Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S4452
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: GRAVAÇÃO DA PROVA
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
NULIDADE PROCESSUAL
PRAZO DE ARGUIÇÃO
Nº do Documento: SJ200512140044524
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 6534/03
Data: 05/24/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : 1. Sendo o registo magnético dos depoimentos das testemunhas entregue ao mandatário da autora, em 19 de Setembro de 2003, apercebendo-se este das deficiências desse registo quando procedia à sua audição, com vista a motivar a pretendida impugnação da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, e tendo apresentado a respectiva alegação de recurso, em 26 de Setembro de 2003, isto é, sete dias após o recebimento das gravações em causa, deve considerar-se que a questão da deficiente gravação do depoimento das testemunhas foi suscitada atempadamente na alegação do recurso de apelação, atento o disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro.

2. O certo é, porém, que as alegadas deficiências técnicas na gravação que tornaram imperceptíveis à autora trechos significativos de depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento, sendo impeditivas da reapreciação da prova legalmente facultada às partes (artigo 712, n.s 1, alínea a), 2 e 3, do Código de Processo Civil), têm manifesta influência na decisão da causa, o que constitui nulidade processual sujeita ao regime dos artigos 201, 202, 203, 205.º, 206, n.º 3, e 207 todos do Código de Processo Civil;
3. Tratando-se de uma nulidade processual, devia a mesma ser arguida perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar em requerimento próprio, no prazo de 10 dias previsto nos artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do mesmo Código, abrindo-se, assim, um incidente autónomo, e não na alegação de recurso;
4. Tendo a parte arguido, claramente, a nulidade resultante de deficiências técnicas na gravação da prova, embora impropriamente formalizada em alegação de recurso, essa arguição deve ser aproveitada e entendida como requerimento dirigido ao juiz do processo onde foi cometida, de harmonia com o princípio da economia processual, de que se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos actos processuais, que aflora, mormente, nos artigos 199.º, 201.º e 687.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil, e porque corresponde ao exercício de um direito da parte, artigos 203.º e 205.º do Código de Processo Civil e artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I

1. Em 22 de Maio de 2002, no Tribunal do Trabalho do Porto, A instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra «Associação B», pedindo que seja declarada nula a cessação do contrato de trabalho operada pela ré e esta condenada: (i) a pagar-lhe a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data da cessação do contrato de trabalho até à data da sentença, bem como as férias, subsídios de férias e de Natal, horas extraordinárias e subsídio de refeição, no período compreendido entre 1987 e 2001; (ii) a reintegrá-la, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; (iii) a pagar-lhe a quantia de 75.000 euros a título de indemnização por danos não patrimoniais.

Para tanto, alegou que, desde 1987, exerce as funções de professora de inglês por conta da ré e à mesma subordinada, apesar de só a partir de Outubro de 1996 se ter formalizado o vínculo existente, através de contrato de trabalho a termo certo, sucessivamente renovado, até 31 de Outubro de 2001, data em que a ré a despediu com o fundamento na extinção do seu posto de trabalho, o que configura um despedimento ilícito, por não se verificarem os requisitos referidos no artigo 30.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

Aduz, ainda, ter trabalhado no Clube Europeu, desde Fevereiro a Junho de 2001, entre as 12,50 horas e as 13,50 horas, reclamando o pagamento desse tempo de trabalho como trabalho suplementar, e, bem assim, que a ré não lhe pagou o subsídio de refeição de Setembro de 1999 a Junho de 2000, no valor de 650$00/dia.

Finalmente, alega que a cessação do contrato de trabalho operada pela ré a feriu no mais íntimo da sua dignidade profissional, pondo em causa o seu bom-nome e prestígio no meio do ensino artístico e profissional, sentindo-se humilhada, desmoralizada e desprestigiada, mantendo-se desde Outubro de 2001 numa situação de inactividade e de doença agravada por isso mesmo, sofrendo de uma grave depressão, provocada pela maneira como foi afastada da sua profissão, pelo que teve de anular duas exposições previstas no Museu Nogueira da Silva (Braga) e no Museu Machado de Castro (Coimbra) de 15 quadros de sua autoria, no valor de 25.000 euros, que deixou de vender.

A ré contestou, impugnando a existência de vínculo laboral anteriormente a 1996, embora reconheça que, de 1 de Outubro de 1993 até 31 de Agosto de 1996, a autora prestou-lhe serviços na qualidade de monitora de inglês no ensino à distância, sendo paga de acordo com as horas de serviço que realizava; afirma, por outro lado, que só em 11 de Outubro de 1996 celebrou com a autora um contrato de trabalho a termo certo para exercer as funções de professora de inglês, com efeitos a partir de 1 de Outubro de 1996, sendo que, em Julho de 1999, convidou a autora a assumir o posto de responsável do sector cultural da escola, convite que a autora aceitou de imediato, assim se alterando o objecto do pertinente contrato de trabalho, alegando, em derradeiro termo, que foram observados todos os requisitos formais e substanciais da cessação do contrato de trabalho.

Quanto aos danos não patrimoniais, a ré defende que o ordenamento jurídico não admite a indemnização por eventuais danos não patrimoniais resultantes da rescisão do contrato de trabalho e que, de qualquer modo, não se verificam os necessários pressupostos da responsabilidade civil invocada, pelo que não é devida a quantia reclamada a esse título.
Realizado o julgamento, com gravação da prova, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora a quantia de 2.605,70 euros, a título de remuneração e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao tempo de trabalho prestado no ano da cessação do contrato, e absolveu a ré dos demais pedidos contra ela formulados.

2. Inconformada, a autora apelou, tendo a Relação do Porto decidido negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, sendo contra esta decisão que a autora se insurge, mediante revista, em que formula as seguintes conclusões:

1 - «No acórdão recorrido incumpriu-se o dever consignado no n.º 4 do artigo 690 do Código de Processo Civil», ao não se ter convidado a recorrente a eliminar as deficiências das conclusões do recurso de apelação, onde se refere que é inaudível o depoimento da testemunha C, quando no corpo dessa peça processual se afirmava que, também os depoimentos das testemunhas D e E padeciam da mesma deficiência, pelo que, ao não cumprir esse dever, violou-se a primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, o que determina a nulidade do acórdão recorrido;
2 - Por não se ouvir, nem se tratar de ouvir o depoimento daquelas três testemunhas, o acórdão recorrido violou o artigo 712, n.s 1, alínea a), 2 e 3, do Código de Processo Civil, bem como o artigo 9.º do Decreto--Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, sendo as alegações de recurso o local e o momento próprios para se arguir esse vício, nada impedindo a sua valoração pelo tribunal recorrido, pelo que há lugar a nulidade do acórdão recorrido e a repetição do julgamento em 1.ª instância;
3 - Estão totalmente preenchidos os requisitos do despedimento colectivo, face ao disposto no artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o que impede a cessação do contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 27.º do citado diploma legal, pelo que se impunha o conhecimento dessa questão no acórdão recorrido, que, assim, é nulo, face ao disposto na 1.ª parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil;
4 - A extinção do posto de trabalho da recorrente é nula por violar as disposições dos artigos 26.º e 27.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, já que não se provou a acentuada diminuição do número de inscrições, sendo que este facto era relevante para se poder concluir pela existência de motivos económicos, segundo a previsão do n.º 1 e do n.º 2, alínea a), do citado artigo 26.º, não tendo a recorrida provado, como lhe competia, e se extrai da alínea a) do n.º 1 do artigo 27.º citado e do n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, que não se lhe pode imputar qualquer culpa na extinção do posto de trabalho da recorrente.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e se determine «que os autos voltem ao Tribunal da Relação do Porto para que aí, se possível com a intervenção dos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, se julgue de novo o recurso, pronunciando-se sobre as quatro questões suscitadas, ordenando, designadamente, a repetição do julgamento em 1.ª instância para se prestarem e gravarem os depoimentos inaudíveis das testemunhas [...]».

Em contra-alegações, a recorrida considera não haver fundamento legal para a pretendida nulidade do acórdão recorrido e pugna pela confirmação do julgado, aproveitando para salientar que a questão suscitada acerca da aplicação do regime do despedimento colectivo, trata-se de uma questão nova, nunca antes levantada.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no sentido de que deve manter-se a decisão da Relação, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. Corridos os vistos, o processo foi, entretanto, redistribuído, por jubilação do então relator.

No caso vertente, sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da pertinente alegação (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), as questões suscitadas são as seguintes:

- Nulidade do acórdão recorrido, por violação do n.º 4 do artigo 690 do Código de Processo Civil;
- Nulidade por inaudibilidade do depoimento de três testemunhas;
- Nulidade do despedimento, face ao disposto nos conjugados artigos 16.º e 27.º, n.º 1, alínea d), do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro;
- Nulidade da extinção do posto de trabalho da recorrente por violação dos artigos 26.º e 27.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro.
Tudo visto, cumpre decidir.
II
1. As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

1) A ré é proprietária de um colégio que tem por escopo a prestação de serviços de formação e educação de crianças explorando um colégio denominado «Escola B do Porto»;
2) Em 1-10-1996, a ré celebrou com a autora um contrato denominado de trabalho a termo certo, para exercer as funções de professora de inglês, sob a orientação, direcção e fiscalização da ré, com efeitos a partir dessa mesma data;
3) Em Julho de 1999, a ré convidou a autora a assumir o posto de responsável do sector cultural da escola pelo documento de fls. 19, cujo teor se reproduz, o que a autora aceitou;
4) Em Setembro de 1999, foi criado o Serviço Cultural da Associação B, «...», do qual a autora passou a coordenar as actividades;
5) Em acta da reunião do Conselho de Administração, de 8 de Março de 2001, foi aprovado um plano de recuperação da situação financeira da escola, o qual compreendia a: (...) extinção de dois postos de educadores Maternelle; extinção de um posto, mais meio tempo de professor do ensino básico do primeiro ciclo; extinção de um posto de professor em regime da acumulação; extinção de um posto mais meio tempo de psicólogo escolar e extinção do posto de coordenação cultural da associação (...);
6) Na sequência dessa deliberação, em 22 de Agosto de 2001, a ré comunicou, por carta registada com aviso de recepção, à autora a cessação do seu contrato de trabalho por extinção do posto de trabalho, a produzir efeitos a partir de 31 de Outubro, mais informando que a compensação a que tinha direito se encontrava à sua disposição nos termos do documento de fls. 86 a 91, cujo teor se reproduz;
7) Na mesma data foi enviada à Inspecção-Geral do Trabalho a decisão fundamentada da cessação do referido contrato de trabalho, nos termos do documento de fls. 92 a 98, cujo teor se reproduz;
8) Em 4-9-2001, a autora requereu a intervenção do IDICT, originando o relatório de fls. 21 a 23, cujo teor se reproduz;
9) No período compreendido entre 1-10-96 e Julho de 99, a autora deu aulas de inglês ao serviço da ré;
10) Desde o ano lectivo de 1987/1988, a autora tem prestado a sua colaboração à ré;
11) A retribuição mensal base paga pela ré à autora em 2001 era de, pelo menos, 208.958$00;
12) A partir de 1-10-96, o local de trabalho da autora era na Escola B, sita na Rua Gil Eanes, n.º ..., Porto;
13) A autora é sócia do Sindicato dos Professores desde 7-5-2001;
14) No período compreendido entre 1-10-96 e Julho 1999, a ré determinou o horário de trabalho da autora;
15) No período compreendido entre 1-10-96 e Julho de 1999, a ré procedia ao controlo de assiduidade da autora, registando faltas eventualmente dadas por esta e sujeitando-a ao regime de justificação vigente no estabelecimento;
16) A partir de 1-10-96, a ré procedia à fiscalização do trabalho da autora através do Conselho de Administração, do Administrador Delegado e do Director;
17) No período compreendido entre 1-10-96 e Julho de 1999, a ré sempre forneceu todos os meios, bem como material para a execução do trabalho da autora, como professora de língua estrangeira;
18) O colégio continua a ter alunos e turmas de língua estrangeira;
19) Para o ensino de inglês estão ao serviço da ré e integradas nas equipas pedagógicas para o ano lectivo de 2001 e 2002, F e G;
20) A autora trabalhou entre as 12h50m e as 13h50m, pelo menos nos meses de Fevereiro a Junho de 2001, no Clube Europeu;
21) Na sequência da cessação do contrato, a autora sentiu-se ferida na sua dignidade profissional;
22) A autora foi a coordenadora e a única pessoa a exercer actividade na secção cultural da ré [o acórdão recorrido não refere, por lapso manifesto, a matéria de facto constante do n.º 22 da sentença proferida em 1.ª instância];
23) A autora sentiu-se humilhada e desmoralizada na sequência da cessação do vínculo laboral;
24) Desde Setembro de 2001, a autora sofre de síndrome depressivo;
25) A autora, enquanto esteve ao serviço da ré, sempre foi leal, dedicada, cumprindo com zelo todos as suas tarefas e nunca teve uma falta;
26) A autora acabou por não concretizar a exposição de, pelo menos, 15 quadros, no valor médio de 250.000$00 cada, prevista para o Museu Nogueira da Silva, de 16-03 a 10-04-2002;
27) A ré registou uma quebra de entradas de honorários com uma situação deficitária nas contas de 2000 e com um resultado final negativo de 37.126.123$00;
28) Foi totalmente extinta a secção cultural, como uma das medidas de recuperação da situação financeira da ré.

2. Importa começar por examinar a questão respeitante à alegada deficiência da gravação da prova, já que poderá prejudicar a apreciação das restantes questões suscitadas no presente recurso.

Neste particular, a recorrente sustenta que a matéria de facto no presente processo não está devidamente fixada, porque não se tiveram em consideração os depoimentos de três testemunhas, em que se verificam deficiências nos respectivos registos magnéticos, o que viola o disposto no artigo 712.º, n.os 1, alínea a), 2 e 3, do Código de Processo Civil, bem como o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro, acrescentando que as alegações de recurso são o local e o momento próprios para se arguir o vício atinente às anteditas deficiências.

2.1. Estão em causa os depoimentos produzidos pelas testemunhas C, que respondeu aos quesitos 16.º, 18.º, 20.º, 21.º e 23.º, cujo depoimento ficou gravado em cassete áudio, no lado A, do n.º 0000 a 3790, D, que respondeu aos quesitos 4.º, 9.º, 11.º, 12.º e 16.º a 20.º, cujo depoimento ficou gravado em cassete áudio, no lado A, do n.º 3791 a 5103, e, no lado B, do n.º 5102 a 4531, e E, que respondeu aos quesitos 1.º, 2.º, 5.º, 10.º e 13.º a 23.º, cujo depoimento ficou gravado em cassete áudio, no lado B, do n.º 4530 a 0000 (cf. fls. 192 a 194).

As testemunhas indicadas responderam, portanto, aos quesitos 1.º, 2.º, 4.º, 5.º, 9.º e 10.º a 23.º, resultando da decisão sobre a matéria de facto (fls. 222 a 227) que foi respondido «provado» ao quesito 11.º (em que se perguntava, «[o] colégio continua a ter alunos e turmas de língua estrangeira?»), «não provado» aos quesitos 10.º, 13.º 15.º, 18.º e 19.º e os restantes mereceram as seguintes respostas restritivas:

- Quesito 1.º, «provado apenas que, no período compreendido entre 1-10--96 e Julho de 99, a autora deu aulas de inglês ao serviço da ré»;
- Quesito 2.º, «provado apenas que, desde o ano lectivo de 1987/1988, a autora tem prestado a sua colaboração à ré»;
-- Quesito 4.º, «provado apenas que a partir de 1-10-96 o local de trabalho da autora era na Escola Francesa, sita na Rua Gil Eanes, n.º 27, Porto»;
- Quesito 5.º, «provado apenas que a autora é sócia do Sindicato dos Professores desde 7-5-2001»;
- Quesito 9.º, «provado apenas que, no período compreendido entre 1-10--96 e Julho de 1999, a ré sempre forneceu todos os meios, bem como material para a execução do trabalho da autora, como professora de língua estrangeira»;
- Quesito 12.º, «provado apenas que para o ensino de inglês estão ao serviço da ré e integradas nas equipas pedagógicas para o ano lectivo de 2001 e 2002, F e G»;
- Quesito 14.º, «provado apenas que a autora trabalhou entre as 12h50m e as 13h50m, pelo menos nos meses de Fevereiro a Junho de 2001, no Clube Europeu»;
- Quesito 16.º, «provado apenas que na sequência da cessação do contrato, a autora sentiu-se ferida na sua dignidade profissional;
- Quesito 17.º, «provado apenas que a autora foi a coordenadora e a única pessoa a exercer actividade na secção cultural da ré;
- Quesito 20.º, «provado apenas que a autora sentiu-se humilhada e desmoralizada na sequência da cessação do vínculo laboral;
- Quesito 21.º, «provado apenas que, desde Setembro de 2001, a autora sofre de síndrome depressivo»;
- Quesito 22.º, «provado apenas que a autora, enquanto esteve ao serviço da ré, sempre foi leal, dedicada, cumprindo com zelo todos as suas tarefas e nunca teve uma falta»;
- Quesito 23.º, «provado apenas que a autora acabou por não concretizar a exposição de pelo menos 15 quadros, no valor médio de 250.000$00 cada, prevista para o Museu Nogueira da Silva, de 16-03 a 10-04-2002».

Na motivação da mencionada decisão sobre a matéria de facto refere-se que a resposta negativa ao quesito 10.º «resultou do depoimento das testemunhas [...], D, membro da Associação de Pais da Escola B, e E, que além de ter filhos e enteados a estudar na Escola B, é amiga da autora»; a resposta ao quesito 11.º «baseou-se no depoimento das testemunhas D e H [...]», e «a concretização da equipa pedagógica para o ensino do inglês na escola no ano lectivo 2001/2002 resultou do depoimento das testemunhas D e I [...]».

Segundo a antedita motivação, «[f]oram relevantes para a decisão proferida quanto à matéria dos quesitos 16.º a 20.º os depoimentos das testemunhas D, que sendo amiga da autora, com ela conviveu no período em causa, e C, que sendo director do Museu Nogueira da Silva na data em causa, privou com a autora com vista à organização de uma exposição naquele museu, apercebendo-se dos reflexos da alteração da situação laboral da autora no seu estado psicológico»; por sua vez, a resposta ao quesito 17.º «resultou da conjugação dos documentos de fls. 21 a 23 e de fls. 182, com os depoimentos das testemunhas J, D, E e I», sendo que «[o] depoimento da testemunha C foi também essencial para [...] responder ao quesito 23.º» e a testemunha E, «que conheceu a autora, em 1987, como "professora" do enteado [...]» foi relevante quanto à data a partir da qual a autora passou a colaborar com a ré.
A sentença da 1.ª instância foi proferida em 15 de Julho de 2003, tendo sido notificada ao mandatário da autora, em 1 de Agosto de 2003; em 18 de Setembro de 2003, aquele mandatário requereu a entrega de cópia da gravação do depoimento das testemunhas, o que se concretizou em 19 de Setembro seguinte, mediante o termo de entrega de fls. 262.

Em 26 de Setembro de 2003, a autora apelou da sentença proferida em 1.ª instância, tendo asseverado nos pontos II.6 e II.7 da alegação de recurso o seguinte:

«6. [...].
Aliás, a cassete respeitante ao depoimento da testemunha Dr. C, do dia 17/06/2003, lado A, 0000 a 3790, está inaudível, não permitindo à recorrente uma correcta reapreciação da prova testemunhal, facto de que se apercebeu só após a transcrição das cassetes áudio e ao ouvi--las para preparar a presente minuta. Facto de que reclamará nas conclusões.
7. A gravação do depoimento da testemunha D, 1.ª cassete, lado B, 4530 a 9000 [deveria referir-se, lado A, n.º 3791 a 5103, e, lado B, n.º 5102 a 4531], em 7/6/03, está inaudível. Nulidade de que também se reclama. O mesmo se passa com E, ouvida no dia 17/07/2003, 1.ª cassete, lado B, n.º 4530 a 0000. Estão tão debilmente gravada[s] que quase não se percebe uma palavra, tornando o direito de defesa de suscitar matéria de facto uma quimera.»

Na mesma alegação de recurso, a autora consigna na conclusão 5.ª:

«A recorrente reclama perante este Venerando Tribunal da inaudibilidade da 1.ª cassete de 17/06/2003, lado A, 0000 a 3790, relativa ao depoimento da testemunha C, sobre os factos provados, de 10/07/2003, de fls. 222 a 237, o que configura uma inaceitável limitação ao seu direito de reapreciação da prova por este Venerando Tribunal.»
Sobre a questão posta, o acórdão recorrido entendeu que a reclamação quanto às apontadas deficiências de gravação não tinha cabimento em sede de recurso e que «tal irregularidade, a existir, configuraria uma situação de nulidade processual nos termos do artigo 201.º, n.º 1, do CPC, que deveria ter sido arguida no prazo de 10 dias nos termos conjugados dos artigos 153.º e 205.º, ambos do citado diploma, logo que foi detectada no tribunal recorrido», pelo que manteve a factualidade provada na 1.ª instância.

2.2. O Decreto-Lei n.º 39/95, de 15 de Fevereiro (objecto da Declaração de Rectificação n.º 73/95, de 31 de Maio), veio consagrar, na área do processo civil, uma solução legislativa inovadora traduzida na admissibilidade do registo das provas produzidas ao longo da audiência de discussão e julgamento.

Tal admissibilidade, como é acentuado no respectivo preâmbulo, permitirá alcançar um triplo objectivo: (i) em primeiro lugar, na perspectiva das garantias das partes no processo, implicará a criação de um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, facultando às partes na causa uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito; (ii) em segundo lugar, o registo dos depoimentos prestados em audiência configura-se seguramente como meio idóneo para afrontar o clima de quase total impunidade e da absoluta falta de controlo que envolve o possível perjúrio do depoente que intencionalmente deturpe a verdade dos factos; (iii) finalmente, o registo das audiências e da prova nelas produzida configura-se ainda como instrumento adequado para satisfazer o próprio interesse do tribunal e dos magistrados que o integram, inviabilizando acusações de julgamento à margem da prova produzida, com os benefícios que daí poderão advir para a força persuasiva das decisões judiciais e para o necessário prestígio da administração da justiça.

No entanto, conforme se adverte na mesma nota preambular, essa garantia de duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso».

A gravação da audiência pode ser requerida por qualquer das partes ou ser determinada oficiosamente pelo tribunal, quando a decisão admita recurso ordinário (n.º 2 do artigo 68.º do Código de Processo do Trabalho e artigo 522-B do Código de Processo Civil), devendo ser requerida nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado, ou na audiência preliminar [n.º 4 do artigo 68.º do Código de Processo do Trabalho e alínea c) do n.º 2 do artigo 508.º-A do Código de Processo Civil].

Por sua vez, o artigo 522-C do Código de Processo Civil estatui que «[a] gravação é efectuada, em regra, por sistema sonoro, sem prejuízo do uso de meios audiovisuais ou outros processos técnicos semelhantes de que o tribunal possa dispor» (n.º 1), sendo que «[quando haja lugar a registo áudio ou vídeo, deve ser assinalado na acta o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento» (n.º 2).

Os artigos 3.º a 9.º do citado Decreto-Lei n.º 39/95 regem acerca da gravação, a qual é efectuada com o equipamento para o efeito existente no tribunal (artigo 3.º), por funcionários de justiça (artigo 4.º), de modo a que facilmente se apure a autoria dos depoimentos gravados ou das intervenções e o momento em que os mesmos se iniciaram e cessaram (artigo 6.º), incumbindo ao tribunal que efectuou o registo facultar cópia a cada um dos mandatários ou partes que o requeiram (n.º 2 do artigo 7.º).
Atento o objecto do presente recurso, revela-se da maior importância o teor do artigo 9.º citado que estabelece: «[s]e, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder-se-á à sua repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade».

Revertendo ao Código de Processo Civil, sublinhe-se que o artigo 690-A impõe um particular ónus de alegação a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto, o qual se traduz na necessidade de especificar: (a) quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; (b) quais os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (n.º 1); quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, «incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, indicar os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C» (n.º 2).

Assim se compreende que o n.º 6 do artigo 698.º do Código de Processo Civil, assim como o n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo do Trabalho, estabeleçam que os prazos para as alegações e resposta referidos nos números anteriores «são acrescidos de 10 dias», se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada.
Peculiar expressão da solução inovadora fundada na possibilidade de registo das provas produzidas na audiência de discussão e julgamento é o regime previsto no artigo 712.º do Código de Processo Civil, com o título «Modificabilidade da decisão de facto», e que na segunda parte da alínea a) do seu n.º 1 permite à Relação alterar a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, «se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690-A, a decisão com base neles proferida».

Dispõe o n.º 2 do artigo 712.º citado, aplicável no processo laboral por força do estatuído no n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, que «[no caso a que se refere a segunda parte da alínea a) do número anterior, a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e de recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados».

Goza ainda a Relação da possibilidade de «determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1.ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade, quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes» (n.º 3 do artigo 712.º citado).

2.3. No caso em apreço, requerida e deferida a gravação de depoimentos, veio a recorrente impugnar a decisão de facto ao abrigo do disposto na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, tendo reclamado, em sede de alegação do recurso de apelação, quanto às deficiências encontradas na gravação dos depoimentos das testemunhas C, D e E.

Esses registos magnéticos foram entregues ao mandatário da autora, em 19 de Setembro de 2003, que se apercebeu das apontadas deficiências quando procedia à respectiva audição, com vista a motivar a pretendida impugnação da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, tendo apresentado a correspondente alegação de recurso, em 26 de Setembro de 2003, isto é, sete dias após o recebimento das gravações em causa.

Assim, atento o disposto no artigo 9.º do citado Decreto-Lei n.º 39/95, deve considerar-se que a questão da deficiente gravação do depoimento das testemunhas foi suscitada atempadamente na alegação do recurso de apelação.

O certo é, porém, que as alegadas deficiências técnicas na gravação que tornaram imperceptíveis à autora trechos significativos de depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento, sendo impeditivas da reapreciação da prova legalmente facultada às partes (artigo 712.º, n.os 1, alínea a), 2 e 3, do Código de Processo Civil), têm manifesta influência na decisão da causa, o que constitui nulidade processual sujeita ao regime dos artigos 201, 202, 203, 205, 206, n.º 3, e 207 todos do Código de Processo Civil.

Tratando-se de uma nulidade processual, devia a mesma ser arguida perante o tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, a apresentar no prazo de 10 dias previsto nos artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do mesmo Código, e não em alegação de recurso.

Conforme resulta do preceituado no n.º 3 do citado artigo 206.º, é a própria lei que designa por reclamação a arguição de nulidades, a ser apresentada em requerimento próprio (reclamação), abrindo-se, assim, um incidente autónomo, ao qual a parte contrária pode ter direito a responder, nos termos do artigo 207.º citado.

Portanto, a autora não arguiu a nulidade em causa, na forma devida.

Todavia, o erro na forma processual usada não invalida, em princípio, o acto processual que se quis praticar, desde que o mesmo possa ser aproveitado, o que está de harmonia com o princípio da economia processual, de que se extrai uma regra de máximo aproveitamento dos actos processuais, que aflora, mormente, nos artigos 199.º, 201.º e 687.º, n.º 3, todos do Código de Processo Civil.

No caso, a autora arguiu, claramente, a nulidade resultante de deficiências técnicas na gravação da prova que tornaram omissos ou imperceptíveis depoimentos produzidos em audiência de discussão e julgamento.

Essa arguição, embora impropriamente formalizada em alegação de recurso, deve ser aproveitada e entendida como requerimento dirigido ao juiz do processo onde foi cometida, porque corresponde ao exercício de um direito da parte, artigos 203.º e 205.º do Código de Processo Civil e artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 39/95.

Tal arguição foi feita em tempo, porque suscitada no prazo de 10 dias a contar de 19 de Setembro de 2003, data em que as gravações foram entregues ao mandatário da autora e a partir da qual este podia ter tomado conhecimento das anteditas deficiências, agindo com a necessária diligência (artigos 205.º, n.º 1, e 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).

Como se pondera no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 31 de Maio de 2001, processo n.º 01A4057 (disponível em www.dgsi.pt/jstj, com o n.º convencional JSTJ00042876) «se a "incompletude" ou "vício" da gravação só pode ser detectado e apercebido após a sua audição, e não ocorrendo a audição durante a audiência, aquando da recolha do depoimento, não poderá razoavelmente defender-se que o vício tenha de ser arguido na própria audiência, nem que seja a partir dela que começa a correr um qualquer prazo para essa arguição».

Por conseguinte, a autora arguiu em tempo a nulidade relacionada com a deficiente gravação do depoimento das testemunhas em causa, nulidade essa que não pode considerar-se sanada e que deve ser apreciada pelo tribunal onde foi cometida, determinando, em caso de deferimento, a repetição dos depoimentos deficientemente gravados e a anulação dos termos subsequentes à primitiva inquirição.

Face ao exposto, conclui-se que a matéria de facto ainda não está devidamente fixada, porque não se tiveram em consideração os depoimentos das aludidas três testemunhas, em que se terão verificado deficiências nos respectivos registos magnéticos, pelo que se impõe a revogação do acórdão recorrido, com o consequente regresso do processo à Relação a fim de que, julgando de novo o recurso, seja determinada a remessa dos autos ao tribunal de 1.ª instância para que aí se aprecie a nulidade atinente à deficiente gravação da prova, ficando, deste modo, prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas no presente recurso.
III
Pelos fundamentos expostos, decide-se conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, determinando-se a remessa do processo à Relação, para os efeitos que se deixaram apontados.

Custas pela recorrida (artigo 446.º, n.os 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 14 de Dezembro de 2005
Pinto Hespanhol,
Fernandes Cadilha,
Mário Pereira.