Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17082/17.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: AÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO
EMPRESA DO SECTOR EMPRESARIAL PÚBLICO
NULIDADE DO CONTRATO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA / PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSO DO CONTENCIOSO DAS INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA, ABONO DE FAMÍLIA, ASSOCIAÇÕES SINDICAIS, ASSOCIAÇÕES DE EMPREGADORES OU COMISSÕES DE TRABALHADORES / ACÇÃO DE ANULAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULAS DE CONVENÇÕES COLECTIVAS DE TRABALHO.
Doutrina:
-João Correia, Código de Processo do Trabalho, anotado à luz da reforma do processo civil, 2015, Almedina, p. 319.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGOS 77.º E 186.º, N.º 8.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-10-2010, PROCESSO N.º 3034/07.0TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-01-2012, PROCESSO N.º 70/04.2TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 16-06-2015, PROCESSO N.º 962/05.1TTLSB.L1.S1;
- PROCESSO N.º 17459/17.0T8LSB.L1.S1;
- PROCESSO N.º17240/17.6T8LSB.L1.S1.
Sumário :

I. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.

II. Caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

III. Em processo laboral, resulta do art.º 77.º do Código de Processo do Trabalho, que existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença/acórdão, que se traduz no facto de a arguição ter de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:



                                                           I

Relatório:

1. O Ministério Público intentou a presente ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho contra Rádio Televisão de Portugal, S.A., pedindo que seja declarada a existência de um contrato de trabalho por tempo indeterminado entre a ré e AA, desde 1 de outubro de 2014.

  Para o efeito, alegou em síntese, que a trabalhadora desempenha a sua atividade de jornalista na Editoria de Cultura da Direção de Informação da empregadora, sendo que, para o efeito: (i) exerce as suas funções em local pertencente à empregadora, embora também realize parte dessas funções no exterior, designadamente para efeito de recolha de material para reportagem; (ii) utiliza, para o exercício das suas funções, os equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à empregadora; (iii) observa, tendencialmente, horas de início e termo da sua atividade, determinadas pela empregadora, sendo que, não podendo cumprir esse horário, tem de o comunicar, a fim de ser substituída, não lhe sendo, contudo, descontado o período de ausência; (iv) possui um endereço eletrónico institucional, fornecido pela empregadora, no qual recebe e efetua as comunicações relacionadas com a sua atividade; (v) acede às instalações da empregadora através de um cartão que, por esta, lhe foi fornecido; (vi) aufere, da empregadora, com periodicidade mensal, a quantia de € 1.500,00, valor que lhe é pago por transferência bancária, sendo dada, pela empregadora, a correspondente quitação sob a forma de recibos/faturas; (vii) desempenha a sua atividade para a empregadora, em regime de exclusividade, desde 2014; (viii) recebe ordens, orientações e instruções que lhe são dadas pela Coordenadora da Editoria da Cultura, bem como de outros coordenadores de informação, sendo a atividade que desempenha sujeita a fiscalização; (ix) está integrada numa equipa constituída por três jornalistas, uma realizadora/produtora e uma coordenadora.

2. A ré contestou: (a) excecionando a nulidade da ação em virtude de: (i) estar limitada (proibida), sem a necessária autorização governamental, no que respeita à constituição de relações de trabalho subordinado por ser uma entidade do sector público empresarial do Estado; (ii) está impossibilitada, pela mesma razão, de reconhecer eventuais situações de trabalho dependente, uma vez que, fazendo-o, estaria a assumir uma relação jurídica nula e cuja invalidade é insuprível; (iii) também o tribunal estar impossibilitado de reconhecer eventuais situações de trabalho dependente, atenta a originária nulidade da relação jurídica. (b) excecionando a invalidade da participação da ACT, porque: (i) inexiste um comportamento culposo da empregadora; (ii) foi determinada à empregadora a prática de um ato ilegal; (iii) inexiste ilicitude no comportamento da empregadora; (c) excecionando a possibilidade de os vínculos existentes apenas poderem ser regularizados através do PREVPAP; (d) excecionando a inaplicabilidade da ação de reconhecimento de contrato de trabalho à RTP em virtude de ser uma empresa do sector público empresarial do Estado. (e) excecionando a litispendência especial ou atípica e o risco de casos julgados opostos. (f) excecionando a extemporaneidade da participação da ACT. (g) excecionando a violação do direito de defesa. (h) impugnando os factos constantes da petição inicial, alegando, em síntese, que se não mostram preenchidos os factos base da presunção a que alude o art.º 12.º, do Código do Trabalho. (i) requereu a suspensão da instância durante a tramitação do PREVPAP. Conclui pela sua absolvição da instância ou, caso assim se não entenda, pela sua absolvição do pedido. Caso assim não se entenda, conclui pela suspensão da instância até à decisão final a produzir no âmbito do PREVPAP. 

 

3. Foi proferido saneador no qual foram julgadas improcedentes as exceções de natureza dilatória invocadas pela ré e indeferida a requerida suspensão da ação.

 

4. Notificada para o efeito, a trabalhadora não apresentou articulado próprio, nem constituiu mandatário, não tendo, igualmente, apresentado requerimento por via do qual aderisse ao articulado do Ministério Público.

 

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que, após fixar a matéria de facto provada e não provada, julgou procedente a exceção perentória da nulidade da contratação, tendo absolvido a ré do pedido. 

6. O Ministério Público interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação, que julgou a apelação procedente e revogou a sentença recorrida, determinando o prosseguimento da ação para o conhecimento do mérito da causa.

  

7. Inconformada com esta decisão, a ré interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

I. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa - que revogou a douta Sentença de 1.ª instância e determinou que os autos prosseguissem para julgamento - não ponderou minimamente as consequências dessa decisão, fazendo uma errada interpretação e aplicação do Direito.

II. É reconhecido, quer pelas partes quer pelas instâncias, que, caso se conclua que o contrato existente com a Recorrente configura um contrato de trabalho, o mesmo é nulo por não ter sido precedido da indispensável autorização governamental exigida pela legislação orçamental aplicável à Recorrente.

III. Do prosseguimento dos autos pode resultar uma decisão prejudicial ao Interessado e contrária ao fito da própria ARECT: em vez de se proceder à regularização da situação de errado enquadramento contratual, o Interessado pode ficar colocado numa posição pior daquela em que se encontra. Pior ainda, ficar impossibilitado de conseguir a regularização da sua situação através do único meio que o permite, ou seja, através do PREVPAP.

IV. Por isso, nas mais de duas centenas de decisões dos Tribunais do Trabalho que julgaram ações iguais à presente, considerou-se que o processo não devia prosseguir para julgamento.

V. Os Tribunais do Trabalho alcançaram que o que está em discussão nestas ações não é saber, em abstrato e sem atender aos especiais contornos das situações sub judice, se a nulidade do contrato de trabalho obsta à utilização da ARECT.

VI. A necessidade de ponderar as consequências da decisão obriga a que se atenda à circunstância de, no caso dos autos como nos demais idênticos, a eventual declaração da existência de um contrato de trabalho conduzir à inevitável cessação da relação contratual, impedindo que se regularize a situação através do PREVPAP (que não pode ser desconsiderado, no contexto factual e jurídico em que os presentes autos se inserem).

VII. E como nesta ação não é possível tratar dos efeitos decorrentes da declaração de existência de contrato de trabalho (válido ou inválido) - que não são, contrariamente ao defendido na decisão recorrida, os do artigo 121.° e seguintes do Código do Trabalho, posto que a lei orçamental se sobreporá, atento o seu valor reforçado -, o Interessado não obteria qualquer consequência favorável com o prosseguimento dos autos.

VIII. A decisão sob recurso, ao ordenar o prosseguimento dos autos, fez errada aplicação das regras legais que disciplinam a ARECT, em especial da norma vertida no artigo 186.°-N do CPT, que manda o Tribunal conhecer e julgar das nulidades de que obstam ao prosseguimento da ação.

IX. O não prosseguimento dos autos para julgamento implicará que o Interessado não só manterá a relação contratual com a Recorrente, como poderá ver corrigido, no âmbito do PREVPAP, o enquadramento contratual que lhe foi dado, considerando-se que existe um contrato de trabalho válido e eficaz com os direitos e deveres inerentes.

X. E na eventualidade de a conclusão apurada em sede do PREVPAP ser no sentido de o contrato do Interessado não constituir um contrato de trabalho, nem por isso este fica impedido de, caso não concorde com a qualificação, fazer valer a sua posição em tribunal, propondo uma ação judicial com processo comum, onde peticionará que o tribunal declare a natureza da relação contratual com a Requerente e a condenação desta nos efeitos daí decorrentes.

XI. O Tribunal da Relação, para além de desatender injustificadamente às consequências da sua própria decisão, desconsidera ainda, inconsistentemente, a vigência e os objetivos do PREVPAP, que no presente se afigura como o mecanismo de combate à precaridade (definido pelo Estado) adequado à regularização da presente situação, ao qual deve ser dado prioridade.

XII. E a interpretação que se plasmou no Acórdão proferido nos presentes autos mostra-se até contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, na medida em que em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do Interessado retirando-lhe a possibilidade de regularizara sua situação.

XIII. Para além de violar o princípio da limitação dos atos processuais (cfr. artigo 130.° do Código de Processo Civil), destinado a evitar a prática de atos processuais (a audiência de discussão e julgamento) que se revelam, não tanto desnecessários mas sobretudo perniciosos, bem como de se mostrar incompatível com o princípio ínsito no artigo 9.°, n.º 3, do Código Civil.

XIV. Pelo que, no quadro de ponderação de consequências, impõe-se que o Supremo Tribunal siga o único caminho que permite a regularização da situação contratual em apreço, revogando, em todo e qualquer caso, a decisão recorrida, repristinando a decisão da primeira instância ou, se assim achar melhor, alterando tal decisão no sentido da absolvição da instância ou até mesmo consentindo na sua suspensão (posição que também tem vindo a ser adotada por vários Tribunais de 1.° Instância).

XV. Ainda que se considere, sem conceder, que a exceção de nulidade da contratação improcede, a verdade é que a sentença de 1.ª instância terá de permanecer incólume, posto que, tendo-se procedido à realização da audiência de discussão e julgamento, o Tribunal da Relação não procedeu, podendo, ao exercício do poder de substituição.

XVI. A determinação do "prosseguimento da ação com o conhecimento do mérito da causa" constitui um desfecho processualmente inadmissível nos termos do artigo 665.°, n.º 2 do Código de Processo Civil (cuja reversão a Recorrente não tem legitimidade para requerer, por nisso não ter interesse ou legitimidade - cfr. artigo 631.°, n.° 1 do mesmo Código).

XVII. Assim sendo, no limite, sempre terá o julgado em 1.ª instância de permanecer intocado (não sendo apreciado o fundo da causa) por inexistir fundamento para o Juízo do Trabalho reponderar os factos que julgou provados, conforme resulta da interpretação conjugada dos artigos 613.°, n.º 1 e 665.°, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil.

8. O Ministério Público contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela ré, formulando as seguintes conclusões:

I. Faz sentido olhar para a crescente "proletarização" que muitos pequenos empresários em nome individual (eletricistas, canalizadores, serralheiros, marceneiros, etc.,), bem como profissões do sector terciário que habitualmente eram exercidas em regime liberal (advogados, médicos, arquitetos, etc.) têm vindo a sofrer (e que, por exemplo, para a nossa anterior Lei dos Acidentes de Trabalho, desde que houvesse uma efetiva situação de dependência económica, implicava um tratamento jurídico para efeitos da sua aplicação equiparado ao do trabalho subordinado), com a integração exclusiva ou quase exclusiva do trabalho autónomo por aqueles prestado numa estrutura mais vasta e de carácter empresarial e a sua consequente "dependência económica" relativamente a tal estrutura.

II. O art.° 122.° n.º 1 do Código do Trabalho tem como fim ressalvar os efeitos jurídicos decorrentes da execução do contrato mas nunca o de "converter" em válido um vínculo que, desde a sua génese, se apresentaria como nulo.

Mas também a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho não tem em vista tal propósito; com esta visa-se reconhecer a existência de um contrato de trabalho que se manifestou durante um determinado período, sob outra veste e não converter um eventual contrato de trabalho nulo num contrato válido.

III. Tal declaração e reconhecimento não contende com a nulidade do próprio contrato, caso esta se verifique, na medida em que o seu objeto se atém a esse reconhecimento, do que resulta que a alegada nulidade da contratação de [BB], contrariamente ao que entendeu o Tribunal de 1.ª Instância, não o impedia de declarar a existência de um contrato de trabalho entre aquela e a Ré, caso este tivesse resultado provado, nem legitimava, só por si, a absolvição da Ré, como veio a suceder.

IV. Não estava vedado ao Tribunal da 1.ª Instância o reconhecimento do contrato em causa, sendo certo que a admitir-se que esta ação não se aplica a contratos nulos ab initio estar-se-ia, seguramente, a esvaziar o seu conteúdo e a proceder a uma limitação do seu âmbito de aplicação que dela não resulta e que redundaria na impunidade da situações de utilização indevida de contratos de prestação de serviço em relações de cariz labora.

IV. Também se impõe afirmar que a interpretação do artigo 58.° da Lei 82-B/2014 de 31.12, não afasta, de todo, a aplicabilidade do regime de invalidade do contrato de trabalho e que, mesmo que afastasse, tendo apresente ação por finalidade apenas reconhecer a existência de um contrato não visando, conforme refere o Recorrente, a discussão do procedimento a seguir pela Ré para contratação de um trabalhador, a verdade é que a análise da validade ou invalidade do contrato não mereceria destaque no âmbito da presente ação. Resta concluir que se impõe o prosseguimento da ação com [designação de data para a audiência de julgamento].

V                - As regras e objetivos do PREVPAP são completamente distintos da ARECT como resulta do respetivo procedimento.

VI. Não existe qualquer moratória de aplicação do Código do Trabalho no programa do PREVPAP, nem a existência deste obsta ao exercício pelos tribunais das funções que lhes cabem quanto ao reconhecimento de relações jurídicas.

9. Nas suas conclusões, a recorrente suscita a questão de saber se a ação deve prosseguir para conhecimento do mérito da causa.

 

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da 1.ª Instância fixou a seguinte factualidade:

1. Datado de 30 de setembro de 2014, empregadora e trabalhadora subscreveram o convénio constante de fls. 11 a 13, dos autos, denominado “Contrato de Prestação de Serviço”, sendo, no que ora releva, o seguinte o seu teor:

“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO RÁDIO E TELEVISÃO DE PORTUGAL, S.A. (…) adiante designadamente abreviadamente por RTP, S.A.; e AA (…) adiante designada por SEGUNDA CONTRAENTE, Vai ser celebrado e reciprocamente aceite o contrato de prestação de serviços constante das cláusulas seguintes:

Cláusula 1.ª (Objeto)

 Pelo presente contrato a SEGUNDA OUTORGANTE obriga-se, em regime independente e sem subordinação jurídica, à prestação do resultado dos serviços de elaboração de peças jornalísticas para o programa “...” da Direção de Informação.

Cláusula 2.ª (Metodologia)

1. Os serviços serão prestados pela SEGUNDA CONTRAENTE em regime de independência e autonomia, sem subordinação jurídica.

2. Não caberá à RTP S.A. dirigir ou orientar a sua execução, cabendo à SEGUNDA CONTRAENTE a planificação e a organização dos meios e da atividade necessários à realização dos serviços, estando o início e o fim da prestação unicamente condicionado à sua natureza e aos fins a que se destina, sem que a SEGUNDA CONTRAENTE esteja obrigada a observar qualquer horário pré-estabelecido.

3. A SEGUNDA CONTRAENTE executará o serviço contratado recorrendo a utensílios, instrumentos e equipamentos próprios ou, se a natureza da prestação assim o exigir e for acordado pelas partes, aos que lhe vierem a ser disponibilizados ou confiados pela RTP, S.A..

4. Sem prejuízo do disposto no número anterior, a SEGUNDA CONTRAENTE obriga-se a:

a) Prestar o serviço contratado pessoalmente, não podendo fazer-se substituir na sua execução;

b) Avisar de imediato a RTP, S.A. caso fique impossibilitada de executar o serviço contratado;

c) Cumprir as orientações da RTP, S.A. que visem assegurar a compatibilização do serviço contratado com o estilo e o objetivo da área em que se insere;

d) Velar pela conservação e correta utilização dos equipamentos e materiais que, eventualmente, lhe forem confiados, sendo responsável pela sua perda ou deterioração, tanto causada por si como por terceiros a que recorra para o cumprimento das suas obrigações;

e) Devolver os equipamentos e materiais que lhe forem confiados, bem como os documentos de identificação que tiver em seu poder, sempre que tal lhe for solicitado e imediatamente após a cessação do presente contrato por qualquer forma;

f) Assegurar, por sua conta e risco, durante todo o tempo de duração do contrato, a cobertura da execução dos serviços por um seguro de acidentes de trabalho, entregando à RTP, S.A. cópia da respetiva apólice;

g) Usar, no interior das instalações da RTP, S.A. de forma visível, o cartão identificativo que lhe vier a ser fornecido.

(…)

Cláusula 4.ª (Contrapartidas Financeiras)

1. Como contrapartida pelos serviços prestados, a RTP, S.A. pagará à SEGUNDA CONTRAENTE o montante total ilíquido de € 19,500,00 (…) durante a vigência do presente contrato. 2. Por facilidade de processamento do interesse da SEGUNDA CONTRAENTE, o pagamento referido no número anterior será efetuado em 15 prestações mensais, iguais e sucessivas de € 1.300,00 (…) ilíquidos, no prazo de 30 dias após a apresentação da respetiva fatura.

 (…)

 Cláusula 5.ª (Início e Duração do Contrato)

1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, o presente contrato produz efeitos a partir de 1 de outubro de 2014 e terminará a 31 de dezembro de 2015.

 (…).

Cláusula 9.ª (Integração)

1. (…)

2. Fica expressa e reciprocamente acordado que não se estabelece qualquer relação de trabalho subordinado entre a RTP, S.A. e a SEGUNDA CONTRAENTE, nem tal é pretendido por ambas.

3. A SEGUNDA CONTRAENTE declara e reconhece expressamente que, pelo presente contrato:

I. Não fica inserida na estrutura organizativa da RTP, S.A.;

II. Os serviços não são prestados sob a orientação da RTP, S.A., nem estão sujeitos a qualquer horário previamente definido pela RTP, S.A., nem, tão pouco, a sua remuneração é calculada em função do tempo despendido;

III. Não se encontra numa situação de dependência económica face à RTP, S.A. ou desempenha qualquer cargo de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

IV. A forma de cálculo da retribuição acordada é do exclusivo interesse da SEGUNDA CONTRAENTE, decorrente da facilidade de processamento e pagamento.

V. Que a prestação de serviços contratados nas instalações da RTP, S.A. ou em estúdios de televisão adequados à gravação e difusão televisiva ou nos locais onde decorra a produção dos eventos para cobertura televisiva, decorre exclusivamente da natureza dos serviços ora contratados e da sua finalidade, os quais dada a especificidade e a complexidade dos meios técnicos e humanos empregues para a sua concretização, tornariam impossível a realização do seu objeto e a prestação dos serviços contratados, se tal não se verificasse. (…) ”.

2. O convénio referido em 1. foi objeto de aditamento, datado de 31 de dezembro de 2015, tendo as partes acordado em alargar o objeto daquele convénio ao programa “Horas Extraordinárias” e acordado em renovar o referido contrato pelo prazo de 12 meses, com início em 1 de janeiro de 2016 e termo em 31 de dezembro de 2016.

3. Nos termos da cláusula 2.ª, n.os 1 e 2, a RTP, S.A. obrigou-se a pagar a AA, como contrapartida pela prestação do serviço e mediante a entrega da fatura respetiva ou documento equivalente, o montante global ilíquido de € 15.600,00, sendo que os pagamentos seriam efetuados em prestações mensais no valor ilíquido de € 1.300,00 cada.

4. O convénio referido em 1) foi objeto de novo aditamento, datado de 30 de dezembro de 2016, tendo as partes acordado em alargar o objeto daquele convénio à elaboração de médias reportagens e outros trabalhos para outras plataformas, designadamente o online, e acordado em renovar o referido contrato pelo prazo de 12 meses, com início em 1 de janeiro de 2017 e termo em 31 de dezembro de 2017.

5. Nos termos da cláusula 2.ª, n.os 1 e 2, a RTP, S.A. obrigou-se a pagar a AA, como contrapartida pela prestação do serviço e mediante a entrega da fatura respetiva ou documento equivalente, o montante global ilíquido de € 18.000,00, sendo que os pagamentos seriam efetuados em prestações mensais no valor ilíquido de € 1.500,00 cada.

6. No dia 1 de março de 2017, e na sequência de ação inspetiva realizada pela ACT, na sede da empregadora, sita na Avenida …, n.º …, em Lisboa, a trabalhadora encontrava-se no estúdio da direção de informação da empregadora, estando, nessa ocasião, a preparar-se para sair em reportagem, procedendo à preparação do material necessário para o efeito.

7. A trabalhadora desempenha a sua atividade no Piso 0, na Diretoria de Cultura da Direção de Informação da empregadora, pese embora também exerça a sua atividade no exterior, na realização de reportagens.

8. As suas funções consistem, fundamentalmente, na realização de reportagens, com edição das peças que são emitidas pela empregadora.

9. A trabalhadora, no exercício das suas funções, utiliza equipamentos e materiais que lhe são fornecidos pela empregadora, designadamente, e quando sai em reportagem, desloca-se em viaturas próprias da empregadora, sendo que, nas instalações da empregadora, dispõe de secretária, cadeira, computador, monitor, rato e telefone fixo, por aquela fornecidos.

10. Para o exercício das suas funções, a trabalhadora utiliza, também softwares específicos que lhe são facultados pela empregadora destinados a visionar e tratar as imagens e a escrever sobre a reportagem que irá editar.

11. A trabalhadora, para o exercício das suas funções, observa um horário médio diário de 8 horas, sendo que as horas de entrada e de saída estão dependentes da reportagem e funções que, a cada dia, lhe estejam atribuídas.

12. A trabalhadora tem dois dias de descanso semanais que são variáveis.

13. As funções exercidas pela trabalhadora são-no mediante as indicações e determinações provenientes da Editora na Diretoria de Cultura da Direção de Informação, por regra transmitidas verbalmente, sendo esta quem define as reportagens a atribuir à trabalhadora.

14. Existe um planeamento mensal das tarefas a executar para um programa que é, diariamente, exibido, sendo que é a Editora na Diretoria de Cultura da Direção de Informação que procede à inscrição, no programa ENPS, dos registos das saídas para reportagem, registos esses que a trabalhadora consulta.

15. A trabalhadora tendo necessidade de faltar avisa a Editora na Diretoria de Cultura da Direção de Informação, uma vez que sabe que a sua ausência pode implicar o cancelamento de alguma reportagem ou a necessidade de ser substituída.

16. A trabalhadora possui um endereço de correio eletrónico, de natureza institucional, que lhe foi fornecido pela empregadora.

17. A trabalhadora acede às instalações da empregadora através de um cartão fornecido pela empregadora.

18. Desde 1 de outubro de 2014 que a trabalhadora presta a sua atividade apenas à empregadora.

19. É a Editora da Diretoria de Cultura da Direção de Informação quem define o objetivo das reportagens a efetuar pela trabalhadora, sendo que, sempre que possível, as visualiza antes de serem emitidas.

20. Sempre que as tarefas a executar pela trabalhadora não sejam efetuadas ou sejam efetuadas de forma deficiente, a Editora na Diretoria de Cultura da Direção de Informação determina que a reportagem não seja exibida ou que a tarefa seja refeita.

21. A Editoria de Cultura da Direção de Informação é composta pela Editora, CC, e por mais quatro outras pessoas, entre elas a trabalhadora, sendo que, para além da Editora, apenas uma outra pessoa está vinculada à empregadora por contrato de trabalho. Todas as demais estão vinculadas através de contrato de prestação de serviço.

22. A empregadora é uma empresa do sector público empresarial do Estado Português.

23. Os convénios referidos em 1, 2 e 4 não foram antecedidos de autorização governamental.

24. A trabalhadora não auferia subsídio de férias ou subsídio de Natal pagos pela empregadora.

25. O endereço referido em 16 é distinto do atribuído aos trabalhadores da empregadora.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a uma ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho instaurada em 21/07/2017, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 24/01/2018.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão operada pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto;

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) Como já se referiu, a recorrente suscita a questão de saber se a ação deve prosseguir para julgamento para conhecimento do mérito da causa.

A Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça já tomou posição sobre esta questão nos processos n.º 17240/17.6T8LSB.L1.S1 e 17459/17.0T8LSB.L1.S1, em que foi sumariado:

1. A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho é uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8 do art.º 186.º-O do Código de Processo do Trabalho.

2. Caso a ação venha a ser julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, é que será oportuno discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

Nesses arestos foi aduzida a seguinte fundamentação:

           “A ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho está inserida no Título VI do Código de Processo do Trabalho, referente aos processos especiais, encontrando-se regulada nos artigos 186.º-K a 186.º-R.

            Trata-se de uma alteração ao Código de Processo do Trabalho introduzida pela Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, com início de vigência em 1 de setembro de 2013.

            Trata-se de uma ação de cariz publicista que resulta da atividade da Autoridade para as Condições do Trabalho, como se pode observar pelo teor do art.º 186.º-K, que se estriba no procedimento previsto no art.º 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, que aprovou o regime processual aplicável às contraordenações laborais e de Segurança Social.

            O artigo 15.º-A, da referida Lei, versa sobre o procedimento a adotar em caso de inadequação do vínculo que titula a prestação de uma atividade em condições correspondentes às do contrato de trabalho, e tem a seguinte redação:

1 - Caso o inspetor do trabalho verifique, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, a existência de características de contrato de trabalho, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 12.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, lavra um auto e notifica o empregador para, no prazo de 10 dias, regularizar a situação, ou se pronunciar dizendo o que tiver por conveniente.

2 - O procedimento é imediatamente arquivado no caso em que o empregador faça prova da regularização da situação do trabalhador, designadamente mediante a apresentação do contrato de trabalho ou de documento comprovativo da existência do mesmo, reportada à data do início da relação laboral.

3 - Findo o prazo referido no n.º 1 sem que a situação do trabalhador em causa se mostre devidamente regularizada, a ACT remete, em cinco dias, participação dos factos para os serviços do Ministério Público junto do tribunal do lugar da prestação da atividade, acompanhada de todos os elementos de prova recolhidos, para fins de instauração de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho.

4 - A ação referida no número anterior suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada.

Como refere João Correia (Código de Processo do Trabalho, anotado à luz da reforma do processo civil, 2015, Almedina, pág. 319 - Obra em coautoria com Albertina Pereira), “A ação para reconhecimento da existência de contrato de trabalho, foi projetada para combater eficazmente a utilização indevida (e abusiva) do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado, sendo o seu escopo de índole marcadamente pública. Com efeito, a falsa contratação em regime de contratação em regime de contrato de prestação de serviços constitui um grave problema social, que não somente afeta os trabalhadores envolvidos, que vêm assim aumentar a sua precaridade e insegurança laboral, como também a própria sociedade no seu conjunto, uma vez que o Estado, por essa via, se vê impedido de cobrar as devidas contribuições à segurança social, bem como os pertinentes impostos, com os inerentes prejuízos no que toca, quer à sustentabilidade do próprio sistema de segurança social, quer à salvaguarda do bem comum. Tal situação consubstancia também uma modalidade de concorrência desleal entre empresas, pois que ao invés das outras que cumprem tais obrigações, não suportam as prevaricadoras os encargos referentes aos trabalhadores subordinados, como são os relativos a férias, feriados e demais acréscimos retributivos, indemnizações ou compensações pela cessação do contrato, prémios de seguros e os demais encargos devidos pela implementação das medidas de segurança e saúde no trabalho, traduzindo, ainda, tal atuação um desvio às regras da União Europeia e ao prescrito a nível internacional, no que se refere, nomeadamente, à livre concorrência e à salvaguarda do trabalho digno”.

Estamos pois perante uma ação de carácter oficioso que se inicia sem a intervenção processual do trabalhador, que pode, em fase posterior, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário, como está previsto no n.º 4, do art.º 186.º-L, do Código de Processo do Trabalho.

Trata-se de uma ação com uma tramitação muito simplificada, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral, como impõe o n.º 8, do art.º 186.º-O, do diploma citado.

Se a ação for julgada procedente, por se ter concluído que existe um contrato de trabalho, está, então, aberto o caminho para se poder, eventualmente, discutir uma série de questões que poderão ser suscitadas, como por exemplo a validade do contrato, a responsabilidade de quem procedeu à contratação e os direitos do trabalhador.

A discussão de todas estas questões só poderá ter lugar a jusante da primeira etapa, que é a qualificação do vínculo. 

No caso concreto dos autos, como bem se referiu no acórdão recorrido, há que, antes de mais, apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, e caso se reconheça a existência de um contrato de trabalho fixar a data do início da relação laboral.

A discussão atinente à validade do contrato, que determinou a decisão do Tribunal da 1.ª Instância, bem como a alegada impossibilidade de a empregadora poder proceder à regularização da situação da trabalhadora, só poderá, eventualmente, ter lugar em momento posterior.

O mesmo se diga quanto às consequências da eventual nulidade do contrato, que só faz sentido serem discutidas caso se chegue à conclusão de que estamos perante uma relação laboral. 

Nesta linha, bem andou o Tribunal da Relação ao revogar a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido, e determinou a sua substituição por despacho que ordene o prosseguimento da ação, designando-se dia para a audiência de julgamento.”

O caso concreto dos presentes autos é idêntico aos já decididos, só que, no plano processual, tem uma particularidade, que consiste no facto de o Tribunal de 1.ª Instância ter efetuado a audiência de julgamento e apurado a factualidade que considerou pertinente para decidir a ação.

 Por seu turno, o Tribunal da Relação revogou a sentença recorrida na parte em que determinou a procedência da exceção perentória da nulidade da contratação e que absolveu a ré do pedido.

A decisão do Tribunal da Relação teve na sua base o seguinte raciocínio:

“Devemos pois concluir, não só, que não está vedado ao tribunal recorrido o reconhecimento do alegado contrato de trabalho entre a Ré e a trabalhadora AA, caso resultem provados todos os seus elementos constitutivos, como é ainda necessária tal verificação para efeitos de declaração da sua nulidade e respetivas consequências; assim como era dever do MP a instauração da presente ação, face à participação da ACT (fls.1 a 6), atento ao disposto no nº3 do art.º15-A da Lei n.º107/2009, introduzido pelo artigo 4º da referida Lei n.º63/2013 de 27.08.

Deste modo, o recurso interposto deve ser julgado procedente, impondo-se o prosseguimento da ação para o conhecimento do mérito.”

A recorrente, nas suas conclusões XV a XVII, veio invocar que o Tribunal da Relação não cumpriu o disposto no art.º 665.º n.º 2 do Código de Processo Civil, ocorrendo assim uma violação da lei processual.

No caso concreto, o Tribunal da Relação limitou-se a julgar o recurso procedente e a determinar o prosseguimento da ação para conhecimento de mérito, sem ter feito qualquer consideração acerca da suficiência ou insuficiência da matéria de facto apurada pelo Tribunal da 1.ª Instância.

Só que, nos termos do art.º 665.º n.º 2 do Código de Processo Civil, o Tribunal da Relação, deveria, se fosse caso disso, ter conhecido de mérito, pois o Tribunal da 1.ª Instância, como já se referiu, efetuou a audiência de julgamento e apurou a factualidade que considerou pertinente.

A não observância da referida disposição legal poderia configurar uma nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código de Processo Civil, aplicável por via do disposto no artigo 666.º do mesmo diploma legal.

O certo é que, em processo laboral, resulta do art.º 77.º do Código de Processo do Trabalho, que existe um regime particular de arguição de nulidades de sentença, que se traduz no facto de a arguição ter de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, e, quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

Apesar de no processo laboral o requerimento de interposição de recurso dever conter a alegação do recorrente (art.º 81.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), não pode confundir-se o requerimento de interposição de recurso com a alegação de recurso. O requerimento é dirigido ao tribunal que proferiu a decisão - art. 637.º, n.º 1, do Código de Processo Civil - e a alegação é dirigida ao tribunal superior devendo conter as razões da discordância em relação à sentença e os fundamentos que, no entender do recorrente, justificam a sua alteração ou revogação.

 O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou inúmeras vezes sobre esta questão, sempre de forma unânime, no sentido de que a arguição de nulidades não deve ser atendida, caso a arguição de nulidades de sentença não seja feita pela forma prevista no art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho, nomeadamente quando tal arguição foi só suscitada na alegação de recurso.

No recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/6/2015, processo n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1, pode ler-se no seu sumário:

 Só se mostra cumprido o desiderato constante do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, quando o recorrente, no próprio requerimento em que interpõe recurso da decisão, consigna, de forma expressa e em separado – dizer, em separado do pedido ou da intenção de recurso -, que argui nulidades dessa mesma decisão, explicitando--as.

O mesmo aresto desenvolve a questão nos seguintes termos:

Efetivamente, aí se dispõe (art.º 77.º, do Código de Processo do Trabalho) que a «arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso», tendo vindo a ser firmado, de forma consistente, por esta Secção do Supremo Tribunal de Justiça o entendimento de que só se mostra cumprido o desiderato constante deste normativo quando o recorrente, no próprio requerimento em que interpõe recurso da decisão, consigna, de forma expressa e em separado, isto é, em separado do pedido ou da intenção de recurso, que argui nulidades dessa mesma decisão, explicitando-as, ainda que minimamente.

A razão de ser, como se salienta em todos esses arestos, tem a ver com os princípios da celeridade e economia processual, na medida em que o cumprimento daquela norma comporta a vantagem de permitir ao juiz a imediata perceção de que está colocada a questão da nulidade da sentença, dela podendo conhecer, suprindo-a ou tendo-a por infundada.

Como se consignou, no aresto desta Secção de 31/01/2012, na Revista n.º 70/04.2TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt,  nos termos do disposto no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a arguição de nulidades tem de ser feita, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso de forma explícita e concreta, dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal “a quo” e estas o são ao tribunal “ad quem”.

Ou, ainda, como de forma mais explícita, foi sumariado no aresto de 27/10/2010, Revista n.º 3034/07.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt:

I - A exigência contida no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – no sentido de a arguição de nulidades da sentença ter que ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso – justifica-se por razões de celeridade e economia processual que, marcadamente, inspiram o processo laboral, visando possibilitar ao tribunal recorrido a rápida e clara deteção das nulidades arguidas e respetivo suprimento.

II - A mera referência aos textos legais que preveem as nulidades não é suficiente para permitir que o tribunal recorrido detete, rápida e claramente, os vícios invocados.

Em suma, a norma contida no n.º 1, do art. 77.º, do Código de Processo do Trabalho, própria do contencioso laboral, também aplicável à arguição de nulidades apontadas ao Acórdão da Relação (art.º 666.º do Novo Código de Processo Civil), exige, a par da necessidade do anúncio da nulidade que se aponta à decisão recorrida, a invocação da motivação que sustenta esse vício, devendo essa motivação ser explanada de forma expressa e separada, de molde a facilitar ao juiz a perceção, imediata e sem necessidade de maiores indagações, de que está colocada a questão da nulidade da sentença.

Apreciando o requerimento de interposição de recurso logo se vê que a recorrente não suscitou, de forma expressa e separadamente, a questão de não ter sido observado o disposto no art.º 665.º n.º 2 do Código de Processo Civil, como impõe o citado art.º 77.º do Código de Processo do Trabalho, razão pela qual não se conhece da mesma.

Ainda quanto a esta questão, sublinhe-se que, por força do art.º 679.º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça não se pode substituir ao Tribunal recorrido.

Quanto ao mais, saliente-se que não se vislumbra, ao contrário do que defende a recorrente, que a interpretação feita no acórdão recorrido seja contrária ao artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, pois, no seu entender, tal interpretação em nada contribui para a justa composição do litígio e agrava a posição do interessado, retirando-lhe a possibilidade de regularizar a sua situação.

Como já se referiu estamos perante uma ação de cariz publicista, cujo objeto consiste em apurar a factualidade relevante para qualificar o vínculo existente, clarificando assim uma situação indefinida com vista a abrir caminho para a eventual discussão de uma séries de questões emergentes dessa situação.

Esta faceta da ação especial de Reconhecimento da Existência de Contrato de Trabalho insere-se plenamente na função jurisdicional dos tribunais, definida constitucionalmente, visando a tutela dos direitos dos cidadãos.

           

                                                           III

            Decisão:

 Face ao exposto, acorda-se em negar a revista confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 21/03/2018

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha