Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
108/14.5JALRA.E1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ARMÉNIO SOTTOMAYOR
Descritores: DUPLA CONFORME
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REPETIÇÃO DA MOTIVAÇÃO
VIOLAÇÃO
LENOCÍNIO
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA
PLURIOCASIONALIDADE
Data do Acordão: 05/25/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / PODERES DE COGNIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA / CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL / CRIMES CONTRA A LIBERDADE E AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL – CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A AUTORIDADE PÚBLICA.
Doutrina:
- Conselheiro Carmona da Mota, comunicação sobre o Colóquio sobre Direito e Processo Penal, realizado em 03-06-2009 no Supremo Tribunal de Justiça;
- Conselheiro Rodrigues da Costa, O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ (disponível em www.stj.pt);
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português – II, Consequências Jurídicas do Crime, 229; Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 2 e 441.
Legislação Nacional:
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 14-12-2006, PROCESSO N.º 4356/06;
-DE 29-01-2007, PROCESSO N.º 4354/06;
-DE 17-01-2008, PROCESSO N.º 2696/07;
-DE 17-07-2008, PROCESSO N.º 816/08;
-DE 25-02-2015, PROCESSO N.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1.
Sumário :
I - Uma vez que todas as penas parcelares aplicadas pela 1.ª instância relativamente aos crimes singulares foram confirmadas pela relação e porque todas são inferiores a 8 anos de prisão, a decisão é irrecorrível quanto a tais crimes, atento o disposto no art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, ficando apenas para apreciar a parte da decisão correspondente à pena única.
II - No recurso que interpôs para o STJ, o recorrente repetiu ipsis verbis as conclusões que extraiu no recurso que interpôs para a relação do acórdão de 1.ª instância. Tal repetição é, no caso, compreensível por o tribunal da relação se ter limitado a chamar à colação a fundamentação de 1.ª instância, nada lhe tendo acrescentado. Assim, nada obsta a que se conheça da questão da medida da pena única, tomando como referência o acórdão do tribunal colectivo, que mereceu absoluta confirmação por parte da relação.
III - Na determinação da medida da pena única, o tribunal além de observar os critérios consagrados no art. 71.º, do CP, deverá ter também em consideração o comando do art. 77.º, n.º 1, do CP, que determina que sejam considerados em conjunto os factos e personalidade do agente. Para tanto, procede-se à interligação da totalidade dos factos com a personalidade do agente, de forma a apurar se tal globalidade traduz uma personalidade propensa ao crime, o que constitui critério agravativo da pena, ou se não é mais do que uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente.
IV - Fazem parte do concurso um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, 80 crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida.
V - A fixação da pena conjunta em 19 anos de prisão revela uma discrepância entre a avaliação feita relativamente às singulares condutas criminosas, que foram punidas com penas próprias da pequena e média criminalidade, e aquela a que o tribunal procedeu para a determinação da pena única.
VI - Na valoração da personalidade do arguido não pode deixar de se considerar a existência de uma tendência para a prática deste tipo de criminalidade, sendo patente o aumento da culpa do agente em consequência de uma enorme repetição dos actos de cópula com que vitimizou a filha menor, cujos direitos fundamentais lhe cumpria especialmente defender no âmbito do exercício do poder paternal. Mas não deve deixar de se ponderar como circunstância favorável ao arguido o facto de, quebrados os freios resultantes da ética e da moral sexual que visam evitar a prática de actos deste jaez, a resistência ao impulso sexual se tornar de grau menor, propiciando a repetição dos actos criminosos.
VII – Atendendo às fortes exigências da prevenção geral, que são elevadas e olhando às necessidades de prevenção especial reveladas pela tendência do arguido para a prática deste tipo de criminalidade, uma pena de 16 anos de prisão responde já a tais necessidades, sendo proporcional à culpa do agente, que é muito elevada.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. Acusado pelo Ministério Público, AA, nascido em ... e com os demais elementos de identificação constantes dos autos, foi julgado pelo tribunal colectivo da Instância Central – Secção Criminal – J2 da comarca de Santarém, tendo sido condenado, por acórdão de 7-05-2015, pela prática de um crime de lenocínio qualificado, p. e p. pelo art. 169º nºs 1 e 2 al. a) do Código Penal, na pena de 5 anos de prisão; de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art. 152º nº 1 al. a) e nº 2 do Código Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; de 80 crimes de violação agravada, p. e p. pelos arts. 164º nº 1 al. a) e 177º nº 1 al. a) e nº 5 do Código Penal, na pena de 6 anos de prisão por cada crime; e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º nº 1 al. d), conjugado com o art. 3º nºs 1 e 2 al. g) da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, republicada pela Lei nº 12/2011, de 17 de Abril, na pena de 1 ano de prisão. Na mesma decisão foi efectuado o cúmulo de todas as referidas penas, tendo sido fixada a pena única de 19 anos de prisão.

Inconformado, o arguido impugnou, de facto e de direito, a decisão recorrida, para o que interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, a que foi negado provimento por acórdão de 3-11-2015.

Mantendo-se irresignado, o arguido recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação do seu recurso, as conclusões que se transcrevem:

I - O presente recurso tem como objecto toda a matéria de facto e de direito da sentença proferida nos presentes autos.

II - Não ficou demonstrado com a segurança e certeza necessárias que o arguido tivesse praticado os factos de que vinha acusado.

III - Manifesta insuficiência e ausência de elementos de prova que tivessem demonstrado a pratica desses factos pelo arguido.

IV - Verificando-se assim, no douto acórdão recorrido, os vícios dos nº 2 alíneas a) e c) do art.° 410° do C.P.C.

V - O principio do "in dubio pro reo" deveria ter sido aplicado e consequentemente deve absolver se o recorrente.

VI- Pelo que consideramos, para efeitos da al. a), nº 3, do art. 412°, do CPP, que os referidos factos foram incorrectamente julgados como provados.

VII - Por outro lado, esses mesmos depoimentos impunham decisão diversa da recorrida, para efeitos do art. 412° nº 3, al. b) do CPP, mais precisamente a absolvição do arguido pela prática desses crimes.
a) Nestes termos e nos melhores de direito aplicável […], deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, ser o arguido AA absolvido dos crimes:
b) Um crime de lenocínio qualificado, previsto e punido pelo artigo 169°, nºs 1 e 2, alínea a) do Código Penal;

c)  Um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152°, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal;

d) Oitenta crimes de violação agravada, previstos e punidos pelos artigos 164°, nº 1, alínea a) e 177°, n" 1, alínea a) e nº 5, ambos do Código Penal;

e) Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86°, n° 1, alínea d), conjugado com o artigo 3°, nº's 1 e 2, alínea g), da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, republicada pela Lei nº 12/2011, de 27 de Abril.

VIII- Se tal se não julgar, deve reduzir se a pena aplicada, por excessiva e desproporcionada á culpa e de severidade injustificada.

a)  A primeira função do sistema penal é a ressocialização do delinquente.

b)  Acrescentando que "as penas devem ser sempre executadas com um sentido pedagógico e ressocializador".

c)  As prisões são escolas de crime.

d)  A prisão é uma mal que deve reduzir se ao mínimo necessário e que haverá que harmonizar com a recuperação dos delinquentes. 

e) Resulta assim do exposto que se justifica a redução da pena aplicada ao arguido, por excessiva e desproporcionada à culpa. (art.° 72 e 73 do Código Penal)

f) Com a consequente redução da pena, para permitir a recuperação e ressocialização do recorrente.

g) Pelo que deverá ser dada nova oportunidade, a qual irá aproveitar.

 

Com estes fundamentos e conclusões e nos melhores de direito aplicável […] deve pois ser revogado o acórdão recorrido.

Em resposta, o Ministério Público no Tribunal da Relação tece críticas ao recurso do arguido, as quais sintetizou pela forma seguinte:

“O recurso do Arguido, para além de insusceptível de apreciação e decisão, ao pretender que o STJ sindique a matéria de facto, nos termos do disposto no artº 412º, nºs. 3 e 4, do CPP, é manifestamente improcedente, devendo, por isso, ser rejeitado - cfr. Arts. 417º, nº 6, b) e 420, nºs. 1, a) e 2, do CPP.

Neste Supremo Tribunal, no visto a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da rejeição do recurso por a decisão ser irrecorrível quanto à matéria de facto e aos crimes e penas parcelares e por ser manifesta a sua improcedência no que se refere à medida da pena única.

Cumprido o disposto no art. 417º nº 2 do Código de Processo Penal, a defesa nada disse.

Não tendo sido requerida pelo recorrente a realização de audiência, o processo foi a vistos e vem agora à conferência para decisão.

2. O Ministério Público suscita a questão prévia de o acórdão da Relação ser irrecorrível no que tange à matéria de facto e, bem assim, quanto aos crimes e penas parcelares.

Na conclusão 1ª, o recorrente define o objecto do recurso como sendo “toda a matéria de facto e de direito, repetindo a argumentação que apresentara aquando do recurso para a Relação. Ao fazê-lo, descurou o comando da norma do art. 434º do Código de Processo Penal que estatui que “o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.”
Esqueceu que o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista, estando fora da sua competência a apreciação do concreto uso que a Relação fez dos seus poderes no recurso que teve por objecto a matéria de facto. Assim se afirmou no acórdão de 17-01-2008 – Proc. 2696/07, ao considerar o Supremo que não pode “exercer crítica sobre o conteúdo da avaliação que a 2ª instância fez da matéria de facto, no uso dos seus poderes legais e de acordo com as regras estabelecidas”.  Como  se afirmou no ac. de 29-01-2007- Proc. 4354/06, “em matéria de poderes de cognição do STJ relativamente a recursos de decisões proferidas em recurso pelas Relações, a lei adjectiva penal – art. 434.º do CPP – limita aqueles poderes ao reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no art. 410.°, n.ºs 2 e 3. Daqui resulta estar vedado a este Supremo Tribunal o reexame da matéria de facto, o que significa que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação sobre aquela matéria se tomou definitiva, sendo pois irrecorrível, havendo que rejeitar o recurso na parte em que o recorrente pretende se proceda ao reexame da matéria de facto sob a invocação de que a prova foi incorrectamente apreciada.”  No mesmo sentido, se havia já pronunciado no ac. de 14-12-2006 - proc. n.º 4356/06-5.ª Secção, relatado pelo saudoso Conselheiro Carmona da Mota, nos termos do qual, “tendo os recorrentes ao seu dispor a Relação para discutir a decisão de facto do Tribunal colectivo, vedado lhes ficará pedir ao Supremo Tribunal a reapreciação da decisão de facto tomada pela Relação. E isso porque a competência das Relações, quanto ao conhecimento de facto, esgota os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, não podendo pretender-se colmatar o eventual mau uso do poder de fazer actuar aquela competência, reeditando-se no Supremo Tribunal de Justiça pretensões pertinentes à decisão de facto que lhe são estranhas, pois se hão-de haver como precludidas todas as razões quanto a tal decisão invocadas perante a Relação, bem como as que o poderiam ter sido”.

O conhecimento da matéria de facto levado a efeito pela Relação esgotou, portanto, os poderes de cognição dos tribunais sobre tal matéria, tornando-a definitiva, por ser irrecorrível. Daí que os vícios referidos no art. 410º nº 2 não possam servir de fundamento ao recurso ora interposto, conforme jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal.

Não está, porém, o Supremo Tribunal de Justiça impedido de conhecer desses vícios, como se encontra previsto no art. 434º do Código de Processo Penal, que introduz no sistema uma válvula de segurança. Tal conhecimento terá, porém, de ser feito oficiosamente, e somente nos casos em que se veja privado da matéria de facto adequadamente provada e suficiente para constituir a necessária base para aplicação do direito, de forma a evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias. O vício tem sempre de resultar do texto da decisão recorrida, eventualmente com recurso às regras da experiência comum, mas sem apelo a elementos estranhos àquele texto, mesmo que constantes do processo.

Assiste, assim, inteira razão ao Ministério Público na questão que suscita de irrecorribilidade do acórdão da Relação relativamente à matéria de facto.
De todo o modo, haverá que ter em consideração que, condenado em 1ª instância pela prática de crimes de lenocínio agravado, de violência doméstica, de violação agravada e de detenção de arma proibida, tendo sido punido, relativamente a cada um deles, com penas de prisão cujo máximo foi de 6 anos, embora, em cúmulo, tenha sido aplicada a pena de 19 anos de prisão, o arguido viu o recurso que interpôs para a Relação ser julgado improcedente, com total confirmação do acórdão de 1ª instância no que respeita à qualificação jurídica dos factos que motivaram a condenação e à medida das penas, quer das singulares, quer da única.
O art. 400 nº 1 al. f) do Código de Processo Penal estabelece que não é admissível recurso “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de primeira instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.
Como se disse no acórdão de 17-07-2008 – Proc. 816/08, “o legislador aferiu a gravidade relevante como limite da dupla conforme e como pressuposto do recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça pela pena efectivamente aplicada, quer esta se refira a um crime singular, quer a um concurso de crimes. Tal que significa que o STJ está obrigado a rever as questões de direito que lhe tenham sido submetidas em recurso ou que ele deva conhecer ex officio e que estejam relacionadas com os crimes cuja pena aplicada tenha sido superior a 8 anos de prisão, e também a medida da pena do concurso, se a aplicada nesse âmbito for superior a 8 anos de prisão, ainda que os crimes que fazem parte desse concurso, singularmente considerados, tenham sido punidos na 1.ª instância com penas inferiores ou iguais a tal limite e confirmadas pela Relação.”
Constitui firme orientação jurisprudencial (cfr. ac. 25-02-2015 – Proc. 1514/12.5JAPRT.P1.S1,  que contém um extensíssimo repositório da jurisprudência sobre a presente questão) a de que, em caso de concurso de crimes, havendo situações de dupla conforme, ou seja de confirmação integral pela Relação da decisão de 1ª instância, só há recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, quando as penas de prisão forem superiores a 8 anos de prisão, quer se trate de penas parcelares, caso em que são conhecidas as questões relativas aos respectivos crimes singulares, quer da pena única. 
No caso presente, todas as penas parcelares que foram aplicadas em 1ª instância e que vieram a ser confirmadas pela Relação, são inferiores a 8 anos de prisão, apenas excedendo esta duração a pena única.
Daí que haja de se concluir quanto aos crimes singulares por cuja prática o arguido foi condenado, que a decisão é irrecorrível, não devendo o ter sido admitido nessa parte.
Como estabelece o nº 3 do art. 414º do Código de Processo Penal, a decisão de admissão de recurso não vincula o tribunal superior. Assim, nos termos das disposições combinadas dos arts. 414º 420º nº 1 al. b) e 414º do Código de Processo Penal, sendo a decisão irrecorrível, deve o recurso ser rejeitado, nessa parte, o que se decide.

3. Fica, assim, para apreciar, a parte da decisão correspondente à pena única.
Antes, porém, importa enunciar os factos que as instâncias deram como provados:
1. AA contraiu casamento com BB, no dia ..., tendo ambos estabelecido residência, designadamente, na ....
2. Cerca de um mês após o casamento, AA, ávido por liquidez, solicitou a BB, aludindo ao amor que sentia por ela e dizendo-lhe que tal não era traição, que se prostituísse, ao que a mesma se negou.
3. Perante a recusa de BB, AA passou então a dizer-lhe que, caso não se prostituísse, teria de efectuar assaltos para arranjar dinheiro, correndo o risco de voltar a ser preso e de a mesma ficar sozinha.

4. No dia 1 de Abril de 2013, quando se encontravam no interior da sua residência, no decurso de uma discussão, originada pela falta de dinheiro, AA tornou a dizer a BB que se a mesma se prostitsse todos os seus problemas se resolveriam e, sem que nada o fizesse prever, desferiu-lhe diversas bofetadas na face, empurrou-a contra a parede e desferiu pontapés nas pernas.

5. Em virtude do sucedido, e porque gostava de AA, BB acabou por aceder aos seus pedidos.

6. Assim, a partir do dia 6 de Abril de 2013, BB começou a prostituir-se na estrada entre ...., local indicado por AA, que lhe transmitiu a forma como deveria trabalhar.

7. Com efeito, AA disse a BB que deveria levar um cobertor para se deitar com os clientes, a quem deveria tratar carinhosamente, e que deveria receber o dinheiro sempre antes do acto sexual.

8. No dia  6 de Abril de 2013, BB facturou     € 135,00 (cento e trinta e cinco euros) e, no final do dia, encontrou-se com AA, sendo que o dinheiro foi utilizado por ambos.

9. No dia 9 de Abril de 2013, no interior da residência do casal, depois de BB ter dito a AA que nesse dia apenas havia facturado 40,00 (quarenta euros), este desferiu-lhe diversas chapadas, empurrou-a contra as paredes e contra um guarda-fato e desferiu-lhe pontapés.

10. Cerca de uma semana depois de BB ter iniciado a prostituição, AA passou a acompanhá-la, circulando de motociclo na estrada entre ... enquanto aquela se prostituía, bem como passou a exigir-lhe que não demorasse mais de 10 (dez) minutos com cada cliente.

11. Por diversas ocasiões, em datas não concretamente apuradas, e sempre que BB passava mais de 10 (dez) minutos com um cliente, AA batia no corpo daquela e introduzia os seus dedos à foa na vagina da ofendida para verificar se a mesma estava "húmida", dizendo-lhe que "se estava molhada era porque era porca e porque gostava do que estava a fazer".

12. Como BB começou a dizer a AA que apenas iria prostituir-se se o mesmo deixasse de a acompanhar, este exigiu- lhe, então, e por forma a controlar cada serviço prestado por aquela, que lhe enviasse uma mensagem para o seu telemóvel sempre que começava a atender um cliente e logo que terminasse.

13. Assim, sempre que iniciava um serviço, BB enviava uma mensagem atras do seu telemóvel com os cartões telefónicos .... e ... para o telemóvel de AA com o cartão telefónico... com os caracteres :-( e quando terminava o serviço enviava uma mensagem com os caracteres :-) e/ou B-).

14. Tal aconteceu, pelo menos, nas seguintes datas: 21/04/2014; 22/04/2014; 23/04/2014; 25/04/2014; 26/04/2014; 28/04/2014; 03/05/2014; 05/05/2014; 06/05/2014; 07/05/2014; 08/05/2014; 09/05/2014; 10/05/2014; 12/05/2014; 13/05/2014; 14/05/2014; 15/05/2014; 16/05/2014 e 17/05/2014.

15. No entanto, por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas certamente entre o mês de Maio de 2013 e o dia 17 de Maio de 2014, AA deslocou-se ao local onde BB se prostituía a fim de verificar se a mesma ali se encontrava e se lhe enviava as mensagens sempre que atendia um cliente.

16. Além disso, sempre que BB chegava a casa, AA logo lhe perguntava quanto dinheiro havia facturado nesse dia, comparando com o número de mensagens que havia recebido ao longo do dia.

17. O dinheiro auferido por BB era guardado numa mesa-de-cabeceira que se encontrava no quarto do casal, sendo que AA daí ia retirando as quantias que entendia.

18. Por diversas vezes, entre o dia 6 de Abril de 2013 e o dia 17 de Maio de 2014, e motivada pelos sentimentos de culpa e de vergonha por praticar actos sexuais em troca de dinheiro, sentindo-se cada vez mais desconfortável e enojada, BB disse a AA que não queria continuar a prostituir-se, o que despoletava a ira do mesmo que começava a bater-lhe por todo o corpo, desferindo-lhe murros na cara, pontas, apertões no pescoço e empurrões, e dizia-lhe em tom sério e ameaçador que a iria matar e que iria matar os seus filhos.

19. Tal aconteceu, pelo menos, nas seguintes datas, que BB apontou no seu telemóvel. 09/04/2013; 25/04/2013; 04/05/2013; 05/05/2013; 13/05/2013; 18/05/2013; 23/05/2013; 10/06/2013; 15/06/2013; 21/06/2013; 02/07/2013; 16/07/2013; 26/07/2013; 29/07/2013; 11/08/2013; 20/08/2013; 26/08/2013; 04/09/2013; 01/01/2014; 22/01/2014; 07/02/2014; 26/03/2014; 17/04/2014 e 08/05/2014.

20. Assim, no dia 4 de Setembro de 2013, cerca das 22:00 horas, quando AA chegou a casa, disse a BB que mataria os seus filhos, ... e ..., que nesse dia lá se encontravam de visita, desferiu-lhe diversos murros na cara, atirou-a para cima da mesa de jantar e encostou-lhe uma faca de cozinha ao pescoço, enquanto lhe dizia que a ia matar.

21. No dia 1 de Janeiro de 2014, na residência do casal, na sequência de uma discussão gerada pelo facto de BB se recusar a entregar as chaves do seu automóvel a AA por este se encontrar embriagado, este apertou o pescoço daquela e empurrou-a contra a parede.

22. No dia 26 de Março de 2014, na residência do casal, na sequência de uma discussão motivada por questões relativas à ...., filha de AA, este apertou o pescoço de BB, apontou-lhe uma faca, dizendo-lhe "é hoje que eu acabo com isto" e, de seguida, saiu da residência.

23. Nesse mesmo dia, cerca das 23:00 horas, BB teve conhecimento que AA se encontrava internado no Hospital de Abrantes, por ter sido atingido por um disparo de pistola, propriedade do mesmo, indo ao seu encontro.

24. Aí chegada, BB perguntou a AA o que havia feito à pistola, tendo o mesmo referido que a havia enterrado num pinhal, nas proximidades de Abrantes, pelo que, com medo do que o mesmo pudesse vir a fazer, aquela foi buscar a arma e, posteriormente, entregou-a ao seu cunhado ...., irmão daquele, pedindo-lhe que a guardasse.

25. No dia 8 de Maio de 2014, cerca das 20h 30m, e a pedido de AA, BB dirigiu-se à residência dos pais deste, sita no ....

, e, aí chegada, encontrou aquele junto a um barracão, tendo-lhe pedido que entrasse, o que esta fez.

26. Já no interior do barracão, AA perguntou a BB se havia falado com a ...., uma conhecida de ambos, tendo-se gerado uma discussão entre os mesmos, sendo que quando esta se recusou a mostrar-lhe o seu telemóvel, aquele desferiu-lhe diversas bofetadas na cara, apertou-lhe o pescoço e atirou-a ao chão.

27. Quando BB se encontrava deitada no chão, AA enfiou-lhe os dedos nos olhos e disse-lhe que a iria cegar, bem como lhe exibiu um machado e uma faca, dizendo-lhe que a matava.

28. Ainda quando se encontravam no interior do referido barracão, AA embebeu um pano em gasolina, ateou-o e exibiu-o a BB, passando-o junto à cara da mesma, dizendo-lhe que a iria queimar e que iria ficar pior do que a ... (referindo-se a uma prima que foi regada com ácido).

29. A situação acima descrita, apenas terminou cerca das 0h00m, quando AA permitiu que BB abandonasse o barracão, mas na sua companhia, impedindo-a de ir ao Hospital receber tratamento médico.

30. Na decorrência dos factos descritos, BB sentiu dores e sofreu as seguintes lesões: - No tórax: dois vestígios cicatriciais no teo superior da face posterior do hemi-tórax direito, medindo o maior e transversal 3,5 cm de comprimento e o menor e curvilíneo de concavidade ínfro-lateral 3 cm de cumprimento por 0,3 cm de largura; - No membro superior direito: vestígio cicatricial da face posterior do ombro medindo 3 cm de comprimento; vários vesgios cicatriciais no terço médio da face lateral do antebraço, o maior medindo 3,5 cm de comprimento por 0,8 cm de
l
argura e o menor medindo 2 cm de comprimento; - No membro inferior direito: equimose amarelada no terço médio da face lateral da coxa medindo 4 cm de eixo maior por 1,5 cm de eixo menor.

31. As lesões descritas causaram a BB 5 (cinco) dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho.

32. AA é pai da menor CC nascida a ....

33. No dia 15 de Dezembro de 2013, e após ter fugido da instituição onde se encontrava acolhida em Portimão, CC passou a residir com AA e a mulher deste,BB, na habitação sita na ...

34. Desde Janeiro de 2014, AA, aproveitando-se de ter na sua dependência pessoa] a filha CC, à data com 15 (quinze) anos de idade, tomou a resolução de obrigar a mesma a praticar consigo actos de natureza sexual, como de cópula completa, coito anal e coito oral, bem como, por vezes, a introdução vaginal de partes do corpo, recorrendo ao uso de violência física e psicológica se necessário fosse, umas vezes na sua residência sita na ..., outras ainda em prédios em ruínas ou em descampados.

35. Na execução desse desígnio, entre meados de Janeiro de 2014 e o dia 15 de Maio de 2014, data em que foi detido, AA obrigou CC a ter relações sexuais de cópula completa quase diariamente.

36. No início do mês de Janeiro de 2014, e contra a vontade da sua filha CC, AA começou a abordá-la quando a mesma se encontrava na casa-de-banho, pedindo-lhe para que se despisse à sua frente, agarrando-a e tocando-lhe em zonas do corpo, designadamente nos seios e zona vulvar.

37. A partir de meados de Janeiro de 2014, a situação agravou-se, passando AA a exigir que a filha CC fosse com ele para o quarto do casal, onde habitualmente dormia com a sua mulher, obrigando-a a despir-se à sua frente.

38. De seguida, AA despia-se e começava a tocar na filha CC, passando a sua mão pelos seios e zona vulvar, introduzindo os dedos na vagina da menor.

39. Acto contínuo, AA obrigava CC a deitar-se na cama, e agarrando-a com as pernas de maneira a impedir que as pudesse fechar, penetrava-a com o pénis erecto na vagina, começando a efectuar os movimentos ritmados próprios da cópula, até que ejaculava.

40. Numa dessas ocasiões, em data não concretamente apurada, AA, colocando-se por detrás de CC, com o  pénis erecto, penetrou-a no ânus, fazendo com que a mesma ficasse a sangrar do mesmo.

41. Entretanto, AA passou a ordenar a CC que se deslocasse com ele até a um barracão contíguo à casa da sua progenitora daquele, ...., a mais de 600 metros da sua casa, sito no ....

42. Ali, AA passou a fazer o mesmo e, sob ameaça, dizia a CC que, caso não fizesse o que queria, que a agredia a si e à sua madrasta BB, obrigando a menor, por um número indeterminado de vezes, a manter relões sexuais consigo num colchão velho que ali colocou unicamente para esse propósito.

43. Numa dessas ocasiões, AA, ao mesmo tempo que ameaçava CC que a mataria e à sua madrasta, obrigou-a a praticar sexo oral, introduzindo o seu nis na boca da menor e exigindo-lhe que massajasse o escroto com as mãos e a língua.

44. Nestas situações, CC ainda tentou impedir os intentos do seu progenitor, mas quando tal acontecia AA tornava-se violento, dizendo-lhe que era ele que mandava ali e só tinha de fazer o que ele queria.

45. Noutras ocasiões, em datas o concretamente apuradas, AA foi buscar a filha CC à escola, encaminhando-a, de seguida, para casas abandonadas nas imediações de ...., onde, sob ameaça, lhe ordenou que entrasse, se despisse e deitasse e, logo de seguida, despindo-se também e com o pénis erecto, penetrou-a na vagina e ejaculou, após efectuar os movimentos ritmados próprios da cópula.

46. No período acima referido, AA, quase diariamente e, pelo menos, em 80 (oitenta) ocasiões, consumou com a filha CC actos sexuais de cópula completa, sendo a última vez na quinta-feira, dia 15 de Maio de 2014, cerca das 21h00m. 

47. Com efeito, depois de CC ter ido da escola para a casa dos avós paternos, AA consumou mais um acto de cópula completa no referido barrao da progenitora, tendo penetrado a vagina daquela com o seu pénis erecto.

48. Em nenhuma das vezes que AA praticou actos sexuais com CC usou preservativo.

49. Por força das condutas assumidas por AA, CC desenvolveu perturbação emocional de sintomatologia tipo ansiosa e depressiva.

50. Nesta sequência, CC começou a isolar-se do convívio com outras pessoas e a provocar lesões autoinfligidas, concretamente cortes transversais e paralelos ao nível dos membros superiores.

51. No dia 18 de Maio de 2014, pelas 17h 25m, DD fez entrega de uma pistola semi-automática , de acção dupla com cano de alma estriada, com o comprimento de 6,3 cm, de marca "Blow Mini S", de calibre 6,35 mm, com o n de série 10-000746, com um carregador introduzido com 3 (três) munições de marca "S&B", de calibre 6,35 mm.

52. A referida pistola não se encontra manifestada ou registada em nome de AA.

53. No dia 23 de Maio de 2014, pelas 14h 30m, no interior da residência sita na ..., AA guardava o seguinte: - 1 (um) taco ele basebol em madeira, de marca "Adirondnck", com o comprimento de 73 cm; - 1 (um) taco de basebol em madeira, com o comprimento de 85 cm; e - 1 (um) bastão em madeira, com o comprimento de 57 cm., com extremidade revestida com uma peça metálica, na qual se prende uma corrente metálica com 26 cm de
com
primento que apresenta na extremidade uma bola metálica com diversas saliências pontiagudas.

54. Agiu AA no propósito concretizado de determinar e obrigar BB a prostituir-se, o que fez através da prática dos descritos actos de violência física e mediante ameaça grave que exerceu sobre ela, ameaça essa consubstanciada na alternativa que lhe propôs de ele se dedicar à prática de assaltos, com o risco de ir preso e ela ficar sozinha, dizendo-lhe mais arde que a havia de matar e aproveitando-se, ainda, da especial
v
ulnerabilidade dela atento o vínculo que os unia e o afecto que a mesma nutria por si.

55. Mais agiu AA com o propósito concretizado de enriquecer o seu património com quantia que sabia não ter direito, o que conseguiu.

56. AA sabia que sobre si recaia o dever de tratar BB com particular respeito e consideração, atendendo ao vínculo que os unia e que não podia actuar daquele modo.

57. AA sabia que, com o comportamento descrito, ofendia o corpo e a saúde de BB, bem como sabia que com as expressões proferidas causava medo e ofendiam a sua esposa na sua honra e consideração, não obstante quis actuar da forma descrita, o que conseguiu.

58. AA sabia, e sabe, que é pai de CC e qual a idade que a mesma tinha quando praticou os actos acima descritos.

59. AA agiu com o propósito concretizado de, mediante a prática dos descritos factos com recurso à força física, manietando-a e magoando-a e através de ameaça, dizendo-lhe que lhe bateria a si e à madrasta e gritando com ela, referindo-lhe que se havia de sujeitar à sua vontade, constranger a sua própria filha, a praticar consigo actos sexuais de cópula, coito oral e anal, bem como, por vezes, a forçá-la à introdução dos seus dedos na respectiva vagina, tudo com vista a
sa
tisfazer os seus impulsos sexuais, bem sabendo que o fazia contra a vontade daquela, ciente de que a sua conduta ofendia a dignidade, liberdade e autodeterminação sexual da mesma.

60. AA sabia que não tinha licença de uso e porte de arma válida e que a isso estava obrigado.

61. AA previu e quis ter em sua posse os referidos tacos e bastão, cuja natureza e caractesticas conhecia, bem sabendo que é proibido por lei o uso e porte de armas que o estejam devidamente manifestadas, registadas e licenciadas.

62. As armas acima referidas são adequadas a provocar lesões corporais ou mesmo a morte, o dispondo AA de qualquer motivo para as deter nas referidas circunstâncias de modo, tempo e lugar.

63. AA agiu sempre de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

64. Por acórdão, proferido em 30 de Maio de 1996 no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 7/96 que correu seus termos no Círculo de ...., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 29 de Janeiro de 1995, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.° do digo Penal, na pena de sete meses de prisão, suspensa na sua execução pelo peodo de três anos e sujeita a condição.

65. Por sentença, proferida em 13 de Maio de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n28/97 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ..., e transitada em julgado, AA foi condenado pela prática, em 8 de Maio de 1996, de um crime de burla para obtenção de serviços, previsto e punido pelo artigo 220.° do Código Penal, na pena de 20 (vinte) dias de multa à taxa diária de 300$00 (trezentos escudos).

66. Por sentença, proferida em 21 de Novembro de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n.º 8156/96.9T9LSD que correu seus termos no Tribunal Criminal de Lisboa,  transitada em julgado, AA foi condenado pela prática, em 13 de Setembro de 1995, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 15e 40.º, nº 1, alínea n), da Lei nº 30/87, de 7 de Junho, na pena de 20 (vinte) dias de prisão substituída por igual período de multa à taxa diária de 200$00 (duzentos escudos).

67. Por sentença, proferida em 21 de Novembro de 1997 no âmbito do processo comum singular com o n.º 65/97 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ..., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 21 de Maio de 1996, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 203do Código Penal, na pena de oito de meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos.

68. Por acórdão, proferido em 20 de Fevereiro de 1998 no âmbito do processo comum colectivo com o n 9/97 que correu seus termos na 9.ª Vara Criminal de Lisboa, e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em 12 de Fevereiro de 1996, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.° e 204.° do Código Penal, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três anos e sujeita a regime de prova.

69. Por sentença, proferida em 23 de Janeiro de 2002, no âmbito do processo comum singular com o n.º 77/99 que correu seus termos no Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática, em Junho de 1998, de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.º 1, da Lei 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de sete de meses de prisão.

70. Por acórdão, proferido em 4 de Março de 2002, no âmbito do processo comum colectivo com o n 2/01.0TBENT que correu seus termos no Tribunal Judicial do Entroncamento, e transitado em julgado, AA foi condenado pela prática de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 176.°, n 2, do Código Penal, na pena de quatro anos e seis meses de prisão.

71. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n.º 124/97.OPAABT que correu seus termos no Tribunal Judicial de Abrantes, e transitado em julgado em 1 de Outubro de 2002, AA foi condenado pela prática, em Junho de 1997, de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203, n 1, do Código Penal, e de dois crimes de furto qualificado, previstos e punidos pelos artigos 203.° e 204.° do Código Penal, na pena única, em cúmulo jurídico, de quatro anos e nove meses de prisão.

72. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n 131/01.0PAOLH que correu seus termos no 1.° Juízo do Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado em 20 de Maio de 2004, AA foi condenado pela prática, em 1 de Março de 2000, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, previstos e punidos pelos artigos 142.° e 146.° do Código Penal, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo artigo 170.° do Código Penal, de dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.° do Código Penal, e de um crime de rapto, previsto e punido pelo artigo 160.°, do Código Penal, na pena única, em cúmulo jurídico, de onze anos e seis meses de prio.

73. Por acórdão, proferido no âmbito do processo comum colectivo com o n 454/01.8PAOLH que correu seus termos no 1 Juízo do Tribunal Judicial de ...., e transitado em julgado em 12 de Janeiro de 2006, AA foi condenado pela prática, em 30 de Julho de 2001, de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.° do Código Penal, e de três crimes de condução sem habilitação legal, previstos e punidos pelo artigo 3, n.º 2, do Decreto-Lei n 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única, em cúmulo jurídico, de um ano e dez meses de prisão.

74. Por decisão, proferida no âmbito do processo gracioso com o n.º 1123/1O.3TXCBR-A que correu seus termos no Tribunal de Execução de Penas de Coimbra e transitada em julgado em 13 de Maio de 2013, foi concedida liberdade condicional a AA com efeitos a partir de 16 de Março de 2013.

75. O processo de socialização de AA decorreu até aos cerca de dezasseis anos de idade no interior de um agregado familiar de origem constituído pelos pais e por mais sete irmãos, marcado pelo alcoolismo do pai e por comportamentos violentos/agressivos que este exercia sobre os demais elementos do agregado e caracterizado por condições precárias de habitação e situação económica desfavorável.

76. Neste contexto, AA revelou absentismo e falta de rendimento escolar, sem acompanhamento por parte dos pais, situação que não permitiu o mesmo completar o 1 ciclo de escolaridade, mas somente adquirir noções rudimentares de aprendizagem da escrita e leitura.

77. Após o abandono escolar, AA começou a trabalhar com o pai em tarefas indiferenciadas na construção civil vindo a desistir quando saiu de casa.

78. Posteriormente, AA veio a exercer actividades pouco estruturadas em estabelecimentos de diversão noturna e casas de alterne, como porteiro, onde teve contacto com mulheres praticantes da prostituição e com a vivência deste tipo de ambiências, com abuso de bebidas alcoólicas.

79. Com cerca de dezasseis anos, AA constituiu um agregado familiar próprio com uma companheira de quem teve um filho, numa situão desestruturada e sem capacidade do mesmo em gerir a situação familiar e os cuidados a prestar ao filho.

80. Posteriormente, AA veio a constituir várias relões afectivas e vivências em comum com várias mulheres, na sequência das quais nasceram mais quatro filhos (algumas destas companheiras surgem referenciadas em processos judiciais em que aquele foi condenado, além do mais, pela prática de crime de lenocínio, sendo que uma delas assumiu a qualidade de co-arguida do mesmo num desses processo judiciais).

81. CC foi institucionalizada e os demais filhos de AA vivem com as respectivas mães.

82. Nesta altura, AA residia em habitações sem as mínimas condições de habitabilidade, vivia com instabilidade/inactividade laboral, apresentava fraco investimento na gestão e sustentabilidade socioeconómica dos sucessivos agregados que constituiu e pautava o seu comportamento pelo abuso de bebidas alcoólicas e pela exibição de condutas criminais que culminaram na sua reclusão.

83. Durante o cumprimento da pena de prisão, AA revelou um comportamento institucional, no global, adequado e numa saída jurisdicional veio a conhecer e a casar com BB.

84. No período que antecedeu a sua privação da liberdade à ordem deste processo, em 18 de Maio de 2014, AA encontrava-se em situação de medida de liberdade condicional com acompanhamento da DGRSP e constituía agregado familiar com BB e CC, não mantendo qualquer relacionamento com os seus demais descendentes.

85. AA trabalhava numa quinta a exercer vários trabalhos indiferenciados e na plantação de eucaliptos, sem vínculo laboral, estando inactivo há cerca de ts meses antes da sua actual reclusão.

86. AA apresentava ainda uma problemática alcoólica, estando a ser acompanhado por estrutura de saúde.

87. AA apresenta como projecto de reinserção social futura, após liberto da actual situação jurídico-penal, a integração no agregado familiar dos progenitores, pessoas idosas e doentes, que apresentam uma situação socioeconómica carenciada e dependem do apoio de alguns filhos, não revelando capacidades para aconselhar ou ter ascensão sobre o arguido no sentido de controlar as suas condutas.

88. As circunstâncias anteriormente descritas, associadas à auncia de autocrítica face a condutas que determinaram a sua condenação no passado e o cumprimento de pena de prisão, à tendência para externalizar a culpa e à atitude de desresponsabilização pessoal e de culpabilização das vítimas, constituem-se como factores de risco e condicionantes da capacidade de AA em realizar mudanças positivas na sua vida, podendo potenciar a reincidência.

A análise do texto do acórdão da Relação ora recorrido não revela a existência de qualquer dos vícios da matéria de facto – nem insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova – que impeçam o conhecimento do recurso com o âmbito que se deixou definido.

4. Punido com uma pena conjunta de 19 anos de prisão, o recorrente, na conclusão VIII da motivação, defende ser a pena aplicada excessiva e desproporcionada à culpa e de severidade injustificada, discorrendo sobre o facto de a prisão ser um mal que deve ser reduzido ao mínimo necessário, devendo harmonizar-se com a recuperação do delinquente, isto é, com a sua ressocialização.
Contudo, a Relação de Évora, considerando “a inexistência por argumentos por banda do recorrente que permitam ponderar uma sua redução, [decidiu] chamar à colação a certeira fundamentação do tribunal recorrido” que reproduziu, nada tendo acrescentado.          
No recurso que interpôs para o Supremo Tribunal, o recorrente repetiu ipsis verbis as conclusões que extraiu no recurso que interpôs para Relação do acórdão de 1ª instância. Face a tal comportamento, poder-se-ia afirmar que tudo se passou como se não tivesse havido recurso para a Relação, nem a apreciação das questões suscitadas levada a efeito por um tribunal superior
Tal comportamento por banda de um recorrente chegou já a ser entendido  como falta de motivação, com a consequência do não conhecimento do recurso, por aplicação do disposto no art. 414º nº 2 (parte final). Temos, contudo, considerado que o segmento do texto legal “quando faltar a motivação” diz respeito a uma falta absoluta de motivação recursória, situação em que, por falta de expressão do respectivo objecto, o conhecimento do recurso seria impossível.
De todo o modo, no caso presente, sempre seria compreensível a mera repetição pelo recorrente da argumentação apresentada no recurso para a Relação, por este tribunal se ter limitado a chamar à colação a fundamentação do acórdão de 1ª instância, nada lhe acrescentado.

Nada obsta, pois, a que se conheça da questão da medida da pena única, tomando como referência o acórdão do tribunal colectivo, que mereceu absoluta confirmação por parte da Relação.


4. A questão da punição nos casos de concurso real de crimes tem merecido soluções diversas nos diferentes ordenamentos jurídicos.    Assim, no sistema de acumulação material, o juiz estabelece a pena que cabe a cada crime, aplicando ao agente a totalidade das penas determinadas, que serão sucessivamente cumpridas, sendo tal sistema frequentemente temperado pela fixação pela lei de limites máximos de punição.

Nos sistemas de pena do concurso, a punição pode ser feita através de uma pena unitária, determinada como se o conjunto dos factos praticados pelo agente constituísse um único crime. Nuns casos, aplicando a pena concreta do crime mais grave (princípio da absorção); noutros agravando essa pena em função da pluralidade de crimes (princípio da exasperação).

De harmonia com o princípio da cumulação, o concurso será punido através de uma pena conjunta determinada pela imagem global dos factos e pela personalidade do agente, servindo as penas parcelares para definir a moldura, cujo mínimo, no sistema jurídico português, corresponde ao quantum da pena mais grave e cujo máximo é igual à soma das diversas penas aplicadas, mas com o limite máximo legal de 25 anos de prisão.
Na determinação da medida da pena conjunta, o tribunal, além de observar os critérios consagrados no art. 71º do Código Penal, terá também em consideração o comando do art. 77º nº 1 do mesmo Código, que determina que, na medida da pena, sejam considerados em conjunto os factos e personalidade do agente. Para tanto, procede-se à  interligação da totalidade dos factos com a personalidade do agente, de forma a apurar se tal globalidade traduz uma personalidade propensa ao crime, uma tendência do agente para o crime, o que constitui critério agravativo da pena, ou se não é mais do que uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade do agente.

O concurso de crimes em, que o arguido foi condenado é constituído, além de outros, pela prática de oito dezenas de crimes de violação de que foi vítima sua filha CC. O tribunal colectivo estabeleceu como pena única desse concurso a 19 anos de prisão, pena que foi confirmada pela Relação, que nenhuma alteração introduziu quanto à fundamentação.
Assim tendo acontecido, haverá que atentar na fundamentação utilizada pelo tribunal colectivo para fixar pena deste jaez.
Sintetizou assim o tribunal colectivo a fundamentação desta parte da decisão: “Nessa conformidade, o cúmulo jurídico em causa deve traduzir-se em pena de prisão próxima daquele máximo permitido no nosso ordenamento jurídico-penal, aquele que, em termos singulares, é concebido para o crime de homicídio. Sucede que, há por certo condutas que, de alguma forma, lhes podem ser equiparadas, pela elevadíssima censura de que se revestem, pela enormidade de consequências que consigo trazem e pelo modo como modificam para sempre a vida, a personalidade e o futuro das vítimas — pela forma como matam a alma. E essa é manifestamente a situação dos autos.”
Poder-se-á referir, desde já, que tal pena se afigura-se desproporcionada.
Fazem parte do concurso um crime de lenocínio agravado, um crime de violência doméstica, oitenta crimes de violação agravada e um crime de detenção de arma proibida. Considerou o tribunal colectivo quanto aos crimes de violação que tendo sido afastada, com a redacção que foi dada ao nº 3 do art. 30º pela Lei nº 40/2010, de 12 de Outubro, a possibilidade de aplicar o instituto do crime continuado aos crimes contra bens eminentemente pessoais, restaria considerar a pluralidade de infracções. Com o trânsito em julgado a decisão na parte correspondente aos crimes singulares, ficou definitivamente afastada a possibilidade de equacionar essa factualidade como constituindo um crime prolongado, de trato sucessivo, como, por vezes, faz a jurisprudência.
Na sua grande maioria, os crimes integradores do presente concurso são crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Com a Reforma do Código Penal de 1995, tais crimes deixaram de ser considerados como crimes ligados aos “sentimentos gerais da moralidade sexual” e atentatórios dos “fundamentos éticos-sociais da vida sexual”, passando ser tidos como crimes contra as pessoas e contra um valor estritamente individual como é o da liberdade de determinação sexual,. (Cfr. Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal, I, págs. 2 e 441). Abandonada a tutela de sentimentos colectivos da moral sexual dominante, o Código Penal passou a tutelar penalmente a liberdade sexual do indivíduo e o desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual. Mas a circunstância de os crimes sexuais terem passado a integrar o título respeitante aos crimes contra as pessoas não tem, todavia, como consequência a sua aproximação da moldura penal própria dos crimes que tutelam a vida humana. Esta continua a ser considerada como constituindo o supremo bem, justificando o entendimento jurisprudencial de que, mesmo no caso de concurso de crimes, a aplicação das penas mais elevadas devem ser aplicadas, em regra, aos casos em que ocorram crimes contra a vida.
No seu estudo “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência do STJ” (a que se pode ter acesso em www.stj.pt)  o Conselheiro Rodrigues da Costa, a propósito de casos em que estão em causa crimes de carácter patrimonial e cuja valoração penal orça pela média, senão mesmo pequena criminalidade, chama a atenção para o facto de que “as penas fixadas em cúmulos jurídicos, nas instâncias, são frequentemente desproporcionadas, atingindo muitas vezes o limite legal máximo permitido”. Aponta como motivo desse entendimento o de “o critério usado ser fundamentalmente um critério de adição de penas, sem consideração pelo tipo de criminalidade em causa e sem uma conveniente avaliação da totalidade dos factos como unidade de sentido, enquanto reportada a um determinado contexto social, familiar e económico e a uma determinada personalidade.”
No âmbito da moldura legal prevista para o concurso de crimes, a qual, em abstracto se apresenta especialmente agravada por o respectivo mínimo corresponder à pena mais grave das que se apresentam a concurso e em que o máximo corresponde ao somatório das penas parcelares, com o limite de 25 anos, o tribunal colectivo, considerando as necessidades de prevenção, quer geral, quer especial, entendeu fixar a pena única conjunta num ponto elevado que se situa entre o segundo e o terceiro terço da respectiva moldura. Ao fazê-lo afastou-se irremediavelmente do critério que havia seguido para determinar o quantum das penas singulares, mormente as que respeitam ao crime de violação agravado, penas que situou no quarto inferior das respectivas molduras, não obstante ter ponderado “no que tange aos crimes de natureza sexual, o elevado grau de ilicitude dos factos, atendendo ao seu modo de execução; a gravidade das consequências da conduta do arguido; a ocorrência de danos psicológicos nas vítimas, notoriamente de difícil reparação; os sentimentos (o arguido não demonstrou qualquer sentimento de vergonha, remorso ou arrependimento que permitam concluir que será especialmente susceptível à influência da pena; pelo contrário, a indiferença pelo sofrimento da filha e da cônjuge, bem como a total indiferença ou falta de interiorização dos princípios mais fundamentais do direito, comungados pela globalidade da comunidade em que se insere) e motivações revelados pelo arguido (a sua motivação só pode encontrar-se, sobretudo, na sua intenção libidinosa, sem qualquer estímulo externo que, por qualquer modo, o justificasse)…”
Verifica-se, assim, uma nítida discrepância entre o resultado da avaliação feita relativamente às singulares condutas criminosas, com aplicação de penas que próprias da pequena e média criminalidade, e aquela a que procedeu para a determinação da pena única.
É certo que esta resulta de uma ponderação conjunta dos factos concorrentes com incidência na conexão entre eles existente e de uma apreciação da personalidade em que é relevante determinar se o conjunto dos factos se reconduz a uma tendência ou mesmo carreira criminosa ou se resulta de uma mera pluriocasionalidade. E não se ignora que o tribunal colectivo ponderou “o relevante período temporal em que o cometimento [dos crimes] foi sendo repetido e as tremendas consequências que advirão para aquelas [vítimas], cujo conhecimento sobre a respectiva profundidade, extensão, alcance e durabilidade sempre pecará por defeito”.
Contudo, o Conselheiro Carmona da Mota, na comunicação que fez no Colóquio sobre Direito e Processo Penal, realizado em 03-06-2009 no Supremo Tribunal de Justiça, advertia para a necessidade de “o tratamento, no quadro da pena conjunta, da pequena criminalidade […] divergir do tratamento devido à média criminalidade e o desta do imposto pelo tratamento da criminalidade muito grave, de tal modo que a pena conjunta de um concurso (ainda que numeroso) de crimes de menor gravidade não se confunda com a atribuída a um concurso (ainda que menos numeroso) de crimes de maior gravidade”. Para assegurar essa diferença de tratamento exemplificava, que “um somatório de penas até 2 anos de prisão – ainda que materialmente o ultrapasse em muito - não deva exceder, juridicamente, 8 anos, por exemplo; que um somatório de penas até 4 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 10 anos, que um somatório de penas até 6 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 12 anos; que um somatório de penas até 10 anos de prisão não ultrapasse, por exemplo, 16 anos, etc.;”, estabelecendo deste modo as bases para um critério de determinação da pena única conjunta.
Para tanto, este insigne e saudoso Juiz Conselheiro considerava existência de uma dinâmica que se traduzia “por um lado pela interação expansiva do limite mínimo da pena conjunta (impelido a expandir-se pela maior ou menor pressão sobre ele exercida pelo maior ou menor peso quantitativo e qualitativo das penas singulares – cada uma delas tentada a ver-se representada, o mais integralmente possível, na pena conjunta); por outro lado, pela interacção repressiva (ou repulsiva) do limite máximo da pena conjunta (que, pressionado pela interacção expansiva das penas singulares, responde, dinamicamente, a essa expansão, contrariando-a tanto mais quanto mais a força expansiva das penas singulares aproximar a sua pretendida «representatividade» do limite máximo da pena conjunta).” Aconselhava, assim, a que quanto mais o somatório das penas se aproximasse (ou mesmo ultrapassasse) do limite máximo da pena de prisão – 25 anos – maior deveria ser a compressão a fazer na fixação da pena única.
Nesta perspectiva, olhada a conduta do arguido na sua globalidade, compreendendo os crimes de lenocínio, de violência doméstica, de violação e de detenção de arma proibida, ressaltam os crimes de natureza sexual, especialmente o de violação da menor, relativamente aos quais é sentida uma maior necessidade de tutela dos bens jurídicos, sendo mais exigentes as expectativas da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Tal como sucede com os crimes singulares, também relativamente à pena única é possível estabelecer “a medida óptima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias … ponto abaixo do qual outros existem em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente”, para usar as palavras do Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português – II Consequências Jurídicas do Crime, pág. 229), resultando a determinação concreta da medida da pena das necessidades de prevenção especial de socialização do arguido, que no caso presente são muito elevadas. Com efeito, a matéria de facto que ficou estabelecida revela que, no decurso do processo delitivo, o arguido se revelou incapaz de deixar de sujeitar o seu cônjuge à prostituição como modo de fazer face às suas próprias necessidades económicas, aproveitando-se dos réditos que aquela prática proporcionava, assim como foi incapaz de respeitar a liberdade de autodeterminação sexual da sua filha menor,   demonstrando por tudo isso falta de preparação para manter uma conduta lícita, com repetição, relativamente a esta última, dos actos de violação sexual, que além da cópula, assumiram  as formas de coito oral e coito anal,  bem como, por vezes, de introdução vaginal de partes do corpo, intimidando a menor com a ameaça de violências físicas e até de morte.

Na valoração da personalidade do arguido não pode deixar de se considerar, como fez o tribunal colectivo, que aquele revela uma tendência para a prática deste tipo de criminalidade. A tanto não é alheia a circunstância de o arguido ter vindo a “exercer actividades pouco estruturadas em estabelecimentos de diversão noturna e casas de alterne, como porteiro, onde teve contacto com mulheres praticantes da prostituição e com a vivência deste tipo de ambiências, com abuso de bebidas alcoólicas.” (facto nº 78). Por outro lado, é patente o aumento da culpa do agente em consequência de uma enorme repetição dos actos de cópula com que vitimizou a filha menor, cujos direitos fundamentais lhe cumpria especialmente defender no âmbito do exercício do poder paternal. Mas não deve deixar de se ponderar como circunstância favorável ao arguido o facto de, quebrados os freios resultantes da ética e da moral sexual que visam evitar a prática de actos deste jaez, a resistência ao impulso sexual se tornar de grau menor, propiciando a repetição dos actos criminosos.
Por tudo isto, atendendo às fortes exigências da prevenção geral, que são elevadas e olhando às necessidades de prevenção especial que no caso ocorrem reveladas pela tendência do arguido para a prática deste tipo de criminalidade, uma pena de 16 anos de prisão responde já a tais necessidades, sendo proporcional à culpa do agente, que é muito elevada.  


DECISÃO

Termos em que acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
- em rejeitar, por irrecorribilidade (art. 400º nº 1 al. f) CPP), o recurso na parte que corresponde aos crimes singulares, punidos com penas que em caso algum excedem 6 anos de prisão, relativamente aos quais o acórdão da Relação confirmou  a decisão condenatória;
- em julgar procedente o recurso na parte respeitante à pena única, que fixam em 16 (dezasseis) anos de prisão.
Sem custas (art. 513º nº 1 CPP).

Lisboa, 25 de Maio de 2016

Arménio Sottomayor
Souto de Moura