Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
220/13.8TTBCL.G1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DE ALEGAÇÃO DO RECORRENTE / DESPACHO SOBRE O REQUERIMENTO DE RECURSO / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL ( REVISTA EXECECIONAL ).
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 639.º, N.º3, 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E C), 641.º, N.ºS 5 E 6, 672.º, N.º 3.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/3/2015, PROCESSO N.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2; 1/10/2015, PROCESSO N.º 824/11.3TTLRS.L1.S1; E DE 21/4/2016, PROCESSO N.º 449/10.0 TTVFR.P2.S1 (TODOS DA SECÇÃO SOCIAL).
Sumário :
I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.

II- Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.

 
III- A imposição daquele ónus ao recorrente não viola o direito de acesso aos tribunais, não impondo a Constituição da República Portuguesa ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

AA intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

BB, Lda., peticionando o reconhecimento da justa causa da resolução do contrato de trabalho e a condenação da ré no pagamento do montante global de 33.168,21 euros, sendo:

15.402,50 euros, a título de indemnização;

5.000 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais;

943,53 euros, a título de diferenças salariais nos meses de Outubro e Novembro de 2013;

5.650 euros, a título de remuneração de férias relativa aos anos de 2003 a 2010;

3.422,53 euros de diferenças nos subsídios de férias e de Natal dos anos de 2009 a 2012;

279,84 euros de trabalho suplementar prestado em Outubro de 2012;

2.020 euros de férias e subsídio de férias vencidas a 01/01/02;

e 58,11 euros de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano de 2013, tudo acrescido de juros de mora.

Alegou para tanto ter sido contratado pela ré a 12/11/2002, para exercer funções de aprendiz de jardineiro, mediante uma remuneração que, à data da cessação do vínculo, ascendia a 1.010 euros mensais, acrescidos de 6,17 euros diários a título de subsídio de alimentação. Mais alegou que exerceu funções até ao dia 07/01/2013, data em que resolveu o vínculo laboral com os fundamentos constantes do documento de fls. 52 e seguintes, que considera integrar justa causa de resolução do contrato.

A ré veio contestar, invocando que este apenas se iniciou em Fevereiro de 2003 e que o autor auferia somente o salário mínimo legal para a respectiva categoria. E impugnando a versão dos factos apresentada pelo trabalhador, nega ser devedora dos créditos reclamados. Por fim, invocando ainda as figuras jurídicas da “prescrição” e da “caducidade”, bem como má-fé do autor, conclui pela improcedência da acção.

O autor respondeu à matéria referente à má-fé e às excepções de prescrição/caducidade.

Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram julgadas improcedentes as excepções invocadas pela R.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, nessa sequência:

“1 – Julgou lícita, por provida de justa causa, a resolução apresentada pelo autor;

2 – Condenou a ré a pagar ao autor o montante global de 23.551,18 euros, acrescido dos legais juros de mora.”

Desta decisão apelou a entidade empregadora, mas o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação improcedente, confirmando a sentença apelada.

A R, inconformada, veio arguir a nulidade do acórdão e recorrer de revista, recurso que não foi admitido por se ter entendido que existia dupla conforme.

No entanto, considerando a relatora que com o requerimento de interposição do recurso a R havia requerido uma revista excepcional, ordenou-se a sua subida.

E apreciada esta pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672º do CPC, entendeu-se que não existia dupla conforme sobre a impugnação da matéria de facto suscitada no recurso, ordenando-se que se procedesse à sua distribuição como revista nos termos gerais.

É este o recurso que temos de apreciar, tendo a recorrente rematado a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Versa a presente revista a apreciação da nulidade prevista na al. d) do nº1 do art. 615º do C.P.C., aqui aplicável ex vi art.º 674º do CPC, de que enferma o acórdão da Relação sub judice, bem como uma melhor aplicação do direito quanto ao art.º 29º do Código de Trabalho.

B) O acórdão em revista não apreciou correctamente o recurso de apelação interposto, acabando por não se pronunciar sobre o mesmo no tocante à impugnação da matéria de facto, por ter sido liminarmente rejeitado nesta parte, com inequívoca violação da lei, a pretexto de uma putativa falta de cumprimento pela Ré/Recorrente do disposto nos números 1 e 2 do artigo 640º do CPC, quanto ao ónus a seu cargo na impugnação da matéria de facto, que in casu não se verifica.

C) Pois que a Ré/Recorrente identificou de forma discriminada os concretos pontos da matéria de facto que considerava incorrectamente julgados, e além de ter indicado concretos meios de prova que justificavam decisão distinta sobre a matéria de facto, nomeadamente testemunhal e transcrevendo as suas passagens mais relevantes, para infirmar as conclusões factuais, também se insurgiu contra os concretos meios de prova nos quais o Tribunal se baseou, como os papéis manuscritos sem qualquer identificação ou autoria que o A. aleivosamente, juntou por forma a criar a falsa aparência da sua autoria pela Ré/Recorrente, mas que esta logo impugnou, quer quanto à autoria quer quanto ao teor, tendo ainda arguido a sua falsidade.

D) Pelo que nem só nos meios de prova apontados e transcritos se baseou a Ré/Recorrente para impugnar o julgamento da matéria de facto.

E) De todo o modo, a Ré /Recorrente deu total cumprimento ao art.º 640º do CPC, pelo que o recurso da matéria de facto não só não podia ter sido rejeitado, por falta de fundamento legal para o efeito, como devia ter sido apreciado e julgado procedente.

F) Ainda que assim não fosse, resulta absolutamente claro do acórdão revidendo que a rejeição se ficou a dever ao facto de o Tribunal ter entendido que a Ré/Recorrente não satisfez aquele preceito legal, pelo que conforme tem sido jurisprudencialmente entendido quando existem imperfeições quanto à impugnação da matéria de facto, deveria ter-se optado pelo convite à reformulação das conclusões, e não pela rejeição. - neste sentido Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 529/2003, de 31.10 (Gil Galvão), publicado no DR 11 Série, de 17.12.2003 e Acórdão do STJ, de 30.10.2002, proc. 2535/023.

G) Ao não fazê-lo, o Tribunal incorreu em omissão de pronúncia, o que determina a nulidade do Acórdão, nos termos do previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615° do CPC, o que se argui para os devidos e legais efeitos, devendo ser o mesmo revogado e substituído por douto aresto que ordene a sua apreciação.

H) Além do que diz respeito à impugnação da matéria de facto, não pode a Ré/Recorrente conformar-se com o acórdão revidendo quando acaba por não se pronunciar sobre a alegada situação de “mobbing” alegada pelo A., justificando estar tal questão prejudicada por se verificarem outros fundamentos nos quais se justificou a decisão para concluir pela justa causa, julgando-a inútil.

 I) A Ré/Recorrente manifestou as razões de discordância, da conclusão judicial de que os factos que emergem da factualidade provada nos itens n.ºs 25, 26 e 27 são, por si só, consubstanciadores da situação de “mobbing” a que alude o artigo 29° do Código de Trabalho, óbvio é que, com a devida vénia, o acórdão revidendo também não se pronunciou sobre a análise jurídica colocada para a sua decisão, porquanto, simplesmente, decidiu deixar de o fazer.

J) Impunha-se a apreciação do Tribunal a quo, no sentido de apurar se tal factualidade é em si suficiente no seu conjunto para uma situação de assédio.

K) Ao não fazê-lo o Tribunal incorreu, uma vez mais, em omissão de pronúncia, o que determina a nulidade do Acórdão, nos termos do previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC, o que se invoca.

L) Ao não apreciar as questões apresentadas no recurso, o acórdão revidendo limitou o direito ao recurso pela R/Recorrente, coarctando-lhe o direito de sindicar decisão desfavorável e o direito a tutela jurisdicional efectiva e direito de acesso aos tribunais, o que consubstancia inconstitucionalidade, por violação do artigo 20° da CRP.

Pede assim que declarando-se nulo o Acórdão revidendo, por omissão de pronúncia, seja substituído por aresto que aprecie as questões suscitadas, ou revogue aquele e ordene a baixa dos autos para apreciação das questões de facto impugnadas.

O A alegou, pugnando pela improcedência do recurso.

E cumprido o nº 3 do artigo 87º do CPT, emitiu a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta parecer no sentido da rejeição do presente recurso em virtude da revista nos termos gerais não ter sido admitida pela relatora da Relação, despacho que transitou em julgado.

Notificadas as partes deste parecer nada disseram.

Cumpre apreciar.

2----

O acórdão recorrido teve em conta a seguinte matéria de facto:

1. A ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à comercialização e prestação de serviços de jardinagem (cfr. doc. de fls. 75 a 80, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. No exercício da sua actividade, a ré explora um estabelecimento de venda ao público e viveiro de plantas (horto) – filial -, sito na Rua …, …, … (cfr. doc. de fls. 22, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3. Em dia não concretamente apurado do mês de Novembro de 2002, por acordo verbal celebrado por tempo indeterminado, a ré admitiu o autor para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização, exercer funções inerentes à categoria de aprendiz de jardineiro.

4. Tal admissão apenas foi comunicada à Segurança Social no mês de Março de 2003 (cfr. doc. de fls. 23 a 27, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

5. Mais ficou acordada uma remuneração mensal de 450 euros, acrescida de subsídio de alimentação.

6. Tal remuneração foi posteriormente aumentada para 600 euros (em Janeiro/04), para 650 euros (em Janeiro/05), para 715 euros (em Janeiro/09), para 1.000 euros (em Outubro/09) e para 1.010 euros (em Fevereiro/11).

7. À data da cessação do vínculo, o subsídio de alimentação auferido pelo autor ascendia a 6,17 euros por cada dia efectivo de trabalho.

8. Por carta registada datada de 07/01/2013, recebida no dia seguinte pela ré, o autor resolveu o respectivo vínculo laboral com efeitos imediatos, nos moldes constantes do doc. de fls. 52 a 56 (cfr. fls. 58/59), para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

9. Tal documento foi igualmente remetido à ré, via fax, no dia 07/01, tendo sido pela mesma recepcionado nessa mesma data (cfr. doc. de fls. 57).

10. Até Fevereiro de 2008, os montantes constantes dos recibos de vencimento do autor foram pagos através de cheque e, a partir de então, por transferência bancária.

11. Os montantes pagos e não declarados (valor que excede o constante dos recibos de vencimento) eram liquidados em numerário.

12. Para cálculo das quantias referidas no facto anterior, a ré anotava manualmente as mesmas num papel que anexava aos recibos de vencimento (cfr. tais anexos, os quais estão agrafados aos recibos de vencimento juntos aos autos).

13. Pelo menos com relação a mais dois trabalhadores do Grupo BB – CC e DD, o procedimento descrito nos dois factos anteriores era praticado.

14. A partir do mês de Outubro de 2012 (trabalho prestado nesse mês e nos seguintes) a ré passou a pagar ao autor apenas os montantes declarados nos respectivos recibos de vencimento – tendo liquidado 541,42 euros e 535,37 euros nos dias 02/11 e 03/12 de 2012 e 447,15 euros no dia 03/01/13, respectivamente (cfr. fls. 60/61 e 64).

15. O exerceu funções até ao dia 10/12/2012, gozando férias entre 11 e 26 do mesmo mês.

16. A partir de Dezembro de 2009, a ré passou a ser gerida de facto pelo genro do legal representante – EE.

17. Não consta dos autos que, pelo menos a partir do ano de 2009, o autor efectuasse quaisquer outros serviços para entidades distintas da ré, não obtendo, assim, quaisquer outros rendimentos.

18. Para além do período referido no facto 15º, o autor, pelo menos, gozou uma semana de férias em Maio de 2012 e um período não concretamente apurado em Dezembro de 2011.

19. Não consta dos autos que a ré tenha pago ao autor algum montante a título de férias.

20. Entre Maio/09 e Dezembro/11, a ré pagou ao autor, pelo menos, 700 euros por conta do subsídio de férias e igual montante por conta do subsídio de natal.

21. No ano de 2012, pagou-lhe igual montante a título de subsídio de férias e 434,32 euros a título de subsídio de Natal (cfr. fls. 61).

22. Não consta dos autos que a ré tenha pago ao autor algum montante por conta das férias vencidas a 01/01/13 e respectivo subsídio, ou por conta das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal devidos pelo trabalho prestado no ano da cessação do vínculo.

23. O autor trabalhou um número não apurado de sábados, em horário igualmente desconhecido.

24. O autor era o jardineiro responsável pela criação de um jardim de raiz, trabalhando, na maior parte das vezes, sozinho, mediante um projecto previamente delineado para esse efeito.

25. A partir de Novembro/12, EE passou a atribuir ao autor outras tarefas, como a de arrancar ervas, tarefa essa que implica que o mesmo ficasse de joelhos e/ou de cócoras.

26. Pelo menos por uma vez, em circunstâncias não concretamente apuradas, EE ordenou ao autor que: - estendesse um tapete de relva e que depois o voltasse a enrolar, para ser guardado; e – enchesse sacos e paletes de “gravilha de tijolos” para, de seguida, os esvaziar.

27. Em Outubro de 2012, EE ordenou ainda ao autor que fosse cavar, sozinho, com uma sachola (sem recurso a qualquer máquina) um terreno sito em …, …, o qual tem, pelo menos, 1.000 m2 e é explorado pela ré.

28. Em Maio de 2012, o autor foi operado a um joelho, o que o impedia de ser sujeito a grandes esforços, factos estes do conhecimento da ré e do referido EE.

29. Em data não concretamente apurada, mas situada no último trimestre do ano de 2012, o autor esteve a exercer funções, por conta da ré, no …, …, ….

30. Todos os funcionários da ré se encontravam de manhã, no horto, e daí partiam para os respectivos locais nos quais teriam que desempenhar as respectivas funções.

31. Era habitual o transporte de/para horto/locais a jardinar ser efectuado em veículos propriedade da ré ou do Grupo BB.

32. Os factos acabados de descrever e que motivaram a resolução apresentada pelo autor, causaram a este último abalo psicológico, mau estar físico e emocional.

33. O autor esteve em situação de baixa médica entre 26/12/12 e 04/01/13 (cfr. doc. de fls. 66).

Mais resultou provado que:

34. Por carta registada com a/r, datada de 21/02/13, a ré comunicou ao autor que lhe havia aplicado a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, na sequência do processo disciplinar instaurado contra o mesmo no dia 11/01 do mesmo ano (cfr. doc. de fls. 143 e ss, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

35. Tal decisão foi impugnada judicialmente pelo autor através da acção especial de regularidade e licitude do despedimento que corre termos por esta Secção sob o n.º 261/13.5TTBCL (cfr. fls. 153 e ss.).

36. A assinatura do autor constante da carta referida no facto n.º 8 foi entretanto alvo de reconhecimento notarial presencial, sendo tal facto comunicado à ré por carta registada com a/r.

37. Em resposta a esta última carta, a ré respondeu com uma outra, datada de 29/01/13 (cfr. doc. de fls. 187 a 189, para o qual se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

38. Nos anos de 2003 a 2012, o autor apresentou as declarações de rendimento constantes de fls. 273 a 284, para as quais se remete e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

3----

E conhecendo:

Questão prévia da rejeição do recurso:

Suscita a Ex.mª Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, a questão da rejeição da revista por ter transitado em julgado o despacho da Ex,mª relatora que a não admitiu.

Mas não tem razão.

Efectivamente foi a Formação a que alude o nº 3 do artigo 672º do CPC quem ordenou a distribuição do recurso como revista nos termos gerais, por ter decidido que não ocorreu dupla conforme em relação à apreciação da questão respeitante à impugnação da matéria de facto.

Ora, o juízo definitivo sobre a existência ou não de dupla conforme pertence àquela Formação, que não está vinculada à posição do tribunal “a quo”, pois a decisão que se pronuncia sobre o requerimento de interposição do recurso não vincula o Tribunal superior, quer seja no sentido da sua admissão, quer no sentido da sua rejeição, conforme se conclui dos nºs 5 e 6 do artigo 641º do CPC.

E improcedendo esta questão prévia, vejamos agora o objecto do recurso.

3.1---

O recurso foi admitido apenas para que este Supremo Tribunal se pronuncie sobre o cumprimento dos ónus a cargo da recorrente, na parte em que impugna a matéria de facto, decisão que poderá implicar a anulação do acórdão recorrido e o regresso dos autos à Relação para conhecer da impugnação apresentada pela apelante, caso se conclua que a recorrente os cumpriu.

Efectivamente, esta impugnou perante a Relação a matéria de facto constante dos itens 6, 11 e 12, no que concerne ao salário auferido pelo A e sua evolução, sustentando que, face à prova produzida nos autos, nomeadamente os meios probatórios constantes de gravação, se impunha uma decisão diversa sobre esta matéria.

Ora, para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar:

os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a);

os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b);

e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).

No caso presente, ainda que se conceda que a apelante haja cumprido o ónus da alínea a) do preceito supra referido, fazendo menção aos concretos pontos de facto incorrectamente julgados, que são os pontos 6, 11 e 12, não satisfez, no entanto, a imposição da supracitada alínea c), pois não indicou a concreta decisão a proferir sobre os mesmos.

Na verdade, a lei não se contenta em que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorrectamente julgada, impondo-lhe além disso que indique a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, devendo estas menções integrar o conteúdo das conclusões da sua alegação, conforme se vem pronunciando neste sentido esta Secção Social, nomeadamente nos acórdãos de 4/3/2015, processo nº 2180/09.0TTLSB.L1.S2 (Leones Dantas); 1/10/2015, processo nº 824/11.3TTLRS.L1.S1; e de 21/4/2016, processo nº 449/10.0 TTVFR.P2.S1 (ambos relatados por Ana Luísa Geraldes).

No entanto, a recorrente apenas diz quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, não mencionando em parte alguma das conclusões da sua alegação qual a decisão que deveria ser tomada na sequência da sua impugnação.

Ora, o incumprimento deste ónus tem a cominação prevista no nº 1 do mencionado preceito – rejeição do recurso nesta parte.

Por isso, bem decidiu a Relação ao considerar que a recorrente omitiu a menção à concreta decisão pretendida sobre os pontos da matéria de facto impugnados, pelo que só tinha que rejeitar o recurso nesta parte.

Sustenta a recorrente que ainda que assim fosse, deveria ter-se optado pelo convite à reformulação das conclusões, e não pela rejeição.

Mas não tem razão.

Efectivamente, e conforme prescreve o nº 3 do artigo 639º do CPC, quando as conclusões sejam deficientes o relator deve convidar o recorrente a completá-las.
Mas este normativo não é aplicável face à cominação específica que a lei prevê para quem não cumpre os ónus impostos pelo artigo 640º, pois o nº 1 é inequívoco no sentido da rejeição, sem mais, do recurso quanto à impugnação da matéria de facto.

 Alega ainda a recorrente que ao não apreciar as questões apresentadas na apelação no que respeita à impugnação da matéria de facto, o acórdão revidendo limitou o seu direito ao recurso, coarctando-lhe o direito de sindicar decisão desfavorável e o direito a tutela jurisdicional efectiva e direito de acesso aos tribunais, o que consubstancia inconstitucionalidade, por violação do artigo 20° da CRP.
Mas também não tem razão.
            Efectivamente, é corolário do Estado de Direito a exigência de um procedimento justo e adequado de acesso ao direito e de realização do direito.
Por isso que, no artigo 20º/5 da Constituição da República se determina que «Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos»
No entanto, temos de distinguir as situações: de uma parte o direito de acesso aos meios judiciários com vista à salvaguarda e definição do direito para o caso concreto; e de outra, o procedimento definido pelo legislador ordinário quanto ao modo do exercício daquele direito.
Nesta questão da conformação constitucional, suscita a recorrente a questão de saber se as normas ínsitas no artigo 640º, nº 1, coarctam inadequada e irrazoavelmente o direito ao recurso.
Mas não tem razão.
Na verdade, o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta aos interessados o acesso ao recurso de forma ilimitada, sendo por isso, conforme à Constituição da República Portuguesa a imposição de ónus para quem impugna a matéria de facto dada como provada pela 1ª instância.
Nesta conformidade, sem necessidade de mais considerações, imperioso se torna concluir que a posição da Relação de não tomar conhecimento da impugnação da matéria de facto por incumprimento dos ónus legais não viola o princípio do acesso ao direito invocado pela recorrente.

Assim e pelo exposto, não sendo de conhecer das demais questões suscitadas pela recorrente na revista, pois estão cobertas pela dupla conformidade, impõe-se julgar improcedente o recurso.

4----

Termos em que se acorda em negar a revista, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 7 de Julho de 2016.

Gonçalves Rocha (Relator)

Ana Luísa Geraldes

Ribeiro Cardoso