Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
94/07.8TBSCD.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: ACESSÃO DA POSSE
USUCAPIÃO
NEGÓCIO JURÍDICO
VALIDADE
TRADIÇÃO DA COISA
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 12/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA E DIREITOS / PROVAS - DIREITOS REAIS / POSSE / USUCAPIÃO / DIREITO DE PROPRIEDADE.
Doutrina:
- Abílio Vassalo Abreu, «Necessidade de uma Mudança Jurisprudencial em Matéria de Acessão de posse», Revista da Ordem dos Advogados. – Lisboa, (Out./Dez. 2012) pp. 1247-1322.
- Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2.ª edição, 1997, p. 289.
- Henrique Mesquita, Direitos Reais, 1967, pp. 104 e 105.
- Manuel Rodrigues, A Posse – Estudo de Direito Civil Português, 1940, pp. 291-291, 337-338.
- Meneses Cordeiro, A Posse, Perspectivas Dogmática Actuais, 2ª edição, pp. 131-137.
- Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 4:ª edição, 1987, p. 118.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. II, p. 14, Vol. III, 2ª edição, pp. 13 e 14.
- Soares do Nascimento, Cadernos de Direito Privado nº 21, Janeiro/Março de 2008, pp. 48 -51.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 279.º, 296.º, 342.º, N.º2, 1251.º, 1256.º, 1259.º, 1260.º, N.ºS1 E 2, 1263.º, AL. B), 1287.º, 1296.º, 1297.º, 1299.º, 1380.º, N.º1, 1409.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-10-2012, DE 07-04-2011 E DE 27-11-2007, TODOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Tendo a ré A invocado, como impeditivo do exercício do direito de preferência reclamado pelo autor, a sua aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o art. 7722.º e de parte (1/3) do prédio alienado, seria a ela que competia alegar e fazer a prova dos correlativos factos, de harmonia com o disposto no art. 342.º, n.º 2, do CC, ou seja, competia-lhe alegar e demonstrar que, na altura da realização da escritura de venda do bem em causa, 23-08-2006, já havia decorrido por inteiro o prazo da prescrição aquisitiva relativamente aos bens em causa, o que não fez.

II - O estipulado no art. 279.º do CC deve ser afastado do caso vertente, porque não está em causa o cômputo dos termos de prazos a que se refere a disposição.

III - O douto acórdão entendeu (ainda) ser adequado aplicar à situação a acessão da posse a que alude o art. 1256.º do CC, sendo que, para esta aplicação, não se exige que a posse seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido. Assim, somando a posse da ré A à dos seus antecessores (a mãe e padrasto), concluiu encontrar-se completado o prazo de usucapião, tendo, deste modo, a ré adquirido a propriedade do prédio do art. 7722.º e 1/3 do prédio vendido, sendo, assim, procedente o facto impeditivo do direito de preferência do autor, já que direito de preferência da ré A, como comproprietária, deverá prevalecer sobre o do autor.

IV - Esta construção foi certa, pois para que a acessão da posse, a que alude o art. 1256.º do CC, se verifique, basta que o actual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a transferência se baseie em acto (translativo) formalmente válido. Neste caso, essa posse não será titulada e de má fé pelo que, caso o actual possuidor queira beneficiar da acessão na posse, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), a posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada (posse de “menor âmbito”).
Decisão Texto Integral:
  

                                              

                                              

                                              

                                             Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                        1-1- AA, residente em ... instaurou contra BB e mulher CC, residentes no ... e DD e EE, residentes em ..., a presente acção com processo ordinário pedindo que se declare que é dono e legítimo possuidor dos prédios identificados em a) e b) do artigo 1º da p.i e se condenem os RR. a reconhecer-lhe o direito de preferência na compra e venda referida no artigo 12º da p.i.

                        Fundamenta este pedido dizendo que é dono e legitimo possuidor de dois prédios rústicos. Os 2ºs RR foram donos de um outro prédio rústico que confronta com um dos seus prédios rústicos, sendo que estes RR. venderam aos 1ºs RR. tal prédio, sem lhe dar a possibilidade de exercer o seu direito de preferência. O seu prédio é dotado de área inferior à unidade de cultura.

                        Contestaram os RR. dizendo que a 1ª R. (CC), à data da escritura de compra e venda já era proprietária de 1/3 do prédio em causa, onde foram feitas obras que constituíram benfeitorias no valor de € 50.000, sendo que o valor dos restantes 2/3  não ultrapassa os € 9.000. Além disso, a 1ª R. é a possuidora do prédio rústico inscrito na matriz sobre o artigo …º, prédio esse que confina a nascente com o prédio em causa nos autos. No prédio vendido encontra-se ocupada por uma construção que é dominante em relação à restante parte. Um dos prédios do A. é passível de ónus de eventual redução, onde aliás já se encontra construído um prédio urbano e o outro prédio tem um ónus de não fraccionamento. Não foi efectuado o depósito do preço.

                        Terminam pedindo a improcedência da acção e, em reconvenção, a condenação do A. a reconhecer que a 1ª R. mulher, à data de 23.8.2006, era já há mais de 15 anos, e antes dela a sua mãe e padrasto, há mais de 20, 30 anos, comproprietários, em cerca de 1/3 do prédio vendido, pelo que a venda só teve por objecto 2/3 do prédio, que a parte vendida o foi por nove mil euros e que a 1ª R. mulher e antes dela a mãe realizaram obras de benfeitorias de 50 mil euros.

                        O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido o despacho saneador, após o que se fixaram os factos assentes e se organizou a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                       

                        Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, consequentemente, declarou-se que o A. é dono e legítimo possuidor dos prédios identificados em 1 e 3, condenando-se os RR. a reconhecer ao A. o direito de preferência do A. na compra e venda referida em 4) e a substituir-se aos 1ºs RR. adquirentes na escritura mencionada em 4), bem como na titularidade e posse do prédio aí mencionado, posição que esta ocupará, mediante o pagamento do preço e demais despesas tidas com a aquisição, nomeadamente de escritura e registo.

                        Mais se julgou o pedido reconvencional totalmente improcedente e, como tal, absolveu-se o A. do mesmo.

                       

                        1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de ... tendo-se aí, por acórdão de 13-5-2014, julgado parcialmente procedente o recurso, julgando-se improcedente o pedido do A. e parcialmente procedente o pedido reconvencional dos RR., declarando estes proprietários de (cerca de) 1/3 de tal prédio.

                       

                        1-3- Irresignado com este acórdão, dele recorreu o A. AA para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                        O recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1ª- Está em causa no presente recurso e desde logo, saber em face dos factos provados se pode concluir, como se fez no douto Acórdão recorrido e com o que se não concorda, que a Ré CC adquiriu por usucapião o prédio inscrito sob o artigo ...° e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. 7712°) por se encontrar cumprido, contrariamente ao entendido em 1ª instância, o prazo de 15 anos, sendo por isso comproprietária e proprietária de prédio confinante;

                        2ª- É que não obstante estar demonstrada a boa fé da Ré CC, sobre o prédio inscrito sob o artigo ...º e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. 7725°), através da posse desde 1991 até à sua venda em Agosto de 2006, não se pode por aí concluir que esta adquiriu tal parcela e prédio por usucapião, por se encontrar cumprido o prazo de quinze anos à data de 23 de Agosto de 2006;

                        3ª- Tanto mais que demonstrada, como se refere no douto acórdão sob recurso, a boa fé da mãe e padrasto da Ré CC, sobre o prédio inscrito sob o artigo ...° e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. …º), através da posse desde 1976 a 1991, daí resultaria a necessária conclusão, por aplicação de igual raciocínio ao usado pelo Tribunal da Relação de ... e sob pena de contradição, do terminus ad quem do prazo da posse destes às 24 horas do último dia do ano de 1991 e assim a inevitabilidade do terminus a quo da posse da Ré CC às O horas do primeiro dia do ano de 1992.

                        4ª- E teria que ser sempre por referência à data de 23 de Agosto de 2006 que a Ré CC, tinha de alegar, como alegou, para ser provada, a sua posse de boa fé, durante 15 anos, para efeitos de lhe ver reconhecida a alegada aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo ...0 e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. 7725°) pertencendo-­lhe o ónus da prova dos factos constitutivos da declaração desse direito nos termos do art. 342º do Código Civil, e ser assim reconhecida, em consequência, como proprietária confinante e também comproprietária por referência àquela data;

                        5ª- Só uma vez provado esse direito da Ré CC, que não se provou, poderia ser afastado, por não provado, o facto constitutivo/pressuposto do direito de preferência alegado pelo Autor preferente, concretamente o de não ser o adquirente (no caso os primeiros Réus) proprietários confinantes, resultando provado que, contrariamente ao por este alegado, de que nenhum dos confinantes pretendia exercer esse direito, a Ré CC é afinal proprietária confinante e também comproprietária do prédio objecto da preferência;

                        6ª- E tendo a posse da Ré CC tido início, sem mais concretização em termos do concreto dia e mês, no ano de 1991, sempre a mesma tem de ser contada com referência à data de 31 de Dezembro de 1991, por outra anterior ser desconhecida e assim sempre os quinze anos só se completariam a 31 de Dezembro de 2006 - cfr nesse sentido o Acórdão do STJ de 14/04/2011 processo n"4044/06.0TBAMD.L.l.SJ em www.dgsi.pt.

                        7ª- Está também em causa no presente recurso saber se a figura jurídica da acessão na posse não exige, como se refere no douto acórdão sob recurso e entendimento com que o Recorrente não concorda, que esta seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido.

                        8ª- E a este respeito, resulta do douto acórdão sob recurso que, ainda que se entendesse que não se completou o prazo de 15 anos para a Ré CC ter adquirido os prédios por usucapião, sempre a esta assiste jus à invocação da acessão da posse e assim juntar o lapso temporal usufruído pela progenitora e iniciado em 1976 ao período por si começado em 1991 e até 2006 e assim se concluindo que mais do que satisfeito o período de 20 anos, também por aí a Ré CC adquiriu a propriedade do prédio inscrito sob o art. ...° e também 1/3 do prédio vendido por usucapião.

                        9ª- Entendendo o douto acórdão da Relação de ... que a figura jurídico da acessão da posse não exige que esta seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido;

                        10ª- Contudo, na situação concreta a posse da Ré CC é não titulada, na medida em que a adquiriu por acto de partilha nulo, por falta de forma legal, uma vez que a partilha foi verbal, sendo que a partilha em vida mais não é que uma doação, a qual, em 91 tinha de ser feita por escritura pública (art. 947º do CC da redacção em vigor em 1991) e assim não pode esta, contrariamente ao decidido pela Tribunal da Relação de ..., suceder na posse da sua mãe, sendo a partilha feita em vida, nem juntar à sua posse a posse da sua mãe, pelo facto de não ser possível a acessão na posse quando a transmissão não é feita através de uma relação jurídica válida e no caso foi por um acto nulo.

                      11ª- No sentido do decidido em 1ª instância, entendimento pelo qual o Recorrente pugna por via do presente recurso, de que o título a que alude e exige o art. 1256° do Código Civil é o que a lei também exigir para que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, não relevando, para o efeito, como título legitimo de aquisição, um acta nulo, sendo que neste caso, só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores se decidiu no Acórdão do STJ de 27/11/2007 processo 07AJ815 em www.dgsi.pt;

                        12ª- E entres outros também nesse sentido se decidiu no Acórdão do STJ de 07/04/2011 processo 956/07. 2TBVCT. G1.S1, nos Acórdãos da Relação do Porto de 20/11/2012 processo 2229/11.7TBVNG.P1, de 26/01/2012 processo 5978/08.3TBMTS.Pl, de 06/05/2010, processo 829/06.6TBCHV.Pl, todos em www.dgsi.pt, lendo-se neste último: “Contudo, como é entendimento dominante na doutrina e jurisprudência, para que se verifique a acessão de posse, nos termos do citado artigo 1256º1 do CC; é necessário que entre o transmitente e o adquirente haja um verdadeiro acto translativo da posse formalmente válida. Neste sentido Antunes Varela e Pires de Lima, no CC Anotado, Vol. II, 2Q edição, pág.14, Manuel Rodrigues, a Posse, págs. 252, 292 e 293, Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 2Q edição, pág. 80. Na jurisprudência são de referir entre outros os seguintes acórdãos: do STJ de 06.07.76, BMJ nº 259, 227 de 10.12.87, processo nº 075048, relator Cons. Eliseu Figueira, em www.djsi.pt. onde se decidiu: "A acessão de posses, na aquisição derivada, pressupõe a validade dos respectivos negócios jurídicos, sem o que não pode ser considerada a continuidade de posses para contagem dos prazos de usucapião”. Desta Relação 07.01.76, BMJ nº 259, 257; de 30.04.98, BMJ nº 476, 489, de 9.11.82, CJ, 1982, tomo V. pág. 210, mais recentemente, de 05.05.2005, processo nº 053157, desta secção, relator Ataíde das Neves, onde se decidiu: "Para que se verifique acessão de posse entre o transmitente e adquirente, nos termos do art. 1256º do CC, é imperativo que o negócio entre ambos constitua título justo, ou seja, que se trate de negócio válido formal e substancialmente: Relação de ... de 31.05.94, CJ; tomo 3, 29; Relação de Lisboa, de 01.03.01, CJ; tomo 2, 65 e da Relação de Guimarães, de 10.11.04, processo nº 1841/04.1, em www.dgsi.pt.

                   13ª- Assim, face à matéria de facto provada, terá de proceder a pretensão do autor de lhe ver reconhecido o direito de preferência na compra e venda que teve por objecto o prédio rústico inscrito sob o art..7725, tal como se havia decidido em 1ª instância, por verificados os respectivos pressupostos tal como se estabelecem nos arts. 1380° e 1410° do Código Civil.

                   14ª- Ao decidir em sentido diferente o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de ... violou o disposto nos arts. 1380°, 1410°, 342º e 1256° todos do Código Civil.

                       Os recorridos contra-alegaram, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                        2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil).

                        Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                        - Se R. CC adquiriu, ou não, por usucapião o prédio inscrito sob o artigo ...° e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. 7712°).

                        - Se terá de proceder a pretensão do A. de lhe ver reconhecido o direito de preferência na compra e venda sobre o prédio rústico em questão.

                       

                        2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                        1) O prédio sito em ..., lugar do ..., freguesia de pala Concelho de ..., com a área de 6.200m2, sobre o qual incide um ónus de não fraccionamento, inscrito na matriz sob o artigo 7724, encontra-se descrito na CRP de ... sob o nº 2176/20041213, a favor do A. (al. a) dos factos assentes).

                       2) Uma parte deste prédio já foi destinada para construção urbana (al.b) dos factos assentes).

                        3) O prédio misto, sito em ..., lugar do ..., freguesia de pala, concelho de ..., com a área de 1.739 m2, sobre o qual incide um ónus de eventual redução de doação, inscrito na matriz sob os artigos …-rústico e …-urbano, no qual foi edificada uma casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar, encontra-se descrito na CRP de ... sob o nº 00082/130487, a favor da A. (al.C) dos factos assentes).

                        4) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de Agosto de 2006 no Cartório Notarial de ..., junta a fls. 32 a 34 e que aqui se dá por reproduzida, os RR. DD e marido EE (2º RR) e os RR. BB declararam comprar pelo preço declarado de € 1.500,00: “rústico, sito em ..., lugar do ..., freguesia de …, concelho de ..., com a área de 859 m2, inscrito na matriz sob o artigo …, e descrito na CRP de ... sob o nº 1047/199961009, (al. d) dos factos assentes).

                        5) Pelo menos em parte do prédio mencionado em 1) o A. tem árvores de fruto e cultiva produtos agrícolas (artigo 1º da p.i).

                       6) Pelo menos a maior parte do prédio mencionado em 4) destina-se à cultura agrícola (art. 3º da b.i).

                       7) Este prédio confronta do lado sul com o prédio rústico referido em 1) (art. 4º da b.i).

                       8) E confronta ainda do lado nascente com o prédio referido em 3) (art. 5º da b.i).

                       9) Por volta do ano de 1976 a mãe e o padrasto da R. CC construíram uma fábrica de blocos e, para tal, utilizaram uma parcela de terreno dos mesmos, outra dos pais daquela e ainda uma parte do prédio referido em D), que na altura lhes foi dispensado pelos pais da R. DD, em área com cerca de 1/3 - (artigos 6º e 7º- da b.i).

                       10) Tal fábrica funcionou ininterruptamente desde o ano mencionado em 9) até ao ano de 2002 (artigo 8º da b.i).

                      11) O padrasto e a mãe da R. CC, ainda em vida, fizeram partilhas verbais dos seus bens pelos dois filhos desta última (artigo 9º da b.i).

                       12) Em consequência de tal, no ano de 1991, foi acordado que o prédio urbano onde morava a mãe e o padrasto da R. CC ficariam a pertencer ao irmão desta e que a parcela, mencionada nas respostas aos artigos 6º e 7º, onde foi implantada a fábrica, bem como esta e o prédio inscrito sob o artigo ..., sito em ... ficariam para a R. CC (artigos 10º a 12º da b.i).

                       13) Desde então a R. CC procede e suporta a limpeza da parcela de terreno referido em 9) (artigo 13 da b.i).

                        14) Bem como do prédio mencionado em 12, sito em ..., procedendo ao amanho desse terreno, tratando das árvores aí plantadas, as oliveiras e videiras, colhendo os seus frutos que utiliza em proveito próprio, fazendo ali as sua hortas sazonais, que vai plantando, semeando, cuidando e colhendo todos os seus frutos (artigo 14 da b.i).

                        15) A ré retira assim todos os frutos que a dita parcela e prédio são susceptíveis de produzir (art. 15 da b.i).

                       16) Tais condutas foram igualmente praticadas desde 1976, até 1991 pela mãe e padrasto da R. CC (artigo 16 da b.i).

                        17) Todos na firme convicção de que possuíam e possui coisa sua, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém (art.17 da b.i).

                        18) De forma pacífica e sem qualquer interrupção (artigo 18º da b.i).

                       19) Nas parcelas mencionadas em 9 foram realizadas pela mãe e padrasto da ré CC e, posteriormente, por esta e o R. BB, obras de demolição do tanque de água, escavação, de construção de muro de suporte e parede de fábrica (artigo 19 da b.i).

                       20) O prédio inscrito sob o artigo ..., sito em ..., mencionado em 12 destina-se à cultura, não possuindo qualquer construção (artigo 27 da b.i).

                       21) Este prédio confronta a nascente com o prédio referido em 4) (artigo 28 da b.i).

                       22) Os RR. CC e BB quando adquiriram os restantes 2/3 do prédio referido em 4. admitiram a possibilidade de nele construírem uma  moradia (artigo 29 da b.i).

                       23) Tal prédio é apto à construção urbana (artigo 3º da p.i.). ----------------------

                        2-3- Através da presente acção o A., AA, de essencial, pretende que lhe seja reconhecido o direito de preferir na compra e venda do prédio rústico que indica, que confronta com um dos seus prédios rústicos dotado de área inferior à unidade de cultura, e que os RR. DD e EE fizeram aos RR. BB e CC.

                       Na 1ª instância reconheceu-se ao A. esse direito de preferência, mas esta decisão foi revogada na Relação, aí se julgando improcedente o respectivo pedido de atribuição de preferência sobre o prédio em causa vendido. Isto porque se entendeu que a R. CC havia adquirido, por usucapião, um prédio confinante com o alienado e parte do próprio imóvel vendido.

                       É sobre este entendimento que o A. se insurge na presente revista, mantendo a posição de que beneficia do direito de preferência na aquisição do prédio em questão, já que não se pode legalmente considerar que a R. CC adquiriu por usucapião os ditos prédios.

                       Como ponto prévio convém sublinhar que o douto acórdão recorrido procedeu à alteração da matéria de facto assente, tendo sido com base nessa modificação (mas não só) que alterou a decisão proferida na 1ª instância, indeferindo o pedido de preferência deduzido pelo A.

                       Sobre a questão controvertida, o aresto recorrido considerou que o prazo de usucapião para a R. CC adquirir o prédio do art. ...º (que confina com o alienado) e o 1/3 do vendido foi de 15 anos, prazo que já havia ocorrido na data da alienação do imóvel, pelo que adquiriu os imóveis por usucapião. Assim, considerou procedente o facto impeditivo do direito de preferência do A., já que direito de preferência da R., como comproprietária, deveria prevalecer sobre o do A..

                       A esta argumentação, em contrário, responde o A. recorrente, dizendo que não aceita que, face dos factos provados, se possa concluir que a R. CC adquiriu por usucapião o prédio inscrito sob o art. ...° e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. …°) em razão de se encontrar cumprido o prazo de 15 anos. Teria que ser sempre por referência à data de 23 de Agosto de 2006 que a R. CC tinha de alegar e provar a sua posse de boa fé, durante 15 anos, para efeitos de lhe ver reconhecida a alegada aquisição originária, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo ...º e o pedaço de terreno do prédio vendido (art. …°), pertencendo-­lhe o ónus da prova dos factos constitutivos da declaração desse direito nos termos do art. 342º do Código Civil. Só uma vez provado esse direito da R. CC, que não se provou, poderia ser afastado, por não provado, o facto constitutivo/pressuposto do direito de preferência alegado pelo A. preferente. E tendo a posse da R. CC tido início, sem mais concretização, no ano de 1991, sempre o mesmo tem de ser contado com referência à data de 31 de Dezembro de 1991, por outra anterior ser desconhecida. Assim, os quinze anos só se completariam a 31 de Dezembro de 2006.

                        Ou seja, o recorrente, pese embora aceite a posse da R. CC sobre os imóveis em questão e a aplicação do prazo de 15 anos para aquisição dos imóveis por usucapião, não admite que este prazo já tivesse decorrido na altura da realização da venda em causa.

                        Vejamos:

                       Não se coloca qualquer dúvida que o A. teria o direito de preferência na aquisição do prédio alienado, de harmonia com o disposto no art. 1380º nº 1 do C.Civil (diploma de que serão as disposições a referir sem menção de origem). Como esta questão não é controversa, abstemo-nos de desenvolver a temática, remetendo-se para os termos da sentença de 1ª instância que tratou o assunto de forma profícua.

                   Tendente a obstaculizar a preferência do A., a R. CC, como se refere na sentença de 1ª instância, alegou ser proprietária de um prédio confinante com o prédio vendido, circunstância que, no prisma dessa decisão, os RR. não conseguiram provar. Isto “com o argumento fulcral que estando apenas em causa a aquisição originária de tais terrenos via usucapião, não se encontram ainda decorrido o prazo de vinte anos, ou até, o de 15 anos, necessários para usucapir. E tal porque a posse da CC dimana de um ato nulo por preterição de forma legal – partilha meramente verbal – e que, assim a acessão da posse prevista no artº1256º do CC, com a cumulação da sua posse à anterior posse da mãe e padrasto, não pode verificar-se, pois que tal acessão pressupõe necessariamente a pratica de atos possessórios mediante um negócio jurídico-formalmente válido” (in acórdão recorrido). Daí a improcedência da pretensão dos RR..

                       O douto acórdão recorrido, por sua vez, considerou provada a boa fé da posse da R. CC e da sua mãe e padrasto sobre o prédio art. ...º e sobre o pedaço do terreno do prédio vendido. Para estes, desde 1976 a 1991 e para aquela desde essa altura e até à venda efectivada em Agosto de 2006. Concluiu, assim, que a R. CC adquiriu tal parcela e prédio por usucapião, já que se encontra cumprido o prazo de 15 anos necessários para aquisição, o que inviabiliza a preferência do A.. É que lei atribui ao comproprietário o primeiro lugar entre os possíveis preferentes legais no caso de venda ou dação em cumprimento a estranhos da quota de qualquer dos consortes (art. 1409º do CC), pelo que tendo a R. CC exercido o seu o direito de preferência ( como comproprietária) este prevalece sobre o do A..

                       

                        No que toca à integração do direito da R. CC (aquisição por usucapião o prédio inscrito sob o art. ...° e principalmente o 1/3 do terreno do prédio vendido inscrito no art. 7712°) que impede o invocado direito de preferência do A., provaram-se os seguintes factos (após a alteração efectuada pela Relação).

                        Por volta do ano de 1976 a mãe e o padrasto da R. CC construíram uma fábrica de blocos e, para tal, utilizaram uma parcela de terreno dos mesmos, outra dos pais daquela e ainda uma parte do prédio referido em D) (prédio que foi objecto da alienação em questão), que na altura lhes foi dispensado pelos pais da R. DD, em área com cerca de 1/3. Tal fábrica funcionou ininterruptamente desde o ano mencionado em 9) até ao ano de 2002. O padrasto e a mãe da R. CC, ainda em vida, fizeram partilhas verbais dos seus bens pelos dois filhos desta última, em consequência de que, no ano de 1991, foi acordado que o prédio urbano onde morava a mãe e o padrasto da R. CC ficariam a pertencer ao irmão desta e que a parcela, mencionada nas respostas aos artigos 6º e 7º, onde foi implantada a fábrica, bem como esta e o prédio inscrito sob o artigo ..., sito em ... ficariam para a R. CC. Desde então a R. CC procede e suporta a limpeza da parcela de terreno referido em 9). Bem como do prédio mencionado em 12, sito em ..., procedendo ao amanho desse terreno, tratando das árvores aí plantadas, as oliveiras e videiras, colhendo os seus frutos que utiliza em proveito próprio, fazendo ali as sua hortas sazonais, que vai plantando, semeando, cuidando e colhendo todos os seus frutos. A R. retira assim todos os frutos que a dita parcela e prédio são susceptíveis de produzir. Tais condutas foram igualmente praticadas desde 1976, até 1991 pela mãe e padrasto da R. CC, todos na firme convicção de que possuíam e possui coisa sua, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, de forma pacífica e sem qualquer interrupção. Nas parcelas mencionadas em 9 foram realizadas pela mãe e padrasto da R. CC e, posteriormente, por esta e o R. BB, obras de demolição do tanque de água, escavação, de construção de muro de suporte e parede de fábrica

                       Quer dizer e para o que aqui importa, perante estes factos fica claro que a R. CC desde 1991 tem vindo a possuir o prédio inscrito sob o artigo ...º e 1/3 do prédio em questão, sendo que antes dela, ininterruptamente, o haviam possuído a sua mãe e padrasto, estes desde 1976. A sucessão na posse do prédio e da parcela, da sua mãe e padrasto para essa R., deu-se por efeito de partilhas verbais.

                       A questão que primordialmente se coloca será o de saber se, perante esta factualidade, a R. CC adquiriu, ou não, por usucapião, a propriedade desses bens.

                       Não existem dúvidas que a usucapião constitui uma forma (originária) de aquisição da propriedade de um bem. Com efeito, de harmonia com o disposto no art. 1287º “a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito de propriedade a cujo exercício corresponde a sua actuação”.

                       Para que se verifique a usucapião, é necessário que ocorra a posse sobre a coisa, durante um determinado período de tempo (que varia conforme as circunstâncias previstas nos arts. 1294º e segs.). Só a posse pública e pacífica conduz à aquisição por usucapião, como decorre do disposto no art. 1297º.

                        De harmonia com o disposto no art. 1296º, não havendo registo do título nem da mera posse (o que é o caso dos autos), a usucapião dá-se no termo de 15 anos se a posse for de boa fé, ou de 20 anos de for de má fé.

                        Por outro lado, posse, como estabelece o art. 1251º, “é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. É comummente aceite que, uma situação de posse, se consubstancia em dois componentes, no elemento material, o corpus, que se consolida nos actos concretos de detenção ou fruição praticados sobre o bem e no elemento psicológico, o animus, que se traduz no intuito de o detentor ou fruidor se comportar, perante a coisa, como titular do direito real correspondente aos actos praticados.

                       Significa isto tudo que, numa acção com vista ao reconhecimento de aquisição de propriedade por usucapião de uma coisa, deve provar-se que a posse exercida sobre esta, deve corresponder ao direito de propriedade, ou seja, é preciso demonstrar-se que a pessoa se tem comportado em relação à coisa como se proprietário fosse, não só sob o ponto de vista de poder de facto sobre ela, mas também com a intenção de se comportar como titular desse direito real.

                     Numa acção com vista ao reconhecimento de aquisição de propriedade por usucapião de uma coisa, deve provar-se que a posse exercida sobre esta, deve corresponder ao direito de propriedade, ou seja, é preciso demonstrar-se que a pessoa se tem comportado em relação à coisa como se proprietário fosse, não só sob o ponto de vista de poder de facto sobre ela, mas também com a intenção de se comportar como titular desse direito real.

                        De harmonia com o disposto no art. 1260º nº 1 a posse é de boa fé, quando o possuidor ignorava ao adquiri-la que lesava o direito de outrem, sendo que a posse titulada presume-se de boa fé e não titulada de má fé (nº 2 do mesmo artigo).

                        Observemos agora a situação vertente.

                        Como o acórdão recorrido afirma e o recorrente aceita, a posse da R. CC sobre a parcela em questão é de boa fé (já que a possuidora ignorava ao adquiri-la que lesava o direito de outrem). Trata-se de uma posse não titulada, dado que a dita R. a adquiriu, dos seus antecessores, através de um negócio formalmente inválido (partilha em vida)[1]. É uma posse pública e pacífica, porque se desenvolveu à vista de todos e sem oposição de ninguém. O prazo de usucapião é de 15 anos (art. 1296º).

                        O aresto recorrido considerou que quando o negócio em causa foi realizado já o prazo de aquisição prescritiva (usucapião) se havia completado. Isto porque “provando-se que a CC possui os prédios desde 1991, sem apuramento do concreto dia ou até mês, tal ano tem de ser considerado na sua totalidade, pois que a contagem do prazo se faz ao ano e não ao dia ou, até, ao mês. Ou seja, o seu terminus a quo tem de ser reportado ao 1º dia do ano. Isto por analogia com o sucede como o terminus ad quem do prazo fixado em anos, o qual se tem por reportado às 24 horas do último dia do ano – cfr. artº 279º al. c) e  296º do CC. Assim sendo e se porventura duvidas existissem quanto ao mês do ano de 1991 em que se iniciou a posse da ré, tais dúvidas teriam de ser dissipadas pelo autor, sobre ele incidindo o ónus de provar que tal posse se iniciou depois de Agosto de tal ano. Não tendo cumprido tal ónus e até porque situando-se este mês para além do meio do ano, existindo assim, mais hipóteses de a posse da ré se ter iniciado antes dele, porque reportado a um maior período – os sete meses anteriores em vez dos cinco posteriores –, é de concluir, não apenas na vertente estritamente legal, com também na perspetiva do juízo razoável, pela verificação do prazo de 15 anos e, assim, pela aquisição via usucapião, dos prédios – parcela do vendido e artº ... – em causa”.

                        Isto é, segundo o aresto recorrido, não se conhecendo o momento concreto de 1991 em que a R. CC iniciou a posse sobre os ditos bens imóveis, deverá ser considerado esse ano na sua totalidade, pois que a contagem do prazo se faz ao ano e não ao dia ou, até, ao mês, de harmonia com o disposto nos arts. 279º al. c) e 296º. Mas mesmo que existissem duvidas quanto ao mês do ano de 1991 em que se iniciou a posse da R., tais dúvidas deveriam ter sido dissipadas pelo A., já que sobre ele incidia o ónus de provar que tal posse se iniciou depois de Agosto de tal ano, o que não fez, pelo que deve acarretar com ónus de ver verificado o prazo da usucapião. Acresce que situando-se o mês de Agosto para além do meio do ano, existem mais hipóteses de a posse da R. se ter iniciado antes dele, porque reportado a um maior período, pelo que também por este prisma de razoabilidade pela verificação do prazo de 15 anos e, assim, pela aquisição da propriedade por usucapião.

                       Não podemos aceitar esta posição, pela simples razão que a adesão a esta tese iria subverter as regras do ónus da prova que se devem aplicar à situação.

                        Expliquemos melhor:

                        Tendo a R. CC invocado, como impeditivo do exercício do direito de preferência reclamado pelo A., a sua aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o art. ...º e de parte (1/3) do prédio alienado (tendo até deduzido pedido reconvencional pedindo a correspondente de declaração de aquisição da respectiva propriedade), seria a ela que competia alegar e fazer a prova dos correlativos factos, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2. Seria, pois, seu ónus, alegar e demonstrar que, na altura da realização da escritura de venda do bem em causa, 23 de Agosto de 2006, já havia decorrido por inteiro o prazo da prescrição aquisitiva relativamente aos supra-indicados bens, ou seja, deveria ter afirmado e provado que a sua posse se havia iniciado antes de 23 de Agosto de 1991. Só assim demonstraria a decorrência completa do prazo de usucapião. Evidentemente que tendo-se provado (somente) que a sua posse se iniciou em 1991, não será consentido concluir que na data da alienação do prédio já haviam decorrido 15 anos (ou mais) sobre o início da posse dos mesmos bens. É claro que também não se poderá, sob o ponto vista lógico e racional, excluir a passagem desse período temporal, mas o que interessava e competia à R. era realizar a demonstração do facto impeditivo/extintivo do direito de preferência invocado pelo A., de harmonia com a disposição legal citada e não ao A. preferente fazer a demonstração da não verificação do prazo de prescrição aquisitiva por parte dessa R..

                       Significa isto que o estipulado no art. 279º deve ser afastado do caso vertente, até porque não está em causa o cômputo dos termos de prazos a que se refere a disposição.

                       Serve isto para dizer que, não se podendo ter como demonstrada a passagem, na data da escritura, de 15 anos desde o começo da posse da R. CC sobre os ditos bens, haverá que concluir que ela não logrou provar a aquisição da propriedade dos imóveis por usucapião nessa altura.

                       

                       O douto acórdão acrescentou que, mesmo que se entendesse que a R. CC (por si própria) não havia adquirido os ditos bens por usucapião, seria adequado aplicar à situação a acessão na posse a que alude o art. 1256º. Para tal sustentou dever considerar-se que tal figura jurídica não exige que esta seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido e, assim, somando a posse da R. CC à dos seus antecessores (a mãe e padrasto), concluiu encontrar-se completado o prazo de usucapião (mesmo se se considerar o período de 20 anos), tendo, assim, essa R. adquirido a propriedade do prédio do art. ...º e 1/3 do prédio vendido. Para justificar esta construção afirmou que “para transmitir a posse não é preciso qualquer contrato válido: basta a tradição ou o constituto, um e outro ínsitos (eventualmente) num qualquer esquema abstractamente idóneo para transmitir direitos, ainda que, concretamente, o não sejam» - Menezes Cordeiro in A Posse, Perspectivas …, 1997, 136, apud Ac. do STJ de  02.05.2012, p. 1588/06.8TCLRS.L1.S1. Efetivamente a posse é, essencial e determinantemente, o exercício de poderes materiais e de facto sobre uma coisa. Tanto que, em caso de dúvida, «presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto» sobre a coisa – artº 1252º nº2 do CC. Por outro lado, a posse «é titulada se fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico» - artº 1259º nº1. Aliás a lei vai até mais longe considerando inclusive validamente transmitida a posse nos casos em que não se prova uma apreensão material da coisa. Assim, e no âmbito sucessório: «por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa» - artº 1255º. E, no designado constituto possessório: «se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa» - artº 1264ºnº1. Destarte, ex vi desta figura: «nada tendo sido alegado e, muito menos, provado, no sentido de que os anteriores proprietários dos prédios não estavam na posse dos mesmos e sendo regra, como se sabe, que o dono da coisa tenha a posse dela, tal posse ingressa ipso jure na esfera do adquirente dos prédios, por compra!» - Ac. do STJ de 15.10.2009, p. 2672/03.5TBCBR.C2.S1. Ora a lei não exige, para que a posse seja taxada de titulada, a existência do direito na esfera jurídica do transmitente, bem como a validade substancial do respetivo negócio jurídico, mas apenas que este seja, em tese e aparentemente, legítimo. Bem como nem sequer exige a prova do ato material translativo da mesma, antes presumindo, face a um modo aparentemente legítimo de transmissão/aquisição, que a posse é exercida sobre a coisa. E podendo, assim, qualquer sujeito de direito, ter-se como possuidor mesmo sem estarem preenchidos tais requisitos. Pelo que não se alcança que os mesmos, vg. a validade formal do negócio, sejam exigidos para se invocar a acessão na posse.  Até porque, na acessão, «como a posse do sucessor, se adquire com o consentimento do possuidor anterior, o ato material integrador do corpus não tem que revestir a mesma intensidade que se exige para a aquisição originária, bastando uma entrega simbólica da coisa. Em alguns casos dispensa-se mesmo qualquer acto material e admite-se a transferência da posse, solo consensu» - Henrique Mesquita in Direitos Reais, p. 100, apud A. Varela, ob. e loc. cits. Inexistem, pois, quaisquer motivos, legais ou de cariz fáctico-teleológico-material para tal exigência. Maxime se se provar, como no caso se provou, que na esfera jurídica dos transmitentes – mãe e padrasto da ré CC – já existiam os prédios partilhados e houve uma efetiva translação material dos mesmos para a filha, a qual, desde então, contínua e ininterruptamente, os passou a amanhar como se dona fosse, de boa fé, publica e pacificamente e à vista de toda a gente. Encontrando-nos assim, perante uma posse imediatamente continuada e substancialmente homogénea: tanto a mãe da CC como esta possuíram ao mesmo título o mesmo direito - o de propriedade - relativamente à totalidade dos mesmos prédios transmitidos”. Concluiu, dizendo que “à ré assiste jus à invocação da acessão da posse e, assim, juntar o lapso temporal usufruído pela progenitora e iniciado em 1976 ao período por si começado em 1991 e até 2006”.

                        A esta estrutura jurídica responde o recorrente afirmando que o art.. 1256°, no que toca à acessão da posse, exige que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, sem o que não pode ser considerada a continuidade de posses para contagem dos prazos de usucapião, não relevando, para o efeito, como título legitimo de aquisição, um acto nulo, sendo que neste caso, o possuidor só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores. Assim, não se podendo contar a posse dos anteriores possuidores dos bens, a R. CC não os adquiriu por usucapião e, consequentemente, terá de proceder a pretensão do A. de lhe ver reconhecido o direito de preferência na compra e venda que teve por objecto o prédio rústico inscrito sob o art..7725º, tal como havia sido pedido.

                       

                        Como já se disse, a transmissão da posse dos ditos bens da mãe e padrasto da R. CC, para esta, foi efectuada através de partilhas verbais feitas em vida (sem, portanto, formalização do acto – escritura pública – arts. 2029º e 947º nº 1 então em vigor -), pelo que nos parece pacífico e sem controvérsia que a transferência da posse dos bens se realizou por acto formalmente inválido.

                        As circunstâncias factuais provadas, revelam, porém, que a R. CC adquiriu a posse dos anteriores antepossuidores, através da tradição material dos bens, o que constitui uma forma de aquisição da posse (art. 1263º al. b)).

                        A questão que urge apreciar e decidir será a de saber se não tendo sido transmitida a posse dos ditos bens à R. CC, por modo formalmente válido, ela poderá, mesmo assim, beneficiar da posse dos antepossuidores, de harmonia com o disposto no art. 1256º nº 1.

                       E diga-se, desde já, que a resposta ao assunto não se afigura linear, existindo controvérsia sobre o tema na jurisprudência e doutrina.

                       Estabelece o dito art. 1256º nº 1 que “aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da sucessão por morte pode juntar à sua posse a do antecessor”. Acrescenta o nº 2 que “se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da posse do sucessor, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que tem menor âmbito”.

                       A acessão da posse implica uma transmissão por acto inter vivos e, nessa circunstância, ao actual possuidor é reconhecida a faculdade de juntar à sua a posse do antecessor, para efeitos de contagem do período da sua duração[2], servindo para, assim, fazer funcionar a usucapião ou prescrição aquisitiva. Como refere Oliveira Ascensão “a união das posses permite que a posse do novo possuidor se some à do antigo, de modo que a contagem do tempo por que se possuiu, tão importante em matéria de usucapião, se faz desde o início da posse mais antiga, de que a actual deriva[3]. No mesmo sentido afirma Meneses Cordeiro[4] que acessão na posse é “o instituto pelo qual, para efeitos, designadamente de usucapião, o possuidor pode juntar à sua a posse do seu antecessor”. Por sua vez, Abílio Vassalo Abreu[5], fazendo uma maior precisão sobre a figura jurídica, afirma que a acessão de posse “é o instituto pelo qual o possuidor pode juntar ao lapso de tempo da sua posse o da posse do seu antecessor, desde que ambas as posses estejam ligadas entre si por um nexo de aquisição derivada diverso da sucessão por morte, para efeitos, nomeadamente, de usucapião”.

                        A sucessão de posses deve ser contígua, ininterrupta e as posses devem coincidir no seu objecto. Em caso de posses de “diferente natureza”, a cessão verificar-se-á dentro dos limites da posse de “menor âmbito” (art. 1256º nº 2 in fine). Refere Henrique Mesquita, a este propósito, que “a sucessão só é admissível em relação a posses consecutivas” e “se as posses têm a mesma natureza mas o objecto só parcialmente é o mesmo apenas em relação à parte coincidente do objecto será admissível a sucessão[6]. Sobre este aspecto afirma também Meneses Cordeiro[7] que “para operar a acessão, seria necessário que ambas as posses fossem contínuas, ininterruptas e do mesmo tipo. A interposição, entre ambas, duma posse de terceiro ou a quebra da situação impediriam a acessão. Quanto à posse do mesmo tipo: a doutrina é assente no sentido de, havendo diferenças, a acessão opera no âmbito menor. Trata-se, afinal, da orientação consagrada no Código Português vigente”.

                      Sobre a transmissão da posse do transmissor para aquele que a recebe, por acto diverso da sucessão por morte (como é o caso), Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado[8] referem que “ao contrário do que acontece na sucessão por morte, prevista no artigo anterior, a acessão não dispensa, por parte do novo possuidor, o elemento material da posse, o corpus. «Simplesmente, escreve Henrique Mesquita … como a posse se adquire agora com o consentimento do possuidor anterior, o acto material integrador do corpus não tem que revestir a mesma intensidade que se exige para a aquisição originária, bastando uma entrega simbólica da coisa. Em alguns casos dispensa-se mesmo qualquer acto material e admite-se a transferência da posse solo consensu» (cfr. Arts. 1263 e segs.).

                        Como é reconhecido doutrinalmente de forma pacífica, a acessão na posse destina-se a facultar o funcionamento da usucapião[9]. Só com vista a aquisição do direito real correspondente, é que se justificará a soma de posses.

                       Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, em relação à questão particular debatida nos autos, sustentam que para funcionar a acessão será ”necessário que haja um verdadeiro acto translativo da posse” ou seja “uma verdadeira relação jurídica entre os dois antepossuidores“ e “formalmente válida, o que não acontece, por exemplo, na venda de imóveis por mero acordo verbal[10]

                      Esta doutrina era sustentada por Manuel Rodrigues, em face do Código de Seabra que, sublinhe-se, não contemplava expressamente a acessão na posse. Afirmava este autor a respeito da posse titulada, que ”um título deve considerar-se invalidus quando lhe faltar um elemento essencial, porque, em qualquer caso quando assim suceder não é um modo legítimo de adquirir. Daqui resulta que não há justo título sempre que, exigindo a lei uma forma solene, esta não exista. Por exemplo, não é justo título o contrato verbal de venda de um prédio rústico, embora seja acompanhado de tradição.[11]. Este autor prosseguia, a respeito da acessão na posse, clarificando que o “vínculo deve, todavia, ser válido. Se o acto de transmissão do direito não é válido, não há transmissão do jus possidendi que aqui é a causa da junção do jus possionis, embora o negócio jurídico nulo caracterize (…) a posse[12].

                     Afirma Soares do Nascimento[13] fazendo a crítica a este entendimento, que “estabelecia-se assim a acessão possessória dependente, se bem interpretamos, da existência de uma posse causal – aquela que acompanha a efectiva titularidade do direito subjacente: Basta atentarmos que Manuel Rodrigues associa o jus possidendi à posse causal e possessionis à formal… Tal visão, claramente, retira importância à acessão (e à própria posse) como instituto destinado a facilitar a usucapião. Não recebeu, por isso, consagração no Código de 1966”.

                       No mesmo sentido, Menezes Cordeiro[14] pronunciando-se (também) sobre a posição de Manuel Rodrigues afirma (face ao Código de Seabra) “no caso de acessão na posse: podia-se exigir o título – e mesmo o título válido – sem paralisar a usucapião porque, perante a posse de 30 anos, a falta de título (ou, a fortiori, a sua invalidade) não podiam ser invocados. Logo se vê, por aqui, o equívoco que surge quando, sem ter em conta a diversidade de técnicas seguidas, se pretendem transpor máxima como a de Manuel Rodrigues, sobre a acessão da posse, para o Código actual”. Prosseguindo o seu raciocínio, em divergência com o entendimento de Manuel Rodrigues (adoptado por Pires de Lima e Antunes Varela) defende que “para transmitir a posse não é preciso qualquer contrato válido: basta a tradição ou o constituto, um e outro ínsitos (eventualmente) num qualquer esquema abstractamente idóneo para transmitir direitos, ainda que, concretamente, o não sejam[15]. E ainda que “em parte alguma a lei portuguesa … exige para a transmissão da posse, títulos, negócios ou vínculos válidos. Estamos no domínio do possessório e não do peditório[16]. Afirma também que o entendimento que critica iria impedir a usucapião nos casos de falta de título e de boa fé acrescentando que este ponto merece ser pensado, já que “o Código Civil vigente admite a usucapião baseada em posse não titulada e de má fé – cf. 1296º. Ora nestes casos, nunca poderia haver acessão na posse: não havendo título ou registo do mesmo nenhum notário lavraria a competente escritura. Seria um espantoso retrocesso histórico. Não se pode ter por admitido”.

                        Refere, em sentido idêntico Soares do Nascimento[17] que “… a posse pode ser não titulada (ex. adquirida por virtude de um acto jurídico com vício de forma, que inquine a transferência do direito), mas obtida por via derivada (ex. entrega ou constituto possessório). Tal possuidor pode invocar a posse do anterior possuidor (e pode invocar, também, a posse dos que antecederam o possuidor anterior, desde que não depare com nenhum modo originário de aquisição)”. Termina concluindo que “a posse, titulada ou não, confere ao possuidor a faculdade de invocar a acessão, desde que adquirida por via derivada[18].

                     Esta posição é defendida igualmente por Abílio Vassalo Abreu[19] que afirma em relação à acessão na posse, que se verifica “uma fusão-confusão entre a fórmula restritiva «título diverso da sucessão por morte» de que fala ambiguamente o nº 1 do art. 1256º, onde, como vimos, se exige, para haver posse titulada, um requisito negativo – o de que o negócio-título (titulus adquirendi) legítimo ou idóneo, em abstracto, para adquirir o direito real nos termos do qual se visa possuir (ist est: o requisito positivo) não enferme de um vício de forma ad substantiam[20]. Acrescenta que “na verdade, nada no preceito legal analisado (art. 1256.º) inculca a ideia de que tenha de existir um vínculo jurídico válido entre o novo e o antigo possuidor, cingindo apenas à observância de uma formalidade ad substantiam a acessão na posse; i.e., à posse titulada. Por outro lado, sendo possível a usucapião baseada na posse não titulada e de má fé, tal como decorre dos arts. 1296.º e 1299.º do CC, não se alcança qualquer razão para desaplicar, em tais casos, a acessão da posse”. Fazendo uma súmula do seu entendimento, diz este autor que “se a posse for adquirida através da entrega ou tradição real e houver inobservância de uma forma ad substantiam, apenas sucede que essa posse é não titulada (cf. a parte final do art. 1259.º, n.º 1, a contrario sensu) e, em consequência, presumida juris tantum (cf. art. 350.º, n.º 2) de má fé (cf. art. 1260.º, n.º 2). Donde deflui, tão-só, que se a posse do antecessor (tradens) for titulada e o actual possuidor (accipiens) quiser beneficiar da acessão, aquela posse valerá como não titulada (e, logo, presumida iuris tantum de má fé), cumprindo-se, assim, o requisito de «menor âmbito» (cf. art. 1256.º, n.º 2). É o que a nossa lei exige – e não mais nem menos do que isso”.[21]

                        Quer dizer, segundo estes autores, em resumo, para que a acessão na posse, a que alude o art. 1256º, seja operante basta que o actual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a posse seja causal ou posse titulada. Essencial será que o transferente seja o possuidor e deixe de o ser, por deslocar a posse para o outro. Não haverá que confundir a transmissão do direito com a transferência da posse. Esta opera independentemente do direito “com uma «lógica de circulação» própria do poder factual ou empírico, que caracteriza o instituto possessório, distinta da do poder jurídico (ou tão só formal-jurídico) que é típico do direito”.[22] Se ocorrer a tradição real ou efectiva da posse, com inobservância da forma legal de transferência do direito, apenas sucederá que essa posse não será titulada, como decorre do disposto no art. 1259º in fine a contrario sensu, e de má fé (art. 1260º nº 2).

                        Foi esta a tese a que aderiu o douto acórdão recorrido.

                        A jurisprudência deste STJ, designadamente os acórdãos de 18-10-2012, de 07-04-2011 e de 27-11-2007[23] (todos em www.dgsi.pt/jstj.nsf), tem vindo a entender, seguindo o entendimento dos Profs. Pires de Lima e Antunes Varela que para funcionar a acessão será necessário que ela se baseie num verdadeiro acto translativo da posse, num acto formalmente válido.

                       Entendemos não aderir a esta tese, já que, nosso ver, é patentemente redutora e antinómica com a possibilidade concedida pelos arts. 1296º e 1299º de poder ocorrer a usucapião em casos de falta de registo do título e da mera posse. Redutora porque não tem base legal. Subjacente à acessão está (somente) a transmissão da posse “a efectuar nos molde próprios por que esta se transfere[24], ou seja, nos termos do art. 1263º e mais particularmente, de harmonia com a al. b) deste dispositivo, sendo que aqui não se exige qualquer acto jurídico de transferência válido mas apenas “a tradição material ou simbólica da coisa, efectuada pelo anterior possuidor”. Por outro lado, sendo possível a usucapião baseada na posse não titulada e de má fé, tal como decorre dos arts. 1296º e 1299º, não se alcança qualquer razão para desaplicar, em tais casos, a acessão na posse.

                      Quer isto dizer, não aceitando a referenciada tese, entendemos que para que a acessão na posse, a que alude o art. 1256º, se verifique, basta que o actual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a transferência se baseie em acto (translativo) formalmente válido. Neste caso, como já acima afirmámos, essa posse não será titulada e será de má fé. Como refere a este propósito Vassalo Abreu “se a posse for adquirida através da entrega ou tradição real e houver inobservância de uma forma ad substantiam, apenas sucede que essa posse é não titulada (cf. a parte final do art. 1259º, n.º 1, a contrario sensu) e, em consequência, presumida juris tantum (cf. art. 350º, n.º 2) de má fé (cf. art. 1260.º, n.º 2). Donde deflui, tão-só, que se a posse do antecessor (tradens) for titulada e o actual possuidor (accipiens) quiser beneficiar da acessão, aquela posse valerá como não titulada (e, logo, presumida iuris tantum de má fé), cumprindo-se, assim, o requisito de «menor âmbito» (cf. art. 1256º, nº 2). É o que a nossa lei exige – e não mais nem menos do que isso[25].

                       Se a posse do antecessor for titulada e caso o actual possuidor quiser beneficiar da acessão, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), aquela posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada, como decorre do disposto no art. 1256º, nº 2 (posse de «menor âmbito»)

                        Em síntese: Se a posse for conferida ao actual possuidor através da entrega do bem mas sem que a transferência dela se faça por negócio formalmente válido, a consequência será (somente) a de se ter a posse como não titulada e de má fé (arts. 1259º nº 1 e 1260º nº 2). Nestas circunstâncias, caso o actual possuidor queira beneficiar da acessão, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), a posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada (posse de «menor âmbito»)

                       Quer isto dizer e tendo-se provado que tanto a mãe da R. CC e padrasto como esta possuíram o mesmo direito - o de propriedade - relativamente à totalidade dos mesmos prédios transmitidos - encontrando-nos perante uma posse  continuada, pelo que a essa R. “assiste jus à invocação da acessão da posse e, assim, juntar o lapso temporal usufruído pela progenitora e iniciado em 1976 ao período por si começado em 1991 e até 2006 (in acórdão recorrido), tendo ocorrido, assim, o prazo da usucapião.

                        Tendo adquirido a R. CC os ditos prédios por usucapião (principalmente o 1/3 do prédio alienado sobre o qual o A. pretende exercer o direito de preferência) a construção jurídica efectuada pelo douto acórdão recorrido foi certa (prevalência do direito de preferência da R., como comproprietária, sobre o direito de preferência do A.), pelo que merece confirmação.

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

                       - Tendo a R. CC invocado, como impeditivo do exercício do direito de preferência reclamado pelo A., a sua aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o art. ...º e de parte (1/3) do prédio alienado seria a ela que competia alegar e fazer a prova dos correlativos factos, de harmonia com o disposto no art. 342º nº 2 do C.Civil, ou seja, competia-lhe alegar e demonstrar que, na altura da realização da escritura de venda do bem em causa, 23 de Agosto de 2006, já havia decorrido por inteiro o prazo da prescrição aquisitiva relativamente aos bens em causa, o que não fez.

                        - O estipulado no art. 279º C.Civil deve ser afastado do caso vertente porque não está em causa o cômputo dos termos de prazos a que se refere a disposição.

                        -O douto acórdão entendeu (ainda) ser adequado aplicar à situação a acessão na posse a que alude o art. 1256º, sendo que para esta aplicação não se exige que a posse seja transmitida, necessária e inelutavelmente, através de um negócio jurídico formalmente válido. Assim, somando a posse da R. CC à dos seus antecessores (a mãe e padrasto), concluiu encontrar-se completado o prazo de usucapião, tendo, deste modo, a R. adquirido a propriedade do prédio do art. ...º e 1/3 do prédio vendido, sendo, assim, procedente o facto impeditivo do direito de preferência do A., já que direito de preferência da R. CC, como comproprietária, deverá prevalecer sobre o do A..

                        - Esta construção foi certa, pois para que a acessão na posse, a que alude o art. 1256º, se verifique, basta que o actual possuidor tenha adquirido a posse derivada do antecessor através da entrega ou tradição da coisa, sem que seja de exigir que a transferência se baseie em acto (translativo) formalmente válido. Neste caso essa posse não será titulada e de má fé pelo que, caso o actual possuidor queira beneficiar da acessão na posse, dada a natureza da sua posse (não titulada e de má fé), a posse (do antecessor) valerá (somente) como não titulada (posse de «menor âmbito»)

                                               

                        III- Decisão:

                       Por tudo o exposto, se bem que pelos ditos motivos, nega-se a revista.

                        Custas pelo recorrente.

Lisboa, 2 de Dezembro de 2014

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

__________________________
[1] Acto inválido por não ter sido realizado por escritura pública (arts. 2029º e 947º nº 1 então em vigor)
[2] Cfr. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2.ª edição, 1997, p. 289.
[3] Direito Civil – Reais, 4:ª edição, 1987, p. 118.
[4] A Posse, Perspectivas Dogmática Actuais, 2ª edição, pág. 131.

[5] In : Revista da Ordem dos Advogados. – Lisboa, (Out./Dez. 2012) «Necessidade de uma Mudança Jurisprudencial em Matéria de Acessão de posse», pág.1263.
[6] Direitos Reais, 1967, págs. 104 e 105 e vide sobre este aspecto o nº 2 do art. 1256º.
[7] Obra citada, pág. 132.
[8] Vol. III, 2ª edição, págs. 13 e 14.
[9] Vide, por todos, Meneses Cordeiro, obra citada pág. 133.
[10] Vol. II, pág. 14
[11] A Posse – Estudo de Direito Civil Português, 1940, págs. 337-338.

[12] Obra. Citada, págs. 291-291
[13] Cadernos de Direito Privado nº 21, Janeiro/Março de 2008, pág. 48 e 49
[14] Obra citada, pág. 134.
[15] Obra citada, pág. 136.
[16] Obra citada, pág. 135.
[17] Estudo citado, pág. 50
[18] Estudo citado, pág. 51.
[19] Estudo citado «A necessidade de uma mudança jurisprudencial em matéria de Acessão da Posse (artigo 1256.º do Código Civil)». 2012, págs. 1247-1322
[20] Op. cit., p. 1308
[21] Op. cit., p. 1312
[22] Vassalo Abreu, ob. Citada, pág. 1299.
[23] Em sumário este aresto expressamente refere que “ O título a que alude e exige a norma do n.º 1 do art. 1256º é o que a lei também exigir para que o negócio de transmissão seja formal e substancialmente válido, não relevando, para o efeito, como título legítimo de aquisição, um acto nulo, sendo que, neste caso, só pode ser invocada a posse pessoalmente exercida e não a dos antepossuidores”.
[24] Meneses Cordeiro, obra citada, pág. 137
[25]Obra citada, pág 1312