parte da herança”.

Significa que o citado normativo distingue para efeitos de registo a herança como universalidade de bens, circunstância que já não se passa com o legado que diz respeito a bens ou valores determinados (art. 2030 nº2 do C Civil), sendo que no domínio registral só podem ser registados os factos constantes de documentos que legalmente os comprovem (cfr. também art. 43 nº1 do Cod. Reg. Predial), 

         E fazendo o confronto com o art. 16º do C.R. Predial a respeito das causas de nulidade do registo temos:

O registo é nulo:

a) Quando for falso ou tiver sido lavrado com base em títulos falsos;

b) Quando tiver sido lavrado com base em títulos insuficientes para a prova legal do facto registado;

c)  Quando enfermar de omissões ou inexactidões de que resulte incerteza acerca dos sujeitos ou do objecto da relação jurídica a que o facto registado se refere ;

d) Quando tiver sido assinado por pessoa sem competência funcional, salvo o disposto no nº2 do artigo 369 do Código Civil;

e) Quando tiver sido lavrado sem apresentação prévia ou com violação do princípio do trato sucessivo.

 No caso dos autos estamos perante uma sentença que declarou transmitido o quinhão hereditário de CC para aqui, Ré .

           Fazendo o confronto dessa declaração judicial com a distinção entre herdeiro e legatário, à luz do citado art. 2030 do C Civil, parece não haver dúvidas, mesmo socorrendo-nos do art 236 nº1 do C Civil que aquela declaração pretendeu instituir como herdeira do quinhão hereditário do identificado CC como um todo, a , aqui Ré

E nessa medida os bens a título do legado não podiam ser objecto do registo, porque a sentença é respeitante ao direito ao quinhão hereditário, que não pode incluir os bens que foram legados ainda que os mesmos façam parte dessa herança.

           È que sendo a herança, enquanto indivisa património autónomo constituindo uma universalidade de bens. Sendo esta a natureza jurídica da herança, cada um dos chamados à sucessão não têm um direto distinto sobre cada um dos elementos do activo dela, ou seja a uma quota parte em cada um dos bens que a compõem, mas tão só um direto à universalidade que é indivisível enquanto a partilha se não fizer (cfr. Ac. Rel. Lisboa de 10.03.1972 BMJ 215 282).

Também como se diz no Ac. deste Supremo de 30.01.2013 acessível via www.dgsi.pt “ é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis – causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota”.

           Com o legado é diferente, porquanto o legatário segundo o art. 2030 nº 2 do C Civil é o que sucede em bens ou valores determinados.

E sendo a sentença judicial respeitante apenas à transmissão do direito à universalidade que é indivisível, enquanto a partilha se não fizer, não podia abranger o legado (este relativo a bens determinados), como fundamento para o registo

           E sendo assim o averbamento nº 2 à inscrição G7, aqui, em causa, feito com base na identificada decisão judicial, é nulo por ter sido lavrado com base em título insuficiente ( art. 16 al b) do C. Reg. Predial).

          Não merece, por isso, censura o Acórdão recorrido quando conclui pela nulidade do registo.

 III - Decisão:

           Nestes termos e considerando o exposto nega-se a revista e confirma-se o Acórdão recorrido.

Custas pela recorrente

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Abril de 2016

José Tavares de Paiva (Relator)

Abrantes Geraldes

Tomé Gomes