Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
446/11.9TBESP.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ARRESTO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 02/26/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NOS NEGÓCIOS JURÍDICOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCEDIMENTOS CAUTELARES.
Doutrina:
-António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, ed. de 1998, p. 264.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 306.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 390.º.
Sumário :

I. O direito de indemnização devida por providência cautelar de arresto injustificada previsto no art. 390º do C.P.C. tanto é devido se a oposição ao arresto for julgada procedente ou quando a decisão que decretou o mesmo arresto for revogada por recurso, como quando o direito acautelado na providência seja julgado inexistente na acção principal subsequente.

II. Quando o mesmo direito de indemnização seja fundado apenas na improcedência na acção principal subsequente do direito acautelado no arresto, o prazo de prescrição daquele apenas começa a correr a partir do trânsito em julgado da sentença de improcedência da mesma acção principal, nos termos do art. 306º, nº 1 do Cód. Civil.

Decisão Texto Integral:

*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A sociedade AA – Actividades Turísticas, Lda. propôs a presente acção com processo ordinário, em 29-04-2011, no 2º Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, contra BB e mulher CC e contra DD e mulher EE, pedindo a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de € 54 196,00, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, a partir da citação e até integral pagamento.

Alega para o efeito e, em síntese, que a Autora é uma sociedade por quotas que se constituiu em 01.10.1997 e iniciou a sua actividade em 1998, com o objectivo de criar e explorar um estabelecimento de actividades turísticas de restauração e lazer, exploração e aluguer de pistas de “ karting “, realização de eventos e espectáculos musicais e culturais, exploração de equipamento complementares de turismo e venda de artigos diversos. Arrendou um espaço, onde instalou todo o equipamento necessário para o exercício da sua actividade. Os réus maridos constituíram-se sócios da referida sociedade, juntamente com FF e GG.

Mais refere, que no âmbito da sua actividade contraiu junto do Finibanco um contrato de empréstimo no montante de € 283 691,30, que posteriormente veio a ser renegociado.

Em 19.08.2002 perante a situação de incumprimento, o Banco denunciou o contrato enviando uma carta à autora. No sentido de garantir o cumprimento do contrato, os sócios-gerentes da autora acordaram entre si que os sócios gerentes FF e GG assumiriam o passivo da autora, bem como, todos os garantes assumidos pelos sócios, incluindo todos os garantes e financiamento junto do Finibanco.

Alega que em 30.09.2002 o sócio-gerente FF, após transferência bancária para a conta da autora, procedeu ao pagamento da divida ao banco.

Em 30.10.2002 por escritura pública de cessão de quotas os réus cederam as suas quotas a FF e GG e paralelamente foi celebrado um acordo reduzido a escrito em documento particular, no qual consignaram: “ declaram os cedentes e gestores que nada têm a receber da sociedade AA ou dos cessionários ou adquirentes das quotas seja que título for.” Contudo, os réus não autorizaram HH a assinar o documento em representação dos réus.

Refere, ainda, que posteriormente, em 08.04.2004, os réus vieram instaurar duas acções contra a autora, respectivamente, o Proc. 1014/04.9 e o Proc. 1013/04.9, correndo aquela por apenso a esta. Os processos tinham o mesmo pedido e causa de pedir e correram os seus termos normais até ser proferida sentença que julgou improcedente a pretensão dos réus, a qual foi notificada à autora em 05.05.2008.

Alega, ainda, que na pendência da acção, em 07.01.2005 os réus II e mulher instauraram contra a autora um procedimento cautelar de arresto, com fundamento em receio de extravio dos bens, que foi deferido e executado em 09.02.2005. O pedido de arresto foi instaurado de comum acordo com os réus DD e EE, de maneira a permitir que estes réus fossem indicados como testemunhas e ainda, a coagir a Autora a pagar o que sabiam que não lhes era devido.

No final de 2004 a autora tomou a decisão de proceder ao trespasse do estabelecimento e para esse efeito, publicou anúncios nos jornais e obteve um interessado, JJ, com quem celebrou o contrato, em 24.01.2005, pelo preço de € 52 000,00.

Mais refere que deduziu oposição ao arresto, oposição esta que foi julgada improcedente. Interpôs recurso, que confirmou a decisão proferida em 1ª instância.

Por seu lado, JJ deduziu embargos de terceiro.

O adquirente do estabelecimento comercial não conseguiu cumprir os pagamento acordados com a autora e em 24.01.2005 celebrou um contrato-promessa de trespasse com LL e MM pelo valor de € 59 196,00, no qual foi interveniente a autora, que iria receber o preço.

Mais alega, que no âmbito do processo de embargos de terceiro o embargante em conluio com os réus desistiu dos embargos e no procedimento de arresto os réus requereram a remoção dos bens, com o propósito de pressionarem a autora a pagar a quantia que peticionavam na acção.

Em 18.05.2007 procedeu-se à remoção dos bens.

Por fim, referem que, proferida sentença na acção principal, por despacho de 30.05.2008 declarou-se a caducidade do arresto e foi ordenada a entrega dos bens à autora, o que vem a ocorrer em Dezembro de 2010. Os promitentes trespassários do contrato promessa de trespasse não procederam ao pagamento do preço porque ficaram privados dos bens.

Na posse dos bens, a autora diligenciou por proceder à respectiva venda por se tratarem de bens obsoletos e ainda por se encontrarem danificados, mas não conseguiu comprador e só nessa data passou a estar em condições de saber qual o prejuízo causado em consequência dos actos intencionalmente praticados pelos réus.

Citados os réus contestaram, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Por excepção invocam a prescrição do direito da autora à indemnização peticionada, por entenderem, em síntese, que o prazo de prescrição de três anos se iniciou com a instauração do procedimento cautelar de arresto, ou quando muito, com o acto de remoção dos bens e, por isso, na data em que foi instaurada a acção – 30.04.2011 – tinha já decorrido o prazo de três anos.

Na impugnação alegam a não verificação de grande parte dos factos alegados pela autora.

Na réplica a autora impugna a matéria da excepção e refere em síntese que a presente acção não se enquadra apenas no art. 390º CPC, mas também na responsabilidade civil geral por factos ilícitos dado que como se alega na petição inicial, os réus em conjugação de esforços invocando indiciariamente um direito que sabiam não ter visaram coagir a autora a pagar uma quantia que sabiam que não lhes era devida e para esse intento causaram danos à autora no montante de € 54 196,00.

Refere, ainda, que a providência cautelar de arresto e o seu carácter indiciário tem de ser conjugado e integrado com a apreciação e desfecho de prova produzido na acção principal e nesta acção os réus não fizeram qualquer prova do seu direito de crédito resultante da alegada simulação do contrato.

Alega, em conclusão, que tomou conhecimento do direito que lhe compete após a notificação da sentença proferida na acção principal cuja data de notificação ocorreu em data posterior a 05.05.2008, ou mais propriamente, com o despacho que decretou o levantamento do arresto e entrega dos bens à autora. Daí entender que a acção foi instaurada em tempo.

Em sede de saneador, proferiu-se sentença que julgou procedente a excepção de prescrição e consequentemente absolveu os réus do pedido.

Inconformada a autora recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação do Porto, o qual julgou procedente o recurso, revogando a absolvição dos réus do pedido, julgando improcedente a excepção de prescrição e ordenando o prosseguimento dos autos.

Desta vez foram os réus quem inconformados vieram interpor a presente revista, apresentando as suas alegações onde formularam conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas.

Daquelas se deduz que os recorrentes, para conhecer neste recurso, levantam apenas a seguinte questão:

O direito aqui peticionado está prescrito, nos termos do art. 498º do Cód. Civil ?

A recorrida contra-alegou defendendo a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão todas as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Já vimos acima a concreta questão levantada pelos recorrentes.

Mas antes de mais há que especificar os factos que a Relação deu como provados e que são os seguintes:

- Em 30.04.2011 procedeu a secção de processos à autuação da petição, que foi remetida à secretaria do tribunal, via CITIUS, em 29.04.2011 – 18.38.21 GMT.

- Em 08.04.2004 os Réus DD e EE intentaram acção contra a Autora, à qual foi atribuído o processo com o nº 1013/04.9TBESP, 2º Juízo, Tribunal Judicial de Espinho ( art. 38º da petição ).

- Em 08.04.2004 os Réus II e mulher intentaram acção contra a aqui Autora à qual foi atribuído o processo com o nº 1014/04.7 TBESP, 2ºJuízo do Tribunal Judicial de Espinho ( art. 39º petição ).

- Ambas as acções têm como mandatário o Dr C...R..., advogado ( art. 40º da petição ).

- Nas duas acções os Réus alegaram que:

           a) O FF exigiu a cada um dos Réus 25% do que havia dispendido com o pagamento ao Finibanco;

           b) E que uma vez que os Réus não tinham disponibilidade financeira acordaram com o FF entregar as quotas em pagamento da divida;

           c) E que “ pese embora hajam declarado todos os sócios cedentes ( aqui Réus ) na referida escritura de cessão que por via daquele instrumento notarial estavam a alienar as suas quotas pelo preço correspondente ao seu valor nominal, o certo é que nada receberam do cessionário, como não queriam receber, mercê da alegada cessão, mas tão só, como estaca entre todos acordado, proceder à entrega das quotas ao ali cessionário como pagamento do que este deles tinha direito a haver, mercê do pagamento que efectuou ao Finibanco, S.A.

           d) Exigindo à aqui Autora quantia de € 74 819,68 para um dos primeiros e segundos Réus por alegada sub-rogação ( art. 42º da petição ).

- Os processos prosseguiram os seus termos, com contestação da Autora – ré nas citadas acções - e depois de ordenada a apensação do Proc. 1014 ao Proc. 1013, realizou-se o julgamento ( art. 46º, 47º, 48º da petição ).

- Em 05.05.2008 proferiu-se sentença, com trânsito em julgado em 19.05.2008, que julgou as acções improcedentes e absolveu a Autora do pedido ( art. 49º da petição ).

- A Autora foi notificada da sentença em 06.05.2008.

- Em 07 de Janeiro de 2005 no decorrer dos processos os Réus BB e mulher CC propuseram contra a aqui Autora um procedimento cautelar de arresto, alegando como direito os factos referidos na petição inicial e como justo receio em síntese que:

           a) A aqui Autora tinha cessado a sua actividade e os contratos de trabalho;

           b) Cessou as apólices de seguro;

           c) Iriam desmontar as respectivas instalações e remover os bens e alienar todo o seu património;

           d) Tendo por isso fundado receio que a Autora dissipasse o seu património ( art. 50º da petição ).

- Por contrato escrito outorgado em 24 de Janeiro de 2005 JJ adquiriu por trespasse o estabelecimento da Autora pelo preço de € 52 000,00 ( art. 65º petição ).

- Em 09.02.2005 procedeu-se ao arresto de bens da Autora, no local onde estava instalado o estabelecimento comercial ( art. 66º da petição )

- Compareceram à diligência JJ, o Réu BB e a Ré EE, a PSP e a mandatária ( com substabelecimento ) do Réu II ( art. 67º da petição ).

- Em 22.02.2005 a Autora deduziu oposição à providência cautelar ( art. 72º da petição ).

- Em 29.05.2006 proferiu-se decisão que julgou improcedente a oposição à providência ( art. 73º da petição ).

- Interposto recurso da decisão foi julgado improcedente ( art. 74º da petição ).

- Por apenso ao procedimento cautelar de arresto JJ instaurou processo de embargos de terceiro – Proc. 1014/04.7TBESP-A ( art. 75º da petição ).

- JJ veio a desistir do processo de embargos de terceiro, quando o processo estava na fase de julgamento ( art. 81º da petição ).

- JJ requereu a remoção dos bens arrestados, que foi deferida ( art. 83º da petição ).

- Em 12.05.2007 procedeu-se à remoção dos bens. ( art. 88º da petição ).

- Assistiram à diligência o fiel depositário JJ e os Réus e bem assim, o sócio-gerente da Autora ( art. 88º da petição ).

- Os bens foram removidos para a Rua 20, antiga fábrica de Tapeçarias ..., ..., Espinho ( art. 92º da petição ).

- Em 30.05.2008 foi proferido despacho a declarar caduca a providência ( art. 101º da petição ).

- Em Dezembro de 2010 procedeu-se à entrega dos bens à Autora.

Passando para o conhecimento do objecto do presente recurso acima apontado, diremos que este é claramente improcedente, tal como se deduz dos doutissimos fundamentos alinhados no acórdão recorrido.

Assim, este prolatou:

“A recorrente aceita que funda a sua pretensão no regime da responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, de acordo com o disposto no art. 483º CC e bem assim, que o prazo de prescrição é de três anos, nos termos do art. 498º CC.

Considera, porém, que o prazo se inicia com o trânsito em julgado da sentença proferida na acção principal ou a partir da data em que foi realizada a entrega dos bens arrestados, por ser esta a data em que estava em condições de exercer o seu direito e ter conhecimento integral da extensão dos danos.

Para apreciar a questão cumpre antes do mais determinar os fundamentos em que assenta o direito que a Autora pretende exercer.

Na petição a Autora funda a sua pretensão na responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, fazendo apelo ao regime da “ culpa in agendo “ ( art. 43º, 44º, 114º, 115, 120º, 121º da petição ) e à responsabilidade civil expressamente prevista no art. 390º CPC ( art. 51º a 57º, 88º a 92º da petição ).

(…)

Decorre do disposto no art. 390º/1 CPC:

“ Se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal.”

O regime previsto enquadra-se no instituto da “ culpa in agendo “, cujo regime está subordinado ás regras gerais da responsabilidade civil – art. 483º e 562º CC.

Como refere Menezes Cordeiro no : “ … caso do procedimento cautelar injustificado ou que venha a caducar: a responsabilidade do requerente sempre se imporia, uma vez que o direito de acção invocado se veio, afinal, a revelar insubsistente. “ ( “ Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Ação e Culpa “ In Agendo “, 2ª  edição - 2011 - pág. 180 ).

A norma em causa prevê a responsabilidade do requerente da providência, quando comprovada a falta de justificação ou a caducidade por facto imputável ao requerente, desde que tenha actuado sem a prudência devida.

Abrange as situações em que os danos resultam do decretamento da providência e da sua realização.

A obrigação de indemnizar assenta, assim, na responsabilidade civil pela prática de facto ilícito, o que significa que recai sobre o lesado o ónus de alegação e prova:

- Do evento, constituído pela constatação de que a providência era injustificada ou caducou;

- A ilicitude decorrente da violação do dever de veracidade ou do dever de cuidado;

- Uma conduta activa ou passiva do requerente que possa qualificar-se como dolosa ou que traduza violação das regras de prudência normal;

- O dano correspondente aos prejuízos de ordem patrimonial ou moral determinados pela providência requerida;

- O nexo de causalidade entre o evento e o dano ( Abrantes Geraldes “ Temas da Reforma do Processo Civil “, III vol, 4ª edição – 2010 -, pag. 323, Ac. STJ 12.01.2012 – Proc. 1472/06.5TVLSB.L1.S1 www.dgsi.pt ).

A caducidade da providência por facto imputável ao requerente ocorre perante:

- A inércia do requerente em propor a acção ( art. 389º/1 c) );

- A negligência em promover os termos da acção ( art. 389º/1 b) );

- A desistência injustificada do pedido ( art. 389º/1 c) ); ou

- A não propositura  ( possível ) de nova acção, de modo a aproveitar os efeitos da proposição da anterior, pelo menos quando a absolvição da instância ocorra por facto imputável ao requerente ( art. 389º/1 d) ). ( Lebre de Freitas, ob.cit., pag. 63 )

Ocupa-nos de modo particular, no caso concreto, a responsabilidade do requerente da providência quando comprovada a falta de justificação, por ser nesse domínio que a recorrente sustenta a sua pretensão.

A falta de justificação da providência engloba as situações de falta de titularidade do direito objecto de tutela cautelar ou mesmo comprovado o direito, quando não se verifica o justo receio de lesão grave e dificilmente reparável.

A providência injustificada susceptível de constituir o requerente em responsabilidade civil é aquela que depois de decretada foi objecto de impugnação e tal impugnação foi julgada procedente, tenha essa impugnação lugar por oposição ou por recurso.

Defende Lebre de Freitas que não se enquadra na previsão da norma: “ a providência que se mantém por não ser impugnada pelo requerido ou por resistir à sua impugnação, embora na acção se verifique que não se justificava“.

Explica que: “ trata-se de um contraponto ao menor grau de prova exigido para o decretamento da providência cautelar, bem como à possibilidade de o requerido não ser previamente ouvido. “ ( “ Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2ª ed., Coimbra Editora, pag. 62 )

Em sentido diferente Abrantes Geraldes defende que: “ a comprovação da falta de justificação, nos casos em que a providência seja decretada sem audição do requerido, será encontrada fundamentalmente através do incidente de oposição. Mas não está afastada a possibilidade de ser verificada no âmbito do recurso interposto ou, o que será mais corrente ainda, na acção principal, onde, num contraditório mais alargado, se adquira a convicção de que a medida cautelar se fundou em factos inverídicos ou deturpados ou em meios de prova forjados.“( ob. cit., pag. 321 )

Justifica esta interpretação, face à actual redacção do preceito, em que a responsabilidade do requerente “ não está limitada aos casos de ocultação intencional da verdade ou afirmação conscientemente contrária à verdade “ estendendo-se ás actuações imprudentes ou baseadas em erros grosseiros de apreciação que tenham sido decisivos para a adopção da providência injustificada. “ ( ob. cit. pag. 322 )

Também Miguel Teixeira de Sousa defende que: “ A responsabilidade do requerente pressupõe que a providência é injustificada no momento em que é requerida ou não vem a ser confirmada pela decisão proferida na acção principal “ ( Estudos Sobre o Novo Processo Civil “, pag. 254 )

Afigura-se-nos ser esta a melhor interpretação do preceito, atendendo à tutela dos interesses em presença.

Desta forma, julgada improcedente a acção principal e não se mostrando reconhecido o direito em que o requerente da providência fundou a sua pretensão, assiste ao requerido o direito à indemnização dos prejuízos sofridos com o decretamento da providência, demonstrados que estejam os demais pressupostos da responsabilidade civil.

Fundando-se a obrigação de indemnização em responsabilidade civil, o prazo de prescrição é de três anos e inicia-se: “ no momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu. “ ( Antunes Varela “ Das Obrigações em Geral “, vol. I, 3ª ed., pag. 520 )

Aplicando o exposto ao caso concreto, verifica-se que o recorrente veio instaurar a presente acção contra os recorridos, por considerar a providência cautelar de arresto injustificada, uma vez que na acção principal não foi reconhecido o direito em que os recorridos fundaram a respectiva pretensão, fazendo apelo, nomeadamente à prova produzida em sede de julgamento na acção principal ( art. 55º da petição ).

Com efeito, julgada improcedente a acção, com trânsito em julgado, foi ordenado o levantamento do arresto e a restituição à recorrente dos bens objecto de arresto, com remoção.

Apenas com a notificação da sentença proferida na acção definitiva e respectivo trânsito em julgado veio a recorrente – requerida na providência - a constatar que a providência era injustificada, porque não foi reconhecido o direito em que o requerente da providência fundou a sua pretensão, ou seja, tomou conhecimento da verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade do requerente da providência, ao abrigo do art. 390º/1 CPC.

A notificação da sentença ocorreu em 06.05.2008.

O trânsito em julgado em 18.05.2008.

A presente acção foi instaurada em 29.04.2011.

Verifica-se, assim, que na data em que foi instaurada a acção não tinham decorrido mais de três anos, sobre a data em que ocorreu o facto ilícito em que a recorrente funda a sua pretensão – providência injustificada -, sem embargo do montante e extensão dos danos sofridos ocorrer em momento ulterior.

Questão diferente reporta-se à prova dos fundamentos do direito que a recorrente invoca e é nesse domínio, para efeito de prova da ilicitude e da culpa, que se afigura relevante demonstrar as circunstâncias em que foi decretado o arresto, com remoção, procedimentos adoptados pela recorrente e bem assim, a natureza dos danos sofridos.

Como refere Menezes Cordeiro revelando-se insubsistente o direito de acção, só não haverá responsabilidade se faltarem ou a ilicitude – inobservância dos deveres de cuidado que ao caso caibam – ou a culpa – imputação censurável, ao agente, dessa eventualidade – ou o dano e a causalidade. ( ob. cit. pag. 180 )

Conclui-se, assim, que o prazo de prescrição de três anos se iniciou com o trânsito em julgado da sentença proferida no âmbito do Proc. 1013/04.9 TBESP, 2º J TJ Espinho, ou seja, em 18.05.2008 e na data em que foi instaurada a acção não tinha expirado o prazo de três anos, pelo que, improcede a excepção de prescrição invocada pela Ré, devendo a acção prosseguir os seus termos para apreciação da pretensão da Autora.

Procedem, em parte, as conclusões de recurso, o que determina a revogação da decisão recorrida “.

Perante estes argumentos, os recorrentes parecem pretender que o art. 390º, nº 1 apenas se aplica “ aos casos em que é julgada procedente a oposição ou é dado provimento ao recurso sobre a decisão cautelar “, ou seja, às “situações em que, uma vez decretada a providência, a impugnação a esta seja julgada procedente, seja por via de oposição ou de recurso” – conclusões 13º e 14º das alegações dos aqui recorrentes.

E na 15º conclusão acrescentam aqueles recorrentes que com tal entendimento, “só há responsabilidade do requerente de providência cautelar caso esta venha a ser julgada injustificada através da procedência da oposição ou do respectivo recurso, sendo por isso, por demais evidente que é também em tais momentos que deve ser, desde logo, apurada a existência de culpa e ilicitude de acção do requerente de uma providência cautelar”.

Daqui, em nosso entender, resultaria que se aceitássemos estes argumentos, teríamos de concluir, não pela prescrição do direito da autora, mas deveríamos declarar de imediato a falta de fundamento do mesmo, pois, no caso dos autos, nem a oposição deduzida ao arresto decretado contra a autora foi julgada procedente e nem o recurso pela mesma arrestada interposto do decretamento do mesmo arresto foi julgado procedente.

E não foi esta improcedência por falta de fundamentos que foi decretada no saneador-sentença de que foi interposto o recurso de apelação e cuja decisão é objecto desta revista.

Assim, o objecto desta é a prescrição do direito peticionado tal como foi formulado e fundamentado pela autora e não a sua efectiva procedência ou improcedência.

De qualquer modo e reafirmando o que acima transcrevemos do acórdão recorrido, subscrevemos o que ensina o Conselheiro António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, pág. 264 da ed. de 1998: “ o fundamento legal da injustificada obtenção da providência será encontrada sobretudo através do incidente de oposição introduzido ao abrigo do art. 388º, por não se encontrarem verificados os requisitos legais, eventualmente mediante o recurso a afirmações de factos sem correspondência com a verdade ou ao falseamento da prova.

Mas não será afastada a possibilidade de se concluir pela injustificação da medida cautelar no âmbito do recurso de agravo que seja interposto ou, o que será mais corrente ainda, em sede da própria acção principal, onde, num contraditório mais alargado se chegue à conclusão de que a medida cautelar se fundou em factos  inverídicos ou deturpados, ou em meios de prova falseados.”

Ora a autora fundamentou o seu pedido na circunstância de o arresto lhe ter causado danos e que esse arresto veio a caducar por improcedência da acção de que o arresto era dependência e onde alguns dos aqui réus eram autores os quais ali pretendiam ver reconhecido um direito de que o arresto constituía  garantia.

Daqui decorre que a verificação dos pressupostos legais gerais da responsabilidade extracontratual aqui em causa, nomeadamente a culpa e a ilicitude apenas ocorreu com a improcedência da referida acção de que o arresto era dependência.

E como a sentença de improcedência desta acção e o  respectivo trânsito em julgado ocorreram menos de três anos antes da data da propositura da presente acção, se tem de concluir pela não verificação da prescrição do direito peticionado nesta acção.

É que antes da prolação daquela sentença, não estava a autora em condições de formular o pedido aqui formulado, nos termos do art. 306º, nº 1 do Cód. Civil.

Tem assim de soçobrar este recurso.

Pelo exposto se nega a revista aqui pedida.

Custas pelos recorrentes – art. 446º, nº 1.

26-02-2013.

João Moreira Camilo ( Relator )

António da Fonseca Ramos

José Salazar Casanova.