Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2695/13.6TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: CONTRATO A TERMO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / MODALIDADES DE CONTRATO DE TRABALHO / CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
Doutrina:
- Baptista Machado, ‘Tutela da Confiança’, Obra dispersa, Vol. I, 416.
- Cunha de Sá, Abuso de Direito, 454.
- Galvão Teles, Obrigações, 3.ª edição, 6.
- Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 599.
- Manuel de Andrade, in R.L.J., ano 87, 307; Teoria Geral das Obrigações, 63.
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, p. 319.
- Pires de Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, 217; “Código Civil” anotado, volume 1.º, 3.ª edição, 296.
- Vaz Serra, “Abuso de direito”, B.M.J. 68/253; B.M.J. 85/326; R.L.J., 111/296.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 334.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 140.º, N.ºS 1, 2, 4 E 5, 141.º, N.ºS 1, ALÍNEA E), E 3, 147.º, N.ºS 1, ALÍNEA C), E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 14/4/2010, PROCESSO N.º 977/06.2TTCBR.C1.S1;
-DE 16/11/2011, PROCESSO N.º 203/08.0TTSNT.L1.S1;
-DE 2/12/2013, PROCESSO N.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ;
-DE 24/2/2015, PROCESSO N.º 178/12.0TTCLD.L1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I- Devendo o contrato a termo constar de documento escrito, a indicação do motivo justificativo da sua celebração constitui uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a sua insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova.

II- Ocorre a invalidade do termo, conforme determina o nº 3 do artigo 147º do Código do Trabalho de 2009, se o documento escrito transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, que têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme prescreve o artigo 141º, nº 3, do mesmo compêndio legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA e

BB intentaram uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

CC, SA, pedindo que:

A) Seja declarado que a relação laboral entre os autores e a ré se define como contrato de trabalho sem termo;

B) Seja declarado que foi ilícito o despedimento dos autores promovido pela ré e, consequentemente, que esta seja condenada a:

- Reintegrar os autores nos seus postos de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhes as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, incluindo, férias, subsídios de férias e de Natal que se forem vencendo até essa data;

- Pagar as retribuições que deixaram de auferir relativa aos meses em que os autores não estavam realizando serviço efectivo para a ré, em virtude das sucessivas comunicações de caducidade e ainda no pagamento de juros moratórios, à taxa legal, até integral pagamento das quantias em dívida;

- Pagar aos autores uma indemnização no valor correspondente a três meses de retribuição, no valor líquido de € 1714,92 e € 1836,60 respectivamente, face à violação do disposto no art. 145.º, n.º 3 do Código Trabalho.

- Pagar uma sanção pecuniária compulsória, de montante diário a fixar pelo tribunal, cujo mínimo não deverá ser inferior a 100 euros, por cada dia em que não proceder à reintegração dos autores, desde o trânsito em julgado da correspondente decisão, nos termos dos números 1 a 3 do artigo 829.º-A do Código Civil.

Alegaram para tanto, que celebraram vários e sucessivos contratos de trabalho a termo com a ré, estando ao seu serviço entre Maio de 2007 e 5 de Abril de 2013, data em que esta os fez cessar;

Que a sua contratação foi para satisfazer uma necessidade permanente e não temporária da ré, pelo que os contratos de trabalho a termo celebrados não são válidos e, consequentemente, deverão ser considerados trabalhadores da ré sem termo desde Maio de 2007.

A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, pois os contratos de trabalho a termo em causa são válidos.

Invoca, ainda, a excepção de prescrição dos créditos alegados e reclamados relativamente aos primeiros quatro contratos celebrados.

Conclui pela sua absolvição de todos os pedidos.

Os autores vieram responder à excepção de prescrição, pugnando pela sua improcedência.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, seguindo-se a prolação da sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a R. dos pedidos.

Inconformados, apelaram os autores, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa acordado em julgar o recurso parcialmente procedente, alterando a sentença nos seguintes termos:

“Julga-se parcialmente procedente a acção e consequentemente:

- declara-se que as relações de trabalho estabelecidas entre AA. e R. desde  17/10/2012  (data da celebração dos 6ºs contratos), são de considerar como estabelecidas por tempo indeterminado;

-  declara-se ilícito o despedimento dos AA ocorrido em 5/4/2013 e condena-se a R. a reintegrá-‑los, sem prejuízo da categoria e antiguidade, bem como a pagar-lhes as retribuições, incluindo subsídios de férias e de Natal, vencidas desde 11/6/2013 até à efectiva reintegração, a que serão deduzidas as importâncias que os mesmos auferiram com a cessação e que não receberiam se não fosse o despedimento, mormente as compensações referidas nos pontos 51 e 52 e, se for caso disso, o subsídio de desemprego, devendo, nesse caso, o respectivo valor ser entregue pela R. à Segurança Social.

                - condena-se a R. a pagar a sanção pecuniária compulsória de € 50 por cada A. e por cada dia, após o trânsito em julgado deste acórdão, de incumprimento da obrigação de reintegração.

                No demais, confirma-se a sentença recorrida.

Custas por ambas as partes na proporção de 30% pelos AA. e 70% pela R.”

É agora a R que, irresignada, nos traz revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

A) Mantém a R. tudo quanto afirmou em sede de 1ª instância, designadamente na sua contestação, a propósito da fundamentação inserta como justificação para a celebração do contrato de trabalho a termo que vigorou entre 17 e 31 de Outubro de 2012 entre os AA. e a R

B) Da factualidade assente parece resultar absolutamente claro que o motivo justificativo invocado nos contratos de trabalho celebrados pelos A.A. em 17/10/2012 correspondeu, rigorosamente, às necessidades decorrentes das operações de voo da R. nesse período, que lhe exigiram o recrutamento e a manutenção ao serviço de tripulantes de cabine - designadamente, de assistentes e comissários de bordo como os A.A. - apenas no período compreendido entre 17 e 26 de Outubro de 2012, data a partir da qual - pese embora o termo estipulado se estendesse até 31 de Outubro - deixou de ser necessária a prestação de trabalho dos A.A. e de outros colegas assistentes ou comissários de bordo até que nova necessidade de prestação de trabalho sobreveio (cerca de um mês depois).

C) Tais razões, recorde-se, foram integralmente subscritas em sede de 1ª instância, pela Comarca de Lisboa, Instância Central, 1ª Secção de Trabalho, J2, bem como, anteriormente, pela mesma 1ª Secção de Trabalho da Comarca de Lisboa (dessa vez no J7) que, na sentença que proferiu na acção intentada contra a ora R. CC por DD e EE, outros dois Comissários de Bordo (sentença essa, aliás, junta aos presentes autos) contratados nos exactos termos em que o foram os ora A.A., entendeu, também, relativamente aos contratos de trabalho a termo por estes celebrados com a R. para o período entre 17 e 31 de Outubro de 2012 - repita-se, com justificação para a estipulação do termo idêntica à que foi usada para os ora A.A. no contrato que celebraram para o mesmo período temporal -, que "a estipulação do termo no contrato em causa não visou defraudar as normas da contratação a termo final, como defenderam os autores, considerando, outrossim, que a ré provou os factos que justificaram a celebração deste contrato de trabalho a temo. "

D) De modo algum se pode concordar com a conclusão retirada pela Relação no sentido em que se deve ter por excluída, à partida, a natureza sazonal da actividade que foi prestada ao abrigo do sexto contrato, e isto porque, como a Relação também o reconhece, ficou demonstrado no ponto 18 dos Factos Provados, que "a época alta" ou de "Primavera/Verão" que define o essencial da actividade da R. se pode estender, por vezes, pelo mês de Outubro, razão pela qual se deve entender que o mês de Outubro também cabe no "período sazonal" em que se desenvolve, predominantemente, a actividade da R 

 

E) Diga-se, ainda, que, contrariamente ao defendido no Acórdão recorrido, a circunstância de, na própria justificação inserta no contrato, se referir uma "necessidade pontual da operação extraordinária de Inverno" não é, de todo, incompatível com o carácter cíclico ou sazonal da actividade.

F) Na verdade, a referência a "pontual" ou "extraordinária", além de por si só demonstrar a natureza transitória das necessidades em causa, pode ser explicada também na perspectiva da "sazonalidade": basta que se atente, em primeiro lugar, naquilo que constitui a regra na "época alta" da aviação e turismo, que corresponde ao período de Maio a Setembro conforme ponto 18 dos Factos Provados, para, depois, se considerar a possibilidade, dada como assente também no ponto 18 dos Factos Provados, de a mesma "época alta" se estender - por vezes, ou, por outras palavras, de forma "pontual" ou "extraordinária" - pelo mês de Outubro.

G) Mas na análise que faz à justificação constante no sexto contrato, a Relação falha, acima de tudo, por ter desconsiderado totalmente factos dados como assentes que correspondem inequivocamente não só à previsão de "execução de tarefa ocasional ou serviço precisamente definido e não duradouro" como, também, ou ainda que assim não se entenda, à de "acréscimo excepcional da actividade da empresa", como aliás o frisaram as duas instâncias judiciais acima referidas que se pronunciaram sobre tal justificação.

H) Com efeito, custa acreditar como o Tribunal da Relação pode entender que é insuficiente a menção a "necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno" quando se deu como assente, não só que a necessidade apontada na celebração dos contratos de trabalho iniciados em 17/10/2012 e terminados em 31/10/2012 de facto "resultou de uma operação extraordinária de Inverno" (ponto 33 dos Factos Provados),

I) Como, sobretudo, quando se deram como demonstrados, igualmente, os factos que traduziram, concretamente, essa "operação extraordinária de Inverno",

J) Os quais, recorde-se, corresponderam à necessidade de trabalho decorrente da circunstância de a FF e a R., depois das necessidades que motivaram a celebração do anterior contrato de trabalho a termo (o quinto), terem voltado a operar aeronaves da R. nesse período de 17 a 31 de Outubro, com cedência de tripulação própria da R (ponto 34 dos Factos Provados),

K) Sendo que, nesses casos de cedência de tripulação à FF a base da prestação de trabalho passava a ser um aeroporto espanhol - pois a FF não estava autorizada a voar a partir de Lisboa ou de outro ponto do território português -, custeando as despesas decorrentes da necessidade de alojamento fora de Portugal dos tripulantes, residentes em Portugal como os autores, que tivesse de operar a partir de Espanha (ponto 34 dos Factos Provados).

L) Mais: foi até considerado assente que as operações de voo como as que justificaram a celebração do sexto contrato (que valeu para o período entre 17 e 31 de Outubro) eram denominadas "operações extraordinárias" porque as cedências (de tripulação) que estavam na sua base "eram de carácter ocasional" e "ocorriam apenas em períodos determinados de alguns dias ou, no limite, de algumas semanas" (ponto 36 dos Factos Provados).

M) Claro está que tudo isto decorreu com o pleno conhecimento prévio dos A.A., que, obviamente, bem sabiam ao que iam quando assinaram o referido contrato, bem sabiam, pelo historial de operações de voos "cherters" de carácter temporário que já levavam ao serviço da R., em que consistia a "necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno", e a cedência de carácter ocasional à FF que estava na sua base, bem sabiam, em suma, que a necessidade da sua contratação se reconduzia à satisfação de necessidade temporária, que perduraria apenas e tão só pelo período estritamente necessário à satisfação dessa mesma necessidade.

N) Aliás, se dúvidas houvesse quanto ao carácter temporário de tais operações, e das necessidades de trabalho transitórias que exigiam, bastaria consultar os "GG Agreement" ou "HH Agreements" juntos aos autos (referidos no ponto 26 dos Factos Provados e que estiveram na base, igualmente, da "operação extraordinária de Inverno" de Outubro de 2012, conforme documentos 14 a 16 anexos à Contestação), assim como os registos, igualmente juntos aos presentes autos, constantes do "II", sistema informático usado pela R. na sua actividade que permite a programação e o registo dos voos operados pelas companhias de navegação aérea, e que, no que toca em concreto aos voos operados com a aeronave da R. nos meses de Outubro e Novembro de 2012, identificados nos documentos 6 e 17 juntos com a Contestação, são claros e inequívocos quanto à natureza absolutamente transitória ou extraordinária da necessidade de recrutamento dos A.A. nesse período de 17 a 31 de Outubro de 2012,

O) Data a partir da qual - pese embora o termo estipulado se estendesse até 31 de Outubro - deixou de ser necessária a prestação de trabalho dos A.A. e de outros colegas assistentes ou comissários de bordo até que nova necessidade de prestação de trabalho sobreveio (cerca de um mês depois, como resulta do ponto 38 dos Factos Provados).

P) A desnecessidade da prestação de trabalho dos A.A. a partir de finais de Outubro até 29 de Novembro de 2012 está, aliás, dada como assente no ponto 37 dos Factos Provados, do qual resulta ter ficado claro que "em todo o período compreendido entre 27 de Outubro e 29 de Novembro de 2012, as únicas operações de voo realizadas diziam respeito a voos operados pela JJ, ao abrigo do contrato referido no ponto 27 supra, o qual não implicou a cedência de assistentes ou comissários de bordo da ré" (sublinhado nosso).

Q) No entanto, segundo a Relação, tudo quanto ficou demonstrado no sentido da necessidade transitória que esteve na génese do recrutamento dos A.A. no período de 17 a 31 de Outubro não foi suficiente, pois que, diz o Acórdão recorrido, "havia que explicitar melhor os factos que a integram e que justificariam a estipulação do termo, de modo a permitir aferir a adequação do termo", "era indispensável que fosse claramente identificado no contrato (a realização dos voos a, b e c, nos dias x, y e z).

R) Por qualquer ângulo sob o qual se veja a realidade que esteve na base da contratação dos A.A. no período entre 17 e 31 de Outubro, a conclusão é sempre a mesma: a de que a R. fez mais do que suficiente, fez mesmo tudo quanto lhe cabia, para provar os factos que justificaram a celebração do contrato de trabalho a termo em causa, dando assim por cumprida, disso não pode haver dúvidas, a exigência do nº 5 do artigo 140º do Código do Trabalho.

S) Pretender que tal exigência não foi cumprida porque a R. não concretizou de forma mais detalhada que voos eram esses que consubstanciam a "operação extraordinária de Inverno", indicando os números de voo e as respectivas datas, é, com todo o respeito, manifestamente excessivo e mesmo abusivo, sobretudo se tivermos em conta que o conceito de "operação extraordinária de Inverno", como ficou demonstrado, implicava - e os A.A. obviamente estavam disso perfeitamente cientes - um conjunto de operações de voos claramente delimitado no tempo, balizado por um curto período de tempo de alguns dias ou semanas - neste caso por um curtíssimo período de 14 dias -, e a cedência e afectação dos A.A., durante esse mesmo período, a uma outra entidade (a FF) e a uma outra base (um aeroporto espanhol), com despesas de alojamento custeadas à parte.

T) E mais incompreensível se torna, ainda, a exigência do Tribunal da Relação de Lisboa quanto ao detalhe e concretização dos voos se tivermos em conta que a identificação rigorosa e detalhada desses voos que integraram a "operação extraordinária de Inverno" da segunda quinzena de Outubro consta dos registos de "II" de Outubro de 2012 que constituem o documento n.º 6 junto com a Contestação da R.,

U) Isto para além, repita-se, dos tais "GG Agreement" ou "HH Agreements" que estiveram na base dessa "operação extraordinária de Inverno" de Outubro de 2012, e que, se dúvidas houvesse, mais contribuiriam para explicar ou justificar as necessidades transitórias de recrutamento e a manutenção ao serviço de tripulantes de cabine (designadamente, de assistentes e comissários de bordo como os A.A.) nesse período - e apenas nesse período - compreendido entre 17 e 31 de Outubro de 2012.

V) Por outro lado, importa não perder de vista que o Tribunal, na avaliação que faz sobre a legalidade da estipulação dos termos em causa, deve necessariamente estar limitado pela previsão da alínea a) do nº 1 do artigo 147º do Código do Trabalho, que "considera sem termo o contrato de trabalho em que a estipulação do termo tenha por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo".

W) Ora, já vimos que, independentemente do maior ou menor detalhe ou concretização dos factos integradores do motivo justificativo apontado, a verdade é que se deu como demonstrada, indiscutivelmente, a existência de uma "necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade" nos termos exigidos pelo nº 1 do artigo 140º do Código do Trabalho.

X) Mais: parece claro, igualmente, que tal "necessidade temporária" consubstanciou, igualmente, um "acréscimo excepcional da actividade da empresa", pois que o conjunto de operações de voos em causa, como a sua própria denominação de "operação extraordinária" o indica, não se inseriu na normalidade da actividade da R., dizendo antes respeito a "uma necessidade pontual" ou de "carácter ocasional", podendo pois configurar, para além ou independentemente da remissão legal que foi feita para a alínea g) do nº 2 do artigo 140° do Código do Trabalho, também a previsão da alínea f) do mesmo dispositivo legal,

Y) Cenário esse que o Tribunal da Relação, aliás, admite como perfeitamente aceitável na análise que faz à estipulação do termo do contrato a termo anterior (correspondente ao período de Maio a 14 de Setembro de 2012), quando entende dever atender-se primordialmente, mais do que à concreta alínea legal em que se funda a contratação, aos factos concretizadores do motivo, devendo validar-se o termo, segundo o Tribunal, desde que corresponda a uma das situações previstas no artigo 141° do Código do Trabalhar ainda que imperfeitamente expressa quanto à remissão legal.

Z) Em todo o caso, uma conclusão parece indiscutível, atento o supra exposto: a de que sai fora de toda a razoabilidade imputar à R. a intenção de, através da estipulação do termo do contrato de trabalho que valeu para o período entre 17 e 31 de Outubro de 2012, iludir ou defraudar "as disposições que regulam o contrato sem termo",

AA) Isto porque, repita-se, ficou abundantemente demonstrado, independentemente do aspecto meramente formal a que a Relação de Lisboa se atém, e do flagrante excesso de zelo que tal posição evidencia, que houve, de facto, uma necessidade transitória de trabalho da R. que justificou a contratação dos A.A. pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, e que se verificou, igualmente, uma relação evidente entre a justificação invocada e o termo estipulado,

BB) Nenhum elemento existindo nos autos - e a Relação, sintomaticamente, em momento algum diz o contrário - que vá pois no sentido de que a estipulação desse termo teve como objectivo defraudar as regras que regulam o contrato sem termo.

CC) Ora, se assim é, não pode a Relação retirar a conclusão da ilegalidade da estipulação do termo relativo ao sexto contrato: por definição, não havendo essa intenção - e é patente que não há mesmo, atenta toda a factualidade demonstrada em sentido contrário -, não se pode considerar o contrato como "contrato sem termo".

DD) Entender o contrário, como a Relação o faz, consubstancia, mesmo, uma clara situação de abuso do direito nos termos do artigo 334° do Código Civil, que desde já se deixa aqui invocada para todos os efeitos legais, pois levaria a que o exercício de um putativo direito dos A.A. decorrente da ilegalidade da estipulação do termo excedesse, manifestamente, o fim social económico desse mesmo direito, que é, justamente, definido pela intenção ou não de defraudar ou iludir as disposições que regulam os contratos sem termo.

EE) Ao retirar essa conclusão, e ao extrair daí todas as consequências legais, o Acórdão recorrido violou pois a alínea a) do nº 1 do artigo 147º do Código do Trabalho,

FF) Assim como desrespeitou a ratio do n.º 1 do artigo 140°, e ainda do nº 2, alíneas g), f) e e) do mesmo artigo, bem como do nº 3 do artigo 141°, todos do Código do Trabalho,

GG) Razão pela qual deve o Acórdão recorrido ser revogado, repondo-se pois, por todas as razões aí expostas e as aqui abundante e longamente explanadas, os termos e sentido da decisão proferida em 1º instância - em linha, aliás, como acima se referiu, com outra, também proferida pelas Secções de Trabalho da Comarca de Lisboa, que se debruçou sobre as mesmas questões de direito apreciadas nos presentes autos.

Pede assim que o acórdão recorrido seja revogado, com a consequente absolvição da recorrente na totalidade dos pedidos em que foi condenada.

            Os autores não alegaram.

            Admitido o recurso neste Supremo Tribunal, emitiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto parecer no sentido da confirmação do acórdão recorrido, em virtude dos motivos justificativos apostos nos contratos de utilização de trabalho temporário não conterem factos concretos suficientemente esclarecedores da sua celebração e que permitissem estabelecer a relação entre a invocada justificação e o termo fixado, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer reacção das mesmas. 

Cumpre assim decidir.

2----

            Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto:

1. A ré foi constituída em 15/12/2006, tendo como objecto social: Exploração da Indústria de transporte aéreo regular e não regular de passageiros e respectiva bagagem de carga e correio, importação de bens directa ou indirectamente necessários ou convenientes àquela exploração de serviços, assim como a realização de operações comerciais, industriais e financeiras relacionadas directa ou indirectamente com aquela actividade e que sejam susceptíveis de facilitar, favorecer e complementar a sua realização, incluindo a prestação de serviços de assistência em escala (handling), em aeroportos, a particulares ou a companhias aéreas civis, respectivas tripulações passageiros, bagagens e carga, e a locação e sublocação de aeronaves; supervisão e controlo dos serviços que sejam prestados por terceiros; representação e gestão dos interesses no sector turístico e aeronáutico; a facilitação de produtos de consumo e a elaboração de estudos e planos de organização, bem como a gestão no sector turístico e aeronáutico a cujo âmbito geral se dedicará.

2. O autor AA e a ré subscreveram os seguintes acordos:

a) O acordo de fls. 37-42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que denominaram contrato individual de trabalho a termo certo, através do qual o primeiro foi admitido para desempenhar as funções correspondentes à categoria de Comissário de Bordo, por conta e segundo as ordens da ré, pelo prazo de um ano, com início a 15/05/2007 e termo a 14/05/2008, tendo como motivo justificativo do termo o início de actividade da ré.

b) Em 21/04/2008, acordaram na renovação do contrato referido no número anterior, pelo prazo de seis meses, tendo o seu termo ocorrido em 13/11/2008, conforme fls. 45-46 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

c) Em 16/04/2009, subscreveram o acordo de fls. 47-54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, que denominaram contrato individual de trabalho a termo certo, através do qual o primeiro foi admitido para desempenhar as mesmas funções, por conta e segundo as ordens da ré, pelo prazo de seis meses, com início a 16/04/2009 e termo a 15/10/2009, indicando-se como fundamento o disposto no art. 129º, n.º 2, al. e) do Código de Trabalho.

d) Em 15/10/2009, acordaram na renovação do contrato referido no número anterior, pelo período de 13 dias, com fundamento nas al. e) e f) do art. 140º do Código Trabalho, cessando o mesmo em 28/10/2009, conforme fls. 58-59 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

e) Em 01/05/2010, celebraram o terceiro contrato de trabalho a termo, pelo período de seis meses, com início a 01/05/2010 e termo a 31/10/2010, conforme documento de fls. 60-67, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, indicando-se como motivo justificativo do termo as «alíneas e) e f) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor, dado que no âmbito das operações de voos charter intercontinentais da 1ª Outorgante, que estão na base do trabalho a prestar pela 2ª Outorgante, têm o seu término previsto para o final do mês de Outubro de 2010.»

f) Em 31/10/2010, renovaram as partes o contrato mencionado na alínea anterior, pelo período de 3 dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, cessando o mesmo em 03/11/2010 conforme documento de fls. 68-69 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

g) Em 07/04/2011, celebraram outro contrato a termo pelo período de 5 meses com início a 08/04/2011 e termo em 07/09/2011, tendo como motivo justificativo do termo o seguinte: «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Abril e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão» - Acordo das partes

h) Em 07/09/2011, renovaram as partes o contrato atrás mencionado pelo período de três dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, com início a 08/09/2011 e caducando o mesmo a 10/09/2011 – Acordo das Partes;

i) Em 30/05/2012, celebraram novo contrato a termo pelo período de 3 meses com início a 30/05/2012 e termo em 29/08/2012, conforme documento de fls. 76-83, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, tendo como motivo justificativo do termo o seguinte: «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Maio e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão, pelo menos até à primeira metade do mês de Setembro».

j) Em 20/08/2012 renovaram as partes o contrato atrás mencionado pelo período de dezasseis dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, caducando o mesmo a 14/09/2012, conforme documento de fls. 84-85, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

k) Em 17/10/2012, celebraram novo contrato a termo pelo período de 14 dias com início a 17/10/2012 e termo em 31/10/2012, tendo como motivo justificativo do termo: «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e por necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês», conforme documento de fls. 89-95, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

l) Em 27/11/2012, celebraram novo contrato a termo pelo período de 5 dias com início a 28/11/2012 e cessando o mesmo em 03/12/2012, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento nas alíneas f) e g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Por um acréscimo excepcional da actividade da empresa e execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pelo 2º Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e que se reflecte numa necessidade de prestar serviço em operação extraordinária de Inverno, iniciada pela 1ª Outorgante no passado mês de Outubro, tendo surgido nova necessidade pontual, com necessidade de reforço de tripulação, se manterá previsivelmente até ao início do mês de Dezembro de 2012», conforme documento de fls. 96-101, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

m) Em 31/12/2012, celebrou o aqui 1.º A o nono[1] contrato a termo pelo período de 2 dias com início a 01/01/2013 e cessando o mesmo em 03/01/2013, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento na alínea f) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: acréscimo excepcional da actividade da 1ª Outorgante, resultante de um conjunto de serviços de voo com destino a Cancun contratados a esta fora do seu âmbito normal de actividade e que lhe exigem o reforço da tripulação apenas durante o período referido na cláusula anterior, correspondente a tais solicitações de voo», conforme documento de fls. 102-106, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

n) Em 13/01/2013, celebraram novo contrato a termo pelo período de 27 dias com início a 14/01/2013 e termo a 10/02/2013, renovando-se o mesmo automaticamente nesta data, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento nas alíneas f) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: acréscimo excepcional da actividade da 1ª Outorgante, resultante de um conjunto de serviços de voo contratados a esta fora do seu âmbito normal de actividade e que lhe exigem o reforço da sua tripulação prevendo-se que, tal reforço dure, apenas durante o período referido na cláusula anterior», conforme documento de fls. 107-111, cujo teor se dá por integralmente reproduzido

3. O autor AA recebeu, por carta por carta entregue em mão, datada de 15/03/2013, a comunicação de caducidade do último contrato atrás mencionado, comunicando igualmente a ré que o termo do mesmo operará efeitos a 05/04/2013, conforme documento de fls. 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

4. O autor BB e a ré subscreveram os seguintes acordos:

a) O autor BB foi admitido para trabalhar por conta e segundo as ordens da ré, tendo celebrado com esta um contrato a termo, pelo período de um ano, com início a 15/05/2007 e termo a 14/05/2008, tendo como motivo justificativo do termo o início de actividade da ré, o qual foi renovado em 21/04/2008 pelo prazo de 6 meses com termo ocorrido em 13/11/2008, conforme documento de fls. 43-44, cujo teor se dá por integralmente reproduzido e acordo das partes.

b) Em 16/04/2009 celebraram novo contrato a termo pelo período de 6 meses com início a 16/04/2009 e termo em 15/10/2009, para desempenhar as mesmas funções, indicando como motivo de justificação a indicação legal, i.e., a alínea e) do n.º 2 do art. 129.º do Código do Trabalho, em vigor à data.

c) Em 01/05/2010 celebraram novo contrato a termo pelo período de 6 meses com início a 01/05/2010 e termo o mesmo em 31/10/2010, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento nas alíneas e) e f) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor, dado que no âmbito das operações de voos “charter” intercontinentais da 1ª Outorgante, que estão na base do contrato a prestar pela 2ª Outorgante, tem o seu término previsto para final do mês de Outubro de 2010», conforme documento de fls. 121-128 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

d) Em 20/10/2010 renovaram as partes o contrato atrás mencionado pelo período de um dia, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, com início e termo a 01/11/2010, conforme documento de fls. 129-130, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

e) Em 07/04/2011 celebraram novo contrato a termo pelo período de 5 meses com início a 08/04/2011 e termo em 07/09/2011, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Abril e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão.», conforme documento de fls. 131-138, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

f) Em 07/09/2011 renovaram as partes o contrato atrás mencionado pelo período de três dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, com início a 08/09/2011 e caducando o mesmo a 10/09/2011, conforme documento de fls. 139-140, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

g) Em 04/05/2012 celebraram novo contrato a termo pelo período de 4 meses com início a 05/05/2012 e cessando o mesmo em 04/09/2012, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Maio e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão, pelo menos até à primeira metade do mês de Setembro.», conforme documento de fls. 144-151, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

h) Em 20/08/2012 renovaram as partes o contrato atrás mencionado pelo período de dez dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, caducando o mesmo a 14/09/2012, conforme documento de fls. 152-153, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

i) Em 17/10/2012 celebraram novo contrato a termo pelo período de 14 dias com início a 17/10/2012 e cessando o mesmo em 31/10/2012, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e por necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês», conforme documento de fls. 154-160 cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

j) Em 28/11/2012 celebraram novo contrato a termo pelo período de 35 dias com início a 29/11/2012 e cessando o mesmo em 03/01/2013, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento nas alíneas f) e g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor:

Por um acréscimo excepcional da actividade da empresa e execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pelo 2º Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e que se reflecte numa necessidade de prestar serviço em operação extraordinária de Inverno, iniciada pela 1ª Outorgante no passado mês de Outubro, tendo surgido nova necessidade pontual, e que se manterá previsivelmente até ao início do mês de Janeiro de 2013.», conforme documento de fls. 161-166, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

k) Em 18/01/2013 celebraram novo contrato a termo pelo período de 27 dias com início a 14/01/2013 e com termo em 10/02/2013, renovando-se automaticamente naquela data, tendo como motivo justificativo do termo «tem o seu fundamento na alínea f) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: acréscimo excepcional da actividade da 1ª Outorgante, resultante de um conjunto de serviços de voo contratados a esta fora do seu âmbito normal de actividade e que lhe exigem o reforço da sua tripulação, prevendo-se que, tal reforço dure, apenas no período referido na cláusula anterior», conforme documento de fls. 167-171, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. O autor BB recebeu, por carta entregue em mão, datada de 15/03/2013, a comunicação de caducidade do último contrato atrás mencionado, comunicando igualmente a ré que o termo do mesmo operará efeitos a 05/04/2013, conforme documento de fls. 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

6. Todos os contratos foram celebrados para o mesmo posto de trabalho e para as mesmas funções.

7. Após o curso de formação inicial que os autores frequentaram, por indicação e a expensas da ré:

a) Todos os anos em Fevereiro, entre 2008 e 2013, a formação anual denominada “R...” - Avião A330;

b) A formação denominada “S…”, realizada de 4 em 4 anos, nomeadamente em Maio de 2007, Fevereiro de 2011 e Fevereiro de 2012;

c) A formação denominada “A…”, com o Airbus A330 em Fevereiro de 2007, e com o Airbus A320 em Fevereiro de 2007;

d) A formação denominada “C…” em Fevereiro de 2007, Fevereiro de 2008 e Fevereiro de 2011;

e) A formação anual denominada “F…”, que foi realizada anualmente, em Fevereiro, desde 2007 a 2013

f) A formação denominada “D…”, ministrada em Fevereiro de 2007, 2008 e 2009. A formação denominada “W…”, ministrada em Fevereiro de 2007;

g) A formação denominada “E…”- A330, ministrada em Fevereiro de 2007, 2010 e 2013.

h) A formação denominada “F…”, realizada de 3 em 3 anos, e que lhes foi ministrada em Fevereiro de 2007 e 2010.

8. As formações eram realizadas mesmo em períodos em que os autores não estavam realizando serviço efectivo para a ré.

9. A ré, na qualidade de entidade patronal, emitiu aos autores cartões de identificação com validades até 2014 e 2016 respectivamente.

10. Os autores entraram ao serviço da ré porém nunca para substituir qualquer outro trabalhador que lá estivesse previamente;

11. Os autores em momento algum prestaram serviço para a ré na qualidade de trabalhadores à procura do primeiro emprego (tal não consta na justificação dos contratos de trabalho celebrados entre as partes).

12. Os autores auferiam uma retribuição base de € 571,64 e € 612,20 (respectivamente para o 1º e 2º autor), acrescida de 80 euros por cada dia efectivo de trabalho a título de ajudas de custo.

13. A formação a que se refere o ponto 7 não resultou de qualquer determinação ou imposição da ré, sendo de participação facultativa pelos autores, que nelas intervinham no seu interesse também e para que continuassem a manter as aptidões necessárias para trabalharem para a ré quando a sua prestação de trabalho voltasse a ser necessária.

14. A ré suportava os encargos da formação, pois que também nela tinha interesse, visto que lhe permitia manter em condições de recrutamento um número significativo de tripulantes de cabine.

15. As formações referidas em 7 eram sempre ministradas durante o mês de Fevereiro, ocupando cada uma delas alguns dias.

16- Sendo a R. uma companhia de navegação aérea que opera exclusivamente na área dos voos “charters” ou não regulares, a sua actividade é exercida com especial incidência, exclusiva ou predominantemente, em determinadas épocas do ano (alterado pela Relação).

17- Sobretudo nesses períodos a ré carece de recorrer à força de trabalho necessária para preencher as suas tripulações de cabine, sem as quais não consegue nem pode realizar os seus voos (alterado pela Relação).

18- A época em que a actividade da R. é predominantemente exercida coincide quase sempre com a época alta ou de Primavera/Verão que, na aviação ou no turismo, se estende pelo período entre Maio e Setembro de cada ano (extensível, por vezes, pelo mês de Outubro) – alterado pela Relação.

19. A ré operava, à data dos factos, a partir de Portugal para os destinos Punta Cana (República Dominicana), Cancun (México) e Montego Bay (Jamaica) – os únicos destinos para os quais a R. voava através de operações de voo próprias -, pelo que, na programação das suas operações de voo, tinha em conta a especial procura que a referida época do ano alimentava nos residentes em Portugal, em resultado de ser nesse período que a esmagadora maioria deles goza as suas férias.

20. Fora dos referidos períodos – ou seja, durante mais de metade do ano - a ré procurava rentabilizar a aeronave que possuía a cada momento, alugando-a ou cedendo-‑a a outras companhias de navegação aérea, que operavam e operam em bases situadas fora de Portugal,

21. Sendo que tais cedências de aeronaves não incluíam - salvo excepcionalmente, se expressamente exigido pelas companhias locatárias e previsto nos respectivos contratos – a cedência de tripulações de cabine, até porque o ponto de partida das operações deixava de ser um aeroporto português (é o chamado “dump lease”, na terminologia da aviação aérea),

22. Quando incluíam a cedência de tripulação de cabine, os voos em causa deixavam de ser operados pela ré, para passarem a sê-lo por outras companhias, ao serviço das quais ficavam os tripulantes cedidos.

23. Podia ainda suceder, embora pontualmente, em períodos temporais que não excediam alguns dias, haver necessidade de novas tripulações em decorrência de alguma operação especial de voo operada pela ré durante o Inverno.

24. No mês de Abril de 2012, mês imediatamente anterior à contratação dos autores em Maio de 2012, a ré não operou qualquer voo e cedeu a sua aeronave A330 à companhia KK em regime de “dump lease”, ou seja sem tripulação.

25. A necessidade de contratação de tripulantes surgiu apenas durante o subsequente mês de Maio e prolongou-se até cerca de metade de Setembro do mesmo ano, período durante o qual a ré voltou a operar as suas aeronaves.

26. No período entre Maio e Setembro de 2012 ocorreram ainda, embora muito residual ou excepcionalmente, voos operados pela FF, companhia de aviação de nacionalidade espanhola pertencente ao mesmo grupo económico da ré (Grupo LL), com a qual existiram acordos pontuais de cedência de aeronaves da ré que implicaram também a cedência pontual de tripulantes de cabine (e pilotos) da ré, conforme sucessivos contratos de aluguer (“GG Agreement” – iniciais de “aircraft, crew, maintenance, insurance” - ou “HH Agreement”) com tripulação (“cockpit and cabin crew”, nos termos usados nesses contratos).

27. De 17 de Setembro até 21 de Outubro de 2012, a ré deixou de operar, tendo locado uma aeronave sua à companhia de navegação aérea JJ, com sede e base na Indonésia, conforme contrato (“Aircraft Lease Agreement”) celebrado entre ambas com efeitos a partir de 21 de Setembro e até 1 de Dezembro de 2012.

28. Contrato esse celebrado em regime de “dump lease”, ou seja, sem tripulação de cabine.

29. As operações voo “charters”/”serviços não duradouros” que vêm referidos nos contratos celebrados com os autores em Maio de 2012, mencionados nos pontos 2-i) e 4-g) tinham como ponto de partida – como base da prestação de trabalho – o Aeroporto de Lisboa.

30. À data em que celebrou os contratos de trabalho a termo com os autores, mencionados nos pontos 2-i) e 4-g), a ré não dispunha de toda a informação relativa aos voos que iria operar nesse período, designadamente o número de voos para cada um dos destinos operados pela ré, a data e hora certas em que teriam lugar, etc.

31. As escalas de serviço que vigoravam na ré eram mensais e deviam ser comunicadas aos tripulantes até ao final do mês anterior, sendo de todo impossível à mesma programar com uma antecedência maior o número, datas e horas de partida e tripulantes disponíveis e necessários nos voos a operar.

32. O desfasamento no início de produção de efeitos nos contratos de trabalho dos dois autores (celebrados em Maio de 2012) decorre do facto de o autor AA não se ter mostrado disponível para iniciar a sua prestação de trabalho antes de 30/05/2012.

33. A necessidade apontada na celebração dos contratos de trabalho iniciados em 17/10/2012 e terminados em 31/10/2012, referidos nos pontos 2-k) e 4-i), resultou de uma operação extraordinária de Inverno da ré, surgida após a cessação do contrato a termo anterior).

34. Com efeito, a FF e a ré voltaram a operar aeronaves da ré nesse período, com cedência de tripulação própria neste período à FF.

35. Nesses casos de cedência de tripulação (técnica e de cabine) à FF, a base da prestação de trabalho passava a ser um aeroporto espanhol – pois a FF não estava autorizada a voar a partir de Lisboa ou de outro ponto do território português -, custeando esta as despesas decorrentes da necessidade de alojamento fora de Portugal dos tripulantes, residentes em Portugal como os autores, que tivessem de operar a partir de Espanha.

36. Dado o acréscimo de despesas que implicava, em resultado da necessidade de alojamento dos tripulantes residentes em território português, tais cedências eram de carácter ocasional, razão pela qual eram denominadas como “operações extraordinárias”, e ocorriam apenas em períodos determinados de alguns dias ou, no limite, de algumas semanas.

37. Em todo o período compreendido entre 27 de Outubro e 29 de Novembro de 2012, as únicas operações de voo realizadas diziam respeito a voos operados pela JJ, ao abrigo do contrato referido no ponto 27 supra, o qual não implicou a cedência de assistentes ou comissários de bordo da ré.

38. O contrato referido em 2-l) surge porque a ré e a FF voltaram a operar em 28 de Novembro de 2012 até ao dia 4 de Dezembro, realizando diversos voos, para depois se assistir a uma substancial desaceleração, que perdurou até ao final do mês, nas operações de voo de uma (e) de outra, razão pela qual não houve necessidade de prolongar o contrato do autor AA (documento de fls. 741), sendo suficiente para as necessidades da ré celebrar o contrato de trabalho a termo do autor BB, mencionado no ponto 4-j) supra, que se prolongou até ao dia 3 de Janeiro de 2013.

39. Posteriormente, em 31/12/2012, a ré celebrou com o autor AA o contrato mencionado em 2-m) supra, visto que em Janeiro de 2013 existiu um serviço de voo com destino a Cancun que se prolongou pelo período de dois dias (partida de Lisboa – LIS em direcção de Cancun – CUN a 1 de Janeiro e regresso no dia seguinte).

40. A actividade das aeronaves da ré sofre nova interrupção entre os dias 5 e 14 de Janeiro de 2013, período durante o qual não se realizaram quaisquer serviços de voos nessas aeronaves.

41. Só retomando a actividade da aeronave em meados de Janeiro de 2013, ocasião em que ambos os autores são novamente contratados (cfr. pontos 2-n) e 4-k), em virtude de a ré ter celebrado com a companhia de aviação MM, de nacionalidade e base venezuelana, com efeitos a partir de 15 de Janeiro de 2013 e termo a 30 de Abril de 2013, contrato de aluguer de aeronave com tripulação (“Alquiler de aerenove con tripulación”).

42. De Janeiro a Abril de 2013 a referida companhia venezuelana monopolizou as aeronaves da ré, sendo que tal contrato incluiu a cedência de tripulação (técnica e de cabine), o que determinou (alterado pela Relação) a ré a recrutar Assistentes e Comissários de Bordo e Chefes de Cabine para os afectar às operações de voo decorrentes da utilização da aeronave da ré pela mesma MM.

43. O contrato de trabalho a termo que cada um dos autores iniciou em 14/01/2013 previa, numa fase inicial, uma duração até 10 de Fevereiro de 2013, dada a dificuldade da ré em antecipar desde logo as efectivas necessidades de tripulação por todo o período de duração do contrato com a MM.

44. Mas tal contrato iniciado em 14/01/2013 foi automaticamente renovado por duas vezes, por prazo idêntico ao inicial, até 5 de Abril de 2013, justamente por se terem mantido as necessidades que estiveram na base da sua celebração.

45. Embora o contrato com a MM se tenha mantido até 30 de Abril de 2013, entendeu a ré não se justificar a disponibilização de todos os tripulantes contratados para a finalidade inerente ao mesmo contrato – mas apenas de alguns – até ao fim do contrato optando, assim, por não renovar alguns desses contratos – como os dos autores – para além do dia 5 de Abril de 2013.

46. A partir de 31/05/2013 as operações de voo da ré passaram a ser desenvolvidas pela sua sucursal espanhola, com sede e base em Espanha, e com recurso a tripulantes locais, opção efectuada dada o muito menor dispêndio de gastos de estadia e alojamento.

47. Os períodos de serviço de voos operados pela ré passaram a ser desenvolvidos através da sua sucursal espanhola, e deixaram de ter como ponto de partida o Aeroporto de Lisboa passando, quase sempre, a ter como ponto de partida o Aeroporto de Madrid – Barajas.

48. Daqui resultou a total desnecessidade de prestação de trabalho de Assistentes e Comissários de Bordo residentes em Portugal a partir de então, tendo transitado apenas para as operações levadas a cabo pela sucursal espanhola da ré, algumas Chefes de Cabine portuguesas.

49. A FF deixou de existir, por ter sido extinta em 2013, em resultado de insolvência.

50. Por idêntica falta de solvabilidade o Grupo LL foi desmantelado e a ré alienada ao Grupo NN que, a partir de 26 de Fevereiro de 2013, passou a controlá-‑la.

51. O autor AA recebeu, a título de compensação de caducidade na cessação dos contratos a termo que celebrou a partir de 30/05/2012, os seguintes valores:

- 112,42 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 30/05/2012 e 14/09/2012;

- 15,62 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 17/10/2012 e 31/10/2012;

- 9,34 euros, pela cessação dos contratos a termo executados entre 28/11/2012 e 03/12/2012 e entre 01/01/2013 e 03/01/2013;

- 85,75 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 14/01/2013 e 05/04/2013.

52. O autor BB recebeu, a título de compensação de caducidade na cessação dos contratos a termo que celebrou a partir de 05/05/2012, os seguintes valores:

- 148,97 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 05/05/2012 e 14/09/2012;

- 16,73 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 17/10/2012 e 31/10/2012;

- 40,00 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 29/11/2012 e 03/01/2013;

- 91,83 euros, pela cessação do contrato a termo executado entre 14/01/2013 e 05/04/2013.

53. As ajudas de custo que eram pagas aos autores pelos serviços de voos realizados, sempre para fora de Portugal (e por vezes – como sucedeu no último contrato a termo iniciado a 14/01/2013 - com estadias prolongadas fora do território português), eram atribuídas para fazer face a despesas a que os autores teriam de acorrer por estar fora de casa, ainda que, como frequentemente sucedia, os tripulantes tivessem assegurado alojamento e alimentação nos hotéis com os quais a R. contratava no regime de ‘tudo incluído’.

3----

E decidindo:

Para situarmos melhor a questão que se coloca na revista – aferir da validade da cláusula de termo aposta nos contratos de trabalho celebrados entre os AA e a R ­- temos de dizer previamente que ocorreu a prescrição dos créditos emergentes dos quatro primeiros contratos que haviam sido celebrados entre as partes.
Assim sendo, esta apreciação incidirá apenas sobre os posteriores contratos – a partir do quinto, ou seja:
O celebrado com o A., AA, e que teve o seu início em 30/5/20012, e o celebrado pelo 2º A, BB e que teve início em 5/5/2012, com termos respectivamente em 28/8/2012 e 4/9/2012, ambos renovados até 14/9/2012.
Assim, e enquadrada a questão, vejamos se a recorrente tem razão.
Para tanto, vamos começar por fazer uma rápida abordagem sobre a evolução legislativa em matéria de contratação a termo.

3.1--- 

Com o advento do DL nº 372-A/75, de 14 de Julho, que veio proibir os despedimentos sem justa causa, as empresas começaram a socorrer-se da contratação a prazo prevista na LCT que admitia tal contratação sem quaisquer limitações, desde que o contrato constasse de documento escrito, conforme resultava do artigo 10º.

Para travar esta fuga indiscriminada para a contratação a prazo, o DL nº 781/76 de 28/X tentou impor-lhe algumas restrições, embora estas intenções do legislador não tivessem obtido êxito, pois no domínio da sua vigência este tipo de contratação atingiu níveis quase escandalosos, por permitir a contratação temporária sem grandes limitações.

Esta situação foi profundamente alterada com o DL nº 64-A/89 de 27/2, que partindo duma concepção substancialmente diferente daquela em que se fundara o legislador de 1976, quis restringir a contratação a termo a situações rigorosamente tipificadas, por forma a adequar o novo regime aos imperativos constitucionais de segurança no emprego consagrados no art. 53º da CRP.

Assim, a contratação a termo passou a ter carácter excepcional, visando permitir que as empresas se adaptassem às flutuações do mercado e criar condições para uma maior absorção de volume de emprego, por forma a favorecer grupos socialmente mais vulneráveis que desta forma teriam acesso ao trabalho, embora com carácter temporário.

Nesta linha, e escorado no já mencionado princípio constitucional da segurança no emprego, que impõe que a regra seja a contratação por tempo indeterminado, o DL nº 64-A/89, de 27/2, apenas admitia a celebração de contratos a termo em situações excepcionais de satisfação de necessidades de carácter precário ou sazonal, expressamente tipificadas no artigo 41, nº 1, e impondo o seu nº 2 que a celebração de contratos a termo fora destes condicionalismos importaria a nulidade do termo.

E para se permitir um verdadeiro controlo destas contratações e se poder averiguar se as razões invocadas pela entidade empregadora correspondiam à realidade, impunha-se que o contrato fosse reduzido a escrito, devendo conter a indicação do motivo justificativo da sua celebração por forma a mencionar-se as circunstâncias e factos concretos que haviam determinado esta contratação, conforme resultava dos artigos 42º, nº 1, alínea e) deste diploma e do 3º da Lei 38/96 de 31/8.

O Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto e que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003, acolheu também estas orientações, tendo introduzido porém, algumas alterações.

Assim e contrariamente ao regime da LCCT, que se limitava a indicar as situações em que era permitida a contratação a termo, o artigo 129º, nº1 daquele CT começava por estatuir que o contrato de trabalho a termo só podia ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, constando do nº 2 o elenco, meramente exemplificativo, das situações que justificavam a contratação a termo.

Por outro lado e quanto às formalidades do contrato, tinha este de ser escrito, conforme advinha do artigo 127º, impondo-se que dele constasse, para além doutras menções, a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, conforme impunha a alínea e) do nº 1 do artigo 131º.

Além disso, a indicação do motivo justificativo da aposição do termo devia ser feita pela menção expressa dos factos que o integravam, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, (conforme resultava do nº 3 do supracitado preceito), considerando-se sem termo o contrato em que falte a redução a escrito, bem como aquele em que se omitam ou sejam insuficientes as referências exigidas naquela alínea e) do nº 1.

Quanto ao CT de 2009, o legislador optou por seguir a técnica legislativa do CT/2003, começando por estabelecer no nº 1 do artigo 140º que o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade, constando também do nº 2 o elenco, meramente exemplificativo, das situações que justificam a contratação a termo, considerando-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa as seguintes:

a) substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;

b) substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento;

c) substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;

d) substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;

e) actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;

f) acréscimo excepcional de actividade da empresa;

g) execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;

h) execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção e fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos e outra actividades complementar de controlo e acompanhamento.

            Para além das situações previstas no n.º 1 do artigo 140.º e exemplificadas nas alíneas do seu n.º 2, o artigo 140.º admite ainda a celebração de um contrato a termo nos seguintes casos, conforme resulta do seu nº 4:

a) lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores;

b) contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego.

E no respeitante às formalidades do contrato, manteve-se a obrigatoriedade da sua redução a escrito, devendo constar do documento a indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo, que deve ser feita com a menção expressa dos factos que o integram, por forma a estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme estabelece o artigo 141º, nº 1, alínea e), e nº 3.

Com este requisito visa-se, um duplo objectivo: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a hipótese legal ao abrigo da qual se contratou, por um lado; por outro, a averiguação acerca da realidade e adequação da justificação invocada face à duração estipulada, porquanto o contrato a termo – nas palavras de Monteiro Fernandes[2]…só pode ser (validamente) celebrado para certos (tipos de) fins e na medida em que estes o justifiquem.

Por isso, ocorre a invalidade do termo se o documento escrito omite ou transcreve de forma insuficiente as referências respeitantes ao termo e ao seu motivo justificativo, face à prescrição do artigo 147º, nº 1, alínea c).

Assim, e conforme se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/12/2013, Processo n.º 273/12.6T4AVR.C1.S1, 4ª Secção, consultável em www.dgsi.pt, a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade “ad substantiam”, tendo que integrar, forçosamente, o texto do contrato, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova.[3]

Donde ser de concluir que as fórmulas genéricas constantes das várias alíneas do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho têm de ser concretizadas em factos que permitam estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, por forma a permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia legal e que é real a justificação invocada e adequada à duração convencionada para o contrato.

Por outro lado, tal indicação deve ser feita de forma suficientemente circunstanciada para permitir o controlo da existência da necessidade temporária invocada pela empresa no contrato, possibilitando também, quanto àquelas necessidades temporárias, que se comprove que o contrato a termo é celebrado pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades[4], cabendo ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo, conforme prescreve o n.º 5 do mencionado artigo 140º.

Postas estas considerações, vejamos então o caso presente.

3.2---

Tendo considerado prescritos os direitos dos AA em relação aos 4 primeiros contratos a termo que haviam celebrado com a R, o acórdão sujeito apreciou a validade formal do 5º contrato de cada um deles.

Assim, e conforme se colhe da factualidade vertida no ponto 2, alínea i), em 30/05/2012, a R e o A AA celebraram um contrato a termo pelo período de 3 meses, com início nesse dia e termo em 29/08/2012, tendo-se aposto como motivo justificativo do termo que o mesmo “tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Maio e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão, pelo menos até à primeira metade do mês de Setembro”.

E conforme consta da alínea j) daquele mesmo número da factualidade apurada, este contrato foi renovado em 20/08/2012, pelo período de dezasseis dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, vindo a caducar em 14/09/2012.

Já quanto ao A BB, e conforme se retira da alínea g) do ponto nº 4 da matéria de facto, em 04/05/2012, este celebrou com a R um contrato a termo pelo período de 4 meses, com início a 05/05/2012 e cessação em 04/09/2012, apondo-se como motivo justificativo do termo que “tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Maio e que se manterão previsivelmente durante toda a época alta de Primavera/Verão, pelo menos até à primeira metade do mês de Setembro”.

E resulta da alínea h) do mesmo ponto 4, que em 20/08/2012, as partes renovaram o contrato pelo período de dez dias, tendo a renovação o mesmo motivo justificativo indicado na celebração do contrato, vindo o mesmo a caducar a 14/09/2012.

A Relação veio a considerar válida esta justificação para a celebração dos referidos contratos a termo, conforme resulta da seguinte passagem que se reproduz:

 

“Ora, não cremos que o motivo invocado nos 5ºs contratos a termo celebrados com os AA. contenha factos passíveis de integrar a previsão da al. g) do art. 140º nº 2 do CT que nele é indicada e reproduzida, nem que permita estabelecer a relação entre os factos e o termo ou prazo estipulado nesses contratos.

Conforme refere Alice Pereira de Campos[5] “Estas situações correspondem a todas aquelas em que está em causa uma actividade que não faz parte da actividade normalmente desenvolvida na empresa e que Abílio Neto definiu como trabalho eventual. Estas actividades contrapõem-se às previstas na alínea anterior, na medida em que naquelas está em causa o desenvolvimento da actividade normal da empresa, mas em quantidade anormal, enquanto nestas a própria actividade é anormal, atendendo ao tipo de trabalho habitualmente desenvolvido pelo empregador. Ali está em causa uma alteração quantitativa, aqui uma alteração qualitativa.

Conforme previsto nesta norma, uma vez que a actividade a desenvolver tem um carácter isolado, a mesma deve estar perfeitamente definida no contrato. É necessário identificar com a maior precisão possível a tarefa ou serviço que o trabalhador contratado a termo vai desenvolver na empresa, sob pena de não estar suficientemente relacionada a aposição do termo e a duração do contrato com a actividade contratada, o que levará à nulidade do termo.”

Não é isso, todavia, o que sucede no caso em apreço tudo indicando que os contratos em causa se inserem plenamente na actividade normal da empresa, porquanto, além de reproduzir como motivo ipsis verbis o texto da al. g) do art. 140º, nº 2, aquilo que seguidamente é referido, alegadamente para explicitar em que consiste a tarefa ocasional ou serviço determinado e não duradouro, remete precisamente para a actividade normal da empresa, qual seja, a operação de voos charter, referindo o respectivo carácter temporário, a realizar no período do ano em que essa actividade é predominantemente exercida.

Verifica-se, pois que a R. não identifica qual é a tarefa ocasional ou o concreto serviço determinado, precisamente definido e não duradouro que justifica a contratação dos AA.

Estando provado que a ré é uma companhia de navegação aérea que opera exclusivamente na área dos voos "charter" ou não regulares, e que a sua actividade é exercida predominantemente em determinada época do ano (a chamada época alta dos sectores do turismo e da aviação civil, que abrange a Primavera e Verão), isso permite integrar a previsão de uma outra alínea do citado art. 140º, nº 2, mais precisamente da al. e) “actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado…”.

Com efeito, exercendo a R. a sua actividade de realização de voos charter, virados essencialmente para o sector do turismo, que, como é do conhecimento geral, no hemisfério norte, apresenta um pico de actividade no período da Primavera/Verão, é razoável admitir que nesse período do ano precise de reforçar temporariamente os seus recursos humanos em resposta às solicitações do mercado em que funciona.

Embora o motivo invocado nos contratos não aluda ao fundamento da citada al. e), o certo é que a descrição que faz do que considera uma tarefa ou serviço preciso e não duradouro (que todavia de forma alguma consegue identificar e concretizar) redunda afinal na concretização de um motivo do tipo dos previstos em tal alínea, já que explicita o carácter temporário da actividade da empresa - a operação de voos charter, que tem lugar essencialmente num determinado período do ano, mais precisamente, a chamada “época alta” da aviação e turismo, ou seja, a Primavera e Verão, sendo pois, cíclica - permitindo qualificar essa actividade como sazonal.

Há, assim, nestes contratos manifesta desconformidade entre a indicação da alínea em que se insere o motivo justificativo da aposição do termo e os factos que o concretizam.

Porém, perante tal desconformidade, afigura-se-nos dever atender-se fundamentalmente aos factos concretizadores do motivo, em vez de nos atermos à indicação (ou reprodução dos respectivos termos) da alínea do preceito legal que o prevê. Com efeito, se o contrato não contivesse menção da alínea do art. 140º nº 2 do CT, nem a reproduzisse e se limitasse a descrever os factos que a concretizam, não deixaria de ser considerado, desde que permitisse proceder à respectiva integração na norma. Contendo-a, em termos contraditórios com a descrição em termos factuais, é a esta que importa atender.”

 

E em face disso veio concluir que:

“Assim, apesar de os 5º contratos de cada um dos AA. e respectivas renovações não mencionarem como motivo o da alínea e) do art. 140º nº 2 do CT, visto a concretização do motivo invocado configurar a previsão de tal alínea, permitir correlacionar tal justificação com o termo estabelecido e, além disso, estar provada a veracidade desses factos (cfr. pontos 16 a 26), afigura-se-‑nos que bem andou a Srª Juíza ao considerar válida a estipulação do termo nestes contratos e respectivas renovações.”

Face ao exposto, e não tendo os AA reagido contra tal ajuizamento, temos que considerar que o mesmo se tornou definitivo.

Mas já em relação aos sextos contratos a termo que os AA haviam celebrado com a R, entendeu o acórdão recorrido que os mesmos não satisfazem os requisitos de concretização do motivo justificativo da estipulação do termo exigidos pelo art. 141º, nº 1, al. e) e nº 3 e, por esse motivo, nos termos do disposto pelo art. 147º, nº 1, al. c), parte final, têm necessariamente de considerar-se contratos sem termo.

Colhe-se efectivamente da alínea k) do nº 2 da factualidade apurada que em 17/10/2012, o A AA e a R celebraram novo contrato a termo pelo período de 14 dias, com início a 17/10/2012 e termo em 31/10/2012, tendo como motivo justificativo que o mesmo “tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e por necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês”.

 

E quanto a BB, retira-se da alínea i) do nº 4 dos factos provados, que em 17/10/2012, este A e a R celebraram novo contrato a termo pelo período de 14 dias com início a 17/10/2012 e cessando o mesmo em 31/10/2012, tendo-se aposto como motivo justificativo do termo que “tem o seu fundamento na alínea g) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho, actualmente em vigor: Execução de tarefa ocasional e serviço determinado precisamente definido e não duradouro, que consiste na actividade a prestar pela 2ª Outorgante no âmbito das operações de voos “charters” de carácter temporário e por necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno a iniciar pela 1ª Outorgante no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês.

Foi quanto a estes contratos que a Relação considerou que estes não satisfazem os requisitos de concretização do motivo justificativo da estipulação do termo exigidos pelo art. 141º, nº 1, al. e) e nº 3, vindo a concluir que se têm de considerar como contratos sem termo, ficando desta forma prejudicada a apreciação da validade do termo aposto aos contratos subsequentes.

Para tanto, argumentou o acórdão que: 

 

“O mesmo já não poderemos afirmar quanto aos 6ºs contratos, celebrados por 14 dias, de 17 a 31/10/2012, porquanto, além de não ter sido identificada a tarefa ocasional, serviço determinado precisamente definido e não duradouro, tampouco neles se explicita o motivo da alegada “necessidade pontual em operação extraordinária de Inverno a iniciar no mês de Outubro e que se manterá previsivelmente até finais do mesmo mês”, sendo certo que não pode para tanto considerar-se, como no contrato anterior, que se inseria na actividade sazonal desenvolvida pela R, assente como está que esta é exercida essencialmente na época alta (Primavera/Verão, ou seja, de Maio a meados de Setembro, extensível, por vezes pelo mês de Outubro, conforme se refere no ponto 16).

Não podemos sequer admitir estarmos perante uma extensão da época de Verão - em que, como considerámos atrás, a actividade da R. poderia ser considerada sazonal – já que no próprio contrato se alude a uma necessidade pontual da operação extraordinária de Inverno.

A operação de Inverno, sendo extraordinária, como consta do contrato, é porque não é cíclica, logo não pode ser considerada actividade sazonal[6].

Tratando-se de uma operação pontual para acudir a uma necessidade extraordinária, havia que explicitar melhor os factos que a integram e que justificariam a estipulação do termo, de modo a permitir aferir a adequação do termo.

É possível que o motivo justificativo fosse, na realidade, um serviço determinado, precisamente definido e não duradouro.

Mas era indispensável que fosse claramente identificado no contrato (a realização dos voos a, b e c, nos dias x, y e z). Isso não se verifica, não podendo, pois, deixar de se considerar que os referidos contratos não satisfazem efectivamente os requisitos de concretização do motivo justificativo da estipulação do termo exigidos pelo art. 141º nº 1 al. e) e nº 3 e, por esse motivo, nos termos do disposto pelo art. 147º nº 1 al. c), parte final, têm necessariamente de considerar-se contratos sem termo.”

É contra tal ajuizamento que reage a recorrente, mas sem razão.

 

Efectivamente, não está em causa que a R pudesse ter razões de necessidades temporárias de serviço para contratar os AA, pois o que se concluiu é que os contratos não contêm factos suficientes para justificar a sua contratação a termo, e muito menos deles consta facticidade alguma que permita estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado, conforme se referiu no ponto 3.1.

Também a pretensão de considerar que a contratação dos AA surge ainda como consequência da sazonabilidade da actividade da R tem que improceder, pois deveria a recorrente ter vertido e concretizado essas razões nos próprios contratos que celebraram como os AA, por se tratar de formalidades “ad substantiam”, conforme já se aludiu no ponto anterior. 

Improcedem assim as razões invocadas pela recorrente nas suas conclusões H), I), J), K), L), M), N), O), pois trata-se de matéria que, pela sobredita razão, deveria constar dos sextos contratos que foram celebrados com os AA.

E quanto ao argumento da recorrente de que não quis iludir ou defraudar as disposições que regulam o contrato sem termo, é o mesmo absolutamente irrelevante, pois o que está em causa prende-se com a insatisfação das rigorosas exigências formais que a lei impõe à contratação de trabalhadores a termo.

Resta ainda apreciar a argumentação da recorrente de que o entendimento da Relação integra uma situação de abuso do direito, nos termos do artigo 334° do Código Civil.
Ora, resulta do mencionado preceito que é ilegítimo o exercício dum direito quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico desse direito.
Vem-se defendendo, no entanto, que não basta um qualquer desvio do fim económico ou social ou uma qualquer ofensa à boa-fé e aos bons costumes, dado que aquele preceito não se basta com isso, pois exige que ocorra um excesso manifesto no exercício dum direito pelo seu titular.
Nesta conformidade a doutrina acentua a densidade da ofensa, exigindo um excesso manifesto e desproporcionado, pronunciando-se neste sentido Galvão Teles, Obrigações, 3ª edição, pgª 6; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, anotado, volume 1º, 3ª edição, pª 296; e Cunha de Sá, Abuso de Direito, 454.
Também Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 63, fala num exercício dum direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça; e Vaz Serra, abuso de direito, BMJ 68/253, exige também uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
Assim, a teoria do abuso do direito serve de válvula de segurança para os casos de pressão violenta da nossa consciência jurídica contra a rígida estruturação, geral e abstracta, das normas legais, obstando a injustiças clamorosas que o próprio legislador não hesitaria em repudiar se as tivesse vislumbrado, conforme advogam Manuel de Andrade, in RLJ, ano 87, pg. 307, e Vaz Serra, MBJ 85, pg. 326.
Por isso, não basta que do exercício dum direito advenham prejuízos para outrem, sendo necessário que o seu titular exceda, visível, manifesta e clamorosamente, os limites que lhe cumpre observar, decorrentes da tutela da confiança e impostos pelos padrões morais de convivência social reinantes na comunidade de contexto, bem como pelo fim económico e social que justifica a existência desse direito, redundando numa injustiça flagrante (sem que seja exigível que tenha consciência disso, como resulta da concepção objectiva do instituto, acolhida no nosso ordenamento jurídico[7]).

Não é assim, um qualquer exercício excessivo de um direito que o torna, só por si, proibido, pois o que se exige é que o respectivo titular ultrapasse, manifesta e clamorosamente, os limites impostos quer pelo princípio da tutela da confiança (boa-fé), quer pelos padrões morais de convivência social comummente aceites (bons costumes), quer, ainda, pelo fim económico ou social que justifica a existência desse direito.

Nesta conformidade, e conforme se diz acórdão deste Supremo Tribunal de 16/11/2011[8] “… existirá abuso do direito quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”
Como figura integradora de comportamento típico do abuso do direito a doutrina costuma mencionar, entre outras, a do “venire contra factum proprium” que se caracteriza pelo exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente.
Por isso, Baptista Machado, in ‘Tutela da Confiança’, Obra dispersa, Vol. I, pg. 416, refere que o ponto de partida do venire é ‘uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira’.
Corresponde assim ao exercício dum direito em contradição com uma conduta anterior em que a outra parte tenha, de boa fé, confiado e, com base nela, programado a sua vida, conforme advoga Vaz Serra[9].

           E voltando ao supra mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de 16/11/2011, “na sua estrutura, o “venire” pressupõe duas condutas da mesma pessoa, ambas lícitas, mas assumidas em momentos distintos e distanciadas no tempo, em que a primeira (o “factum proprium”) é contraditada pela segunda (o “venire”), de modo que essa relação de oposição entre as duas justifique a invocação do princípio do abuso do direito.”
Nestas situações, a paralisação do direito é justificada pela tutela da confiança, resultante da anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira, no dizer de Baptista Machado, acima citado.

           

Postas estas considerações, impõe-se concluir que, no caso em apreço, não se justifica a paralisação dos direitos que os AA pretendem exercitar nesta acção.

            Efectivamente, foi a R com a sua conduta omissiva quem deu azo ao resultado desfavorável da presente acção, por não ter levado aos contratos aqui em causa (os sextos celebrados com os AA) a factualidade concreta que conduziu à sua contratação a termo e que constituísse uma justificação válida face às rigorosas exigências formais do artigo 141º, nº 3 do Código do Trabalho.  

           E improcedendo também esta argumentação da recorrente, temos de concluir pela confirmação do acórdão recorrido.

4---

            Termos em que se acorda nesta Secção Social em negar a revista, mantendo-se a condenação da R nos precisos termos que constam do dispositivo da decisão impugnada.

            Custas a cargo da recorrente.

           

            Anexa-se sumário do acórdão          

            Lisboa, 17 de Março de 2016

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Leones Dantas

            Belo Morgado

______________________
[1] Embora que assim designado na sentença e já na petição inicial, trata-se de manifesto lapso de escrita, que cabe corrigir, uma vez que constitui, na realidade, o oitavo e não o nono contrato.
[2] - ‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 319.
[3] No mesmo sentido vejam-se os acórdãos desta Secção Social de 14-4-2010, recurso n.º 977/06.2TTCBR.C1.S1; e o Acórdão de 24 de Fevereiro de 2015, Processo nº 178/12.0TTCLD.L1.S1
[4]  Neste sentido veja-se Júlio Gomes, Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 599.
[5] Contrato de Trabalho a Termo, Universidade Católica, 2013, pag. 79.
[6] Pode ler-se no ac. do STJ proferido no processo 08S325 “Actividade sazonal é aquela que só surge em determinando período do ano, necessariamente limitado, perdendo posteriormente a sua utilidade. Em contrapartida, o ciclo de produção legalmente atendível é o ciclo anual, tornando-se ainda mister que as suas irregularidades decorram da natureza estrutural – que não conjuntural -  do respectivo mercado. Ambas as situações pressupõem uma natureza cíclica, previsível e regular. Falar-se em actividade sazonal impõe a obrigatória referência no contrato à época do ano durante a qual se desenvolve a actividade, uma vez que tal conceito é incompatível com o exercício da actividade durante todo o ciclo anual.”
[7] Pires de Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1967, pg. 217.
[8] Recurso nº 203/08.0TTSNT.L1.S1 (Pereira Rodrigues)
[9] Cfr. Vaz Serra, RLJ, 111º, pág. 296.