Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5289/05.6TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
PODERES CENSÓRIOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/16/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I- Tendo a Relação, no exercício do seu poder soberano (e definitivo) de julgar matéria de facto, fixado irreversivelmente a factualidade provada, é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça censurar tal julgamento.
II- Como é sabido, não cabe, nos poderes de censura deste Supremo Tribunal, sindicar a matéria de facto apurada pelas Instâncias, salvo nos casos expressamente previstos na lei, como comanda o artº 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o que não é o caso!
III- Por isso mesmo se diz que o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, isto é, conhece apenas da matéria de direito, o que, aliás, está consignado no artº 26º da Lei 3/99 de 13/01, onde se prescreve que «fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito».
IV- Nesta conformidade, a jurisprudência uniforme deste Tribunal tem sido no sentido de que «de harmonia com o artigo 722º, nº 2 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (nem de agravo como decorre do artº 755º, nº 2, do CPC), salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova», como sentenciou o Ac. STJ, de 25.09.1996 in ADSTA, 420º- 1467.
V- Ao Supremo Tribunal cabe verificar a conformidade legal da subsunção dos factos, definitivamente fixados pelas Instâncias, na lei, vale dizer, a integração dos conceitos legais por matéria factual pertinente.
VI- Nisto se traduz o que o nº 1 do artº 729º dispõe, ao estatuir que «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado».
Decisão Texto Integral:
Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

AA e marido BB, intentaram a presente acção comum ordinária, contra CC e mulher DD e EE e mulher FF, todos com os sinais dos autos, pedindo:
a) que sejam declarados proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, destinada a habitação, situada na Rua ........., freguesia de Midões, deste concelho de Barcelos, a confrontar do norte e nascente com GG, do sul com HH, e do poente com o caminho, inscrito na matriz predial urbana no artigo 193º.;
b) que sejam igualmente declarados proprietários de uma faixa de terreno, em forma pontiaguda, com a área de 80 m2, localizada entre o limite nascente do caminho público e o muro da casa aí existente, hoje dos Réus, condenando-se estes a respeitarem aquele direito;
c) que sejam declarados proprietários de uma tira de terreno com a largura de 50 cm., que corre ao longo da parte de trás daquele prédio urbano, condenando-se os Réus a demolirem a parte do pavilhão que a ocupa;
d) que os Réus sejam condenados a não exercerem qualquer actividade industrial no referido pavilhão;
e) que os Réus sejam condenados a indemnizá-los dos danos patrimoniais e não patrimoniais que alegam terem sofrido em resultado da conduta daqueles, relegando-se para execução de sentença a fixação do montante indemnizatório.

Os RR contestaram e deduziram reconvenção, que veio a ser admitida apenas quanto aos pedidos de condenação dos Autores-reconvindos a:
1. reconhecerem que a faixa de terreno, acima identificada no pedido que estes formulam, transcrito sob a alínea c), faz parte integrante do prédio de que eles, Réus-reconvintes, são proprietários;
2. retirarem o rebordo ou cornija que edificaram na confrontação Nascente com o prédio deles, Réus-reconvintes.

Após a legal tramitação, procedeu-se ao julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) declarou que os AA. AA e marido BB são os proprietários do prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, destinada a habitação, situada na Rua ........., freguesia de Midões, do concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana no artigo 193º;

b) declarou, ainda, que os mesmos Autores são proprietários de uma tira de terreno com a largura de 50 cm, que corre ao longo da parte de trás daquele prédio urbano, condenando os Réus EE e mulher FF, a demolir a parte do pavilhão que ocupa aquela parcela de terreno;

c) condenou os Réus a, enquanto não procederem à demolição acima referida, não exercerem qualquer actividade industrial naquele pavilhão, da qual possa resultar os ruídos e as trepidações que ora se fazem sentir na casa dos Autores;

d) mais condenou os Réus a pagar aos Autores a importância de €4.000 (quatro mil euros), para os ressarcir dos danos não patrimoniais que estes sofreram até à data da sentença, condenando-os ainda a pagar-lhes a indemnização que se vier a liquidar em ulterior decisão, relativamente aos danos não patrimoniais que venham a sofrer até à cessação da actividade que vêm exercendo no pavilhão, ou até à demolição deste, nos termos referidos em b).

e) absolveu os Réus do demais peticionado pelos Autores, designadamente do pedido supra transcrito em b), quanto à propriedade da faixa de terreno localizada entre o limite nascente do caminho público e o muro da casa aí existente, hoje dos Réus.

f) julgou totalmente improcedente a reconvenção deduzida pelos Réus, absolvendo, consequentemente, os Autores dos dois pedidos formulados por aqueles.

Inconformados, apelaram os RR para o Tribunal da Relação de Guimarães que, julgando improcedente a Apelação, confirmou a sentença recorrida.
Ainda inconformados, os Réus interpuseram o presente recurso de Revista para este Supremo Tribunal, rematando as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

1° Os recorrentes não pondo em causa o direito dos recorridos sobre a casa de habitação negam-lhes o direito sobre a faixa de terreno a Nascente na confrontação com os 2°s RR. e com a largura de cerca de 50 cm.

2° Nomeadamente demonstrando que a existência de uma pedra pontiaguda na parede dessa casa, ao invés do alegado, apenas se destinava a segurar ou prender uma arriosta do prédio dos recorrentes.

3° Sendo o seu prédio (recorrentes) cultivado até à parede desse casa de habitação dos AA.

4° Os mesmos recorridos não alegaram factos que levassem a concluir pelo seu direito nem o dando a saber as testemunhas por si arroladas.

5° tão somente se valendo como que de uma eventual presunção advinda da existência dessa pedra pontiaguda.

6° A eles recorridos (AA.) cabia a prova dos factos alegados que não fizeram, para além da invocada inexistência por parte dos recorrentes.

7° Bem ao contrário do trazido, alegado e provado pelos recorrentes.

Foram apresentadas contra-alegações pelos Autores, pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:
1.- Na matriz predial urbana, artigo 193º, encontra-se descrito um prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão, andar e logradouro, destinado a habitação, sito no lugar ........., da freguesia de Midões, do concelho de Barcelos, a confrontar do Norte e do Nascente com GG, do Sul com HH, e do Poente com caminho público, tendo como titular inscrito a autora AA (alínea A) dos “factos assentes”).

2.- Os autores habitam o prédio identificado em 1., custeiam, sempre que necessário, obras de conservação do mesmo e suportam todas as despesas que o respectivo uso acarreta (consumos de energia eléctrica, água, gás…), procedendo deste modo, por si e antepossuidores, desde há mais de 30 anos, de forma contínua ininterrupta e reiterada, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com ânimo e na convicção de exercerem um direito que a eles e só a eles pertence (alínea B)).

3.- No local onde agora se levanta o prédio descrito em 1., existiram anteriormente duas casas de habitação, que os autores juntaram e reconstruíram (alínea C)).

4.- Da escritura pública de "Compra e Venda", extraída de folhas 85 a folhas 86, do Livro de notas para escrituras diversas nº99-B, do 1º Cartório Notarial de Barcelos, datada de 10 de Julho de 1986, consta que II e esposa JJ declararam vender a BB, casado com AA que declararam comprar, pelo preço de Esc. 225.000$00, que aqueles já receberam, uma das casas de habitação referida em 3., em concreto:
“Casa de rés de chão e andar, com superfície coberta de 64m2, situada no Lugar ........., da freguesia de Midões, do concelho de Barcelos, inscrita na matriz urbana sob o artigo 40, com o valor matricial de Esc.25.920$00, descrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o nº27-Midões e nela inscrita, a favor daquele II, pela inscrição número vinte e sete, G-quatro, prédio este destinado a habitação” (alínea D)).

5.- Da escritura pública de "Compra e Venda e Mútuo com Hipoteca", extraída de folhas 45 a folhas 47-verso, do Livro de notas para escrituras diversas nº447-B, do 1º Cartório Notarial de Barcelos, datada de 29 de Setembro de 2005, consta que os lºs réus, CC e mulher DD, declararam vender aos 2°s réus, EE e mulher FF, que declararam comprar, pelo preço de €121.000 respeitando €115.000 à parte urbana, e, €6.000 à parte rústica, que aqueles já receberam, o seguinte prédio:
Casa de dois pavimentos, logradouro e quintal com ramada, situado no Lugar de...... da freguesia de Midões, do concelho de Barcelos, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 42 e na matriz predial rústica sob o artigo 225, com o valor patrimonial tributário IMT/IS de € 15.848,80, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o número 286/Midões e nela registado a favor daquele CC nos termos da inscrição G - Dois (alínea E)).

6.- Essa casa foi objecto de obras de beneficiação e ampliação (alínea F)).

7.- Os 2°s réus, EE e FF, por si e antecessores, utilizam o prédio descrito em 5., pagando as contribuições, habitando a parte urbana, melhorando-o quando necessário, cultivando e tratando do logradouro, tudo se processando, há mais de 50 anos, de forma contínua, ininterrupta e reiterada, à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, com ânimo e na convicção de exercerem um direito que a eles e só a eles pertence (alínea G)).

8.- Para Norte da casa mencionada em 4., e por fora da mesma, existia (e existe) uma faixa de terreno, em forma pontiaguda (alínea H)).

9.- Logo que compraram essa casa de habitação, os autores abriram no meio da faixa de terreno aludida em 4., um poço com 7 metros de fundo, revestido a argolas de cimento e encimado por uma placa redonda em cimento (alínea I)).

10.- De seguida, instalaram um motor eléctrico na sua casa e um tubo que vai desde aí até ao poço, passando, a partir de então, a captar e a destinar a consumo doméstico a água do referido poço (alínea J)).

11.- A parte traseira do prédio descrito em 1. deita directamente para o logradouro do prédio mencionado em 5., e possui, na parede virada a nascente, sete aberturas com frestas (alínea K)).

12.- Os 2ºs réus, EE e FF, construíram um pavilhão com área de 200m2 e altura de 5 m, totalmente encostado à parede nascente do prédio ocupado pelos autores, AA e BB, mencionado em 1. (alínea L)).

13.- No ano de 1974 os autores AA e BB tomaram de arrendamento a casa de habitação descrita em 4., que, então, existia no local (artigo 1º da “base instrutória”).

14.- A faixa de terreno referida em 8., fica situada a cerca de 24 metros, para Norte, daquela casa de habitação (artigo 2º).

15.- Essa faixa de terreno ocupa uma área de cerca de 125,96 m2 (artigo 3º)

16.- A aludida faixa de terreno está localizada entre o limite nascente do caminho público (que aí descreve uma curva) e o muro da casa aí existente, ocupada pelos 2º.s réus (artigo 4º).

17.- A partir do ano de 1974 os Autores passaram a cultivar essa faixa de terreno, nomeadamente, aí plantando batatas, couves e outros produtos hortícolas para consumo (artigo 5º).

18.- Aqueles AA e BB plantaram nesse local um limoeiro, uma figueira, dez roseiras e uma japoneira, que cuidaram no decorrer dos anos, colhendo e consumindo os respectivos frutos (artigo 6º).

19.- Depois de aberto o poço mencionado em 9., os Autores continuaram a cultivar o resto do terreno livre e aproveitável (artigo 7º).

20.- Os Autores desde há mais de 30 anos cultivam essa faixa de terreno (artigo 8º).

21.- De forma contínua, ininterrupta e reiterada (artigo 9º).

22.- À vista e com conhecimento de toda a gente (artigo 10º).

23.- Sem oposição de quem quer que seja (artigo 11º).

24.- Na altura em que decorriam as obras aludidas em 6., o 1º. réu CC e os autores AA e BB acordaram em que fosse cimentada toda a área da referida faixa de terreno, ficando a tampa do poço mais alta, por forma a que as águas das enxurradas aí não entrassem e conspurcassem a água (artigo 13º).

25.- Os autores, então, arrancaram e retiraram desse local as árvores de fruto aí existentes (artigo 14º).

26.- A parede virada a nascente, aludida em 11., foi construída, em toda a sua linha, 50 cm. mais para dentro do limite do prédio ocupado pelos autores com aquele ocupado pelos réus, descritos em 1. e 5., respectivamente (artigo 15º).

27.- Para marcar que o prédio mencionado em 1. se prolongava em mais de 50 cm. para além dessa parede nascente, os autores, nessa mesma parede, a 30 cm. do solo, deixaram saliente uma pedra pontiaguda e arredondada virada para o logradouro do prédio ocupado pelos 2º.s réus, JEE e FF(artigo 16º).

28.- O pavilhão mencionado em 12. ocupa, na largura de 50 cm. para nascente e em toda a sua linha de construção, no sentido norte/sul, aquela tira de terreno do prédio descrito em 1. (artigo 17º).

29.- Os 2º.s réus afectaram esse pavilhão à indústria de confecções (artigo 18º).

30.- Aí instalaram, pelo menos, um charriot, uma tesoura eléctrica e uma serra eléctrica (artigo 19º).

31.- O trabalhar dessas máquinas ouve-se e sente-se no interior da casa dos Autores, pois que o ruído e trepidação que produzem propaga-se e transmite-se por efeito do encosto da parede do pavilhão à parede dessa casa (artigo 20º).

32.- Em situações de aperto, os 2º.s réus EE e FF trabalham até mais tarde (artigo 22º).

33.- Nessas alturas, devido ao sossego do final da tarde e da noite, os ruídos e trepidações das máquinas tornam-se mais audíveis e perceptíveis no interior da casa ocupada pelos Autores (artigo 23º).

34.- Para além dos Autores, vivem ainda com eles na casa quatro filhos (artigo 24º).

35.- Todos trabalham por conta de outrem (artigo 25º).

36.- Três deles deitam-se normalmente pelas 21:00 horas e levantam-se pelas 06:30 horas, enquanto que uma outra filha trabalha de noite, dormindo de dia (artigo 26º).

37.- Os ruídos e trepidações das máquinas instaladas no pavilhão dos 2º.s réus EE e FF perturbam muito o descanso dos autores AA e BB e dos seus filhos (artigo 27º).

38.- Tais ruídos e trepidações agravam a cada dia que passa, em cada um deles, um estado de cansaço, tensão e enervamento, que prejudica o seu relacionamento com familiares, amigos e vizinhos (artigo 29º).

39.- Os autores AA e BB pediram a GG e esposa, autorização para a abertura do poço referido em 9., e exploração de água na faixa de terreno, mencionada em 8. (artigo 30º).

40.- Sobre a faixa de terreno mencionada em 8., os GG e esposa referidos em 39., tiveram em tempos uma ramada que retiraram tempos antes de ter sido feito o poço referido em 9. (artigo 31º).

Resulta patente das alegações dos Recorrentes a sua discordância relativamente ao acervo factual apurado pelas Instâncias e definitivamente fixado pela Relação.
Disso mesmo se aperceberam também os Recorridos que, nas suas doutas contra-alegações referem que «ao discorrerem sobre estas questões os recorrentes citam, por um lado, os depoimentos prestados pelas testemunhas dos recorridos para concluírem que não fizeram prova do direito invocado por estes, e, por outro, os depoimentos prestados pelas suas testemunhas para concluírem também nesse sentido.
Ou seja, o que os recorrentes, em rigor, pretendem é que este Supremo Tribunal altere a decisão sobre a matéria de facto».
Na verdade, no corpo das suas alegações de Revista, os Recorrentes insurgem-se quanto à conclusão tirada na 1ª Instância relativamente ao depoimento da testemunha KK que «nada, absolutamente nada sabia ou soube explicar quanto à estrema entre o prédio dos seus pais e dos RR»
O mesmo relativamente ao depoimento de LL «genro dos recorridos, que invocando a pedra saliente, não sabe tão pouco explicar qual a razão de ser dos 50 cm que os AA dizem caber ao seu prédio, como sua parte integrante».
Igualmente no que tange ao depoimento de MM « a especificar que os anteriores donos do prédio, hoje os 2ºs RR, cultivavam até à parede da casa dos AA, a chamada « língua de ovelha». Não se limitando a referir um cultivo amplo, mas pormenorizado o quanto: « língua de ovelha».

Mais adiante, alegam os Recorrentes que «porque se não estava nem podia estar no chamado campo de qualquer presunção, não se vê pelos depoimentos das testemunhas que depuseram, como poderiam as respostas aos quesitos 15, 16 e 17 ser aquelas que efectivamente foram proferidas».
Referem-se também aos depoimentos das testemunhas NN, OO, contrastando os seus depoimentos com os de MM.
Depois de dizerem, mais adiante, que «pese embora se possa ver como repetição a análise dos depoimentos das testemunhas, a verdade é que é sempre relativamente à questão de direito da aludida faixa de terreno, que condiciona todo o alegado», acabando por referir os depoimentos de PP, QQ e outros, tudo com vista a infirmar a conclusão das Instâncias plasmada na sentença confirmada na Relação pois, no entender dos Recorrentes, aos AA « a existência da pedra pontiaguda nada mais sendo do que o suporte de uma arriosta da ramada vizinha, como outros suportes existiam na própria parede ( ferros cravejados)...», rematando com a seguinte asserção:
«Como se demonstrou, os AA. não praticaram actos que demonstrassem ou levassem a concluir que lhes cabia qualquer parcela de terreno, nem valendo qualquer presunção que bem podia ser de efeitos contrários como a existência da pedra devidamente justificada pelos RR. para segurar a arriosta e não limitando qualquer parcela de terreno».
Esta conclusão dos Recorrentes não tem qualquer apoio na factualidade definitivamente fixada pelas Instâncias, e por outro lado, embora os Recorrentes tenham impugnado o julgamento da matéria de facto no seu recurso de Apelação, a verdade é que a Relação julgou improcedente tal impugnação, confirmando o julgamento de facto da 1ª Instância e fixando, de forma intangível, o referido acervo factual, como se colhe do seguinte excerto que se transcreve:
«Assim, analisada criticamente a prova produzida, não ocorre qualquer erro de julgamento, sendo de manter, nos seus exactos termos, a factualidade consignada como provada pelo Tribunal recorrido, o que se decide.».
Desta forma, tendo a Relação, no exercício do seu poder soberano (e definitivo) de julgar matéria de facto, fixado irreversivelmente a factualidade provada, é vedado ao Supremo Tribunal de Justiça censurar tal julgamento.
Como é sabido, não cabe, nos poderes de censura deste Supremo Tribunal, sindicar a matéria de facto apurada pelas Instâncias, salvo nos casos expressamente previstos na lei, como comanda o artº 722º, nº 2 do Código de Processo Civil, o que não é o caso!
Por isso mesmo se diz que o Supremo Tribunal de Justiça é um Tribunal de revista, isto é, conhece apenas da matéria de direito, o que, aliás, está consignado no artº 26º da Lei 3/99 de 13/01, onde se prescreve que «fora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece da matéria de direito».
Nesta conformidade, a jurisprudência uniforme deste Tribunal tem sido no sentido de que «de harmonia com o artigo 722º, nº 2 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista (nem de agravo como decorre do artº 755º, nº 2, do CPC), salvo havendo ofensa de uma disposição expressa na lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto, em que fixa a força de determinado meio de prova», como sentenciou o Ac. STJ, de 25.09.1996 in ADSTA, 420º- 1467.
Já em 1990, este Supremo Tribunal, no seu Acórdão de 9.11.90 (Pº 079205), de que foi Relator, o Exmº Conselheiro Brochado Brandão, havia sentenciado que « o erro da Relação na apreciação das provas e na fixação dos factos provados materiais só é sindicável com a ofensa expressa de lei probatória ( artº 722º, nº 2 do CPC) » (disponível em www.dgsi.pt ), entendimento este que está plenamente em vigor.
Ao Supremo Tribunal cabe verificar a conformidade legal da subsunção dos factos, definitivamente fixados pelas Instâncias, na lei, vale dizer, a integração dos conceitos legais por matéria factual pertinente.
Nisto se traduz o que o nº 1 do artº 729º dispõe, ao estatuir que «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado».
Não ocorre no caso sub judicio qualquer excepção à regra da intangibilidade da matéria de facto apurada pelas Instâncias, nos temos acabados de referir, pois não se verifica, neste caso, qualquer ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
A referida insindicabilidade do acervo factual, definitivamente apurado e fixado, faz claudicar as conclusões da alegação dos Recorrentes, pois, como se disse, a factualidade provada não conduz a tais conclusões, mas antes à que foi perfilhada pelos Tribunais de ambas as Instâncias, o que se traduz linearmente na improcedência do presente recurso.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelos Recorrentes.

Processado e revisto pelo Relator.


Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Setembro de 2010

Álvaro Rodrigues (Relator)
Teixeira Ribeiro
Bettencort de Faria