Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
035175
Nº Convencional: JSTJ00003708
Relator: VERA JARDIM
Descritores: DEPOSITARIO
PUNIÇÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197906280351753
Data do Acordão: 06/28/1979
Votação: MAIORIA COM 8 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS DE 79/07/21, PÁG. 1601 A 1602 - BMJ Nº 288 ANO 1979 PÁG 246
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão:
TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PATRIMONIO.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 854.
CPC876 ARTIGO 825 PAR1 PAR2.
CPC61 ARTIGO 854 N2 N3.
DL 368/77 DE 1977/09/03.
CONST76 ARTIGO 27 N2.
CP886 ARTIGO 188 ARTIGO 422 ARTIGO 453.
Sumário :
O depositario que, nos termos do n. 2 do artigo 854 do Codigo do Processo Civil, deixar de apresentar os bens, comete, segundo os casos, o crime do artigo 453 do Codigo Penal ou o crime do artigo 422 do mesmo Codigo.
Decisão Texto Integral:
O representante do Ministerio Publico junto do Tribunal da Relação de Lisboa, invocando o disposto no artigo 669 do Codigo de Processo Penal, recorre para o Tribunal Pleno, visando a fixação da jurisprudencia, do acordão da mesma Relação, de 10 de Março de 1978 que diz estar em oposição com o de 22 de Julho de 1977, pois, afirma, enquanto o primeiro decidiu que se o depositario de bens penhorados, embora notificado para tanto, os não entrega, comete, conforme os casos, o crime do artigo 453 ou o do artigo 422 do Codigo Penal, o segundo decidiu que tal acção do depositario integra o crime do artigo 188 do mesmo Codigo Penal.
A secção ja decidiu - acordão de folhas - que estando verificados, para a admissibilidade do recurso, todos os pressupostos legais, se verificava a alegada oposição, razão por que mandou seguir o recurso para que o Tribunal Pleno se pronuncia-se sobre a alegada oposição.
Este Tribunal, porem, não deve obediencia a tal julgado - artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, devendo, portanto, e em primeiro lugar pronunciar-se sobre a oposição.
Esta e, no entanto, evidente, bastando para tal concluir atentar na enunciação do problema em causa.
Decide-se, portanto, pela existencia da invocada oposição e passa-se, consequentemente, a conhecer do fundo da questão, nos termos da lei.
O artigo 854 do Codigo de Processo Civil de 1939 dispunha:
"O depositario e obrigado a apresentar, quando lhe for ordenado, os bens que recebeu, salvo o disposto nos artigos anteriores.
Se os não apresentar dentro de cinco dias sera preso pelo tempo correspondente ao valor do deposito, calculado a 10 escudos por dia, não podendo porem a prisão exceder a dois anos; ao mesmo tempo sera executado, no proprio processo, para o pagamento do valor do deposito.
A prisão cessara logo que este pagamento esteja feito ou o depositario comece a cumprir, a pena que, pelo mesmo facto lhe foi imposta no processo criminal".
Esta disposição veio a ser reproduzida, salvo quanto ao montante da taxa, que passou a ser de20 escudos, no Codigo de Processo Civil de 1961 (artigo 854).
A fonte do artigo 854 do Codigo de 1939 foi o artigo 825 do Codigo de Processo Civil de 1876, que dispunha:
"Se o depositario, sendo intimado, deixar de apresentar os bens no prazo de cinco dias, sera preso pelo tempo correspondente ao valor do deposito, calculado a 1000 reis por dia.
Paragrafo 1 - Esta pena nunca podera exceder a dois anos, e cessara quando o depositario pagar, ou quando começar a executar-se a pena que, pelo mesmo facto, lhe tiver sido imposta em processo criminal.
Paragrafo 2 - No processo de execução sera o depositario executado pelo valor do deposito e, realizada a cobrança, cessara a pena".
O Decreto-Lei n. 368/77, de 3 de Setembro, deu nova redacção ao n. 2 do artigo 854 do Codigo de Processo Civil que passou a ser a seguinte:
"Se os não apresentar dentro de cinco dias e não justificar a falta, e logo ordenado arresto em bens do depositario suficientes para garantir o valor do deposito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuizo de procedimento criminal; ao mesmo tempo e executado, no proprio processo, para o pagamento daquele valor e acrescimos".
Como se ve, tambem nas leis anteriores, alem da prisão imposta imediatamente, a acção do depositario era passivel de procedimento criminal, podendo, portanto, ja em face dessas leis, discutir-se qual seria a incriminação correcta.
Acrescente-se que o Decreto-Lei n. 368/77 não fez mais do que seguir os principios consignados na Constituição da Republica, pois, em face do disposto no n. 2 do artigo 27, a prisão, nos termos do n. 2 do artigo 854 do Codigo de Processo Civil era inconstituicional.
Consequentemente, aquele Decreto-Lei so poderia impor, como impos, o procedimento criminal.
Mas procedimento criminal por que crime?
E essa a questão e era, como vimos, a que ja anteriormente se podia por.
Ja Dias Ferreira (Codigo de Processo Civil Anotado, de 1888, tomo II, pagina 320) entendia que a disposição do artigo 825, ja citado, do Codigo de 1876 "era consequencia do preceito de lei geral, Codigo Penal, artigo 453 que presume reu de furto o depositario que não entregue o deposito no prazo legal".
Em face dos Codigos de 1939 e 1961, cremos, o entendimento não podia ser outro.
Efectivamente, o depositario que, recebendo a coisa com obrigação de a entregar e não cumprir, quando lhe era exigida, tal obrigação, praticava, sem sombra de duvida, o crime de abuso de confiança do artigo
453 do Codigo Penal.
Presentemente, a solução e precisamente a mesma, e nem podia ser outra, pois os termos da questão são exactamente os mesmos.
Com efeito, a não entrega da coisa ja significa, por si mesmo, descaminho dado que ela e entregue voluntariamente para um determinado fim - guarda - que não foi cumprido.
Por outro lado, tambem a acção pode, como se julgou no acordão recorrido, preencher, em certos casos o tipo de crime do artigo 422 do Codigo Penal.
E que esta posição e a correcta parece ate resultar das anteriores disposições dos Codigos de processo que faziam cessar a prisão logo que estivesse efectuado o pagamento do valor do deposito ou que o depositario tivesse começado a cumprir a pena que, pelo mesmo facto lhe tivesse sido imposta no processo criminal - o que revela que a lei entendia a acção como uma infracção cometida contra a propriedade, e esta so podia ser o abuso de confiança, dado o meio pelo qual o depositario havia recebido a coisa e as proprias caracteristicas do deposito.
Tambem o actual artigo 854 da a entender o mesmo, pois ordena no n. 3 o levantamento do arresto dos bens do depositario, ordenado no n. 2, logo que o pagamento esteja feito ou os bens apresentados.
Estas medidas não se coadunariam com a qualificação como crime de desobediencia que, de qualquer forma, seria sempre alheio ao acto do desvio de bens, considerando este como e, uma ofensa ao direito da propriedade.
Por outro lado, se a lei entendesse tratar-se de desobediencia de certo se preocuparia menos com o problema da entrega da entrega dos bens ou do pagamento, sendo certo que na desobediencia a protecção penal se dirige, ou diz respeito, a outros valores.
Chegamos, assim, a conclusão que improcedem quer os fundamentos do acordão invocado em oposição, quer os da alegação do representante do Ministerio Publico.
E, em face disso e do mais que vem de expor-se, acordam, em conferencia, os juizes que compõem o Supremo Tribunal de Justiça em decidir:
O depositario que, nos termos do n. 2 do artigo 854 do Codigo de Processo Civil, deixar de apresentar os bens, comete, segundo os casos, o crime do artigo 453 do Codigo Penal ou o crime do artigo 422 do mesmo Codigo.
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 28 de Junho de 1979.

Adriano Vera Jardim (Relator) - João Moura - Rodrigues Bastos - Daniel Ferreira - Eduardo Boptelho de Sousa - Antonio Miguel Caeiro - Avelino da Costa Ferreira Junior - Artur Moreira da Fonseca - Hernani de Lencastre
- Anibal Aquilino Ribeiro - Alberto Alves Pinto - Antonio Furtado dos Santos - João Vale - Henrique Justino da Rocha Ferreira - Antonio Correia de Melo Bandeira - Augusto de Azevedo Ferreiro - F. Bruto da Costa (Vencido: Entendo que a qtitude do depositario tem de ser apreciada conforme cada caso concreto, podendo ou não tratar-se dos crimes dos artigos 453, 422 ou 188 do Codigo Penal) - Abel de Campos (Vencido: por entender que, consoante os casos, ou seja, conforme a intenção do agente - de dispor da coisa anino domini, ou simplesmente faltar a obdiencia devida a autoridade, podera existir crime dos artigos
453 ou 422 do Codigo Penal, ou do artigo 188 do mesmo Codigo) - Santos Vitor (Vencido pelas mesmas razões do voto precedente) - Ferreira da Costa (Vencido pelos fundamentos do voto do Conselheiro Dr. Abel de Campos) - Costa Soares (vencido por estar inteiramente de acordo com as razões de discordancia do Excelentissimo Conselheiro Abel Campos) - Octavio Dias Garcia (Vencido nos termos da declaração do ilustre colega Abel de Campos) - Rui Corte Real (Vencido pelas razões do Excelentissimo colega Conselheiro Abel de Campos) - Oliveira Carvalho (vencido pelas razões do colega Abel de Campos).