Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
149/14.2YHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECE OBJECTO DO RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA / PROCEDIMENTOS CAUTELARES / RECURSOS.
Doutrina:
- Rui Pinto, Notas ao “Código de Processo Civil ”, página 18, anotação ao artigo 362.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 370.º, N.º2, PARTE FINAL, 629.º, N.º2.
CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DIREITOS CONEXOS (CDADC), APROVADO PELO DL. 63/85 DE 14 DE MARÇO E ALTERADO PELAS LEIS NºS 45/85, DE 17 DE SETEMBRO, 114/91, DE 3 DE SETEMBRO E 50/2004, DE 24 DE AGOSTO E AINDA PELOS DL.S 332/97 E 334/97: - ARTIGO 211.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/9/2014.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 442/2000.
Sumário :
I - O art. 370.º, n.º 2, parte final, com remissão para o art. 629.º, n.º 2, veio reintroduzir, no CPC, um caso especial de admissibilidade de revista (em particular no que se reporta à alínea d) do n.º 2 do art. 629.º), que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (DL n.º 303/2007, de 24-08).

II - Mantendo-se o regime regra de inadmissibilidade de recurso para o STJ nos procedimentos excepciona-se a situação em que o recurso é sempre admissível ou seja, tratando-se de decisão proferida em procedimento cautelar, a regra geral é a da irrecorribilidade vindo as excepções a essa regra elencadas no n.º 2 do art. 629.º para o qual remete o n.º 2 do art. 370.º.

III - Houve o objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo STJ conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que de acordo com a regra geral nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo STJ, isto porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcançaria o STJ, por nunca ser admissível o recurso de revista.

IV - Quando o núcleo fundamental do recurso não se coloca objectivamente em qualquer circunstância ou pressuposto de natureza cautelar centrando-se na questão de mérito deixou consequentemente de se visar uma solução cautelar provisória para na prática se pretender uma decisão definitiva sobre a questão substantiva de mérito.

V - Nestas circunstancias ao tomar-se conhecimento do recurso daria esta circunstância origem a uma situação em que ou o julgamento aqui efectuado em sede cautelar não constituía caso julgado relativamente à acção principal, admitindo-se que nesta se viesse a emitir novo julgamento eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para este STJ, ou constituía subvertendo-se neste caso a lógica inerente à relação de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento e ofendendo-se mesmo a própria lógica do processo civil que tem por inerente o principio de que é no processo principal que hão-de ser dirimidas em definitivo as questões substantivas.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I. AA - Associação ..., …, intentou o presente procedimento cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 210.0-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), contra BB, S.A[1], pedindo que fosse decretado o encerramento dos estabelecimentos hoteleiros denominados BB1, BB2, BB3, BB4, BB5, BB6 e BB7, explorados pela requerida.  Subsidiariamente, pediu que fossem decretadas as seguintes providências: proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas; apreensão dos bens que se suspeite violarem os direitos conexos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente aparelhos de televisão, aparelhos de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos, bem como suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais e, caso se verifique a sua utilização para a execução pública de videogramas, computadores, notebooks, tablets ou ainda qualquer outro meio utilizado para esse fim; a obrigação de concessão de livre acesso aos estabelecimentos explorados pela sociedade requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, com a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso; e a aplicação de sanção pecuniária compulsória não inferior a 1.000,00 Euros, por cada dia de incumprimento das medidas cautelares a decretar.

Alegou, em síntese, que é uma associação de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos e que está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança aos artistas, intérpretes e executantes e que actividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida por si em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas. Refere que no âmbito da referida actividade licencia a utilização por parte dos eventuais interessados da quase totalidade do repertório das obras audiovisuais para televisões, nacionais ou estrangeiras, comercializadas e difundidas em Portugal e que os hotéis acima indicados são estabelecimentos comerciais abertos ao público nos quais se procede de forma habitual e continuada à execução pública através dos aparelhos de televisão existentes nas unidades de alojamento e nos espaços comuns, de videogramas do repertório entregue à gestão da requerente sem a necessária autorização, sendo que a requerida jamais pagou a esta a remuneração devida por tal comunicação.

Finaliza afirmando que apesar terem sido enviadas à requerida cartas a informar da necessidade de obter a respectiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de videogramas, a mesma continua a exibir publicamente nas referidas unidades hoteleiras videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos, não tendo feito à requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.

A requerida deduziu oposição, na qual pugnou pela improcedência do presente procedimento cautelar, alegando, no essencial, a inexistência de execução pública de videogramas e o abuso de posição dominante por parte da requerente, consubstanciado na ilicitude dos valores por ela cobrados.

Realizou-se a audiência final no âmbito da qual a requerente apresentou tomada de posição relativamente à excepção deduzida pela requerida na oposição.

Na audiência as partes acordaram quanto a factos a considerar como assentes, dispensando-se assim a produção de parte da prova testemunhal.

Foi proferida a decisão que, julgando parcialmente procedente a providência, determinou:

a) Impõe-se à requerida BB, S.A., a proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas que façam parte do repertório entregue à gestão da requerente AA - Associação ..., …, nos estabelecimentos hoteleiros por si explorados, denominados BB1, BB2, BB3, BB4, BB5, BB6 e BB7, enquanto não efectuar o licenciamento junto da requerente, tendo em vista o valor fixado na nova tabela para 2014, ou seja, 1,81 Euros (um euro e oitenta e um cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de três estrelas, 2,84 Euros (dois euros e oitenta e quatro cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de quatro estrelas, e 3,22 Euros (três euros e vinte e dois cêntimos)/mês por quarto, para os hotéis de cinco estreias), a calcular em função da taxa de ocupação efectiva de cada estabelecimento e sem prejuízo da aplicação de descontos ou reduções adoptadas pela requerente ou resultantes da diminuição da referida taxa de ocupação efectiva) b) Condena-se a requerida a pagar uma sanção pecuniária compulsória no montante de 1.500,00 Euros (mil e quinhentos euros), por cada dia de incumprimento da providência decretada em a); c) Absolve-se a requerida dos demais pedidos formulados pela requerente.

II. Inconformada com o assim decidido, a Requerida interpôs recurso de Apelação na sequência do qual foi proferido o acórdão ora recorrido no qual se decidiu julgar procedente a Apelação e revogar a decisão proferida pelo Tribunal de 1.a Instância, indeferindo a providência requerida.

III. Deste acórdão foi interposto o presente recurso de revista tendo, a fls. 501 dos autos, sido proferido despacho liminar admitindo esse mesmo recurso por estarem genérica e abstractamente preenchidos os requisitos de admissibilidade extraordinária do mesmo, constantes dos artigos 370º nº 2 e 629º nº 2 alínea d) CPC; posteriormente, e quando da apreciação de projecto de acórdão em Conferencia, foi suscitada pelos Exmºs Conselheiros Adjuntos a questão prévia da admissibilidade do recurso, vista agora na perspectiva concreta da concreta fundamentação desse mesmo recurso.

Dada a relevância dessa questão e a natureza prévia da mesma cumpre em primeiro lugar proceder à sua ponderação e decidi-la.

O artigo 370º nº 2 parte final, com remissão para o artigo 629º nº 2, veio reintroduzir no Código de Processo Civil um caso especial de admissibilidade de revista (em particular no que se reporta à alínea d) do nº 2 do artigo 629), que tinha sido eliminado pela reforma de 2007 (Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto[2]); mantendo-se o regime regra de inadmissibilidade de recurso para o STJ nos procedimentos excepciona-se a situação em que o recurso é sempre admissível ou seja, tratando-se de decisão proferida em procedimento cautelar, a regra geral é a da irrecorribilidade vindo as excepções a essa regra elencadas no nº 2 do artigo 629 para o qual remete o nº 2 do artigo 370º.

Na situação concreta em análise e conforme foi mencionado, o recurso poderia abstractamente e do ponto de vista formal ser admitido perante o que dispõe o nº 2 alínea d) do supra-referido artigo 629º (em concreto porque o acórdão da Relação está em contradição com outro da mesma Relação relativamente à mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação); há no entanto que ter em conta, para efeitos de interpretação teleológica do referido artigo 370º quais as razões que conduziram a que o legislador tivesse repescado este regime excepcional de recurso para o STJ nos procedimentos cautelares, regime esse que, como dissemos, havia sido eliminado pela reforma introduzida pelo já mencionado DL 303/2007, de 24 de Agosto.

Em nosso entender essas razões estão fundamentalmente ligadas ao objectivo de garantir que não fiquem sem possibilidade de resolução pelo STJ conflitos de jurisprudência verificados entre acórdãos das Relações, em matérias que de acordo com a regra geral nunca poderiam vir a ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, isto porque, independentemente do valor das causas a que respeitem, nunca se alcançaria o Supremo Tribunal de Justiça, por nunca ser admissível o recurso de revista (v. acórdão deste STJ, de 18/9/2014 – relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).

Posto isto, indo à situação concreta dos autos e não esquecendo tratar-se de uma providencia cautelar antecipatória que se destina a provocar uma decisão provisória ou interina válida enquanto se não obtém uma decisão definitiva[3] - (como refere Rui Pinto “Notas ao CPC”, página 18, anotação ao artigo 362º, “não se pode esquecer que do sistema vigente de tutela cautelar decorre uma natureza materialmente provisória e formalmente instrumental) -  devemos ter em conta que a razão pela qual o acórdão recorrido indeferiu a providencia (adoptando uma solução jurídica que está em contradição com outros acórdãos dessa e de outras Relações) não tem directamente a ver com pressupostos próprios e específicos da tutela cautelar mas sim com uma apreciação de mérito sobre a inexistência do direito que se pretende ver acautelado ou mais precisamente o acórdão recorrido indeferiu a providencia com fundamento numa decisão de mérito, tendo procedido à apreciação sobre os pressupostos de aplicação de uma norma de direito substantivo que aplicação essa que deverá necessáriamente acontecer em sede de acção principal.

Ao apreciar-se e decidir-se em sede de recurso de revista se (como se entendeu) a situação invocada pela requerente configura uma situação de mera recepção (livre) ou se pelo contrário estamos perante uma situação característica de comunicação pública (que deve ser paga)[4] ou ainda mais concretamente a de saber se a disponibilização de televisores nas unidades de alojamento e nos espaços comuns de uma unidade hoteleira consubstancia a acepção de comunicação publica nos termos do que dispõem os artigos 178º nºs 2 e 3 e 184º do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo DL. 63/85 de 14 de Março e alterado pelas Leis nºs 45/85, de 17 de Setembro, 114/91, de 3 de Setembro e 50/2004, de 24 de Agosto e ainda pelos DL.s 332/97 e 334/97, proceder-se-ia a uma decisão de mérito sobre os pressupostos de aplicação daquelas citadas normas sendo que essa apreciação e decisão contrariaria a natureza provisória e formalmente instrumental do procedimento cautelar.

Perante o que fica referido o núcleo fundamental do recurso não se coloca objectivamente em qualquer circunstância ou pressuposto de natureza cautelar centrando-se na questão de mérito e consequentemente deixou de se visar uma solução cautelar provisória para na prática se pretender, sem se fazer apelo à possibilidade de inversão do contencioso (que nas circunstancias concretas não encontraria qualquer justificação face à decisão de indeferimento), uma decisão definitiva sobre a questão substantiva de mérito.

A tomar-se conhecimento do recurso daria esta circunstância origem a uma situação em que ou o julgamento aqui efectuado em sede cautelar não constituía caso julgado relativamente à acção principal, admitindo-se que nesta se viesse a emitir novo julgamento eventualmente não coincidente, com possibilidade de outro recurso para este STJ ou constituía subvertendo-se neste caso a lógica inerente à relação de instrumentalidade existente entre a acção e o procedimento e ofendendo-se mesmo a própria lógica do processo civil que tem por inerente o principio de que é no processo principal que hão-de ser dirimidas em definitivo as questões substantivas[5] (refira-se que nos termos do artigo 211º CDADC se aplica subsidiariamente o disposto no CPC em tudo o que não esteja especialmente previsto no seu Título IV).

IV. DECISÃO – Acorda-se, nestes referidos termos, em não tomar conhecimento do recurso.

Sem custas por delas estar isenta a recorrente.

Lisboa, 2 de Junho de 2015

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

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[1] Importa salientar para efeitos de enquadramento de toda a questão que a providência cautelar na qual foi proferido o acórdão recorrido foi requerida pela AA (associação representativa dos autores) com os fundamentos e nos termos previstos no disposto na alínea a) do artigo 210º-G do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, adiante CDADC, (na redacção introduzida pela Lei 16/2008,de 1 de Abril – a qual procedeu à transposição para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 2004/48/CE, concretamente neste caso o seu artigo 9º - medidas provisória e cautelares) do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual, procedendo à terceira alteração ao Código da Propriedade Industrial, à sétima alteração ao Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 332/97, de 27 de Novembro.

[2] Regra semelhante constava do nº 4 do artigo 678º do Código de Processo Civil anterior a essa reforma, preceito que, por sua vez, viera substituir o recurso para o Tribunal Pleno previsto no artigo 764º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à reforma de 1994/1995.

[3] Sobre a natureza e finalidade dos procedimentos cautelares v. Calamandrei “Introduzione allo studio dei provvedimenti cautelari…”.
[4] Considerou-se no acórdão recorrido, com apoio num entendimento no sentido que os televisores existentes e disponibilizados pelo Hotel se limitam a transmitir ou a receber uma programação que está a passar, em tempo real, nos canais que são recepcionados, sem que aos utentes do Hotel seja facultada a possibilidade de acederem aos videogramas que já passaram, que “a actuação da requerida configura apenas uma situação de recepção pública[4] e, em consequência, “não pode preencher o conceito de "comunicação ao público" e "colocação à disposição do público" que se encontra prevista no n.º 2 do citado artigo 178. ° CDADC.
[5] Segue-se com as devidas adaptações o entendimento expresso no acórdão 442/2000 do Tribunal Constitucional (relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).