Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1256/07.3TBMCN.P1.S1-A
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
ESSENCIALIDADE DA CONTRADIÇÃO
CONJUGAÇÃO COM OS PODERES DO PLENO
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: CONFIRMAR A DECISÃO DA RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO / JULGAMENTO AMPLIADO DA REVISTA / ESPECIALIDADES NO JULGAMENTO / RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA / FUNDAMENTO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 687.º E 688.º
Sumário :
I. A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende, além do mais, de se verificar uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento a respeito da questão ou questões de direito decisivas para cada um deles.

II. Para ilustrar essa divergência, não basta extratar do acórdão-fundamento algum segmento em aparente contradição com o acórdão recorrido, sendo necessário que as questões de direito decisivas tenham obtido resposta diversa em cada um deles, com influência direta no resultado.

III. Não se verifica essa contradição numa situação em que no acórdão recorrido se qualificou uma declaração negocial como co-assunção de dívida e no acórdão-fundamento se declarou também como tal outra declaração, depois de se estabelecer a diferença relativamente à figura da fiança que não foi sequer abordada no acórdão recorrido.

IV. Também não se verifica divergência essencial a respeito da amplitude da co-assunção de dívida se no acórdão recorrido se decidiu, em face das circunstâncias do caso, que a mesma apenas abarcava a realização de obras no âmbito de um contrato de empreitada, excluindo a reparação dos defeitos das obras executadas, ao passo que no acórdão-fundamento se apreciou a co-assunção relativamente a um outro caso correspondente a um acordo de consolidação de dívida.

V. A admissibilidade do recurso extraordinário deve ponderar ainda a amplitude dos poderes do Pleno das Secções Cíveis a respeito das questões apreciadas no acórdão recorrido, sendo de rejeitar se, relativamente a uma questão de direito que também se revelou decisiva para o resultado declarado no acórdão recorrido, não foi invocada qualquer contradição jurisprudencial, sendo manifestada apenas a discordância do recorrente quanto ao modo como a mesma foi solucionada.

Decisão Texto Integral:
I - AA e Soc. Agrícola BB, Lda, interpuseram recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência na sequência do acórdão que foi proferido neste Supremo e que absolveu dos pedidos os RR. CC e DD, sócios-gerentes da Soc. de Construções EE, Lda.

Consideram que, relativamente a duas questões de direito essenciais para o resultado, o acórdão recorrido contradiz dois arestos deste Supremo Tribunal de Justiça sobre as mesmas questões de direito.

No acórdão recorrido decidiu-se que:

a) Com fundamento na caducidade, é julgada improcedente a ação, absolvendo os RR. CC e DD de todos os pedidos;

b) É condenada a R. Sociedade de Construções EE, Ldª, a eliminar os defeitos que agora correspondem aos pontos 22. e 23. dos factos provados;

c) São os AA. condenados a pagar à R. Soc. de Construções EE, Lda, a quantia de € 56.194,08, logo que esta proceda à reparação dos defeitos referidos na anterior al. b);

d) É condenada a R. Sociedade de Construções EE, Ldª, a pagar aos AA. da indemnização a liquidar, calculada na base da rentabilidade esperada da exploração turística do Solar da FF, desde 2003 até ao integral cumprimento da precedente al. b).

Neste recurso extraordinário os recorrentes insurgem-se unicamente contra a absolvição dos RR. CC e DD, sócios-gerentes da sociedade empreiteira, por considerarem que se verifica uma contradição jurisprudencial entre o acórdão recorrido e acórdãos deste Supremo a respeito das seguintes questões de direito:

a) A declaração negocial que emitiram corresponde a uma fiança que concederam à sociedade com quem foi celebrado o contrato de empreitada e não a uma situação de co-assunção de dívida ou assunção cumulativa de dívida;

b) Os efeitos de tal declaração são extensivos à obrigação de reparação dos defeitos da obra que foi executada ao abrigo do contrato de empreitada

Insurgiram-se ainda contra o facto de no acórdão recorrido se ter concluído que o reconhecimento da obrigação por parte da sociedade empreiteira, com efeitos impeditivos da caducidade do exercício do direito de ação, não seria extensivo às obrigações assumidas pelos RR. sócios-gerentes da mesma.

Os recorridos responderam, opondo-se à admissão do recurso extraordinário, por inverificação do pressuposto da contradição jurisprudencial.

Foi proferido despacho liminar de rejeição com o seguinte teor:

“1. Os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência encontram-se concentrados no art. 688º do CPC e têm sido apreciados em numerosos arestos deste Supremo acessíveis através de www.dgsi.pt, sendo disso exemplos os Acs. do STJ de 26-3-15, 424/2001, de 29-1-15, 20580/11 e de 2-10-14, 268/03.

O signatário também já apreciou tais requisitos neste Supremo Tribunal de Justiça, quer em diversas decisões singulares (v.g. de 15-9-16, 155/11), quer em acórdãos (v.g. de 6-12-18, 2393/09, de 29-6-17, 366/13 ou de 5-5-16, 535/11, todos em www.dgsi.pt) e até, de forma mais genérica e com larga ilustração doutrinal e jurisprudencial, em Recursos no Novo Cód. de Processo Civil, 5ª ed., pp. 471 e ss.

A admissibilidade de um tal recurso pressupõe que os requisitos constantes do art. 688º do CPC, sejam analisados de forma rigorosa, atenta a natureza extraordinária do mecanismo processual e os efeitos que potencialmente se projetam no acórdão recorrido que está coberto pelo trânsito em julgado.

Com maior relevo surge a necessidade de se verificar uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido (a respeito da questão ou questões de direito que tenham sido decisivas) e do acórdão fundamento. Posto que o objeto de cada acórdão não tenha de ser idêntico, exige-se uma identidade substancial da questão ou questões de direito decisivas para qualquer deles, embora resolvidas de modo contraditório, criando uma frontal divergência jurisprudencial que deva ser superada.

Ora, tal requisito fulcral não se verifica no caso presente, quando colocamos em confronto o acórdão recorrido com qualquer dos acórdãos que os recorrentes juntaram, o que implica a sua rejeição liminar.

Ademais, relativamente a uma terceira questão que também foi decisiva os recorrentes nem sequer invocam qualquer contradição jurisprudencial.

2. Co-assunção de dívida ou assunção cumulativa de dívida:

2.1. Consideram os recorrentes que existe contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento (in casu, o Ac. do STJ de 11-4-13, 67/09, em www.dgsi.pt) quanto à qualificação jurídica da declaração subscrita pelos RR. recorridos relativamente à execução das obras que haviam sido contratadas com a sociedade empreiteira.

No acórdão recorrido considerou-se que estava configurada a co-assunção de dívida, entendendo os recorrentes que tal contraria o acórdão-fundamento quanto à distinção entre essa figura e a da fiança. Permitindo esta a aplicação da regra constante do art. 634º do CC, o RR. recorridos, na sua qualidade de fiadores da sociedade empreiteira, responderiam também pela reparação dos defeitos e pela obrigação de indemnização.

2.2. Referiu-se então que:

“4. Esta solução (a condenação da sociedade na realização de obras e no pagamento de uma indemnização) já não vale, no entanto, para os demais RR. CC e DD, sócios da R. Sociedade.

Não podemos olvidar, em primeiro lugar, que os contratos de empreitadas foram outorgados com a R. Sociedade. Era esta que tinha a qualidade de empreiteira e foi em sua representação que os contratos foram outorgados, de modo que não podemos deixar de estabelecer uma distinção entre a intervenção dos sócios-gerentes na sua qualidade de representantes dessa Sociedade e a sua outra intervenção em nome pessoal.

O único facto apurado que permite estabelecer algum nexo de imputação dos referidos sócios às obras que foram contratadas e realizadas corresponde ao acordo que, ainda no decurso da execução da empreitada, foi subscrito pessoalmente pelos RR. CC e DD, em simultâneo com o compromisso que, em representação da R. Sociedade assumiram no sentido de serem reforçados os meios dedicados à execução das obras contratadas a fim de serem concluídas dentro de um prazo que foi fixado.

Tal acordo ficou a constar do mesmo documento e dele resulta que os referidos sócios declararam que “pessoal e individualmente assumem a mesma responsabilidade e obrigações que a aqui 1ª outorgante (a R. Sociedade) sua representada”, declaração que os ligou direta e pessoalmente ao compromisso que a R. Sociedade assumira de reforçar os meios em obra e de a acabar na data-limite de 30-5-98.

Aquele acordo representou efetivamente a co-assunção da obrigação que recaía sobre a R. Sociedade, nos termos do art. 595º, nº 2, do CC, de tal maneira que se acaso esta R., por qualquer motivo (v.g. insolvência ou outra forma de extinção), não terminasse as obras nem as entregasse aos AA., estes teriam legitimidade para exigir dos referidos sócios, pessoal e diretamente, o cumprimento da obrigação primária que estava a cargo da empreiteira”.

2.3. Não se verifica a pretendida contradição. O segmento que os recorrentes extraíram do sumário do acórdão, para além de não entrar em contradição direta com o acórdão recorrido, não traduz tudo quanto na respetiva fundamentação se expôs acerca da distinção entre as figuras em causa, nela se referindo abundantemente a natureza acessória da fiança, por contraposição à co-assunção de dívida em que essa acessoriedade não existe e em que o novo credor assume a dívida em paralelo com o primitivo devedor.

Pode dizer-se que em ambos os acórdãos se considerou tratar-se de uma co-assunção de dívida a situação em que outro sujeito se associa a uma obrigação preexistente, ficando responsável na mesma medida e nos mesmos termos do primitivo devedor pela obrigação em causa, diversamente do que ocorre com a fiança que, podendo desempenhar a mesma função de garantia de pagamento, tem natureza acessória, respondendo o fiador, em regra, apenas depois de executado o património do devedor principal.

Verifica-se uma relação de complementaridade entre os acórdãos, já que no acórdão fundamento (e não no acórdão recorrido, como por lapso consta da decisão) se abordou explicitamente a questão da distinção entre a co-assunção de dívida e a fiança, a qual fora suscitada nos autos, ao passo que no acórdão recorrido se passou de imediato para a qualificação jurídica da declaração como co-assunção de dívida, uma vez que jamais fora suscitada a sua integração na figura da fiança.

Além disso, as observações que foram feitas no acórdão-fundamento a respeito da distinção entre as referidas figuras acabaram por conduzir ao mesmo resultado, ou seja, à integração da situação no âmbito da figura da co-assunção de dívida.

Acresce que, como se refere no acórdão fundamento, a qualificação jurídica da declaração depende muito do caso concreto, sendo que nos acórdãos relativamente aos quais se pretende estabelecer o confronto os factos não têm qualquer semelhança. Afinal, no acórdão recorrido, trata-se de uma declaração que foi subscrita pelos representantes da sociedade que se assumiram como pessoalmente responsáveis pela execução da obra contratada com a sociedade (“pessoal e individualmente assumem a mesma responsabilidade e obrigações que a aqui 1ª outorgante, sua representada”), enquanto no caso do acórdão-fundamento, os requeridos fizeram um acordo de pagamento com a requerente, fixando a dívida e entregando cheques para seu pagamento em prestações.

3. Amplitude da co-assunção de dívida:

3.1. Consideram os recorrentes que existe outra contradição relativamente a uma diversa questão de direito em torno do âmbito da co-assunção de dívida, invocando para sua demonstração o Ac. do STJ de 17-2-11, 294/06, em www.dgsi.pt.

Alegam que mesmo que se considere que existiu uma co-assunção de dívida, a limitação dessa vinculação à obrigação de realização das obras em falta, excluindo a obrigação de reparação de eventuais defeitos, entra em contradição com o que foi decidido no acórdão fundamento.

3.2. No acórdão recorrido ficou expresso que:

“Só que os efeitos de tal acordo (co-assunção de dívida) cessaram no preciso momento em que as obras foram entregues sem que os AA. tivessem apresentado qualquer reclamação ou qualquer reserva. Não podemos concluir, em face de tão singela factualidade, que com tal acordo os mesmos RR. se tivessem vinculado também à obrigação de reparação de eventuais defeitos que viessem a surgir depois da execução das obras. Nada no documento que o formalizou permite tal conclusão: nem expressa nem implicitamente se extrai do referido acordo qualquer sinal de que fosse estabelecido um vínculo mais forte entre os referidos RR. e os AA. que abarcasse a futura reparação de eventuais defeitos que viessem a surgir.

Assim, somos levados a concluir pela inviabilidade de conseguir a condenação dos referidos RR. na realização das reparações dos defeitos que as obras passaram a evidenciar a partir de 2003/2004”.

3.3. Tal trecho do acórdão também não contradiz o acórdão-fundamento.

Em primeiro lugar, no acórdão-fundamento estava em causa uma assunção de dívida e não a figura da co-assunção de dívida. Foi naquele contexto que nele se afirmou que na assunção de dívida não há mudança de credor nem da obrigação existente, mas apenas mudança de devedor, sendo que também no acórdão recorrido se decidiu que, em relação à obrigação de realização das obras, tanto estaria obrigada a sociedade como os sócios que subscreveram a declaração.

Tal não se confunde com a questão que foi tratada no acórdão recorrido, mas que não foi abordada no acórdão-fundamento, da extensão da vinculação à obrigação sucedânea de reparação de eventuais defeitos nas obras que tenham sido executadas, entregue se aceites.

No acórdão-fundamento não foi objeto de tratamento se a assunção da dívida implicava também a assunção da obrigação relacionada com a reparação de defeitos da empreitada, até porque o que estava em causa era simplesmente um acordo de consolidação de dívida, sem qualquer ligação ao caso presente que justifique a existência de uma contradição relevante.

4. Efeito impeditivo do reconhecimento do direito em relação à caducidade:

4.1. Os recorrentes expressam ainda a sua discordância quanto ao acórdão recorrido no qual se considerou que não era oponível aos sócios o reconhecimento interruptivo da caducidade que se verificou da parte da sociedade empreiteira.

Todavia, o recurso extraordinário não constitui um 4º grau de jurisdição. O seu objetivo é o de sujeitar ao Pleno discordância quanto ao acórdão recorrido em torno de questão ou questões de direito que tenham sido decisivas, cada uma sustentada noutro acórdão do Supremo que tenha para as mesmas uma solução diversa.

4.2. O extrato relevante do acórdão recorrido é o seguinte:

“5. Mas ainda que porventura se pudesse afirmar que tal acordo também teria potencialidade para conter em si a obrigação de efetuar reparações nas obras executadas pela Sociedade, nem assim a ação procederia relativamente a tais RR., operando sem dúvida alguma a caducidade.

Para além do referido acordo, revela a matéria de facto provada, no que aos RR. CC e DD pessoalmente respeita, que em 2001/2002 teriam surgido uns vagos “problemas” na adega, os quais foram “foram resolvidos pelos RR.” (sic) (ponto 22. dos factos provados).

A vacuidade deste facto impede que se estabeleça uma equivalência ao reconhecimento do direito a obter alguma reparação, mesmo no que respeita a outros eventuais problemas que porventura viessem a surgir na adega.

Mas ocorre que os defeitos que são invocados na presente ação nem sequer estão relacionados com tal adega, antes com outras obras que, no contexto do relacionamento contratual, assumem autonomia, respeitando à casa principal e a outras obras complementares.

Ora a este respeito o que a matéria de facto revela é apenas o seguinte:

- Pelo menos desde data não concretamente apurada de 2003/2004, sempre que chove, a casa-mãe tem infiltrações de água no 1º andar e o teto da sala e de um quarto encontra-se apodrecido (ponto 22.);

- A portada exterior não se encontrava colocada; entra água no salão do r/c, na casa de banho do corredor e na adega, tendo caído um bocado da moldura do teto no armazém e o Solar está todo manchado em virtude da humidade que entra constantemente (ponto 23.);

- Os AA. sempre transmitiram à R. Sociedade o referido em 22. e 23., tendo a mesma reconhecido a sua responsabilidade pelo aí referido e por isso, com frequência não concretamente apurada, ia dando uma pintura, o que fez até data não concretamente apurada de 2005, sem nunca ter solucionado o referido em 22. e 23. (sic, com realce nosso) (ponto 25.).

O reconhecimento do direito, com consequências no impedimento da caducidade, deve ser claro e inequívoco, correspondendo de certo modo ao que resultaria do reconhecimento judicial de uma obrigação, como se decidiu no Ac. do STJ de 6-4-17, 1161/14, www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere que “o reconhecimento do direito em causa haverá, contudo, de ser indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece”.

Relativamente aos defeitos que afetam esta parte das obras, a atuação a que pode ser atribuído o significado de reconhecimento do direito para efeitos de impedir a caducidade abarca exclusivamente a R. Sociedade e não os sócios, ora RR. CC e DD, não podendo assimilar-se, para estes efeitos, as respetivas personalidades jurídicas que são autónomas. O facto de a R. Sociedade, legalmente representada pelos demais RR., ter reconhecido a sua responsabilidade pela reparação dos referidos defeitos não determina, por si, que essa responsabilidade e esse reconhecimento sejam atribuídos pessoal e solidariamente a cada um dos referidos representantes.

Como resulta claro da matéria de facto provada, tais defeitos foram comunicados pelos AA. à R. Sociedade e foi esta que, para além de ter reconhecido a sua responsabilidade, foi agindo no sentido da reparação dos efeitos das infiltrações de água da chuva.

Por conseguinte, tendo os RR. CC e DD sido confrontados com esta ação que foi instaurada pelos AA. em 19-10-07 a pedirem a eliminação de defeitos de obra que foi entregue em 1999, sem que de permeio exista qualquer comportamento de que possa resultar para eles o reconhecimento desse direito, há que concluir pela caducidade dos direitos invocados na parte respeitante aos referidos RR.

No que respeita ao pedido de indemnização são aplicáveis as considerações que anteriormente se expuseram a respeito da R. Sociedade e dos RR. pessoas singulares.

O direito de indemnização correspondente aos danos causalmente imputados à realização de obra defeituosa e à não reparação oportuna dos defeitos está indissociavelmente ligado à persistência do direito a obter dos RR. a reparação. Por outro lado, são de aplicar ao direito de indemnização as mesmas regras a respeito da oportunidade da denúncia dos defeitos e instauração da ação de indemnização, nos termos do art. 1224º, nº 1, do CC.

Deste modo, o direito de ação correspondente ao direito de indemnização por responsabilidade civil associada à execução de obras defeituosas apenas se mantém relativamente à R. Sociedade, tendo caducado relativamente aos demais RR.

Com esta distinção, não restam dúvidas de que, tendo a obra sido contratada para permitir a exploração turística do edifício, os defeitos que a mesma passou a apresentar depois de 2003 determinaram a inviabilidade dessa exploração.

Mas diversamente do que decidiram as instâncias, esses danos não são contabilizáveis desde 30-5-98, data que foi fixada para a finalização da obra, mas apenas a partir da data segura em que os defeitos deixaram de permitir a referida exploração.

Com efeito, apesar da incompletude da obra (que, como se disse, foi aceite pelos AA. sem qualquer reclamação), os demais defeitos que surgiram foram sendo reparados pela R., até data indeterminada de 2005, não havendo sinal algum de que o estado do edifício tivesse inviabilizado a exploração turística. De seguro apenas podemos afirmar, a partir da decisão da matéria de facto, que essa exploração ficou afetada a partir de 2003, considerando que está provado que sempre que chove, a casa-mãe tem infiltrações de água no 1º andar e o teto da sala e de um quarto encontra-se apodrecido, o que naturalmente prejudica o exercício daquela atividade, situação agravada pelo facto de os RR. terem deixado de responder a qualquer solicitação a partir de 2005.

É claro que o facto de os danos invocados pelos RR. serem já quantificáveis na data em que foi instaurada a ação não impede a admissibilidade de pedido genérico, atento o disposto no art. 569º do CC”.

4.3. Independentemente das respostas que no acórdão recorrido foram dadas às anteriores questões, nele foi ainda reconhecida que quanto aos RR. CC e DD operaria a exceção perentória da caducidade, com efeitos na sua absolvição dos pedidos. Para o efeito, nele se observou que o reconhecimento do direito por parte da sociedade que impediu o efeito extintivo não era extensivo aos sócios-gerentes que cumulativamente se responsabilizaram pela realização das obras.

Ou seja, ainda que porventura tais RR. pudessem ser responsabilizados nos mesmos termos da sociedade empreiteira pela reparação dos defeitos das obras executadas e pela indemnização correspondente aos prejuízos causados, tais pretensões decairiam quanto àqueles em função da caducidade do exercício desses direitos.

A única situação e que se admite o acesso a tal recurso extraordinário sem efeitos no acórdão recorrido emerge do art. 691º do CPC que confere ao Ministério Público legitimidade ativa com o objetivo de resolver contradições jurisprudenciais no mero interesse da lei.

Em todos os restantes casos, a legitimidade ativa é conferida à parte vencida, visando, em termos imediatos, a revogação ou alteração do acórdão recorrido por via de uma resposta diversa a questões de direito alvo de respostas contraditórias por parte do Supremo Tribunal de Justiça. É nesse percurso que se inscreve a uniformização de jurisprudência que, depois de produzir efeitos no caso concreto, potencia a adoção da mesma solução noutros processos onde a mesma questão de direito esteja a ser discutida.

Ainda que porventura se verificasse contradição relevante a respeito da resolução das anteriores questões, o recurso extraordinário não poderia ser admitido, uma vez que o Pleno sempre estaria impedido de sindicar o modo como no acórdão recorrido – e com efeitos que se projetaram na absolvição dos RR. CC e DD – foi apreciada a questão da caducidade ligada ao reconhecimento impeditivo da sua verificação”.


A solução foi sintetizada do modo seguinte:

“1. A admissibilidade do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência depende, além do mais, de se verificar uma contradição entre o núcleo essencial do acórdão recorrido e do acórdão-fundamento a respeito da questão ou questões de direito que tenham sido decisivas para cada um deles.

2. Para ilustrar essa divergência, não basta extratar do acórdão-fundamento algum segmento em aparente contradição, sendo necessário que as questões de direito decisivas tenham obtido resposta diversa em cada um deles com influência direta no resultado.

3. Não se verifica essa contradição numa situação em que no acórdão recorrido se qualificou uma declaração negocial como co-assunção de dívida e no acórdão-fundamento se declarou também como tal uma outra declaração, depois de se estabelecer a diferença relativamente à figura da fiança que nem sequer foi abordada no acórdão recorrido.

4. Também não se verifica divergência essencial a respeito da amplitude da co-assunção de dívida se no acórdão recorrido se decidiu, em face das circunstâncias, que apenas abarcava a realização de obras no âmbito de um contrato de empreitada, excluindo a reparação dos defeitos das obras executadas, ao passo que no acórdão-fundamento se apreciou a co-assunção relativamente a um acordo de consolidação de dívida.

5. A admissibilidade do recurso extraordinário deve ponderar ainda a amplitude dos poderes do Pleno a respeito da apreciação das questões apreciadas no acórdão recorrido, sendo de rejeitar se, relativamente a uma terceira questão de direito que também se revelou decisiva para o resultado declarado no acórdão recorrido não foi invocada sequer qualquer contradição jurisprudencial, a fim de ser dirimida pelo Pleno, sendo apenas manifestada a discordância do recorrente quanto ao modo como foi solucionada.”


II - Os recorrentes não se conformaram e vieram requerer a intervenção da conferência.

1. Insistem, em primeiro lugar, em que a contradição se verifica entre o acórdão fundamento e o acórdão recorrido a respeito da fiança/co-assunção de dívida e afirmam que para justificar a admissibilidade do recurso extraordinário é “irrelevante que, nos casos respetivamente sub judice, se haja decidido, em ambos os acórdãos, pela verificação da assunção cumulativa”, rematando que “o que importa é que se decidiu diversamente a mesma questão jurídica”.

Na decisão singular já se respondeu à alegada contradição, decisão que não é rebatida pelos recorrentes que, na realidade, apostam fundamentalmente na discordância relativamente ao que foi decidido no acórdão recorrido.

O modo como a mesma agora é recolocada pelos recorrentes perante a conferência acentua a inconsistência de um recurso como este cuja natureza extraordinária não está ao serviço da resolução de questões de natureza académica, mas para solucionar uma divergência jurisprudencial que, em concreto, tenha sido relevante para o resultado de cada um dos acórdãos.

Ora, como já se referiu na decisão singular, tal não ocorreu no caso concreto, não se revelando qualquer contradição essencial entre os arestos em confronto. Alguma divergência que exista na argumentação empregue não se refletiu na solução, o que retira qualquer justificação para submeter o litígio a um julgamento alargado no Pleno das Secções Cíveis.

Afinal, como já se disse na decisão singular, em ambos os acórdãos considerou-se que se tratava de “uma co-assunção de dívida a situação em que outro sujeito se associa a uma obrigação preexistente, ficando responsável na mesma medida e nos mesmos termos do primitivo devedor pela obrigação em causa, diversamente do que ocorre com a fiança que, podendo desempenhar a mesma função de garantia de pagamento, tem natureza acessória, respondendo o fiador, em regra, apenas depois de executado o património do devedor principal”.


2. O mesmo se diga quanto à questão da amplitude da assunção cumulativa da dívida, revelando a reclamação para a conferência, de novo, a mera discordância quanto ao que foi singularmente decidido a tal respeito.

Na verdade, como se referiu na decisão singular, o acórdão recorrido também não contradiz relevantemente o acórdão fundamento porque, “no acórdão-fundamento estava em causa uma assunção de dívida e não a figura da co-assunção de dívida. Foi naquele contexto que nele se afirmou que na assunção de dívida não há mudança de credor nem da obrigação existente, mas apenas mudança de devedor, sendo que também no acórdão recorrido se decidiu que, em relação à obrigação de realização das obras, tanto estaria obrigada a sociedade como os sócios que subscreveram a declaração. Tal não se confunde com a questão que foi tratada no acórdão recorrido, mas que não foi abordada no acórdão-fundamento, da extensão da vinculação à obrigação sucedânea de reparação de eventuais defeitos nas obras que tenham sido executadas, entregue se aceites.

No acórdão-fundamento não foi objeto de tratamento se a assunção da dívida implicava também a assunção da obrigação relacionada com a reparação de defeitos da empreitada, até porque o que estava em causa era simplesmente um acordo de consolidação de dívida, sem qualquer ligação ao caso presente que justifique a existência de uma contradição relevante”.


3. Referiu-se na decisão singular que se “porventura os RR. pudessem ser responsabilizados nos mesmos termos da sociedade empreiteira pela reparação dos defeitos das obras executadas e pela indemnização correspondente aos prejuízos causados, tais pretensões decairiam quanto àqueles em função da caducidade do exercício desses direitos.

Relativamente a esta questão não foi sequer invocada e demonstrada qualquer contradição jurisprudencial. Ora, ainda que porventura se verificasse contradição relevante a respeito das anteriores questões, o recurso extraordinário não poderia ser admitido, uma vez que o Pleno sempre estaria impedido de sindicar o modo como no acórdão recorrido – e com efeitos que se projetaram na absolvição dos RR. CC e DD – foi apreciada a questão da caducidade ligada ao reconhecimento impeditivo da sua verificação.

Consideram, porém, os recorrentes que, uma vez admitido o recurso extraordinário, o Pleno teria de se debruçar sobre todas as questões.

Tal não corresponde ao regime vigente em que o Pleno se limita a apreciar a questão ou questões relativamente às quais se tenha revelado uma contradição essencial.

Reafirma-se que o recurso extraordinário para o Pleno não constitui um quarto grau de jurisdição, nem pode equiparar-se ao julgamento ampliado da revista, nos termos dos arts. 687º e 688º do CPC, em que o poder jurisdicional do Pleno tem a amplitude correspondente ao objeto do recurso de revista, sem qualquer distinção relativamente ao julgamento nos moldes gerais. Constituindo o julgamento ampliado da revista um meio mais solene de efetivar o terceiro grau de jurisdição, tal objetivo evidencia uma diferença abissal relativamente ao objeto do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Com efeito, no recurso extraordinário, devido à anterior existência de caso julgado formado sobre um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o objeto do recurso é limitado às questões relativamente às quais se justifique a sujeição ao Pleno das Secções Cíveis, órgão jurisdicional alargado ao qual é solicitada a definição de uma resposta uniformizadora cuja projeção externa justifica a quebra da força definitiva do caso julgado.


III – Face ao exposto, acorda-se em confirmar o despacho de rejeição do recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.

Custas a cargo dos recorrentes, com taxa de justiça de 3 UC.

Notifique.

Lisboa, 11-4-19


Abrantes Geraldes (Relator)


Tomé Gomes


Maria da Graça Trigo