Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
744/12.4TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
PROVA PERICIAL
DEVER DE COLABORAÇÃO DAS PARTES
DEVER DE COOPERAÇÃO
CULPA
RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTRUÇÃO DO PROCESSO / DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE.
Doutrina:
-Antunes Varela, e outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, p. 470 e 480 ; Das Obrigações em Geral, 10.ª Edição, p. 566;
-Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, Volume II, p. 409;
-Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Almedina, 2.ª Edição, 2004, p. 454 e 455;
-Vaz Serra, Provas (direito probatório material), BMJ, n.º 110, p. 160.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 344.º, N.º 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 417.º, N.OS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:

ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 17-02-1983, IN BMJ, N.º 324, P. 584;
- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19;
- DE 31-03-2009, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-02-2012, PROCESSO N.º 994/06.2TBVFR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-05-2016, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Inscreve-se no âmbito do recurso de revista a apreciação do modo como as instâncias interpretaram e aplicaram a norma de direito probatório material prevista no art. 344.º, n.º 2, do CC, na medida em que a inversão do ónus da prova é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.

II - A inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC e art. 417.º, n.º 2 do CPC, apresenta-se como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no n.º 1 do citado art. 417.º, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte recusante podia e devia agir de outro modo.

III - A circunstância da recusa da contraparte tornar culposamente a prova impossível ou tornar particularmente difícil a prova, não importa, sem mais, que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, mas tão só que passou a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto, não estando, por isso, as instâncias dispensadas de valorar essa recusa para efeitos da formação da sua convição com vista a dar, como provado, ou não, o facto em causa.

IV - Tendo em conta as consequências decisivas da inversão do ónus da prova para a decisão da causa, impõe-se que a notificação efetuada à parte para proceder à junção de documentos seja acompanhada da advertência de que a sua recusa injustificada implica a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344.º, n.º 2, do CC.

V - Tendo a parte recusante sido notificada com esta advertência, inexiste fundamento para dar à mesma a possibilidade de indicar e produzir novos meios de prova com vista a fazer a prova com que, em face da sua recusa ilícita de cooperação com o processo, passaria a estar onerada.

Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL


I – Relatório


1. AA - Instituto de Radiologia .., S.A., intentou ação declarativa contra Hospital BB – P…, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe o montante de € 985.485,98, correspondente a:

a) uma indemnização a título de responsabilidade civil contratual, pelos danos patrimoniais causados pela R. à A., no montante de € 975.485,98;

b) uma compensação pelos danos não patrimoniais em que a A. incorreu face à conduta ilícita da R., no valor de € 10.000,00.

Alegou, para tanto e em síntese, que, em 7 de Novembro de 2007, celebrou com a ré um contrato de prestação de serviço, nos termos do qual se obrigou a prestar, mediante contrapartida pecuniária, serviços de imagiologia e interpretação dos exames realizados.

Este contrato teve o seu início no dia 19 de Dezembro de 2007, ficando convencionado entre as partes que o mesmo teria a duração de três anos, automaticamente prorrogável por períodos de três anos, salvo se alguma das partes comunicasse a sua decisão de não o prorrogar, com noventa dias de antecedência relativamente ao seu termo.

Não obstante ter sido negociada entre as partes uma alteração parcial ao ajuizado contrato, sendo a sua duração prorrogada até Janeiro de 2014, no dia 29 de Setembro de 2010, a R. comunicou à A. que procedia à “rescisão com efeitos imediatos” deste contrato, sem que tivesse fundamento válido para operar a sua extinção.


2. Contestou a R., alegando que, por transação realizada pelas partes no âmbito de uma outra acção declarativa, decidiram por fim a todo e quaisquer litígios existentes entre si, tendo a A. renunciado a todos e quaisquer outros direitos que existissem na respetiva esfera jurídica contra a demandada, mormente os pretensos créditos provenientes da presente demanda, consubstanciando, por isso, a propositura da ação um abuso de direito.

Sustentou a validade da resolução do ajuizado contrato, na medida em que, quer a relação pessoal e de confiança havida com o Dr. CC (que, entretanto, deixara de integrar os quadros da A.), quer a alteração da estrutura societária da A. (da qual passou a fazer parte o Grupo DD, SGPS, S.A., entidade concorrente da R. na área de prestação de serviços médicos) conduziram à perda de interesse por parte da R. na manutenção do contrato e à violação por banda da demandante dos mais elementares princípios da boa-fé.


3. Respondeu a A., sustentando, em síntese, que em parte alguma do ajuizado contrato se estabeleceu que o mesmo assumiria natureza intuitu personae relativamente à pessoa do Dr. CC, sendo certo que a R., na altura em que o assinou, tinha perfeito conhecimento de que o Grupo DD, SGPS, S.A. entrara no capital da A..

Requereu ainda a ampliação do pedido, no sentido de serem considerados os juros que se vencerem desde a citação até efectivo pagamento, o que foi admitido por despacho exarado a fls. 567.


4. Proferido despacho saneador em termos tabelares, foi fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória.


5. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 924.968,18 (novecentos e vinte e quatro mil novecentos e sessenta e oito euros e dezoito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal estabelecida no artigo 102.º do Cód. Comercial, contados desde a citação até efectivo pagamento.


6. Inconformada, apelou a R., para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão proferido em 12.07.2017, decidiu anular as respostas aos artigos 15.º a 23.º da base instrutória (e, consequentemente a sentença na parte relativa à indemnização pelos lucros cessantes), determinando a repetição do julgamento, nessa parte, a fim de possibilitar à apelante produzir prova sobre os mesmo e confirmando, no mais, a sentença recorrida.


8. Inconformada com este acórdão, a autora dele interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

I. A Autora, antes Apelada e ora Recorrente, vem interpor recurso do Acórdão, cujo objeto é limitado à parte que lhe é desfavorável, com a qual se não conforma e que, em suma, se traduz no ponto 3.7 do Acórdão, isto é, na decisão de anular "as respostas aos artigos 15.º a 23. ° da base instrutória (e, consequentemente a sentença na parte à indemnização pelos lucros cessantes) devendo o julgamento ser repetido nessa parte, afim de possibilitar à apelante [ora Recorrida] produzir prova sobre os mesmos (...) ".

II. Com efeito, com tal decisão o Tribunal da Relação envolve-se "efectivamente na resolução material do litígio, no todo ou em parte", uma vez que anula parcialmente a decisão de 1ª instância (sentença proferida a 19 de novembro de 2015, daqui em diante a "Sentença"), alterando assim a composição definitiva do litígio fixada na sentença, o que, no entendimento da Autora, fez em violação de normas de direito substantivo, que a Relação interpreta de forma equivocada, e da lei de processo, que aplica erradamente.

III. Como se demonstrará ao longo das presentes Conclusões, considera a Autora, ora Recorrente, que o Acórdão que agora se coloca em crise peca por não ter confirmado integralmente a Sentença, que não padece de qualquer erro de julgamento, de interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, designadamente aqueles que lhe são especificamente apontados pelo Acórdão.

IV. Os quesitos cuja resposta o Tribunal da Relação anulou foram dados como provados pelo Tribunal de l.a instância, correspondendo aos pontos 55.° a 63.° da matéria de facto, na sequência da aplicação da cominação prevista no artigo 344.°, n.° 2 do CC ex vi do número 2 do artigo 417.° CC, pela qual, em face da violação reiterada por parte da Ré dos deveres de cooperação e colaboração ao longo do processo e, especificamente, no âmbito da produção de um meio de prova destinado à prova daquela matéria, se deu como invertido o ónus da prova quanto à referida factualidade, sendo certo que a Ré não produziu qualquer prova que infirmasse as afirmações de facto vertidas nos referidos quesitos.

V. A argumentação usada pelo Tribunal da Relação do Porto para anular as referidas respostas não tem, salvo o devido respeito, qualquer sustentabilidade do ponto de vista jurídico, pois, não só desconsiderou — ou, pelo menos, não sopesou devidamente — os elementos constantes do processo que determinaram que o Tribunal de l.a instância decidisse como decidiu,

VI. Como também, e por outro lado, procedeu a uma interpretação e aplicação errada das normas jurídicas pertinentes, inclusivamente pondo em causa princípios estruturantes do processo civil (alguns de índole constitucional), que aliás não recolhe qualquer apoio na doutrina ou na jurisprudência que abordaram o tema.

VII. Como veremos, e aliás resulta da leitura do Acórdão, é verdade que o Tribunal da Relação não põe em causa que existem fundamentos substantivos mais do que suficientes para inverter o ónus da prova, limitando-se a apontar como fundamento da anulação parcial da Sentença a omissão por parte do Tribunal de 1 .a instância de um ato processual a cumprir após a decisão de inversão.

VIII. Não obstante, a decisão de inverter o ónus da prova teve por base uma conduta processual da Ré grave e reiterada, perfeitamente documentada nos autos, cuja análise objetiva impunha, por si só, uma decisão como a que o Tribunal de l.a instância tomou.

IX. Nesse âmbito, porém, decorre da leitura do Acórdão que o Tribunal da Relação não terá atentado devidamente nos elementos constantes do processo que determinaram que o Tribunal de 1.a instância decidisse inverter o ónus da prova.

X. A Ré estava, desde o primeiro momento, perfeitamente consciente da relevância da referida factualidade na economia da presente ação e do pedido de indemnização que sobre si impendia: veja-se os pedidos para que Ré fosse notificada para juntar documentação formulados pela Autora na Resposta à Contestação (fls. 505 a 557) e requerimentos de fls. 616 a 626 e fls. 654 a 664.

XI. Nesses requerimentos, a Autora desde logo consignou que tais documentos, além do mais, eram necessários para que os Senhores Peritos pudessem responder cabalmente às questões que lhes eram colocadas no âmbito da perícia, também requerida pela Autora no seu requerimento probatório, que abrangia os quesitos 15.° a 24.° da Base Instrutória.

XII. Não obstante, a Ré entendeu incumprir a notificação do Tribunal para a referida junção (vide despacho de fls. 665), razão pela qual em 27.09.2013, o Tribunal proferiu novo despacho (fls. 674), condenando a Ré numa multa e ordenando nova notificação da Ré para esse efeito, desde logo adiantando que o não cumprimento deste despacho importaria a possibilidade de "eventualmente se inverter o ónus da prova, por aplicação do disposto nos artigos 417.º, n.º 2 do CP. Civil e 344.", n." 2 do C. Civil.

XIII. A Ré apresentou um requerimento (fls. 677 a 679), pelo qual requereu que "lhe seja concedido um prazo nunca inferior a 15 dias para juntar aos autos os documentos em falta, penitenciando-se pelo facto de ainda não os ter junto (...) ".

XIV. Ainda assim, não obstante admitir expressamente estar na posse dos documentos e comprometer-se com a sua junção aos autos, a Ré incumpriu novamente a ordem que lhe fora dirigida (despacho de fls. 680) e não juntou os documentos aos autos.

XV. Tendo sido condenada em nova multa e alertada que: "Em sede de audiência de julgamento, apreciar-se-á da eventual aplicação da inversão do ónus da prova quanto aos factos sobre que tais documentos versariam (artigo 417.º, n.º 2 do CP. Civil e artigo 344º, nº 2 do C Civil)." (fls. 684 e 685).

XVI. A perícia foi iniciada e realizada na medida do possível: a Autora entregou aos Senhores Peritos os documentos que lhe foram solicitados, ao passo que a Ré se recusou colaborar da mesma forma, mesmo com próprio Perito por si designado.

XVII. Está bem patente no Relatório Pericial que grande parte das respostas às perguntas formuladas aos Peritos foram inviabilizadas porque a Ré não juntou os documentos cuja junção foi ordenada pelo Tribunal e também requerida pelos Senhores Peritos.

XVIII. O Tribunal proferiu então um despacho (fls. 734), convidando a Ré a juntar tais documentos aos autos, para possibilitar o completar do Relatório Pericial." (sublinhado nosso)

XIX. Como, uma vez mais, a Ré não cumpriu - e nem sequer respondeu - a este despacho do Tribunal, foi novamente condenada em multa e os Senhores Peritos foram notificados para prestar os esclarecimentos que a Autora havia requerido (vide despacho (fls. 743).

XX. Os esclarecimentos dos Senhores Peritos (fls. 751 a 753) confirmaram — de forma unânime, i.e., mesmo o perito nomeado pela Ré — que foi a omissão dos documentos que a Ré estava obrigada a juntar que inviabilizou a resposta concreta (i.e., apuramento de valores concretos) no âmbito dos quesitos 17.°, 18.°, e 19.° e das questões D, E, F, G, H, I, L, O e P do Relatório Pericial.

XXI. Na sequência de requerimento apresentado pela Autora, o Tribunal proferiu ainda um último despacho sobre a possibilidade de esta conduta despoletar a aplicação do regime da inversão do ónus da prova (fls.782), no qual se pode ler: "Como assim, encontramo-nos em presença de regras de julgamento e, como tal, a sua eventual aplicação no caso vertente (enquanto critério de decisão) apenas deverá, na nossa perspetiva, operar aquando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aquando da prolação da sentença (cfr. nºs 4 e 5 do art. 607º do Cód. Processo Civil). Porque assim, indefere-se o requerido, sem prejuízo de no momento processualmente oportuno o tribunal ponderar as consequências assumidas pela ré no concernente à violação do dever de cooperação intersubjetiva que sobre ela impende (...) "

XXII. Ora, o Tribunal da Relação do Porto anulou parcialmente a Sentença, porquanto não obstante as diversas ameaças de inversão do ónus da prova efetuadas em face da violação do dever de colaboração por parte da Ré, o Tribunal de l.a instância não dirigiu à Ré um convite para indicação de meios de prova destinados a, em julgamento, fazer a prova da falta de realidade dos artigos 15.° a 23.° da base instrutória e consequentes danos provados.

XXIII. Ora, a assumir-se que, mesmo sem qualquer norma expressa, o Tribunal de l.a instância estava obrigado a convidar a Ré a apresentar meios de prova quanto aos factos relativamente aos quais inverteu o ónus da prova, por violação reiterada do dever de cooperação por parte da Ré (no que, repete-se, se não concede), isso significaria que a omissão de tal convite geraria uma nulidade processual.

XXIV. Com efeito, se laborarmos no pressuposto, assumido pelo Tribunal da Relação, de que tal convite era uma exigência legal (no que se não concede), o mesmo teria que ser considerado como um ato integrante da sequência processual de aplicação da inversão do ónus da prova e, assim, a sua ausência no âmbito dessa sequência processual constitui uma nulidade que, por se não encontrar expressamente prevista, se subsume à regra geral do artigo 195.° do CPC.

XXV. Ora, se assim é, parece evidente qual o regime a que a referida nulidade estaria sujeita: tal nulidade não era de conhecimento oficioso, antes pressupunha reclamação da parte interessada, pelo que que cabia à Ré reclamar e arguir a nulidade, no prazo perentório de 10 dias, contados do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, sob pena de sanação da nulidade e, em consequência, caducar o direito de a arguir (artigos 196.° do CPC, 197.°, n.° 1, 199.°, 149.°, n.° 1 e 139.°, n.° 3, todos do CPC).

XXVI. Ora, revertendo ao caso concreto, verifica-se, em primeiro lugar, que em momento algum ao longo do processo, quer na l.a instância, quer em sede de recurso de apelação, a Ré arguiu qualquer nulidade relacionada com a falta do suposto convite à indicação de meios de prova destinados a, em julgamento, fazer a prova da falta de realidade dos artigos 15.° a 23.° da base instrutória.

XXVII. Aliás, desta perspetiva, tendo em conta a ausência de qualquer arguição de nulidade no recurso de apelação, o Acórdão padece de um vício de conteúdo, na medida em que o Tribunal da Relação conhece de questões — suposta omissão de suposto convite à indicação de meios de prova, gerador como vimos de nulidade — de que não podia tomar conhecimento, o que implicaria a nulidade do Acórdão nos termos e para os efeitos do disposto na alínea d), do n.° 1 do artigo 615.°, aplicável ex vi do artigo 666.°, n.° 1 do CPC, nulidade essa que, à cautela, se tem aqui por arguida.

XXVIII. Por outro lado, e sem prescindir, diga-se que a ausência de qualquer pronúncia da Ré sobre a matéria da inversão do ónus da prova não obstante as diversas interpelações e ameaças da aplicação desse regime por parte do Tribunal de 1.° instância, sempre constituiria, em qualquer caso, uma renúncia tácita à arguição da referida nulidade, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 197.°, n.° 2 do CPC, o que também se invoca.

XXIX. Assim, a decisão do Tribunal da Relação do Porto de anular as respostas aos quesitos aqui em causa e mandar repetir o julgamento nessa parte, a fim de que a Ré tivesse a supostamente negada possibilidade de fazer prova sobre os mesmos, traduz-se numa verdadeira declaração de uma nulidade que não é de conhecimento oficioso, que não foi reclamada tempestivamente e, que por isso, já se encontrava sanada, o que se traduz numa decisão manifestamente ilegal, na medida em que viola expressamente o disposto nos artigos 139.°, n.° 3, 149.°, n.° 1, 195.°, 196.°, 197.°, 199.°, todos do CPC.

XXX. Sem prescindir, do ponto de vista do seu enquadramento processual, a decisão do Acórdão de proceder à anulação da respostas aos artigos 15.° a 23.° da base instrutória e consequentes danos provados, mandando repetir o julgamento, só pode resultar do exercício dos poderes de modificabilidade da decisão de facto atribuídos ao Tribunal da Relação no âmbito do recurso de apelação, sob a égide do disposto no artigo 662.° do CPC.

XXXI. E, no âmbito dessa norma as únicas alíneas ao abrigo das quais, em teoria, poderia estar sustentada a decisão oficiosa de anular as respostas à matéria de facto e repetir o julgamento seriam as alíneas b) ou c) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, que se relacionam, a primeira, com a produção de novos meios de prova e a segunda com a anulação da decisão de l.a instância por deficiência, obscuridade, contradição da decisão sobre a matéria de facto ou necessidade da sua ampliação.

                      XXXII. Ora, a situação em apreço não se subsume no âmbito de nenhuma dessas normas, carecendo a decisão de qualquer apoio legal, o que aliás é desde logo indiciado pelo facto de o Tribunal da Relação se ter eximido de invocar qualquer norma legal para a sua decisão.

                      XXXIII. Assim, uma vez que o que se põe em causa de seguida é o exercício por parte do Tribunal da Relação dos poderes conferidos pelo artigo 662.° do CPC, não pode haver dúvidas, não obstante o disposto no número 4 do artigo 662.°. do CPC, de que a decisão em apreço é passível de recurso.

                      XXXIV. No que diz respeito à alínea b) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC é evidente que a decisão da Relação de anular as respostas aos quesitos e mandar repetir o julgamento, por não ter sido efetuado um alegado convite à indicação de meios de prova, não se funda em qualquer dúvida sobre a prova efetivamente realizada nos autos, que aliás não é sequer posta em causa no Acórdão.

                      XXXV. Note-se, aliás, que o facto de a Ré ter optado por não requerer outros meios de prova dentro das possibilidades legais ou, no limite, ter negligenciado o exercício dessas faculdades, é cominado pela lei processual com um efeito preclusivo do seu exercício futuro e tem também uma consequência em termos do não cumprimento do seu ónus de prova, consequências que foram devidamente extraídas pelo Tribunal de 1." instância, quando afirma na sentença que “inverteu-se o ónus de prova, sendo que a ré não produziu qualquer prova tendente a infirmar as afirmações de facto vertidas nos aludidos factos controvertidos que, deste modo, por aplicação dos referidos comandos normativos, ter-se-ão pois de considerar provadas."

                      XXXVI. Assim, não podia o Tribunal da Relação decidir como decidiu, anulando a decisão quanto à matéria de facto para dar oportunidade à Ré de produzir novos meios de prova, porque tal decisão configura um exercício ilegítimo dos poderes contidos na alínea b) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC,

                      XXXVII. subvertendo completamente as regras processuais que instituem aquele efeito preclusivo e desconsiderando, do ponto de vista do direito probatório material, a distribuição do ónus da prova entre as partes, beneficiando ilegitimamente a Ré, ao arrepio de princípios estruturantes do processo civil, como seja o dispositivo, o contraditório e a igualdade, nos termos expostos pela doutrina que se citou.

                      XXXVIII. Assim, dando à Ré a possibilidade de produzir novos meios de prova e ordenando a repetição do julgamento nos termos em que o fez, o Tribunal da Relação não só violou o disposto na alínea b) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, mas também as regras de distribuição do ónus da prova (artigos 340.°, 344.°, n.° 2 ambos do CC e 417.°, n.° 2 CPC), bem como os princípios do dispositivo, do contraditório (artigo 3.°, n.° 2 e 3 e 415.° do CPC) e da igualdade das partes (artigo 4.° do CPC).

                      XXXIX. Quanto à alínea c) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, a simples leitura da norma é suficiente para concluir que o caso em apreço não se subsume na respetiva hipótese legal, uma vez que o Tribunal da Relação não anulou a decisão em causa sob a justificação de que a mesma padecia de alguma das patologias referidas na norma em causa — deficiência, obscuridade ou contradição — nem tampouco porque tenha considerado necessário proceder à ampliação da matéria de facto.

                      XL. Portanto, caso a decisão se fundasse na norma atrás citada, tratar-se-ia também de um exercício ilegítimo da faculdade legal conferida pela lei, com a agravante que se entende ser aqui de realçar de que a anulação do julgamento deve ser sempre uma medida de último recurso.

                      XLI. Assim a decisão em causa não só viola o disposto na alínea c) do n.° 2 do artigo 662.° do CPC, como restringe de forma desnecessária e desproporcional a celeridade processual, pela tutela indevida e injustificada que concede à Ré, na medida em que, atento os elementos disponíveis nos autos, que se elencaram supra no ponto 3.1 destas Alegações, o Tribunal estava na posse de todos os elementos para inverter o ónus da prova e de, em face da ausência de prova da Ré, considerar provados os artigos 15.° a 23.° da base instrutória e consequentes danos provados, mantendo-se integralmente a sentença de 1 .a instância, como se passa a demonstrar.

                      XLII. Por outro lado, a leitura do ponto do Acórdão aqui em discussão (ponto 3.7) não deixa qualquer dúvida sobre o facto de o Tribunal da Relação do Porto ter entendido, em linha com o Tribunal de l.a instância, de que há fundamentos mais do que suficientes para a decisão de inversão do ónus da prova quanto aos os artigos 15.° a 23.° da base instrutória. Tal decisão — de inverter o ónus da prova quanto aos referidos factos — não foi posta em causa pelo Tribunal da Relação, antes foi validada, podendo até dizer-se que sobre a mesma recai uma espécie de dupla conforme, atento o alinhamento que sobre essa matéria há entre a Sentença e o Acórdão.

                      XLIII. Com efeito, o fundamento da anulação da resposta aos quesitos em causa não tem a ver com a decisão de inversão do ónus da prova mas sim com a exigência da verificação de um requisito processual adicional após a decisão de inversão: o convite à indicação de meios de prova destinados a fazer a prova da falta de realidade dos factos cujo ónus da prova se inverteu.

                      XLIV. No entendimento da Autora, além do que já se disse, esta decisão é ilegal e inconstitucional não podendo por isso permanecer na ordem jurídica nos seus termos atuais.

                      XLV. Em primeiro lugar, esta exigência do convite à indicação de meios de prova não tem qualquer suporte na lei, expresso ou implícito, por mínimo que seja, tratando-se de uma interpretação manifestamente errada e ilegal do regime em causa.

                      XLVI. Com efeito, do teor literal dos artigos 344.°, n.° 2 CC e 417.°, n.° 2 do CPC não há um único elemento que aponte no sentido da exigência postulada pelo Tribunal da Relação, sendo certo que, como se sabe, o elemento literal na interpretação tem, nomeadamente, a função negativa de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou qualquer correspondência nas palavras da lei (artigo 9.°, n.° 2 do CC).

                      XLVII. De igual modo, do ponto de vista do elemento lógico da interpretação, e especificamente quanto ao elemento teleológico, as rationes legis do artigo 344.°, n.° 2 não reclamam a existência de tal convite, sendo que aliás a interpretação do Tribunal da Relação é que é contrária quer aos fundamentos de índole privada, quer aos fundamentos de índole pública do regime.

                      XLVIII. Com efeito, ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação contraria os interesses privados subjacentes ao regime da inversão, pois permite que a Ré inviabilize a realização do meio de prova requerido pela Autora — no caso, a realização de uma perícia — impossibilitando a Autora de realizar a sua prova, sem que lhe seja imediatamente aplicada a correspondente sanção civil.

                      XLIX. Ou seja, a atuação da Ré, que é inviabilizadora da realização de um meio de prova que a própria certamente antecipava como desfavorável, é, ao contrário do que postula a lei, premiada, na medida em que não só frustrou a realização desse meio de prova que temia, como ainda lhe é dada uma oportunidade de fazer prova adicional quando a inversão é decretada.

                      L. Do ponto de vista dos fundamentos de natureza pública, a decisão em causa não assegura as exigências resultantes do processo equitativo, na medida em que à Autora foi retirada, sem as imediatas consequências desfavoráveis para a Ré, a devida oportunidade para fazer valer os seus direitos em juízo, pelo que a decisão da Relação, ao premiar indevidamente o infrator, põe também em causa o direito de acesso à justiça da Autora, constitucionalmente consagrado.

                      LI. Além de não resultar da lei, esta exigência do convite à indicação de meios de prova não é referida por nenhuma da doutrina que mais detalhadamente se dedicou ao tema, nem tampouco encontra qualquer respaldo na jurisprudência que já teve que se debruçar sobre a matéria (vide jurisprudência analisada no ponto 3.4.2 das Alegações).

                      LII. Com efeito, o que a jurisprudência vem exigindo é, que, no caso concreto, a inversão do ónus da prova não surja para a parte como uma "decisão surpresa", isto é, algo que se situe fora do geral e abstratamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspetivado como sendo possível.

                      LIII. Muito pelo contrário do que inusitadamente afirma o Acórdão, o que se pode retirar da análise da jurisprudência sobre esta matéria é que o Supremo Tribunal de Justiça tem, perante situações de manifesto incumprimento do princípio da cooperação e preenchimento dos requisitos constantes do artigo 344.°, n.° 2 do CC, retirado direta e imediatamente as devidas consequências desse comportamento ilícito, sem dar à parte que passou a ser onerada com a prova a possibilidade de produzir prova adicional, isto é, sem o supostamente necessário convite à indicação de meios de prova (vide jurisprudência analisada no ponto 3.4.2 das Alegações).

                      LIV. Assim, a exigência do convite à indicação de meios de prova formulada pelo Tribunal da Relação do Porto não tem qualquer suporte, por mínimo que seja, na lei, nem é referida pela doutrina e jurisprudência, pelo que não pode haver qualquer dúvida que a decisão em causa, neste segmento, é violadora do disposto nos artigos 344.°, n.° 2 do CC e 417.°, n.° 2 do CPC, contrariando frontalmente as decorrências do princípio da cooperação e assim também do princípio constitucional do processo equitativo e dos princípios do contraditório e da igualdade de armas.

                      LV. Por outro lado, no que diz respeito ao disposto na lei processual é evidente que não é correto afirmar que pelo facto do Tribunal de 1 .a instância apenas decretar a inversão na sentença — i.e., num momento em que "já se encontra ultrapassado a fase da apresentação dos meios de prova", ou seja, finda a fase de instrução e a audiência de julgamento —, "o facto controvertido passará automaticamente a ser considerado verdadeiro-", com o que se estabelece "i/m efeito cominatório que a lei não quis. "

                      LVI. É que, em primeiro lugar, nada impede a parte de, com base na prova pré-constituída que já se encontra nos autos (maxime, prova documental), quer com base na prova constituenda — requerida no momento processual próprio — que ainda se irá realizar (seja prova pericial, seja a prova testemunhal já arrolada), poder fazer a prova com que, em face da sua recusa ilícita de cooperação com o processo, passou a estar onerada.

                      LVII. Por outro lado, no que particularmente diz respeito à prova documental, importa tomar em linha de conta as possibilidades de junção de documentos em fases adiantadas do processo, previstas no artigo 423.° do CPC, cujo regime concorre para concluir que a fundamentação do Tribunal acima exposta carece de sentido.

                      LVIII. De igual modo, no que diz respeito à prova testemunhal, o n.° 2 do artigo 528.° do CPC permite que o rol de testemunhas apresentado pela parte possa ser "aditado oualterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência finar, pelo que também quanto a este concreto meio de prova, a parte poderia alterar ou aditar o seu rol para poder fazer a prova com que, em face da sua recusa ilícita de cooperação com o processo, passou a estar onerada.

                      LIX. Assim, as possibilidades de produção adicional de prova, após o momento processual típico para o efeito, são várias, estando ao dispor de todas as partes no processo, sendo aliás de uso bastante frequente na prática forense.

                      LX. Nesse mesmo sentido, concorre também o princípio da aquisição processual que encontra consagração legal no artigo 413.° do CPC, do qual decorre que a prova emanada da contraparte — seja testemunhal, documental ou de qualquer outra natureza — poderia também servir para a parte que sofre a inversão fazer a prova com que, em face da sua recusa ilícita de cooperação com o processo, passou a estar onerada.

                      LXI. Note-se também que além de, como já se viu, a jurisprudência não exigir que depois da inversão do ónus da prova haja qualquer convite adicional à produção de prova, a crítica de que tal inversão seja decretada na sentença, e portanto num momento em que "já se encontra ultrapassado a fase da apresentação dos meios de prova", não encontra também eco em qualquer decisão sobre a matéria.

                      LXII. Muito pelo contrário, o que a jurisprudência tem vindo a decidir é que a decisão da inversão conste da sentença, sem que para isso o Tribunal tenha que dar à parte a possibilidade de realizar prova adicional após o encerramento da discussão de facto (vide jurisprudência analisada no ponto 3.4.3 das Alegações).

                      LXIII. Como é óbvio, na grande maioria dos casos, é apenas no momento da elaboração da sentença que o Tribunal vai ponderar, para efeitos da decisão do processo, não só a distribuição dos ónus probatórios de acordo com a lei substantiva, mas também as possíveis cominações e consequências probatórias associadas aos comportamentos processuais das partes, nomeadamente, como é o caso aqui em discussão, a inversão do ónus da prova por violação do dever de cooperação.

                      LXIV. Aliás, tal é o procedimento que se encontra legalmente imposto, pelos números 4 e 5 do artigo 607.° do CPC, no que concerne à elaboração da sentença e que o Tribunal de 1.a instância se limitou a cumprir: É, portanto, nesse momento que a inversão do ónus da prova é decidida, aplicada e definitivamente consolidada.

                      LXV. Assim, não faria sentido, nem encontra apoio em nenhuma norma legal, doutrina ou decisão jurisprudencial, impor, como parece ser a conclusão lógica do argumento do Tribunal da Relação, que nesse momento em que, na fase da elaboração da sentença, se chega à conclusão que o ónus da prova se deve ter por invertido, retomar a fase da discussão, permitindo à parte agora onerada a realização de prova adicional.

                      LXVI. Tal tese, além de desconsiderar os referidos números 4 e 5 do artigo 607.° do CPC, é igualmente violadora do disposto no artigo 613.° do CPC, quanto ao esgotamento do poder jurisdicional.

                      LXVII. Acresce ainda que, e doutro ponto de vista, a interpretação que o Tribunal da Relação do Porto faz do regime da inversão do ónus da prova se traduz num claro incentivo para o incumprimento do dever de cooperação com o processo.

                      LXVIII. De facto, não obstante poder ser condenada no pagamento de uma multa (ou várias), poderá ser mais vantajoso aguardar por saber se o tribunal efetivamente inverte o ónus da prova quanto àqueles factos cuja prova onerava a parte contrária e a que aquele meio de prova se referia.

                      LXIX. No caso de o tribunal não inverter o ónus da prova, a parte incumpridora do dever de cooperação sai beneficiada porque não só não se produziu o meio de prova ou não foi junto o documento que lhe era prejudicial, impossibilitando que a parte contrária estivesse em condições de plenamente realizar a sua prova, como não sofre nenhuma consequência verdadeiramente desvantajosa.

                      LXX. Na hipótese de o tribunal efetivamente inverter o ónus da prova, a parte não colaborante ainda terá uma possibilidade de evitar que aqueles factos que o prejudicam sejam dados como provados, mas agora numa posição melhor do que aquela em que
                      estaria, caso o meio de prova que lhe era prejudicial se tivesse produzido ou o documento fosse junto anteriormente: apesar de se ter invertido o ónus da prova quanto àqueles factos, está numa melhor posição para conseguir fazer a prova do contrário desses factos, porque já conhece a prova do outro lado, podendo agora juntar os documentos ou realizar prova adicional para esse efeito.

                      LXXI. Assim, por tudo o exposto, a fundamentação que o Tribunal da Relação avança para sustentar a sua posição não tem cabimento, em geral, face ao disposto na lei processual civil, sendo contrária ao disposto no artigo 344.°, n.° 2 do CC e nos artigos 417.°, n.° 2, 607.°, n.° 4 e 5 e 613.° todos do CPC e ao princípio da cooperação, pondo também em causa o disposto nos artigos 423.°, o n.° 2, 528.° e 413.°, todos também do CPC.

                      LXXII. Acresce que no caso sub judice, o Acórdão adotou um critério normativo inconstitucional que consiste em considerar que, não obstante se encontrarem reunidos os requisitos legais de inversão do ónus da prova por violação do dever de colaboração, resultantes do teor literal do artigo 344.°, n.° 2 do CC aplicado ex vi do artigo 417.°, n.° 2 do CPC, a que acrescem diversas ameaças de aplicação da referida inversão ao longo do processo, o Tribunal de 1 .a instância não pode decidir a matéria de facto e proferir sentença sem dirigir à parte que violou o dever de cooperação um convite para indicação de meios de prova destinados a fazer a prova da falta de realidade dos factos sobre os quais incidiu a inversão do ónus da prova.

                      LXXIII. Entende a Autora que tal critério normativo se apresenta, em primeiro lugar, em desconformidade com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito no princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.° da CRP, na medida em que se mostra, em si mesmo, surpreendente e imprevisível, em face desde logo do enunciado normativo das citadas normas, mas também do fundamento e alcance do regime da inversão do ónus da prova e ainda do panorama jurisprudencial e doutrinal sobre tal regime que se ilustra nestas Alegações.

                      LXXIV. Por outro lado, tendo em conta que, no entendimento da Autora, a solução preconizada pelo Acórdão carece de qualquer fundamento legitimante, impondo uma interpretação normativa que resulta na exigência da verificação de um requisito processual adicional após a decisão de inversão, que na prática se traduz num benefício concedido ao infrator, violando o direito à prova da Autora, o critério normativo em causa contraria as linhas gerais de um processo que possa ser considerado como adequado e justo e, nessa medida, viola a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.° 4 do referido artigo 20.° da Constituição.

                      LXXV. Por fim, não só do ponto de vista legal e em abstrato já se demonstrou que não pode ser acompanhada a argumentação do Tribunal da Relação, por não ter qualquer sustentação jurídica, sendo mesmo contrária à lei vigente, como, no caso em concreto, é de uma gritante injustiça anular-se uma decisão baseada numa inversão do ónus da prova, por violação do princípio da cooperação, com base no facto de a Ré alegadamente não ter tido oportunidade de indicar meios de prova.

                      LXXVI. Além de se remeter para o ponto 3.1 destas Alegações, não pode deixar de se chamar a atenção para:

                      (i) Os requerimentos apresentados pela Autora em que (i) se referem os meios de prova que a Ré frustrou e aqueles em que, em consequência, (ii) se menciona a inversão do ónus da prova: Resposta à Contestação (apresentada a 5.11.2012, (fls. 505 a 557), requerimento de prova apresentado a 22.04.2013 (fls. 616 a 626), novo requerimento de prova apresentado a 27.05.2013 (fls. 654 a 664), requerimento de 25.11.2013, (fls. 691 a 695), pedido de esclarecimento aos Peritos (23.02.2013 (fls. 731 a 733), requerimento de 18.11.2014 (fls. 767 a 781);

                      (ii) Despachos do Tribunal de 1 .a instância em que (i) se ordena a Ré que cumpra o dever de cooperação e aqueles em que, por tal dever se mostrar incumprido pela Ré, (ii) se menciona a inversão do ónus da prova: despachos proferidos a 5.07.2013 (referência 9093115, fls. 665, 27.09.2013 (referência 9125341, fls. 674, 9.10.2013 (referência 9138468, (fls. 680), 11.11.2013 (referência 9159858, (fls. 684 e 685), 24.01.2014, referência 9209157, (fls. 703), 17.03.2014 (referência 9252947, (fls. 734)), 15.11.2014 (referência 343162752, (fls. 782);

                      (iii) A única reação da Ré a este propósito que, obstante nunca ter chegado a juntar os documentos solicitados pelo Tribunal, chegou a confessar que os tinha na sua posse: requerimento da Ré, a 7.10.2013 (fls. 677 a 679), pelo qual requereu que "lhe seja concedido um prazo nunca inferior a 15 dias para juntar aos autos os documentos em falta, penitenciando-se pelo facto de ainda não os ter junto (,.,)"

                      LXXVII. Em face deste contexto, pretender, como parece ser o fundamento do raciocínio do Tribunal da Relação, que a Ré foi surpreendida com a decisão de inversão do ónus da prova e que não a podia antecipar, num momento em que ainda poderia produzir prova, só pode ser concebido num cenário ficcionado e sem contacto algum com a realidade, manifestamente excessivo e injusto para a Autora.

                      LXXVIII. Ao anular a decisão de 1 .a instância para que a Ré tenha oportunidade de indicar novos meios de prova, a Relação introduz um fator de injustiça no equilíbrio que o ordenamento processual civil tem instituído, tutelando excessivamente uma das partes, para lá do que a lei entende necessário e devido, e logo em prejuízo da outra, violando o princípio do dispositivo, na vertente da auto-responsabilidade das partes, o princípio do contraditório e da igualdade de armas e o princípio do processo equitativo.

                      LXXIX. De facto, não cabe nos poderes do Tribunal da Relação o de aplacar as consequências negativas para a Ré decorrentes da omissão de arguição de suposta nulidade decorrente da falta de convite para indicação de meios de prova

                      LXXX. Acresce que basta percorrer as Alegações de Recurso da Ré sobre a matéria — vide conclusões 114 a 127 — para se constatar que a Ré não reclama ter sido surpreendida pela decisão de inversão do ónus da prova, nem tão pouco a Ré invoca ter sido prejudicada pela impossibilidade de produzir meios de prova destinados a, em julgamento, fazer a prova da falta de realidade dos artigos 15.° a 23.° da base instrutória.

                      LXXXI. Por outro lado, o Tribunal da Relação presume, sem qualquer elemento processual que possa sustentar essa conclusão, que pelo menos parte dos meios probatórios pré-constituídos e constituendos — sobretudo, a prova testemunhal — emanados da Ré não se destinavam a fazer a prova da falta de realidade dos artigos 15.° a 23.° da base instrutória.

                      LXXXII. Nesta medida, o Tribunal da Relação põe em causa, sem qualquer fundamento, a apreciação da prova que o Tribunal de 1 .a instância efetua.

                      LXXXIII. Em suma, além de, como se demonstrou, ter procedido a uma interpretação e aplicação errada das normas jurídicas pertinentes o Tribunal da Relação desconsiderou ou, pelo menos, não sopesou devidamente — os elementos constantes do processo que determinaram que o Tribunal de l.a instância decidisse como decidiu, e com isso, violou o disposto no artigo 344.°, n.° 2 do CC e os artigos 417.°, n.° 2 e 607.°, n.° 4 e 5, todos do CPC , bem como os princípio do dispositivo, na vertente da auto-responsabilidade das partes, o princípio do contraditório e da igualdade de armas e o princípio do processo equitativo.

                      LXXXIV. Em conclusão e face a tudo o exposto, deve, assim, ser parcialmente revogado o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, sendo substituído por outro no qual se mantenha integralmente a decisão do Tribunal de l.a instância, especificamente o segmento decisório respeitante à resposta dada aos artigos 15.° a 23.° da base instrutória e consequentes danos provados, bem como o enquadramento jurídico aí efetuado (e revisitado pela Autora na sua Resposta ao Recurso de Apelação, para onde, quanto a essa matéria, à cautela se remete), pelo que, em consequência, deverá ser a Ré, ora Recorrida, condenada a pagar à Autora, ora Recorrente, a quantia de € 924.968,18, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento».


                      Termos em que requerem seja revogado o acórdão recorrido e a sua substituição por outro que a Ré e ora Recorrida nos termos constantes da Sentença proferida pelo Tribunal de l.a Instância.


                      7. A ré respondeu, terminando as suas contra-alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

                      A. Da (i) legalidade da decisão de anular (parcialmente) a Sentença com base na suposta omissão de um convite à indicação de meios de prova.

                      1. A Recorrente alega que " A assumir-se que, mesmo sem qualquer norma
                      expressa, o Tribunal de lª instância estava obrigado a convidar a Ré a
                      apresentar meios de prova quanto aos factos relativamente aos quais inverteu o ónus da prova, por violação reiterada do dever de cooperação por parte da Ré (no que, repete-se, não se concede), isso significaria que a omissão de tal convite geraria uma nulidade processual, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 195º, nº l do CPC." e " Com efeito, não havendo norma expressa que preveja a necessidade de tal convite e, consequentemente, que comine expressamente com a nulidade a sua ausência...) tal omissão seria subsumível à regra geral sobre a nulidade dos atos que prevê que "Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa."

                      2. Mais alega que " assumindo como bom o raciocínio do Tribunal da Relação do Porto, no sentido de que o Tribunal de 1º instância, depois de inverter o ónus da prova face ao incumprimento dos deveres de colaboração por parte da Ré, necessitaria de formular um convite para indicação de meios de prova destinados a, em julgamento, fazer a prova de realidade dos artigos 15º a 23º da base instrutória (o que não se concede), então a omissão desse convite - supostamente imposto pela tramitação processual aplicável – configuraria uma nulidade processual enquadrável na regra geral do artigo 195º, do C.P.C

                      (...) Assim, e do ponto de vista da legitimidade processual, é manifesto, tendo em conta o disposto no número 1 do artigo 197, do CPC, que cabia à Ré apresentar a referida reclamação, pois era do seu interesse a alegada observância do convite à indicação de meios de prova, sendo certo que tal arguição tinha necessariamente que ser efetuada perante o Tribunal de 1ª instância (...)" e que" verifica-se, em primeiro lugar, que em momento algum ao longo do processo, quer em lª instância, quer em sede de recurso de apelação, a Ré arguiu qualquer nulidade relacionada com a falta do suposto convite à indicação de meios de prova (...), mesmo que, por absurdo, se entendesse que o suposto convite à indicação de meios de prova deveria ter sido dirigido à Ré, já após o encerramento da audiência de julgamento, a alegada nulidade deveria ter sido arguida pela Ré, no prazo de 10 dias contados do encerramento da discussão, o que também não ocorreu (...) mesmo que se considerasse que era possível ainda arguir em sede de recurso de apelação uma nulidade respeitante à existência de uma sequência processual decorrida na lª instância, da qual a interessado não reclamou oportunamente...) ainda assim basta percorrer as alegações de recurso da Ré para o Tribunal da Relação do Porto, para concluir, sem sombra de qualquer dúvida que tal nulidade não foí arguida."

                      3. Não é verdade que a ora Recorrida, nas suas Alegações para o Tribunal a quo, não se tenha pronunciado relativamente à falta do suposto convite à indicação de meios de prova.

                      4. Nas suas alegações de Recurso para o Tribunal a quo (pg 39/103) diz a ora Recorrida que " Além disso, e ademais, a sentença ora em crise violou também os invocados preceitos do instituto do ónus da prova arts 344º do Código Civil) e do princípio do dispositivo[...)".

                      5. A Recorrida ao invocar, expressamente, a violação do instituto do ónus da prova está a arguir, de forma indireta a violação de um princípio constitucional e princípios processuais basilares do processo civil português, Ou seja o princípio do contraditório, da igualdade de armas e da equidade.

                      6. A Recorrida, nas suas Alegações para o Tribunal a quo, apesar de não o dizer expressamente, de forma tácita, arguiu uma nulidade processual, pois quando invocou a violação pela violação do instituto do ónus da prova, por conexão direta com este instituto, está, também, a chamar à colação a violação dos referidos princípios processuais. A jurisprudência tem-se vindo a pronunciar no sentido de, apesar da arguição de uma nulidade processual ser um ato processual, nada obsta a que se apliquem as regras das declarações negociais da vontade previstas no Código Civil.

                      7. Nesta esteira de entendimento vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 15-11-2007, onde entendeu o tribunal que "Contudo, a declaração consubstanciada no requerimento corresponde a uma declaração tácita, dado que os factos invocados e a pretensão formulada são idóneos a revelar, com toda a probabilidade, o sentido da declaração, nomeadamente a arguição de uma nulidade processual (art. 217.9 do Código Civil). Apesar de se tratar de um acto processual, nada obsta a que se lhe apliquem as regras das declarações negociais de vontade reguladas no Código Civil"[1]. Neste sentido, vide ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 8 de Junho 1978 (BMJ n.9 278, pág. 165), com a anotação favorável de A. VAZ SERRA (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 111.5, pág. 383).

                      8. Alega também a Recorrente que " (...) mesmo que, por absurdo, se entendesse que o suposto convite à indicação de meios de prova deveria ter sido dirigido à Ré, já após o encerramento da audiência de julgamento, a alegada nulidade deveria ter sido arguida pela Ré, no prazo de 10 dias contados do encerramento da discussão, o que também não ocorreu", fazendo assim um malabarismo jurídico para, tentar, passar a ideia que a Recorrida não arguiu nulidade processual na maneira e tempo correios.

                      9. Salvo melhor entendimento, tal argumentação não é a melhor de direito relativamente ao caso em apreço. É entendimento jurisprudencial que o recurso é o meio adequado para reagir contra nulidades processuais se tiverem sido cometidas por despacho. Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 27-01-2003 onde o tribunal entendeu que "Ora, como é sabido, o recurso não é o meio adequado para reagir contra as nulidades processuais, salvo se estas tiverem sido cometidas ao abrigo de despacho judicial (...)."[2]

                      10. O Tribunal de 1ª instância a 15-12-2014 proferiu despacho no qual referiu que: " Independentemente de se encontrarem (ou não) verificados, nesta oportunidade temporal, os requisitos para fazer despoletar a inversão do ónus de prova prevista no art. 417º, nº 2 do Cód. Processo Civil e art. 344º, nº 2 do Cód. Civil, facto é que tais normativos se integram na categoria das regras referentes ao ónus probandi. Como assim, encontramo-nos em presença de regras de julgamento e, como tal, a sua eventual aplicação no caso vertente (enquanto critério de decisão) apenas deverá, na nossa perspetiva, operar aquando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aguando da prolação da sentença (cfr. nºs 4e5 do art. 607º do Cód. Processo Civil...)"

                      12. Por o Tribunal de lª instância operar, apenso e só, a inversão do ónus da prova "aguando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aguando da prolação da sentença", a Recorrida só poderia recorrer dessa inversão do ónus aquando da prolação da sentença (despacho).

                      13. Na verdade, quando a Recorrida foi notificada da sentença recorreu das nulidades aqui em causa, nas suas alegações, para o Tribunal a quo. O Acórdão, ora em crise, na parte que aqui diz respeito, não padece de nenhuma nulidade nos termos do artigo 615º nº l, alínea d), aplicável ex vi do artigo 666º, nº l do CPC conforme a Recorrente alega. Salvo melhor entendimento é descabido de nexo, razão e sentido o alegado pela Recorrente nas suas Alegações de Revista, pois conforme, supra, exposto, que, nas alegações para o Tribunal da Relação, a ora Recorrida não renunciou tacitamente à arguição da nulidade "falta do suposto convite à indicação de meios de prova" nos termos do artigo 197- n-2 do C.P.C.

                      14. Assim, andou bem o Tribunal à quo ao anular as respostas aos artigos 15º a 23º da base instrutória (e, consequentemente a sentença na parte relativa à indemnização pelos lucros cessantes), ordenando que fosse repetido o julgamento nessa parte, a fim de possibilitar à apelante produzir prova sobre os mesmos.


                      B. Da ilegalidade da utilização dos poderes de modificabilidade da decisão relativa à matéria de facto

                      15. O Tribunal a quo decidiu anular as respostas aos artigos 15º a 23º da base instrutória e consequentes danos provados contudo não invocou normativo como base legal desta decisão.

                      16. A Recorrente entendeu que o referido Tribunal andou mal, pois a decisão, ora em crise, não tem enquadramento nem no nº l, nem no nº 2 do artigo 662º do C.P.C, pelo que padece de ilegalidade.

                      17. Com a inversão do ónus da prova, nos termos e para os efeitos do artigo 3449 C.C, a ora Recorrida ficou com o ónus de provar determinados factos que anteriormente teria de ser a Recorrente a fazê-lo. Como não lhe foi dada essa possibilidade, o Tribunal a quo decidiu (e bem no nosso entender) que a Recorrida deveria ser convidada a indicar novos meios de prova para, em audiência de julgamento, conseguir provar o vertido nos artigos 159 a 23e da base instrutória.

                      18. Esta nova prova a ser produzida em nova audiência de julgamento será de primordial importância para que o tribunal conseguir apurar a indemnização, pelos lucros cessantes.

                      19. Tendo o Tribunal a quo ficado com dúvidas, quanto à prova produzida em audiência de julgamento, relativamente ao vertido nos artigos 15º a 23º da base instrutória, devido à Recorrida não ter sido convidada a indicar novos meios de prova, após a inversão do ónus da prova e tendo sempre presente a necessidade de apuramento da verdade material, bem como a justa e definitiva composição do litígio, andou bem este tribunal fazer uso dos poderes conferidos no art.662 nº2 alínea b) do C.P.C., com vista ao apuramento, em audiência de julgamento, do montante indemnizacional, pelos lucros cessantes, que a Recorrida terá de pagar à Recorrente.

                      20. Assim, a decisão, ora em crise, não padece nenhuma ilegalidade relativamente
                      à utilização, nos termos do artigo 662º do C.P.C, dos poderes de
                      modificabilidade da decisão relativa à matéria de facto pelo Tribunal a quo.


                      C. Da (i) legalidade da exigência de um convite à indicação de meios de prova na sequência da decisão de inversão do ónus da prova e Da (im)procedência dos fundamentos avançados para a sustentação da exigência de um convite à indicação de meios de prova na sequência da decisão de inversão do ónus da prova.

                      21. Refere, também, a Recorrente que " a exigência do convite à indicação de meios de prova formulada pelo Tribunal da Relação do Porto não tem qualquer suporte, por mínimo que seja, na lei, nem é referida pela doutrina e jurisprudência, pelo que não pode haver qualquer dúvida Que a decisão em causa, neste segmento, é violadora do disposto no artigo 344º nº 2 do C.C e 417º nº 2 do CPC, contrariando frontalmente as decorrências do princípio da cooperação e assim também do princípio constitucional do processo equitativo e dos princípios do contraditório e da igualdade de armas".

                      22. Caso o entendimento da Recorrente venha a lograr vencimento (o que só por mera hipótese académica se admite) estaríamos sim a violar o princípio constitucional do processo equitativo e os princípios processuais da igualdade de armas e do contraditório, que desde já se invoca para todos os efeitos legais.

                      23. Conforme refere José Lebre de Freitas " O princípio da igualdade de armas constitui, tal como o do contraditório, manifestação do princípio, mais geral, da igualdade das partes"- com consagração do artigo 42 do C.P.C" -, que implica a paridade simétrica das suas posições perante o Tribuna (,..) impõe o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na prespetiva dos meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respetivas teses...) exige, porém, a identidade de faculdades e meios de defesa processuais das partes (...) e um jogo de compensações, gerador do equilíbrio global do processo (...)"[3]

                      24. Tendo o Tribunal de Ia instância decidido operar, apenas e só, a inversão do ónus da prova "aguando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aguando da prolação da sentença", a Recorrida só a partir desse momento é passou a estar onerada com a prova dos quesitos 15º a 23º da base instrutória estando até esse momento o ónus da prova do lado da Recorrente. Ao inverter-se o ónus da prova, a Recorrida ficou numa posição de desigualdade relativamente à Recorrente, pois não lhe foi facultado os meios processuais necessários para fazer prova de tais quesitos.

                      25. O Tribunal de 1ª instância não procedeu às respetivas compensações, após a inversão do ónus da prova, para equilibrar o processo e ambas as partes terem à suas disposição as mesmas " armas" processuais, pois que

                      26. Das duas uma, ou o referido Tribunal invertia o ónus da prova antes da audiência de julgamento e convidada a Recorrida a juntar os meios de prova que achasse necessários para provar os referidos quesitos ou,

                      27. Após o encerramento da audiência final, nos termos e para os efeitos do artigo 607º nº 1 do C.P.C, ordenava a sua reabertura e convidada a Recorrida a juntar os meios de prova que achasse necessários para provar os referidos quesitos.

                      28. Quanto ao princípio do contraditório José Lebre de Freitas refere que "O conteúdo essencial do princípio do contraditório, passando doravante e com maior acuidade a integrar, expressamente, um dos princípios estruturantes e fundamentais do processo civil, obrigando ele à prévia audição das partes para as precaver contra-decisões surpresa, em rigor assenta a respectiva ratio no pressuposto de que uma estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contrates dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões. Ou, dito de uma outra forma, o escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”[4]

                      29. O referido autor refere, ainda, que" No plano da prova, o princípio do contraditório exige: a) que às partes seja, em igualdade, facultada a proposição de todos os meios probatórios potencialmente relevantes para o apuramento da realidade dos factos (principais oi instrumentais) da causa".[5]

                      30. Depois de invertido o ónus da prova, não foram facultados à Recorrida os meios probatórios necessário para a prova dos quesitos 15e a 239, tendo a Recorrida o ónus de provar tais quesitos e por muito que o quisesse fazer estava totalmente impedida pois o Tribunal de 1ª instância não lhe deu possibilidades para tal. Por tudo o exposto, a decisão do Tribunal a quo não fere, de todo em todo, o princípio constitucional do processo equitativo garantido assim um processo justo, "fairtrial" ou "due process".

                      31. Assim, a decisão do Tribunal a quo não desconsidera os nsº 4 e 5 do artigo 607º e o artigo 613º do C.P.C.


                      D. Da (in) constitucionalidade do critério normativo adotado no Acórdão.

                      32. Por fim, alega a Recorrente que " O critério normativo utilizado pelo Tribunal é inconstitucional por ofensa dos seguintes parâmetros constitucionais: Princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, ínsito no princípio de Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2º da CRP e o artigo 20º, nº4 da CRP, no segmento em que consagra o direito fundamental a um processo equitativo como componente do direito de acesso à justiça."

                      33. Entende a Recorrida que se o entendimento da Recorrente tiver provimento no Tribunal Ad quem é que se ofende os referidos parâmetros constitucionais.

                      34. Em primeiro lugar é desconforme com o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança, pois não estando garantido contraditório e a igualdade de armas num processo judicial afeta a confiança que os cidadãos e, neste caso, a Recorrida deposita no ordenamento jurídico que regula os meios de defesa dos direitos de todos.

                      35. Para além disso e em estrita relação com o invocado, o comprometimento dos princípios do contraditório e da igualdade de armas leva a que, o processo não possa ser considerado equitativo - seja desadequado.

                      36. Violando-se, assim, o mais elementar princípio constitucionalmente consagrado que é o princípio da defesa e do contraditório».


                      Termos em que pugna pela improcedência do recurso.

                            

                      8. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.



                      ***



                      II. Delimitação do objecto do recurso


                      Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[6].


                      Assim, a esta luz, as questões a decidir consistem em saber se:


                      1ª- após a decisão de inversão do ónus  de prova, está o tribunal obrigado a convidar a Ré a apresentar meios de prova quanto aos factos relativamente aos quais inverteu o ónus da prova e, em caso afirmativo, se  a falta desse convite dá lugar à anulação parcial do julgamento, a fim de possibilitar à ré produzir prova sobre a matéria de facto em causa.


                      2ª- o Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) aplicável ex vi do artigo 666.°, n.° 1 do CPC, por ter conhecido, sem o poder, da questão da falta de  convite à  parte recusante  para indicação de meios de prova.



                      ***



                      III. Fundamentação


                      3.1. Fundamentação de facto


                      O Tribunal de 1ª Instância considerou provados os seguintes factos:

                      «1.º- A A. é uma sociedade que se dedica à actividade de prestação de serviços médicos de radiologia ou de qualquer das subespecialidades desta, bem como a investigação e a publicação científicas (alínea A) da matéria de facto assente).

                      2.º- A R. é uma instituição particular de solidariedade social, especializada na prestação de serviços de Saúde e proprietária do Hospital BB, no Porto (alínea B) da matéria de facto assente).

                      3.º- O Hospital BB, no Porto, é um dos principais hospitais da cidade do Porto (alínea C) da matéria de facto assente).

                      4.º- No âmbito das respectivas actividades, A. e R. celebraram entre si, no dia 7 de Novembro de 2007, um contrato, que apelidaram de "Contrato de Prestação de Serviços", com o teor de fls. 57 e ss. (alínea D) da matéria de facto assente).

                      5.º- Consta do Considerando I do contrato que "O AA -IR vai prestar o serviço de interpretação dos exames de radiologia, elaboração e dactilografia dos respectivos relatórios, assim como ficar responsável técnico pelo Serviço de Imagiologia do H BB e organizar e coordenar todo o trabalho médico nele desenvolvido" (alínea E) da matéria de facto assente).

                      6.º- Nos termos da Cláusula Primeira deste contrato "O H BB encomenda com carácter de exclusividade ao AA - IR os serviços de elaboração dos exames de radiologia efectuados em todos os equipamentos de radiologia existentes nas suas instalações (...)."(alínea F) da matéria de facto assente).

                      7.º- Nos termos da Cláusula Oitava deste contrato

                      "a) O AA - IR disponibilizará um Técnico qualificado, com capacidade para realizar Tomografia Computorizada e Ressonância Magnética, durante o período que o H BB entenda como necessário.

                      b) Durante este período o seu custo será suportado pelo H BB, através de uma fórmula de cálculo que terá por base o vencimento médio dos técnicos em causa. (...)"(alínea G) da matéria de facto assente).

                      8.º- Nos termos da Cláusula Décima Sexta deste contrato "O AA - IR compromete-se a não colaborar em Serviços de Radiologia de Unidades Hospitalares que representem criação de nova oferta na área da Radiologia no Concelho do Porto, com excepção do acordo já existente à data de assinatura deste contrato com os Hospital …." (alínea H) da matéria de facto assente).

                      9.º- Nos termos da Cláusula Décima Oitava deste contrato

                      "a) O presente Acordo inicia-se da data solicitada pelo H BB e terá uma vigência de três anos, a partir da data em que seja possível realizar exames de Ressonância Magnética e Tomografia Computorizada, data essa que será comunicada por escrito pelo H BB ao AA - IR.

                       b) No final deste período de tempo prorrogar-se-á automaticamente por períodos de três anos, salvo de alguma das partes comunicar a sua decisão de não o prorrogar com noventa dias de antecedência relativamente ao seu termo, sem lugar a qualquer indemnização ou compensação por parte do denunciante." (alínea I) da matéria de facto assente).

                      10.º- Nos termos da Cláusula Décima Nona deste contrato “Qualquer parte poderá dar por finalizado o contrato, em qualquer momento, nos seguintes pressupostos:

                      a) Quanto a outra parte tenha incumprido gravemente as obrigações legais ou contratuais estabelecidas, sendo que isso, o incumprimento grave deve ser previamente notificado à outra parte mediante carta registada, concedendo um prazo de um mês para a correspondente correcção, não se podendo manter o incumprimento de um modo reiterado.

                      b) Quando se tenha verificado a suspensão de pagamentos.

                      c) Constitui ainda justa causa de rescisão do presente contrato a prestação reiterada, pela AA - IR, de serviços de má qualidade (resultante de recursos humanos ou de meios técnicos ou de práticas científicas), aferindo-se esta por definição a declarar por parte da competente Comissão Técnica da Ordem dos Médicos.” (alínea J) da matéria de facto assente).

                      11.º- A prestação de serviços iniciou-se sem que fosse enviada qualquer comunicação escrita por parte da aqui R. (alínea K) da matéria de facto assente).

                      12.º- A relação contratual desenvolveu-se com normalidade, com a A. a prestar os seus serviços e a proceder à respectiva facturação, e a R. a receber os referidos serviços e a liquidar as facturas correspondentes (alínea L) da matéria de facto assente).

                      13.º- A relação contratual entre as partes era geradora de bastante trabalho e proveitos (alínea M) da matéria de facto assente).

                      14.º- Os técnicos que a A. disponibilizava para a prestação de serviços à R. apenas trabalhavam nas instalações da R., não prestando serviços em nome da A. para qualquer outra entidade (alínea N) da matéria de facto assente).

                      15.º- Tratavam-se de técnicos de diferentes categorias, mas com bastante experiência na área e que implicavam custos elevados (alínea O) da matéria de facto assente).

                      16.º- Estes custos eram suportados inicialmente pela A. que, depois, os transferia para a R. (alínea P) da matéria de facto assente).

                      17.º- O valor/hora médio de alocação dos 4 tipos diferentes de técnicos à R. era de € 16,74 e o custo mensal da alocação dos mesmos técnicos à R. ascendia ao montante de € 4 051,08 (alínea Q) da matéria de facto assente).

                      18.º- A A. decidiu introduzir um novo sistema de digitalização de imagens, adquirindo um novo e mais eficiente PACS - Picture Archiving and Comunication System (PACS) (alínea R) da matéria de facto assente).

                      19.º- O PACS é um sistema integrado que liga todas as salas de diagnóstico a estações de trabalho nos gabinetes dos médicos radiologistas (alínea S) da matéria de facto assente). 

                      20.º- Esse sistema permitia, quando comparado com o sistema anterior, não só um melhor e mais rápido tratamento das imagens recolhidas, como também um armazenamento digital dessa informação (alínea T) da matéria de facto assente).

                      21.º- A instalação do novo PACS no Hospital BB permitiu ainda a análise das imagens à distância, possibilitando que qualquer exame pudesse ser relatado independentemente da localização do radiologista (alínea U) da matéria de facto assente).

                      22.º- A A. foi a primeira entidade em Portugal a instalar este novo sistema PACS (alínea V) da matéria de facto assente).

                      23.º- Esta inovação tecnológica melhorava a qualidade dos seus serviços próprios e dos prestados à R., bem como a qualidade do serviço prestado pela R. aos seus utentes (alínea W) da matéria de facto assente).

                      24.º- Até Setembro de 2009, a A. era usualmente representada nas suas relações com a R. pelo seu ex-administrador e ex-sócio, Dr. CC (alínea X) da matéria de facto assente).

                      25.º- Assim sucedeu com a celebração do contrato dos autos e com a respetiva execução (alínea Y) da matéria de facto assente).

                      26.º- O Dr. CC tornou-se gerente da A. em Julho de 2007 e permaneceu com esta qualidade de gerente e, posteriormente, administrador até Maio de 2010 (alínea Z) da matéria de facto assente).

                      27.º- Esta saída ocorreu de forma consensual entre a A. e o Dr. CC (alínea AA) da matéria de facto assente).

                      28.º- No dia 29 de Setembro de 2010, a R. enviou uma carta à A., que foi recebida por esta, sob a epígrafe “Rescisão do contrato celebrado em 07/11/2007”, e onde se lê “(…) Chegou-nos ao conhecimento que a Vossa Sociedade, nossa Prestadora de Serviços, alterou a estrutura societária, de tal sorte que o Sr. Dr. CC deixou a Sociedade. Uma vez que a relação contratual pressupunha essa relação pessoal e de confiança, tal facto torna impossível a manutenção do Contrato, causal da rescisão com efeitos imediatos, o que por este meio efetivamos. Ademais, a perda de interesse definitivo do Contrato funda-se também no facto de na nova estrutura societária e da própria gestão, participar, com domínio, entidade concorrente na saúde. Tanto inviabiliza e torna impossível a manutenção do vínculo contratual e seus efeitos, do que damos fé (…)”(alínea BB) da matéria de facto assente).

                      29.º- No dia 1 de Outubro de 2010, os trabalhadores da A. que estavam destacados para prestar serviço à R. foram impedidos de prestar os serviços nas instalações desta (alínea CC) da matéria de facto assente).

                      30.º- Nesse mesmo dia 01 de Outubro, a A. respondeu à missiva da R. através de carta com o teor de fls. 431, e onde essencialmente se lê “(…) É com enorme surpresa que verificamos que declaram a rescisão do contrato de prestação de serviços celebrado em 07.11.2007, com efeitos imediatos, invocando factos que em nosso entender nem integram qualquer fundamento legal, nem o nexo causal o pode justificar. Maior é a surpresa, quando abordados na pessoa da V/ Diretora Geral, respondem que a posição é irreversível e, questionada não apresenta qualquer justificação e diz que não tem que a apresentar. Aproveitámos para informar que hoje, dia 01.10.2010, fomos impedidos de prestar os nossos serviços.

                      Lamentamos a situação que V. Exas. criaram, atenta até a natureza da V/ organização e o tipo de serviços em causa e informamos que diligenciaremos no sentido de acautelar os nossos direitos. (…).” (alínea DD) da matéria de facto assente). 

                      30.º- Entretanto, a A. tomou conhecimento que uma entidade pertencente ao ex-administrador Dr. CC passou a prestar serviços de radiologia à R. (alínea EE) da matéria de facto assente).

                      31.º- Na actual estrutura societária da A., a sociedade “G…. – Grupo DD, SGPS, S.A.” tem uma participação maioritária no respectivo capital social (alínea FF) da matéria de facto assente).

                      32.º- O objecto social da “G…. – Grupo DD, SGPS, S.A.” é “gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta do exercício de actividades económicas” (alínea GG) da matéria de facto assente).

                      33.º- A “G…. – Grupo DD, SGPS, S.A.” tem participações sociais de várias sociedades que se dedicam em termos genéricos à prestação de serviços na área da saúde (alínea HH) da matéria de facto assente).

                      34.º- A entrada do "G…. - Grupo DD, SGPS, S.A.", então "Casa de Saúde EE, S.A.", ocorreu em 31 de Julho de 2007 (alínea II) da matéria de facto assente).

                      35.º- A aqui A. intentou contra a aqui R., no dia 14 de Outubro de 2011, um procedimento de Injunção, onde alegava que “No âmbito do contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado, entre Dezembro de 2008 e Março de 2011, a Requerente prestou à ora Requerida serviços de radiologia, devidamente solicitados pela Requerida, tendo a mesma aceite os respectivos preços, e a Requerente emitido as seguintes faturas que foram também aceites pela Requerida (…).”(alínea JJ) da matéria de facto assente).

                      36.º- Este procedimento foi remetido à Distribuição e converteu-se em ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniária, que correu termos inicialmente na 5ª Vara Cível da Comarca do …, 2ª Secção, sob o n.º 262870/11.2YIPRT e, por força da extinção de tal Vara, foi redistribuída à 2ª Vara Cível do …, com o mesmo número (alínea KK) da matéria de facto assente).

                      37.º- Nesta acção, as partes celebraram Transacção Judicial, homologada por sentença e transitada em julgado, em que a aqui R. se comprometeu a pagar à aqui A. o montante global de € 65.899,27, correspondente a capital e juros, e a entregar à aqui A. todo o material informático pertencente à A., que se encontre nas instalações da R.. Por seu turno, a A. comprometeu-se a entregar à R. todas as imagens que, em execução do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, hajam sido recolhidas pela A. no período compreendido entre 07 de Novembro de 2007 e 09 de Setembro de 2011. As partes acordaram ainda que "Com o cumprimento das obrigações recíprocas previstas no presente acordo, A. e R. põem fim a quaisquer litígios existentes entre si e dão como extintos quaisquer créditos que possam ter ou invocar reciprocamente relativamente aos factos subjacentes aos presentes autos." (alínea LL) da matéria de facto assente).

                      38.º- Considerando a actividade da A. no âmbito do contrato celebrado com a R. e aludido em D) e ss.:

                      • Em 2008, o volume de negócios da A. com a R. atingiu os € 403.303,29, o que se traduziu num resultado líquido apurado pela A. de € 228.636,93;

                      • Em 2009, o volume de negócios da A. com a R. atingiu os € 423.451,18, o que se traduziu num resultado líquido apurado pela A. de € 260.082,46;

                      • Em 2010, até ao momento em que cessou a prestação dos serviços à R., o volume de negócios da A. com a R. atingiu os € 287.593,0 e o resultado líquido apurado pela A. já ascendia a € 188.272,03 (alínea MM) da matéria de facto assente). 

                      39.º- A R. era um dos principais clientes da A. (alínea NN) da matéria de facto assente).

                      40.º- Tratava-se de um cliente que, pela dimensão e importância, valorizava a A. no mercado da Radiologia (alínea OO) da matéria de facto assente).

                      41.º- Os médicos mais conceituados nesta especialidade têm interesse em trabalhar com os institutos de radiologia que detenham os clientes mais relevantes (alínea PP) da matéria de facto assente).

                      42.º- O facto de a R. ter deixado de ser cliente da A. afectou negativamente o prestígio, bom nome e reputação desta junto dos médicos da especialidade e dos seus fornecedores (alínea QQ) da matéria de facto assente).

                      43.º- O início da prestação de serviços de imagiologia nas instalações da R., na sequência do contrato aludido em 4.º, ocorreu no dia 19 de Dezembro de 2007 (resposta ao facto controvertido n.º 1).

                      44.º- Foi também, a partir dessa data, que a A. se assumiu como responsável técnico do Serviço de Imagiologia do H BB, passando a organizar e coordenar o trabalho médico desenvolvido nesse Serviço (resposta ao facto controvertido n.º 2).

                      45.º- Anteriormente a 19 de Dezembro de 2007, a A. somente prestava serviços ao H BB através de exames efectuados nas próprias instalações da A. (resposta ao facto controvertido n.º 3).

                      46.º- A A., na pessoa do seu administrador, o Dr. CC, propôs à R. que prorrogasse o período de duração do contrato aludido em 4.º (resposta ao facto controvertido n.º 5). 

                      47.º- A saída do Dr. CC da sociedade A. não tem qualquer implicação no tipo ou na qualidade dos serviços prestados por esta (resposta ao facto controvertido n.º 7). 

                      48.º- A A. só conseguiu alocar os técnicos referidos em 14.º a outros clientes ao fim de seis meses, após a cessação da prestação de serviços à R. (resposta ao facto controvertido n.º 8).

                      49.º- A A. suportou o custo de € 31.680,00 na aquisição do hardware e software necessários para instalar e colocar em funcionamento o PACS junto dos serviços da R. (resposta ao facto controvertido n.º 9).

                      50.º- A aquisição da estrutura central do PACS teve um custo global de € 275.126,40 (resposta ao facto controvertido n.º 10).

                      51.º- Beneficiaram da instalação do PACS 8 entidades, incluindo a R. (resposta ao facto controvertido n.º 11).

                      52.º- Para melhorar as condições da prestação dos serviços para a R., a A. contratou à "PT Comunicações, S.A." um aumento de conectividade “ETHERNET H. BB”,  que  juntamente com a respectiva instalação a fez desembolsar o montante de € 965,76 (resposta ao facto controvertido n.º 13).

                      54.º- Por força da cessação da prestação dos serviços à R., este investimento deixou de ter qualquer utilidade para a A. (resposta ao facto controvertido n.º 14).

                      55.º- Era expectável que, no último trimestre de 2010, fosse mantida a média desse ano e que o volume de negócios da A. com a R. atingiria € 383.457,44 (resposta ao facto controvertido n.º 15).

                      56.º- E o resultado líquido apurado atingiria os € 251.029,37 (resposta ao facto controvertido n.º 16). 

                      57.º- Em 2011, e com a abertura de uma parte nova nos serviços da R., havia a expectativa de crescer ao mesmo ritmo de 2009 quando comparado com 2008, de 5 % ao ano (resposta ao facto controvertido n.º 17).

                      58.º- Apurando a A., no final desse ano, um volume de negócios com a R. de € 402 630,31 (resposta ao facto controvertido n.º 18).

                      59.º- E um resultado líquido de € 263 580,84 (resposta ao facto controvertido n.º 19).

                      60.º- Mantendo a mesma taxa de crescimento (5% ao ano) para os anos seguintes, em 2012, a A. obteria um volume de negócios com a R. de € 422.761,83 (resposta ao facto controvertido n.º 20).

                      61.º- E um resultado líquido apurado de € 276.759,88 (resposta ao facto controvertido n.º 21).

                      62.º- E em 2013, o volume de negócios com a R. atingiria € 443.899,92 (resposta ao facto controvertido n.º 22).

                      63.º- E o resultado líquido cresceria para € 290.597,88 (resposta ao facto controvertido n.º 23).

                      64.º- A capacidade de influência e negociação da A. com os seus fornecedores foram abaladas pela conduta da R. (resposta ao facto controvertido n.º 24).

                      65.º- Por força do contrato a que se alude em 4.º a R. fornecia à A. o nome do paciente examinado e o valor facturado à entidade a quem o serviço era prestado (resposta ao facto controvertido n.º 34).

                      66.º- A R. só procedeu ao pagamento da quantia fixada na transacção judicial referida em 37.º no dia 17 de Janeiro de 2012 (resposta ao facto controvertido n.º 38).

                      67.º- A devolução do equipamento aí igualmente referido ocorreu em data posterior (resposta ao facto controvertido n.º 39).

                      68.º- O Dr. CC permaneceu como colaborador da A., prestando serviços, até Setembro de 2010 (resposta ao facto controvertido n.º 40).


                      *


                      Consigna-se não existir o facto n.º 53, e constarem dois factos sob o n.º 30.



                      ***



                      3.2. Fundamentação de direito


                      Conforme já se deixou dito, as questões a decidir, no âmbito do presente recurso, consistem em saber se:

                      1ª- após a decisão de inversão do ónus  de prova, está o tribunal obrigado a convidar a Ré a apresentar meios de prova quanto aos factos relativamente aos quais inverteu o ónus da prova e, em caso afirmativo, se  a falta desse convite dá lugar à anulação parcial do julgamento, a fim de possibilitar à ré produzir prova sobre a matéria de facto em causa.


                      2ª- o Acórdão recorrido enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) aplicável ex vi do artigo 666.°, n.° 1 do CPC, por ter conhecido, sem o poder, da questão da falta de  convite à  parte recusante  para indicação de meios de prova.



                      *



                      3.2.1. Antes, porém, de entrarmos na apreciação destas questões importa, desde logo, esclarecer, por um lado, que ao presente processo é aplicável o regime recursório do CPC na redação dada pela Lei n.º 41/2013, de 26/06, por força do disposto no respetivo artigo 5.º, n.º 1.


                      E, por outro lado, que a questão da inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, n.º 2 do C. Civil, tal como salienta o Acórdão do STJ, de 12.05.2016[7], inscreve-se nos limites do recurso de revista, pois não obstante não estar em causa qualquer “erro de apreciação das provas”, «tal como é viável a interferência do Supremo Tribunal de Justiça na matéria de facto cuja fixação esteja associada a alguma ofensa a disposição expressa de lei que exija determinado meio de prova ou que fixe a força probatória de algum meio, também deve admitir-se que, no âmbito do recurso de revista, possa ser sindicado pelo Supremo o modo como as instâncias interpretaram e aplicaram uma norma de direito probatório material, como a do art. 344º, n.º 2 , do CC, na medida em que (…) tal se possa traduzir  na modificação do juízo probatório subjacente à decisão da matéria de facto provada e não provada».  

                      É que, como salienta Lopes do Rego[8], «a recusa de cooperação da parte  é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.

                      Assim:

                      (a) se a recusa tiver tornado impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto (v.g. a diligência probatória culposamente frustrada recaía sobe matéria de facto absolutamente essencial, que só podia ser demonstrada por esse meio, já que o onerado não dispõe de outros meios de prova que, em concreto, demonstrem o facto), ocorre a inversão do ónus da prova, nos termos do art. 344º, nº 2, do Código Civil.

                      (b) se não for assim – isto é, se a recusa não implicar aquela impossibilidade de o onerado provar facto absolutamente essencial à acção ou à defesa – deverá o tribunal apreciar livremente o valor probatório da recusa (nomeadamente, dela inferindo que a parte, ao menos no plano subjectivo, receava seriamente o resultado daquela diligência probatória)». 


                      *



                      Vejamos, então, em que é que se traduz o instituto da «inversão do ónus da prova».

                      A este respeito, estipula o art. 344º, nº 2, do C. Civil que há «inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações».

                      Decorre, assim, deste preceito estar a inversão do ónus da prova dependente da verificação de dois pressupostos:

                      i) que a prova de determinada factualidade, por ação da parte contrária, se tenha tornado impossível de fazer ou, pelo menos, se tenha tornado particularmente difícil de fazer[9];

                      ii) que tal comportamento, da mesma parte contrária, lhe seja imputável  a título de culpa[10], não bastando a mera negligência[11].  

                      Segundo Lebre de Freitas[12], verifica-se o condicionalismo do citado art. 344º, nº 2 quando «a conduta do recusante impossibilita a prova do facto a provar, a cargo da contraparte, por não ser possível consegui-la com outros meios de prova, já por a lei o impedir (exs.: 313, nº 1 e art. 365, do C.C), já por concretamente não bastarem para tanto os outros meios produzidos. Se outra prova dos factos em causa não existir ou, existindo, for insuficiente, a recusa pode dar lugar à inversão do ónus da prova, que ficará a cargo da parte não cooperante».

                      A inversão do ónus da prova surge, assim, como uma sanção civil à violação do princípio da cooperação das partes para a descoberta da verdade material, consagrado no art. 417º, nº1 do CPC, quando essa falta de colaboração vai ao ponto de tornar impossível ou particularmente difícil a produção de prova ao sujeito processual onerado com o ónus da prova nos termos gerais e seja culposa, no sentido de que a parte podia e devia agir de outro modo (art. 344º, n.º 2 do CC e art. 417º, n.º 2 do CPC).

                      E bem se compreende a razão de ser desta sanção de ordem probatória, posto que, como refere Vaz Serra[13], « não  é justo  que fique exposto às consequências da falta de prova o onerado que não pode produzi-la devido  a culpa da outra parte».

                      De realçar que a circunstância da recusa da contraparte tornar culposamente a prova impossível ou tornar particularmente difícil a prova, não importa, sem mais, que o facto controvertido se tenha por verdadeiro, ou, no dizer de Antunes Varela[14], não tem como consequência necessária que o facto se tenha por provado contra a parte recusante, pois, como adverte o Acórdão do STJ, de 23.02.2012 (processo nº 994/06.2TBVFR.P1.S1)[15] se assim fosse, então estaríamos  perante um meio de prova com força probatória plena, o que não é o caso.

                      Atender à dita recusa significa tão só que passou a caber à parte recusante a prova da falta de realidade desse facto, não estando, por isso, as instâncias dispensadas de valorar essa recusa para efeitos da formação da sua convição com vista a dar, como provado, ou não, o facto em causa.



                      *


                      3.2.2. É, pois, neste contexto que importa analisar as questões supra enunciadas, tendo em conta que, no caso dos autos, estão em causa as respostas afirmativas dadas aos artigos 15º a 23º da base instrutória pelo Tribunal de 1ª Instância com base na inversão do ónus da prova, nos termos do disposto no art. 344º, nº 2 do C. Civil, e com os seguintes fundamentos, que se transcrevem:

                      «Com relação à materialidade constante dos factos controvertidos nºs 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 e 23, haverá que ter em conta que, com vista à sua demonstração, foi requerida e realizada no âmbito do presente processo prova pericial.

                      No entanto, como os autos evidenciam (cfr., v.g. fls. 674, 684, 734 e 743), a ré assumiu uma atitude que primou pela ausência da cooperação e colaboração devida, sistematicamente recusando fornecer aos peritos os elementos documentais que estes reputavam como necessários para que pudessem responder às questões que constituíam objeto da perícia, sendo certo que, como estes expressamente referiram (cfr. fls. 752 e 753 dos autos), se aquela lhes disponibilizasse os elementos solicitados poderiam dar cabal resposta a essas questões de facto.

                      Porque assim, importa, pois, determinar quais as implicações neste domínio do com2portamento assumido pela ré (apesar de ter sido expressamente notificada de que a sua falta de colaboração faria despoletar a aplicação do disposto no art. 519º, nº 2 do Cód. Processo Civil – a que corresponde o atual art. 417º do NCPC) no concernente à prova das afirmações de facto que constituíam objeto da perícia.

                      O descrito comportamento omissivo da demandada consubstancia, como já anteriormente assinalado, uma flagrante violação do princípio da cooperação, sendo que não apresentou qualquer válida justificação para essa ausência de colaboração.

                      A recusa da ré em fornecer os elementos da sua contabilidade é, portanto, ilegítima, sendo certo que sem os mesmos ficaram os peritos impossibilitados de dar cabal resposta às questões de facto que lhes eram colocadas.

                      Nestas circunstâncias, entendemos ser de aplicar o preceituado no art. 344º, nº 2 do Cód. Civil ex vi do nº 2 do art. 417º do Cód. Processo Civil, posto que o comportamento da ré importou a frustração culposa de um “meio de prova de especial relevância”, de um meio de prova que se revela necessário para a confirmação ou infirmação das questões de facto que constituam objeto da perícia.

                      Com efeito, na esteira de entendimento claramente predominante e que igualmente sufragamos, os citados normativos estão vocacionados para se aplicar precisamente àquelas situações, como a presente, em que uma das partes, por meio de uma recusa ilegítima, inviabilize e impossibilite à outra a apresentação e a produção de um meio de prova legalmente admissível entre outros existentes, de tal forma que a recusa visa dificultar a posição da outra parte na produção da prova, sobre o facto essencial para a satisfação da sua pretensão.

                      Como assim, inverteu-se o ónus de prova, sendo que a ré não produziu qualquer prova tendente a infirmar as afirmações de facto vertidas nos aludidos factos controvertidos que, deste modo, por aplicação dos referidos comandos normativos, ter-se-ão pois de considerar provadas».



                      *



                      Por sua vez, o Tribunal da Relação confrontado, no âmbito do recurso de apelação, com a impugnação da decisão sobre a matéria de facto por parte da ré/apelante quanto às respostas afirmativas dadas pelo Tribunal de 1ª Instância aos referidos artigos 15º a 23º da base instrutória com base na inversão do ónus da prova, decidiu anular estas mesmas respostas (e, consequentemente a sentença na parte relativa à indemnização pelos lucros cessantes) e determinar a repetição do julgamento, nessa parte, a fim de possibilitar à apelante produzir prova sobre os mesmos.

                      Isto porque discordou com o modo como o Tribunal de 1ª Instância interpretou e aplicou a norma de direito probatório material prevista no art. 344º, n.º 2 , do CC, argumentando, no essencial, que:

                      «(…) Não basta que o Tribunal ameace com a inversão do ónus da prova na fase da instrução, quando a parte se recusa a colaborar, e depois tire as devidas consequências dessa recusa na sentença, sem dar à parte que passou a ser onerada com a prova a possibilidade de produzir essa prova em julgamento, através de um convite à indicação de meios de prova.

                      Na verdade, se a parte passa a estar onerada com a prova num momento em que já se encontra ultrapassado a fase da apresentação dos meios de prova, se não lhe for dada essa possibilidade, o facto controvertido passará automaticamente a ser considerado verdadeiro, contrariando o sistema legal de inversão do ónus da prova: em vez da inversão do ónus da prova teremos a prova automática do facto controvertido, estabelecendo um efeito cominatório que a lei não quis.

                      Assim, não se pode afirmar, como se faz na fundamentação da matéria de facto que “ a apelante não produziu qualquer prova tendente a infirmar as afirmações de facto vertidas nos aludidos factos controvertidos”, se não lhe foi dada a possibilidade de indicar meios de prova.

                      (…)».


                      *



                      Insurge-se, agora, a recorrente contra este entendimento, sustentando, no essencial, que esta exigência do convite à indicação de meios de prova não tem qualquer suporte na lei e é violadora do disposto nos artigos 344.°, n.° 2 do CC e 417.°, n.° 2 do CPC, contrariando frontalmente as decorrências do princípio da cooperação, do princípio constitucional do processo equitativo e dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, pondo também em causa o disposto nos artigos 413º, 423.°, 607.°, n.° 4 e 5 e 613.°, todos do CPC.

                      Ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação não só incorreu na nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) aplicável ex vi do artigo 666.°, n.° 1 do CPC, na medida em que não podia conhecer da questão da falta de convite à parte recusante para indicação de meios de prova, como contraria os interesses privados subjacentes ao regime da inversão, pois permite que a Ré inviabilize a realização do meio de prova requerido pela Autora — no caso, a realização de uma perícia — impossibilitando a Autora de realizar a sua prova, sem que lhe seja imediatamente aplicada a correspondente sanção civil.


                      Que dizer?


                      Desde logo que, tendo em conta as consequências decisivas da inversão do ónus da prova para a decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas e impendendo sobre o juiz, nos termos do art. 7º, n.º 1 do CPC, o dever de cooperação com as partes, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio, temos por certo que, no caso dos autos, o Tribunal de 1ª Instância devia atuar de forma preventiva de molde a dar a conhecer à ré quais seriam as consequências processuais da sua recusa em fornecer aos peritos os elementos documentais que estes reputavam como necessários para que pudessem responder às questões que constituíam objeto da perícia.

                      Dito de outro modo, impunha-se que na notificação efetuada à ré para proceder à junção dos ditos documentos fosse referido o efeito cominatório da recusa, prescrito nas disposições conjugadas dos arts. 417º, n.º 2 do CPC e 344º, nº 2 do C. Civil, ou seja, que essa notificação fosse acompanhada da advertência da intenção do Tribunal considerar invertido ónus da prova caso não prestasse a referida colaboração para a descoberta da verdade.

                      E isto por forma a garantir que a inversão do ónus da prova não surgisse para a ré recusante como uma "decisão surpresa", isto é, como uma decisão que, embora, permitida pela lei, não pudesse, de antemão, ser conhecida ou perspetivada, por ela, como sendo possível.

                      A este respeito resulta claramente dos autos que:


                      1º- Ante a impugnação, feita pela ré na sua contestação de parte da factualidade relativa aos danos patrimoniais peticionados, a título de lucros cessantes, pela autora e vertida nos artigos 15º a 24º da base instrutória, requereu a autora, ao abrigo do disposto no art. 528º do CPC, que a ré fosse notificada para vir juntar aos autos:

                      «(i) o contrato de prestação de serviços celebrado entre a ré e a entidade que veio substituir a autora na prestação de serviços de imagiologia;

                      (ii) todos os elementos da contabilidade da ré relativos à prestação de serviços de imagiologia pela entidade que veio substituir a autora, nomeadamente:

                      a) documentos comprovativos do número e tipo de exames de imagiologia efectuados por essa entidade à ré no último trimestre de 2010 e nos anos de 2011 e 2012;

                      b) documentos comprovativos do valor por exame por essa entidade à ré;

                      c) a facturação desta entidade à ré no último trimestre de 2010, em 2011 e em 2012, nomeadamente, um histórico dessa facturação (por exemplo, extrato de conta-corrente), bem como cópias de todas a faturas emitidas». (cfr. fls. 505 a 557 da resposta da autora à contestação e requerimentos de fls. 616 a 626 e fls. 654 a 664, nos quais a autora consignou, para além do mais, que tais documentos eram necessários para que os Senhores Peritos pudessem responder cabalmente às questões que lhes eram colocadas no âmbito da perícia, também requerida pela Autora no seu requerimento probatório, que abrangia os quesitos 15.° a 24.° da Base Instrutória).


                      2º- Na sequência destes requerimentos, foi proferido despacho judicial a determinar que, ao abrigo do disposto no art. 528º do CPC se notificasse a ré para, em 10 dias, juntar aos autos os documentos requeridos (cfr. despacho de fls. 665).


                      3º- Não tendo a ré procedido à junção dos ditos documentos, com data de 27.09.2013, o Tribunal proferiu novo despacho com o seguinte teor:

                      « Pela omissão injustificada da Ré  em juntar os documentos para que foi notificada condena-se a mesma em multa equivalente a 1 U.C. ( Cfr. art. 417º do C. P. Civil  art. 27º do R.C. Processuais).

                      Notifique novamente a Ré para, em novo prazo de 10 dias, juntar aos autos os documentos em falta, sob pena de nova condenação em multa e de eventualmente se inverter o ónus da prova, por aplicação do disposto nos artigos 417.º, n.º 2 do CP. Civil e 344º, n.º 2 do C. Civil». ( cfr. fls. 674). (sublinhado nosso).


                      4º- Em 07.10.2013, a Ré juntou ao processo um requerimento a requerer que «lhe seja concedido um prazo nunca inferior a 15 dias para juntar aos autos os documentos em falta, penitenciando-se pelo facto de ainda não os ter junto, mas deveu-se ao facto do Hospital BB ter sofrido obras de ampliação e não ter conseguido obter tais documentos com as alterações sofridas que, aliás, nessa comarca é facto notório que o Hospital sofreu obras de grande monta». (cfr. fls. 677 a 679).


                      5º - Em 09.10.2013, o Tribunal proferiu despacho a conceder à Ré «o requerido prazo de 15 dias para juntar aos autos os documentos em falta». (cfr. fls. 680).

                      6º- Porque a Ré não juntou os documentos aos autos, em 11.11.2013, foi proferido novo despacho judicial com o seguinte teor:

                      «Pela omissão injustificada da Ré em junta aos autos os documentos para que foi repetidamente notificada, condena-se a mesma numa multa de valor equivalente a 2 U.C. (art. 417º do C. P. Civil e art. 27º do R. C. Processuais).

                      Em sede de audiência de julgamento, apreciar-se-á da eventual aplicação da inversão do ónus da prova quanto aos factos sobre que tais documentos versariam (artigo 417.º, n.º 2 do CP. Civil e artigo 344º, nº 2 do C Civil)». (cfr. fls. 684 e 685) (sublinhado nosso).


                      7º- Realizada a prova pericial requerida pela autora, em 17.03.2014, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

                      «Verificando-se do teor do Relatório Pericial dos autos que, tal alertou oportunamente a Autora, os documentos em falta nos autos relativos à Ré dificultaram a realização da mesma, convida-se a Ré – independentemente do já decidido a fls. 684 – a, no prazo suplementar de 10 dias, juntar tais documentos aos autos, para possibilitar o completar do Relatório Pericial». (cfr. fls. 734),  (sublinhado nosso)


                      8º- Em 23.04.2014, o Tribunal proferiu o seguinte despacho:

                      «Em face do silêncio da Ré, renova-se o despacho de fls. 684 (1ª parte).

                      Notifique os Srs Peritos para responderem aos esclarecimentos de fls. 732». (cfr. fls. 743).


                      9º- Em 15.12.2014, foi proferido novo despacho judicial com seguinte teor:

                      «A fls. 768 e seguintes, veio a autora requerer que, antes do início da audiência final, seja declarada a inversão do ónus da prova no que diz respeito às afirmações de facto constantes dos factos controvertidos nºs 17 a 23º.

                      Notificada a parte contrária, nada disse.

                      Apreciando.

                      Independentemente de se encontrarem (ou não) verificados, nesta oportunidade temporal, os requisitos para fazer despoletar a inversão do ónus de prova prevista no art. 417º, nº2 do Cód. Processo Civil e art. 344º, nº2 do Cód. Civil, facto é que tais normativos se integram na categoria das regras referentes ao ónus probandi.

                      Como assim, encontramo-nos em presença de regras de julgamento e, como tal, a sua eventual aplicação no caso vertente (enquanto critério de decisão) apenas deverá, na nossa perspetiva, operar aquando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aquando da prolação da sentença (cfr. nºs 4 e 5 do art. 607º do Cód. Processo Civil).

                      Porque assim, indefere-se o requerido, sem prejuízo de no momento processualmente oportuno o tribunal ponderar as consequências assumidas pela ré no concernente à violação do dever de cooperação intersubjetiva que sobre ela impende.

                      Notifique».  (cfr.  fls.782) ( sublinhado nosso).



                      *



                      Ora, no caso dos autos, o que resulta claramente deste quadro factual é que a ré não só foi devidamente informada da possibilidade de o tribunal considerar invertido o ónus da prova como foi também advertida de que a ocorrer essa inversão, a mesma operaria aquando da apreciação da matéria de facto provada ou não provada, isto é, aquando da prolação da sentença, nos termos do disposto nos nºs 4 e 5 do art. 607º do Cód. Processo Civil, o que se tem por absolutamente correto, na medida em que, como é consabido, a decisão de inversão do ónus da prova está dependente da livre apreciação que o julgador faz ex post facto (isto é, depois da produção de prova em julgamento), designadamente sobre a necessidade de recorrer, ou não, ao sobredito mecanismo legal de inversão do ónus da prova, procedimento, aliás, que a ré não podia deixar de conhecer na medida em que, nos presentes autos, está assistida juridicamente pelo seu mandatário forense, a quem foram feitas as notificações dos despachos supra descritos.

                      Daí que, contrariamente à tese defendida pelo Tribunal da Relação, não se encontre fundamento nem justificação para, no caso dos autos, se dar à ré «a possibilidade de produzir essa prova em julgamento, através de um convite à indicação de meios de prova».

                      E muito menos se encontra validade no argumento usado pela Relação de que tal convite justifica-se por, neste momento, já se encontrar ultrapassada a fase da apresentação dos meios de prova.

                      É que tendo a ré sido prevenida da possibilidade do tribunal inverter o ónus da prova, por aplicação do disposto nos artigos 417.º, n.º 2 do CP. Civil e 344º, n.º 2 do C. Civil», em momento anterior à realização da audiência de discussão e julgamento, nada impedia a ré de, quer com base na prova pré-constituída (inclusivamente através da prova oferecida pela autora, atento o princípio da aquisição processual da prova), quer com base em produção adicional de prova (designadamente, através da junção de documentos nas condições previstas no 423.°, n.º 2 do CPC, e/ou através do aditamento ou alteração ao rol de testemunhas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 598.º do CPC, que permitem, respetivamente, a junção de documentos e o aditamento ou alteração ao rol de testemunhas apresentado pela parte possa ser requerido «até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final») poder fazer a prova com que, em face da sua recusa ilícita de cooperação com o processo, passaria, eventualmente, a estar onerada.

                      Convidar a parte recusante, após a decisão de inversão do ónus da prova, a indicar e produzir novos meios de prova, tal equivaleria, nas circunstâncias dos autos, a colocar a ré, parte incumpridora do dever de colaboração, em posição mais vantajosa do que a autora, parte onerada com o ónus da prova dos factos em causa.

                      É que se assim acontecesse, a ré não só teria conseguido evitar, com a sua recusa, a junção dos documentos que, supostamente, lhe seriam prejudiciais, impossibilitando, dessa forma, que a autora estivesse em condições de realizar, plenamente, a sua prova, como ficaria, relativamente a esta, numa posição mais vantajosa para conseguir fazer a prova do contrário daqueles factos, e, no fundo, acabaria por não sofrer nenhuma consequência verdadeiramente desvantajosa, o que tudo consubstanciaria violação do princípio da igualdade de armas das partes consagrado no art. 4º do CPC.

                      Daí que, contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, seja de concluir no sentido de que, no caso dos autos, o Tribunal de 1ª Instância não estava obrigado a convidar a ré a apresentar meios de prova quanto aos factos relativamente aos quais inverteu o ónus da prova, inexistindo, por isso, fundamento para o Tribunal da Relação, com base na omissão desse convite, anular parcialmente o julgamento.


                      Termos em que se conclui pela procedência da argumentação aduzida pela recorrente, não podendo, por isso, manter-se, nesta parte, o acórdão recorrido, ficando, desse modo, prejudicado o conhecimento da invocada nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. d) aplicável ex vi do artigo 666.°, n.° 1 do CPC.

                      Assim sendo e porque o Tribunal da Relação não chegou a apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto vertida nos artigos 15º a 23º da base instrutória deduzida pela ré/apelante, questão da exclusiva competência daquela instância, impõe-se determinar, para esse efeito, a baixa do processo ao Tribunal da Relação.



                      ***



                      III – Decisão


                      Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em conceder a revista e, revogando o acórdão recorrido, na parte impugnada, determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação para que proceda à apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida pela ré/apelante, e, em conformidade com o que vier a ser julgado nessa sede, decidir do pedido formulado pela autora, a título de indemnização pelos lucros cessantes.  

                      Custas do recurso ficam a cargo da parte que ficar vencida a final ou na proporção do respectivo decaimento.


                      *


                      Considerando a vontade manifestada pela ré de interpor recurso de revista a título excecional, nos termos do art. 672º do CPC, oportunamente e após a fixação dos factos em causa e prolação de nova decisão pelo Tribunal da Relação, tomar-se-á posição quanto ao requerimento de fls. 1478 e segs.


                      ***



                      Supremo Tribunal de Justiça, 12 de abril de 2018

                      Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

                      Rosa Maria Ribeiro Coelho

                      João Luís Marques Bernardo

                      __________

                      [1] Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo ne 9503/2007-6, datado de 15-11-2007, disponível para consulta em www.dgsi.pt.

                      [2] Cfr.  Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo  nº  0212450, datado de 27-01-2003, disponível para consulta em www.dgsi.pt

                      [3] Freitas, José  Lebre, Introdução ao Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª Edição, Outubro 2013, pp. 136-137. 

                      [4] José Lebre de Freitas, in a, “Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto”, 1996, pág. 96 , e im, “ Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 1999, pág. 8.

                      [5] Freitas, José Lebre , “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 3ª Edição, Outubro 2013, pp.128.

                      [6] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III,  tomo 1, pág. 19, respectivamente.

                      [7] Publicado n www dgsi.pt.

                      [8] In, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, Almedina, 2ª Edição, 2004, págs. 454 e 455.

                      [9] Neste sentido, cfr., entre outros, os Acórdãos do STJ, de 17.02.83, in, BMJ, nº 324, pág. 584  e de 31.03.2009, publicado  in www dgsi.pt.

                      [10] Entendida  como “ um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente que, em face  das circunstâncias específicas do caso, podia e devia agir de outro modo”, Cfr. Antunes Varela, in, “Das Obrigações em Geral, 10ª ed. , pág. 566.  

                      [11] Neste sentido, Acórdão do STJ, de 23.02.2012 ( proc. nº 994/06.2TBVFR.P1.S1), publicado in wwwdgsi.pt.

                      [12] In, “ Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. II, pág. 409.

                      [13] In,” Provas (direito probatório material), BMJ, nº 110, pág. 160.

                      [14]  E outros, in, “Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, págs. 470 e 480.

                      [15] Publicado in www.dgsi.pt.