Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3289/09.6TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
AUTO-ESTRADA
DESPISTE
MOTOCICLO
CULPA
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 03/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / PENHOR / PENHOR DOS DIREITOS.
Doutrina:
-Abílio Neto, Novo Código Processo Civil, Anotado, 4.ª Edição, Revista e ampliada, Março 2017, Ediforum;
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, p. 361 e 362;
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil , 9.ª Edição, Almedina, p. 286;
-Francisco M. Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, Almedina, p. 525;
-Manuel de Oliveira Matos, Editora Almedina, 6.ª Edição, p. 72.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 684.º, N.º 3 E 685.º-A, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 14-04-2014, PROCESSO N.º 1899/12, IN SUMÁRIOS, 2015, P. 196;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 605/14.4TTLRA.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Filiando-se a posição tomada pela Relação no tocante à divergência da 1.ª instância, unicamente, no princípio da livre apreciação da prova, encontra-se arredada, conforme doutrina e jurisprudência unânimes, a possibilidade de sindicância por parte do STJ, com competência prioritariamente reservada à apreciação de questões de direito.

II - O eventual erro cometido pela Relação ao apreciar elementos probatórios testemunhais ou documentais sem valor probatório tarifado poderá configurar erro de julgamento mas não a violação do princípio da livre apreciação dos meios de prova.

III - No caso de acidente de viação de que foi vítima o autor, motociclista, quando circulava, de noite, numa auto-estrada, é de imputar ao próprio a culpa pelo despiste, atenta a quantidade, natureza e características da sinalização e dos objectos que delimitavam o espaço livre por onde efectuar o trânsito em consequência de um estrangulamento e basculamento da via – de que avulta a circunstância de todos eles serem reflectorizados –, sem que a circunstância de não se ter provado que as lanternas sequenciais estavam a funcionar no momento do acidente seja suficiente para atribuir a responsabilidade à concessionária da via.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]

I – RELATÓRIO


   I. AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra BB, SA” (actual CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”), peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 95.565, acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento da quantia de € 10 por dia desde a citação até efectiva reparação do motociclo do A..

    Alegou para tal - em síntese -, que no dia 27 de Maio de 2006, pelas 0:10 horas, quando circulava no seu motociclo de marca Yamaha, matrícula ...-...-PD, pelo IC24, que liga Alfena ao Nó da Ermida, e exactamente nesse sentido, no concelho da Maia, distrito do Porto, foi vítima de um despiste, o qual se deveu ao inesperado estrangulamento da faixa de rodagem por onde seguia, pois havia múltiplos separadores móveis de plástico que inflectiam violenta, acentuada e subitamente para a direita, sendo que tal inflexão/curva apresentava um ângulo de aproximadamente 90º relativamente ao separador central.

   Mais alegou que, apesar do iminente perigo que tal inesperado estrangulamento provocava na circulação dos utentes desta auto-estrada, não havia qualquer sinalização que prevenisse o aparecimento do dito “gancho”, ainda por cima imediatamente após o cume de uma subida, sendo certo que, para quem circulava de noite cerrada, como era o caso do A., tal perigo para a circulação aumentava exponencialmente, uma vez que no local não existia iluminação ou sinalização luminosa, pois as lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento naquele momento.

     O lanço de auto-estrada em questão estava concessionado à Ré, a quem incumbia assegurar todas as condições de segurança no local, o que a mesma não cumpriu.

    Consequentemente, a Ré deverá ser responsável pelos danos sofridos pelo A., os quais se traduziram em vários e graves ferimentos, internamento hospitalar, cirurgias, dores e incómodos (danos não patrimoniais), bem como IPP, períodos de incapacidade de trabalho e outros danos patrimoniais futuros.

    A Ré “BB, SA” contestou a acção (fls. 28 e ss.), invocando que a execução do lanço de auto-estrada onde ocorreu o acidente estava a cargo da “DD, ACE”, pelo que considera ser parte ilegítima na acção, sendo ainda que a responsabilidade civil da contestante estava transferida para a seguradora “EE”, em razão do que requereu o chamamento à demanda daquelas duas entidades.

    No mais, a Ré negou que o acidente se tenha devido a alguma falta de cuidado da concessionária da auto-estrada, pois todas as regras de segurança foram observadas.

         Pugnou, assim, pela improcedência da acção.

    Em réplica (fls. 118 e ss.), o A. entendeu ser improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré e impugnou a factualidade alegada por esta quanto ao cumprimento dos deveres de segurança naquele lanço de auto-estrada.

    Por despacho de fls. 409, foi determinada a citação da Segurança Social nos termos e para os efeitos previstos pelo art.º 1º, 2, DL n.º 59/89, de 22 de Fevereiro.

   Na sequência, o Instituto de Segurança Social, IP veio deduzir contra a Ré “BB, SA” pedido de reembolso de subsídio de doença, no valor de € 10.274,95, correspondente ao valor pago ao A. durante o período em que este esteve de baixa médica em consequência do acidente – fls. 419 e ss.

    A Ré impugnou tal pedido, entendendo dever ser julgado improcedente - fls. 430 a 432.

    Por despacho de fls. 434 a 436, foi admitida a intervenção principal provocada da “Companhia de Seguros EE, SA” e admitida a intervenção acessória de “DD, ACE”.

   A chamada “Companhia de Seguros EE, SA” apresentou contestação (fls. 150-151, por remissão de fls. 449), na qual impugnou a matéria alegada pelo A..

    A chamada “DD, ACE” apresentou também contestação (fls. 159 e ss., por remissão de fls. 455), na qual alegou, em resumo: a sua ilegitimidade na lide, dizendo que celebrou contrato de subempreitada da obra com a “FF”, pelo que ficou esta responsável pela projecção e construção do troço de auto-estrada onde ocorreu o acidente; a prescrição do direito que o A. fez valer em Juízo, pelo menos contra aquela Chamada; impugnou ainda a dinâmica do evento alegada pelo A.; corroborou a versão trazida aos autos pela “BB, SA” quanto ao cumprimento dos deveres de segurança, no que concerne à iluminação e sinalização existentes no local; e terminou a requerer a intervenção acessória da “FF”, para assegurar contra a mesma o seu direito de regresso, em caso de eventual condenação nestes autos.

    O A. replicou quanto à contestação da “DD, ACE”, pugnando pela improcedência da ilegitimidade e da prescrição invocadas pela mesma – fls. 701 e ss..

     Por despacho de fls. 746, foi admitida a intervenção acessória da “FF - Engenharia e Construção, SA”.

     Citada para os termos da causa, a chamada “FF, SA” contestou a acção (fls. 758 e ss.), alegando que o acidente se deveu a culpa do A., pois que a chamada cumpriu todas as regras de sinalização no local, mais sucedendo que a responsabilidade civil da chamada se encontra transferida para a “Companhia de Seguros EE, SA”, pelo que, a haver ilicitude na actuação da chamada, o pagamento da indemnização deverá ser assegurado por tal seguradora. Por outro lado, e no que ao direito indemnizatório exercido pelo “Instituto de Segurança Social, IP” concerne, o mesmo encontra-se prescrito.

    O “Instituto de Segurança Social, IP” apresentou réplica quanto a esta contestação da “FF, SA”, pugnando pela improcedência da prescrição ali invocada – fls. 810 a 812.

    O A., por sua vez, também replicou quanto a essa contestação da “FF, SA”, impugnando a versão por ela trazida e concluindo como na petição inicial – fls. 816 e ss..

     Foi realizada audiência preliminar para tentativa de conciliação, a qual não foi lograda - fls. 926-927.

       Foi proferido despacho saneador (tabelar).

     Por despacho de fls. 997 a 999, foi julgada improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade passiva invocada, tanto pela Ré “BB, SA” como pela chamada “DD, ACE”.

    Por despacho de fls. 999, foi relegada para a sentença final a conhecimento da excepção da prescrição do direito indemnizatório exercido pelo “Instituto de Segurança Social, IP”.

       A fls. 1039 e ss., foi proferido despacho de selecção da matéria de facto, definindo a factualidade assente e a integrante dos temas de prova.

    Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, no culminar da qual foi proferida sentença, finda com o dispositivo que segue:

- “Pelo exposto, julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência, decide-se:

a) Absolver a Ré “CC, SA” e a chamada “EE – Companhia de Seguros, SA” do pedido deduzido pelo A. AA;

b) Absolver a Ré “CC, SA” e a chamada “EE – Companhia de Seguros, SA” do pedido deduzido pelo “Instituto de Segurança Social, IP”;

c) Condenar o A. AA e o demandante “Instituto de Segurança Social, IP” nas custas dos pedidos respectivos – art. 527º, 1 e 2, CPC.

Valor da causa: o já fixado no despacho saneador (fls. 999).

            (…).”


   2. Irresignado, o A. interpôs recurso de apelação para a Relação do Porto, ao qual foram, por seu turno, apresentadas respostas por parte das Recorridas “EE”, “CC S.A.” e “FF - Engenharia e Construção S.A.”, pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo ainda a “CC”, a título subsidiário, ampliado o âmbito do recurso pelo interposto.

   3. Por acórdão de fls. 1356 e ss., foi emitida decisão com o teor que segue:

         - “Por todo o exposto acordam os Juízes que compõem este Tribunal em julgar a apelação parcialmente procedente e em consequência revogar a sentença recorrida e:

   A) Condenar solidariamente a Ré CC, S.A. e a chamada EE Companhia de Seguros S.A. a pagar ao Autor/recorrente a quantia de 41457,29 € acrescida de juros de mora, à taxa legal contados desde a data de citação até efectivo integral pagamento;

   B) Condenar a ré CC, Auto-Estradas do Grande Porto e a chamada EE Companhia de Seguros S.A. a pagar solidariamente ao Instituto de Segurança Social a quantia de 10274,95 € acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido e até integral pagamento.

    C) A chamada FF foi admitida na qualidade de interveniente acessória, por decisão proferida a folhas 746 a qual não foi objecto de qualquer recurso.

Assim nessa qualidade de interveniente acessória na presente acção, não é parte principal e por isso não poderá ser condenada nem absolvida.

         (…).”


  4. Discordando do assim decidido, recorrem de revista:

      4. 1. A Interveniente Companhia de Seguros EE, S.A.”, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões:

   1. Ao STJ compete também apreciar a forma como as instâncias apreciam a questão de facto e sindicar o cumprimento ou violação da lei em tal actividade.

   2. O acórdão recorrido ao apreciar a matéria de facto – alterando ou dando como demonstrado - o facto constante da al. f) violou de forma sistemática e grosseira a lei

   3. Daí que a jurisprudência é unânime no sentido em que o STJ tem competência e deve censurar a forma como até à relação é tratada a questão de facto.

   4. No que respeita à alteração da matéria de facto preconizada cingiu-se, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto à “desconsideração” de toda a matéria dada como provada, alicerçando a sua decisão apenas e tão só na alínea f) dos factos não provados na decisão da 1ª instância, considerando assim a existência de culpa da Ré, na ocorrência do sinistro, para daí, porque sine qua non, determinar a condenação solidária da Ré e da chamada, em consonância com o alegado pelo Autor nas suas conclusões.

  5. Está provado que a 200 metros antes do local do sinistro existia sinalização indicativa da obrigatoriedade de o trânsito que se processava naquele sentido de marcha descrever para a sua direita, atendendo ao basculamento aí existente – sinal ST4

  6. que a cerca de 100 metros do início do basculamento, existia um sinal de proibição de circular a mais de 60 km/h e sinal de proibição de ultrapassar;

  7. O local do basculamento estava balizado com “PMP ́s” (perfis móveis de plástico) –ET10 –e flat cones(ET6), estes últimos de material reflector;

  8. No mesmo local existia uma baia direccional e dois sinais de sentido obrigatório, indicando a direcção que o trânsito devia seguir;

  9. O pavimento encontrava-se pintado com uma linha longitudinal contínua de cor amarela, a descrever a curva existente na zona do basculamento;

  10. Cerca de 30 a 40 minutos antes do despiste aludido em 14), o oficial de assistência e vigilância da ora Ré “CC, SA” passou pelo local e não verificou qualquer avaria nas lanternas sequenciais ali colocadas;

  11. Os funcionários da “CC, SA” faziam patrulhamentos às obras do IC24 durante as 24 horas, em regime de turnos;

 12. O pessoal do empreiteiro da obra também vigiava a sinalização existente, mesmo durante a noite, com passagens sucessivas, e assegurava a respectiva reparação quando disso havia necessidade, caso em que igualmente informava a central de comunicações da “CC, SA;

 13. Ao longo do quilómetro que antecedia o local onde o A. se despistou, estava colocada a em cada um dos lados da faixa de rodagem: sinalização vertical de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); sinal de perigo de “trabalhos na estrada”, sinal de perigo “outros perigos ”;sinal de proibição de exceder a velocidade de 80Km/h; sinal de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); a 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade de 60 Km/h;

 14. Ao longo do desvio basculante existia um conjunto de lanternas sequenciais sobrepostas a balizas de posição (ET5); sinais de obrigação “sentido obrigatório”; sobre os separadores de betão, diversos delineadores reflectores;

 15. Ao longo da faixa de rodagem partilhada pelos dois sentidos de trânsito, existia aos 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; a seguir, sinal de indicação de desvio para a faixa de rodagem contrária ST5; depois, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a  sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; finalmente, ao longo do desvio (“basculamento”) para a faixa de rodagem inicial, conjunto de lanternas sequenciais sobrepostos a balizas de posição (ET5), sinais de obrigação de sentido obrigatório e, sobre os separadores de betão com a faixa de rodagem contrária, diversos delineadores reflectores;

  16. Por sua vez, a delimitação das mudanças de direcção era feita com “New Jerseys” plásticos (PMP), sendo que a delimitação de cada um dos sentidos de circulação, em cada uma das mudanças de direcção (no princípio e no final do desvio), era complementada através de uma fileira de cones reflectores colocados sobre a sinalização horizontal marcada a amarelo no pavimento (a contornar as duas vias de trânsito existentes ao longo do desvio);Toda essa sinalização era reflectorizada;

17. No espaço do basculamento em causa, o IC24 desenhava uma recta com cerca de 500 metros, depois de fazer uma curvatura à esquerda, sempre em sentido descendente (considerando o sentido Alfena/Maia), sem qualquer obstáculo que limitasse a sua visibilidade; Os dispositivos luminosos instalados no local do despiste, mormente as placas reflectoras, eram visíveis a pelo menos 100 metros de distância;

 18. Não obstante todos estes factos, a fundamentação do acórdão recorrido para a alteração da matéria de facto, é totalmente inócua e nunca poderia ser susceptível de constituir fundamento para uma alteração substancial da decisão.

19. Desconsidera o acórdão recorrido os depoimentos prestados pelas testemunhas GG (encarregado de assistência e conservação da “CC, SA”), HH (engenheiro da “CC, SA”), II (engenheiro da “CC, SA”), JJ (engenheiro da “FF, SA”), KK (engenheiro da “FF, SA”), LL (encarregado de obras da “FF, SA”), MM (encarregado de obras da “FF, SA”), e NN (gestor de segurança da “FF, OO, alegando para tanto falta de credibilidade dada a relação de dependência entre as partes;

20. Esquecendo-se que existe prova documental, nomeadamente fotografias que permitem verificar toda a sinalização existente no local, distancias e visibilidade que permitem só por si afastar a presunção de culpa que sobre si impende.

 21. O Tribunal da Relação entende que o depoimento da testemunha PP “faz prova plena”…. ”é suficiente para a formulação dos juízos de certeza de que as lanternas sequenciais não estariam em funcionamento no momento do despiste – mesmo não tendo este agente assistido ao sinistro;

 22. Valorizando apenas tal depoimento e ignorando a demais prova produzida (documental e testemunhal), nomeadamente de testemunhas que tal como a testemunha PP passaram no local antes do sinistro e verificaram que as mesmas se encontravam em funcionamento.

23. Ou seja, o acórdão recorrido, extrai da prova mais vulnerável, um depoimento, com força bastante para “destruir” a interpretação probatória da 1.ª instância relativamente à restante prova produzida.

24. Nessa medida o acórdão recorrido ao elevar tal depoimento á figura de “prova cabal”, sem qualquer justificação fáctica, e abalando inegavelmente os depoimentos prestados pelas demais testemunhas e prova documental, violou claramente a lei.

 25. Reapreciar a prova como fez a Relação é um erro notório e o que fez o acórdão recorrido: menosprezou tal livre apreciação da prova produzida à luz do princípio do imediatismo da 1.ª instância,

 26. O acórdão recorrido viola grosseiramente os princípios da livre apreciação de prova, da oralidade e da imediação, que tem consagração legal.

27. Prova livre não quer dizer prova caprichosa ou arbitrária.

28. A censura quanto à formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

29. Alterada tal matéria de facto, de acordo com o decido pela 1ª instância, face aos demais factos provados (que não mereceram reparo por parte do acórdão recorrido) ficará provado que a ocorrência do sinistro não ocorreu por culpa da Ré e em consequência não existirá a obrigação da Ré e da chamada ora recorrente, em indemnizar o Autor.

30. Violou o acórdão recorrido por erro de interpretação os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 260.º, 341.º, 491.º, 495.º, 396.º, 607.º, 608.º, 609.º, 613.º, 615.º e 663.º.

  E, assim fundada, termina no sentido de se dever dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que julgue a acção improcedente, nos termos proferidos e decididos pela sentença de 1.ª instância.


   4.2. A Ré CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”, findando a sua alegação com as seguintes conclusões:

   I. Na opinião da recorrente, o ac. da RP é criticável e deve ser revogado por este Supremo Tribunal por várias razões, mas fundamentalmente pelo sinal visivelmente contraditório (e perigoso até) que acaba por dar no que respeita à boa interpretação e aplicação da lei e sobretudo pelo sinal de facilitismo e pela desculpabilização que de certa forma defende relativamente à conduta do A., apesar de esta ser nitidamente causal do acidente dos autos;

   II. Salvo o devido respeito, é desde logo evidente que aquela decisão usou "dois pesos e duas medidas" no que diz respeito à valoração dos depoimentos, colocando em patamar nitidamente superior os depoimentos de QQ, e sobretudo de PP (militar da GNR) - este último com o argumento de que "(...) não tem qualquer relação de dependência com qualquer das partes (...)" relativamente a todos os depoimentos de testemunhas arroladas por R. e Intervenientes (e particularmente os de OO, MM e JJ);

   III. E valorizou ainda um relatório de uma outra testemunha que, compreensivelmente - estamos de acordo - desmemoriada mais de 9 anos depois do sinistro, nem sequer o conseguiu explicar, mormente quanto às circunstâncias de tempo em que foi elaborado, e que, por um lado, não diz mais que o óbvio (embora apelidando de deficiente a iluminação do local quando, em boa verdade, em plena via ou secção corrente de auto-estrada, como naquele local, não existe iluminação), e, por outro, avança com outro tipo de "explicações" para as quais não se pode reconhecer a esse perito averiguador RR a mínima competência técnica (falamos da alegada deficiência da sinalização do desvio/basculamento de trânsito);

  IV. Pena é que os mesmos mais de 9 anos que decorreram desde o sinistro até à realização da audiência de julgamento não tenham também servido para questionar o depoimento do militar da GNR que, logo para "começo de conversa", cometeu a proeza de se lembrar de factos não vertidos no documento elaborado na altura (PAV);

 V. Ora, as regras da experiência comum (e até aquelas da experiência de vida) dizem-nos que haveria de ser entendida/analisada com alguma (quando não mesmo muita) cautela aquela declaração deste militar no sentido de que as "luzinhas sequenciais" não estavam funcionar quando esta testemunha alegadamente "ia em deslocação para o trabalho";

  VI. É que não só essa "memória" não surge, como dito, reflectida na PAV então elaborada de "fresco" (e era obrigatório que assim tivesse sucedido, seja porque acrescentava dados importantes a uma futura análise do sinistro, seja porque essa era a sua obrigação enquanto agente da autoridade policial - além de que, curiosa e incompreensivelmente, nem sequer mostra que tenha alertado quem quer que seja, e designadamente a R. (e aí está o doe. de fls. 52 - 53 para demonstrar essa ausência de comunicação), para essa alegada deficiência que terá presenciado), como ainda não foi sequer capaz de mencionar naquele documento por si elaborado (mas, curiosamente, uma vez mais, disse-o agora em audiência) que as ditas "luzinhas" existiam, mas estavam avariadas ou desligadas (Não. O que "atestou" - e, de resto, em dois locais diferentes da PAV - foi que pura e simplesmente essas lanternas sequenciais inexistiam no local);

  VII. Mas "atestou" ainda naquela PAV, com um indisfarçável tom de crítica, que a sinalização de velocidade máxima instantânea (60 Km/h) existia, sim, "(...) embora o sinal se encontre 2 km antes (...)" ou seja, errou e por muito, pois que esse sinal, como se vê da prova dos autos (n° 48 dos factos provados), além de outros que pura e simplesmente não se deu ao trabalho de mencionar (e nomeadamente aquele que informava que tipo de trajectória tinham de descrever os condutores), situava-se a apenas 100 metros do desvio/basculamento de trânsito onde eclodiu o sinistro;

 VIII. Não há - diga-se - qualquer explicação razoável e/ou desculpa possível para isto, mais ainda quando é fácil de perceber que aquele agente da GNR teve obrigatoriamente de percorrer o mesmo caminho que o A. e ver/verificar toda a sinalização existente que os factos provados dos autos demonstram e que também se deparou ao A., pois que se essa distracção/falta de atenção não é admissível no caso de um condutor médio e medianamente diligente, muito menos o é no caso de um agente da autoridade policial;

  IX. É, por isso, temerária e totalmente incompreensível (e especialmente com os argumentos que utiliza) a decisão da RP de alterar de negativo (não provado) para positivo (provado) a alínea f) que consta do elenco dos factos não provados, quer porque é flagrantíssimo que aquele agente não se encontrava do local do acidente quando este ocorreu (e não nos parece, face a outros factos provados, que se possa tirar, e de modo algum, essa ilação), quer porque o seu depoimento é visivelmente inconsistente (e dir-se-ia mesmo, e salvo o devido respeito, quase até comprometido);

  X. Do mesmo modo, é também incompreensível que o ac. da RP, e agora relativamente aos depoimentos das testemunhas OO, MM e JJ, p. ex., tenha desde logo limitado a eventual "utilidade" de tais depoimentos a uma mera "capacidade" de abalar ou não o depoimento daquele militar, não os analisando e valorando pelo que valem probatoriamente por si próprios (sobretudo se conjugados com documentos dos autos e nomeadamente aquele de fls. 52 - 53 já mencionado);

  XI. Este raciocínio, sem grandes alterações, de resto, vale para a outra alteração à matéria de facto decidida pela 2a instância, qual seja a de "passar" para os factos não provados aquele n° 62 que constava - e bem - dos factos provados;

  XII. Com efeito, apesar do declarado em audiência pela testemunha SS que foi exactamente nesse sentido do n° 62 dos factos provados e apesar também das várias fotografias juntas autos (algumas delas colhidas, segundo declarado, por aquela testemunha) que retratam nomeadamente o local à noite e bem assim a distância desse local a que essas fotografias foram colhidas e que permitem, nessa perspectiva, mesmo sem a eventual existência de lanternas sequenciais, avistar com suficiente antecedência o "contorno" do desvio/basculamento de trânsito, graças designadamente ao abundante material reflectorizado ali existente (assim circulasse o A. atento e à velocidade máxima de 60 Km/h como lhe impunha a sinalização), nem assim o ac. da RP credibilizou este depoimento nessa parte e/ou (tudo o indica, pelo menos) viu "com olhos de ver" as ditas fotografias, tendo antes optado por valorizar um relatório de um perito averiguador que, como dito, não tem valor rigorosamente nenhum;

 XIII. De facto, se quanto à alegada "deficiente iluminação do local" estaremos já conversados (com perdão da expressão) e esclarecidos, quanto à opinião (só isso) do dito perito relacionada com a (alegadamente também) deficiente sinalização do desvio, esta nada tem de "técnica", como se percebe, foi claramente contrariada pela restante prova produzida, além de que é impensável que este ou qualquer outro tipo de sinalização em auto-estrada ou noutra via qualquer seja implementada sem obedecer a um plano;

  XIV. De modo que é nitidamente incorrecta a decisão da 2a instância de alterar aqueles dois pontos da matéria de facto (que até podia, se isso se justificasse - o que não nos parece seja o caso -, ter lançado mão do disposto no artigo 662° n° 2 alínea a) do C. P. C), assim se violando os princípios da imediação e da oralidade de que beneficiou claramente o juiz da Ia instância e assim se violando também normas de direito probatório material, dado que a prova dos autos não impunha de forma alguma uma decisão diversa daquela tomada a este respeito pela Ia instância.

  XV. Impõe-se, por isso e com base designadamente na violação do disposto nos artigos 662° n°s. 1 e 2 e 674° n° 1, ai. a) e b) do C. P. C, a correcção da decisão da RP nesta parte, bem como a repristinação da decisão da Ia instância, tanto nesta parte, como na conclusão final de absolvição nomeadamente da R..

Sem prescindir,

  XVI. Mas mesmo que se possa considerar (e não parece ser o caso de modo nenhum) que as lanternas sequenciais não estavam a funcionar no momento do acidente e que o A. afinal não dispunha de uma visibilidade de cerca de 100 metros para o local do desvio/basculamento e para o "contorno" que ali tinha de descrever (e faltaria saber, ainda assim, qual a visibilidade de que beneficiava, considerando que, no mínimo, as luzes de cruzamento (médios) devem permitir iluminar para a frente numa distância de30 metros - cfr. artigo 60° n° 1 ai. b) do Cód. da Estrada), nem assim a decisão seria de aplaudir;

  XVII. Efectivamente, tal como decorre, pelo menos, dos factos provados n°s. 47 a 51 e 55 a 60, era abundante e variadíssima a sinalização existente com que obrigatoriamente o A. (e, como dito, também o militar da GNR) se deparou no seu percurso anterior ao local do sinistro, o que, no entanto, não significa que nela tenha atentado (é, aliás, o mais provável, para não dizer mesmo que é certo que assim tenha acontecido;

  XVIII. Ora, seguisse ele atento e no máximo a uma velocidade de 60 Km/h (que ainda que não resulte dos factos provados é inverosímil que tenha acontecido) e já agora na via da direita (dado que não há prova que esta estivesse obstruída e/ou o A. estivesse a executar uma manobra de ultrapassagem), é absolutamente incontroverso que tinha o tempo e o "conhecimento" mais que suficientes para, se necessário fosse, imobilizar inclusivamente o motociclo (antes, naturalmente, de ocorrer algum acidente naquele local);

  XIX. Nessa medida, e apesar de não ter sido possível concluir a velocidade a que transitava o motociclo, o que é indiscutível é que o A. e tripulante daquele não logrou fazer com que parasse no espaço livre, visível e disponível que havia à sua frente;

XX. Não é assim aceitável a crítica feita pela 2a à Ia instância (que - insista-se - beneficiou nomeadamente dos princípios da oralidade e da imediação), segundo a qual os factos apurados e provados "(...) não são susceptíveis de imputar ao Autor (...) a prática de qualquer contra-ordenação estradal";

 XXI. E também discorda a R. do entendimento do ac. da RP que refere estarem preenchidos todos os pressupostos cumulativos da obrigação de indemnização prevista no artigo 483° do Cód. Civil. Não estão, pois que falta claramente o pressuposto culpa/nexo de imputação do facto ao lesante (e, se formos rigorosos, com base na prova dos autos - ainda que, repita-se, sem as "luzinhas sequenciais" - o "lesante" aqui até será o próprio A., por ser nítido que foi ele o responsável, por acção e/ou omissão, pela produção do acidente);

 XXII. Depois, e reportando-nos ao artigo 12° n° 1 alínea a) da Lei n° 24/2007, de 18 de Julho (mas também ao artigo 6o n° 1 daquela Lei), sempre se dirá que a prova dos autos também nos mostra que a R. vigiava em permanência (no sentido de estar no terreno sempre e não, como é evidente, no sentido de estar simultaneamente em todos os locais da concessão - como se isso fosse possível) a auto-estrada (então IC) e designadamente a sinalização existente, mas que também o fazia o pessoal do empreiteiro da obra (factos provados n°s. 52, 53 e 54) e também que actuava de imediato para solucionar problemas surgidos com essa sinalização (cfr. doc. de fls. 52-53 dos autos);

XXIII. Vale isto por dizer, contrariamente ao decidido pela 2a instância e aplaudindo-se, de outra parte, a decisão da Ia instância e a citação que faz do ac. da RP de 17.11.2011, que nada há a apontar à R., nomeadamente em matéria de cumprimento das suas obrigações de segurança que são - (re)lembre-se - caracterizadas por serem nítidas obrigações de meios e nunca de obrigações de resultado;

 XXIV. Em suma: o ac. da RP violou, para além dos normativos já referidos na primeira parte deste recurso (artigos 662° e 674° do C. P. C), e entre outros, os artigos 483° do Cód. Civil, 6o n° 1 e 12° n° 1 ai. a) da lei n° 24/2007, de 18 de Julho e ainda os artigos 13° n° 3 e 24° n° 1 do Cód. da Estrada, razão pela qual deve ser revogado e substituído por decisão que, no sentido da decisão da Ia instância, absolva nomeadamente a R. de todos os pedidos do A. e do Interveniente Instituto de Segurança Social, I. P..

Deste modo, finda a propugnar que, na procedência de todas as conclusões que antecedem, se dê provimento ao recurso, revogando-se o acórdão do TRP, e, por via disso, se julgue totalmente improcedente a presente acção, absolvendo-se a recorrente dos pedidos de A. e do Instituto de Segurança Social, IP, tudo com as necessárias consequências legais.


      Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


    II – FACTOS

    No douto acórdão, o resultado do julgamento fáctico surge descrito nos moldes que seguem:

            - Factos Provados

  1 - O A. AA nasceu no dia 6 de Fevereiro de 1964, tal como consta do assento de nascimento de fls. 1125, cujo teor se dá por inteiramente reproduzido;

   2 - O A. é beneficiário da Segurança Social com o nº 10…7;

   3 - A título de baixa médica, entre 27 de Maio de 2006 e 30 de Maio de 2008, o “Instituto de Segurança Social, IP” pagou ao A. subsídio de doença no montante de € 10.274,95, sendo € 14,85 o valor diário da prestação atribuída no último mês de incapacidade;

   4 - A concessão do IC24, no lanço de auto-estrada Alfena - Nó da Ermida, tendo por objecto a concepção, projecto, construção, aumento do número de vias, financiamento, conservação e exploração, em regime de portagem SCUT, foi adjudicada ao “Agrupamento BB Grande Porto”, mediante contrato com a “BB – Auto-Estradas do Grande Porto, SA”, ora “CC Grande Porto – Auto-Estradas do Grande Porto, SA”, Ré nestes autos, de acordo com o previsto pelo DL nº 189/2002, de 28 de Agosto;

  5 - Tal concessão iniciou-se em 29 de Agosto de 2002 – art.º 5º daquele diploma;

  6 - Entre a Ré “BB, SA”, ora “CC Norte – Auto Estradas do Norte, SA”, e a Ré “Companhia de Seguros EE, SA” foi celebrado um acordo escrito, em vigor à data de 27 de Maio de 2006 e titulado pela apólice n.º 8…2/0, mediante o qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade civil decorrente da concessão mencionada em 4), o qual previa uma franquia de 10% do valor do sinistro, com um mínimo de € 2.500 e um máximo de € 25.000, conforme instrumento de fls. 1184 e ss., cujos dizeres se dão por inteiramente reproduzidos;

  7 - Por escrito datado de 13 de Setembro de 2002, a Ré “BB, SA”, ora “CC Norte – Auto Estradas do Norte, SA” celebrou com a Ré “DD, ACE” um acordo denominado “contrato de projecto e construção”, referente, entre outros, ao lanço de auto-estrada aludido em 4), para efeitos da realização dos trabalhos de concepção, projecto e construção, conforme instrumento de fls. 190 a 273, cujos dizeres se dão por inteiramente reproduzidos;

  8 - Por escrito datado de 10 de Outubro de 2003, a Ré “DD, ACE” celebrou com a Ré “FF – Engenharia e Construção, SA” um acordo denominado “contrato de subempreitada”, referente, entre outros, ao lanço de auto-estrada aludido em 4), para efeitos da execução e conclusão dos trabalhos de construção, conforme instrumentos de fls. 274 a 404, cujos dizeres se dão por inteiramente reproduzidos;

  9 - Entre a Ré “FF – Engenharia e Construção, SA” e a Ré “Companhia de Seguros EE, SA” foi celebrado um acordo escrito, em vigor à data de 27 de Maio de 2006 e titulado pela apólice n.º 8….6, mediante o qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade civil pelo pagamento de quaisquer indemnizações que lhe pudessem vir a ser exigidas em decorrência de factualidade conexa com o exercício da sua actividade profissional e industrial de construção civil e obras públicas, conforme instrumento de fls. 785 a 797, cujos dizeres se dão por inteiramente reproduzidos;

 10 - No dia 27 de Maio de 2006, cerca das 0:10 horas, o A. AA conduzia o motociclo de matrícula ...-...-PD, marca Yamaha, a si pertencente, pelo IC24, no lanço de auto-estrada no sentido Alfena – Nó da Ermida, ao km 10,850;

  11 - A via encontrava-se em obras de alargamento, no âmbito da concessão indicada em 4);

 12 - A separação provisória das vias de rodagem de sentido contrário era feita através da colocação de perfis móveis de plástico e de separadores móveis de betão;

  13 - No local existiam lanternas sequenciais;

   13 -A[2] - Estas lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste;

   14 - Ao chegar ao ponto indicado em 10), onde a via descreve uma curva à direita seguida imediatamente de curva à esquerda, o A. não conseguiu efectuar a curva e seguiu em frente, despistando-se contra os perfis móveis de plástico e os separadores móveis de betão ali existentes;

  15 - Em consequência directa do despiste, o A. sofreu ferimentos que obrigaram ao seu internamento no Hospital …, tendo deste depois sido transferido para o “Centro Hospitalar Médio Ave-EPE”, em …;

 16 - Para tratar tais ferimentos, o A. teve de ser operado no referido “Centro Hospitalar Médio Ave-EPE, em …, em 2 de Junho de 2006, deste tendo recebido alta dez dias depois;

 17 - No dia 21 de Março de 2006, teve de voltar a ser sujeito a nova intervenção, desta feita para extracção de material de síntese do fémur (“Kuntscher”), tendo recebido alta no dia 22 de Março de 2006;

 18 - Em consequência do despiste, o A. sofreu fractura da omoplata esquerda, contusão da grade costal e fractura do fémur esquerdo;

  19 - Em virtude da traumatologia resultante do acidente, dada a gravidade das sequelas, o A. teve de submeter a doloroso tratamento de fisioterapia ao ombro e perna esquerdas;

 20 - Apesar dos tratamentos a que foi sujeito, o A. ficou a padecer de sequelas permanentes, nomeadamente na perna, coxa esquerda e omoplata esquerdas, onde continua a sofrer dores;

  21 - Tem discreta redução da flexão do joelho esquerdo, fazendo menos 5 graus do que o contralateral; desvio em valgo entre 5 a 10 graus desse joelho;

   22 - Ficou também com cicatrizes no membro inferior esquerdo: cicatriz hipocrómica com 16 cm, localizada na face externa da coxa, de orientação longitudinal à mesma; duas cicatrizes localizadas na região troncantérica esquerda, a maior com 8 cm e a menor com 2 cm;

  23 - Tem encurtamento desse membro em 0,5 cm;

  24 - Padece também de dorsalgia na zona da omoplata esquerda;

  25 - A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 26 de Maio de 2008;

  26 - O período de défice funcional temporário total é fixável em 18 dias;

  27 - O período de défice funcional temporário parcial é fixável em 712 dias;

  28 - O quantum doloris é fixável no grau 4/7;

   29 - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 4 pontos;

  30 - Em termos de repercussão permanente na actividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;

  31 - O dano estético permanente é fixável no grau 2/7;

  32 - O A. esteve internado em hospital de 27 de Maio de 2006 a 12 de Junho de 2006 e de 20 de Março de 2008 a 22 de Março de 2008;

   33 - Tal situação provocou-lhe angústia, pois viu-se privado da companhia e convívio da sua família e amigos, do conforto da sua casa, e viu cerceada a sua liberdade de movimentos;

 34 - Aquando do acidente, o A. sentiu pânico, além de que sofreu dores que se prolongaram por todo o período da sua incapacidade temporária;

  35 - Também durante esse período viu cerceada a sua liberdade de movimentos, viu-se impedido de andar, sair de casa, conviver com os amigos e de praticar desporto;

  36 - Durante os primeiros meses não pôde andar, conduzir e precisava de ajuda para se vestir, sendo certo que, mesmo depois de passado o período inicial, durante meses só com ajuda de canadianas é que se pôde deslocar, o que lhe provocou angústia e tristeza;

  37 - Desde que teve alta, o A., embora consiga executar o seu trabalho normal, sente dores sempre que tem de se baixar e levantar, o que acontece muitas vezes por dia;

  38 - Em consequência directa e exclusiva do sinistro acima descrito, o A. esteve incapacitado totalmente para trabalhar de 27 de Maio de 2006 a 22 de Março de 2008;

  39 - O A., além de sócio-gerente da empresa denominada “TT, Lda.”, com sede na Vila …, concelho e comarca de …, é também trabalhador da referida empresa, exercendo a actividade de montagem e colocação de divisórias em placas cartonadas denominadas “pladur”;

  40 - Em contrapartida de tal actividade, auferia a remuneração mensal de € 600;

  41 - Em consequência directa do sinistro acima descrito, as peças de roupa que o A. envergava na altura, pelo menos uma camisa, umas calças de ganga e um par de sapatos, ficaram destruídos;

 42 - O A. despendeu em taxas moderadoras, referentes aos diversos tratamentos a que foi sujeito em consequência do despiste, a quantia de € 44,85;

 43 - Despendeu também € 200 em tratamentos de fisioterapia e natação;

 44 - Em consequência do despiste, o motociclo do A. ficou muito danificado, orçando a sua reparação em € 12.172,14;

  45 - O motociclo ainda se encontra por reparar;

  46 - A impossibilidade de utilizar o motociclo tem causado ao A. desgosto e angústia, uma vez que era actividade que realiza com muito gosto;


       - Da contestação da Ré “BB, SA” (ora “CC, SA”)

 47 - Sensivelmente 200 metros antes do local indicado em 10), existia sinalização indicativa da obrigatoriedade de o trânsito que se processava naquele sentido de marcha descrever para a sua direita, atendendo ao basculamento aí existente – sinal ST4;

 48 - A cerca de 100 metros do início do basculamento, existia um sinal de proibição de circular a mais de 60 km/h e sinal de proibição de ultrapassar;

 49 - O local do basculamento estava balizado com “PMP´s” (perfis móveis de plástico) – ET10 – e flat cones (ET6), estes últimos de material reflector;

 50 - No mesmo local existia uma baia direccional e dois sinais de sentido obrigatório, indicando a direcção que o trânsito devia seguir;

 51 - O pavimento encontrava-se pintado com uma linha longitudinal contínua de cor amarela, a descrever a curva existente na zona do basculamento;

 52 - Cerca de 30 a 40 minutos antes do despiste aludido em 14), o oficial de assistência e vigilância da ora Ré “CC, SA” passou pelo local e não verificou qualquer avaria nas lanternas sequenciais ali colocadas;

 53 - Os funcionários da “CC, SA” faziam patrulhamentos às obras do IC24 durante as 24 horas, em regime de turnos;

 54 - O pessoal do empreiteiro da obra também vigiava a sinalização existente, mesmo durante a noite, com passagens sucessivas, e assegurava a respectiva reparação quando disso havia necessidade, caso em que igualmente informava a central de comunicações da “CC, SA”;


            - Da contestação da Ré “FF, SA”

 55 - Sensivelmente ao longo do quilómetro que antecedia o local onde o A. se despistou, estava colocada a seguinte sinalização, em cada um dos lados da faixa de rodagem: sinalização vertical de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); sinal de perigo de “trabalhos na estrada”, sinal de perigo “outros perigos”; sinal de proibição de exceder a velocidade de 80Km/h; sinal de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); a 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade de 60 Km/h;

  56 - Ao longo do desvio basculante existia um conjunto de lanternas sequenciais sobrepostas a balizas de posição (ET5); sinais de obrigação “sentido obrigatório”; sobre os separadores de betão, diversos delineadores reflectores;

  57 - Ao longo da faixa de rodagem partilhada pelos dois sentidos de trânsito, existia a seguinte sinalização: aos 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; a seguir, sinal de indicação de desvio para a faixa de rodagem contrária ST5; depois, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; finalmente, ao longo do desvio (“basculamento”) para a faixa de rodagem inicial, conjunto de lanternas sequenciais sobrepostos a balizas de posição (ET5), sinais de obrigação de sentido obrigatório e, sobre os separadores de betão com a faixa de rodagem contrária, diversos delineadores reflectores;

  58 - Por sua vez, a delimitação das mudanças de direcção era feita com “New Jerseys” plásticos (PMP), sendo que a delimitação de cada um dos sentidos de circulação, em cada uma das mudanças de direcção (no princípio e no final do desvio), era complementada através de uma fileira de cones reflectores colocados sobre a sinalização horizontal marcada a amarelo no pavimento (a contornar as duas vias de trânsito existentes ao longo do desvio);

  59 - Toda essa sinalização era reflectorizada;

  60 - No espaço do basculamento em causa, o IC24 desenhava uma recta com cerca de 500 metros, depois de fazer uma curvatura à esquerda, sempre em sentido descendente (considerando o sentido Alfena/Maia), sem qualquer obstáculo que limitasse a sua visibilidade;

 61 - O ângulo das curvas na zona da transferência do trânsito duma faixa de rodagem para a outra era de pelo menos 135 graus;

  62 - [retirado pela Relação – considerando a respectiva matéria como não provada - do inicial elenco firmado na sentença].

  63 - O despiste do A. deu-se do lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo ficado destruídos três “new jerseys” de plástico ali colocados.


         - Factos Não Provados:


            - Da petição inicial

  a) Que, no momento indicado em 10) e 14), a condução do A. na faixa esquerda se deveu ao facto de, naquele momento, circular à sua direita um veículo pesado de mercadorias;

 b) Que, nesse momento, o A. conduzia dentro da velocidade máxima permitida de 60 km/h;

  c) Que o local do despiste configure o final de uma subida, a ultrapassagem de um cume e imediato início de uma descida, a reduzir drasticamente a porção de estrada que o A. podia avistar;

  d) Que no local do despiste não existia qualquer iluminação ou sinalização luminosa;

  e) Que apenas a 4 ou 5 metros do local do despiste é que a iluminação dos médios do motociclo do A. reflectiu e tornou visível os separadores móveis que delimitavam as vias de circulação de sentido oposto;

 f) Que as lanternas sequenciais existentes no local não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste;

  g) Que o espaçamento entre as lanternas sequenciais fosse de 5 metros;

  h) Que o A. seja proprietário de um estabelecimento comercial de venda de frutas e legumes;

  i) Que tal estabelecimento facture anualmente, em média, € 33.000;

 j) Que o A. tenha despendido € 20 de combustível em deslocações para tratamentos;

 k) Que as peças de roupa e o calçado referidos em 41) tinham o valor de € 215;


         - Da contestação da Ré “FF, SA”

   l) Que o espaçamento entre as lanternas sequenciais fosse de 15 metros;

  m) Que o A. circulava acima de 60 km/h.


   III – DIREITO


  1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do C. P. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

       De tal sorte, e tendo em mente o conjunto de finais proposições com que uma e outra das Recorrentes ultimam as respectivas alegações, temos que as questões que ora se nos apresentam de dilucidar são as seguintes:


   A – Do recurso da Interveniente “EE - Companhia de Seguros, SA.”:

     1 – Saber se a Relação errou ao alterar para provado o teor do facto da al. f) da P. I. [dando assim origem ao acima inscrito Facto 13-A: - “Estas lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste”. ];

    2 – Saber se, havendo que concluir pela verificação de tal erro, existirá culpa exclusiva da Ré, a implicar, com a revogação do acórdão ora em crise, a absolvição da mesma e da aqui Recorrente.

     B – Do recurso da Ré “CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.”:

  1 – Saber se a Relação errou ao alterar para provado o teor do facto da al. f) da P. I. [dando assim origem ao acima inscrito Facto 13-A: - “Estas lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste.”];

  2 - Saber se a Relação errou ao alterar para não provado o teor do Facto n.º 62 constante da sentença [- “Os dispositivos luminosos instalados no local do despiste, mormente as placas reflectoras, eram visíveis a pelo menos 100 metros de distância.”];

  3 – Saber se, mesmo mantendo intocado o julgamento fáctico efectuado pela Relação, o A. deve ser considerado culpado único pelo acidente, [a implicar, com a revogação do acórdão ora em crise, a absolvição da Recorrente e da Interveniente “EE”];

 4 – Saber se, ainda que persistindo inalterado tal julgamento, à Ré nenhuma culpa pelo acidente pode ser imputada, [a implicar, com a revogação do acórdão ora em crise, a absolvição da Recorrente e da Interveniente “EE”].


        Vejamos pois.

           

   I – Como logo se constata, comum a ambos os recursos é a suscitação da questão acima equacionada sob o n.º 1, pelo que, sendo para mais ainda no essencial coincidentes os fundamentos recrutados, por um e outro, para fazer valer a procedência de tal questão, passamos a analisar esta em simultâneo, com referência a tais recursos.

     Assim, e arremetendo contra o acórdão da Relação, por, na reapreciação do julgamento fáctico realizado pelo Tribunal “a quo”, haver alterado para provado o facto da al. f), da alegação do A. – “Estas lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste” –, aduzem ambas as Recorrentes que a dita Relação, ao assim decidir, violou de forma sistemática e grosseira a lei, não podendo, pois, esse coincidente veredicto deixar de ser alterado para aquele – de teor negativo – emitido pela 1.ª Instância.

Com efeito – precisam -, surge evidente que aquela decisão da Relação usou de "dois pesos e duas medidas" no que diz respeito à valoração dos depoimentos produzidos, colocando em patamar nitidamente superior os depoimentos de QQ, e sobretudo de PP (militar da GNR) - este último com o argumento de que "não tem qualquer relação de dependência com qualquer das partes" - relativamente a todos os depoimentos de testemunhas arroladas por Ré e Intervenientes (e particularmente os de OO, MM e JJ).

Demais – prosseguem -, valorizou ainda o relatório de uma outra testemunha, RR, que, “desmemoriada” mais de 9 anos depois do sinistro, nem sequer conseguiu explicar tal relatório, mormente quanto às circunstâncias de tempo em que foi elaborado, e que, por um lado, não diz mais que o óbvio – pois, conquanto apelidando de deficiente a iluminação do local, em boa verdade é certo que, em plena via ou secção corrente de auto-estrada, como naquele local, não existe iluminação -, e, por outro, avança com outro tipo de "explicações" – como seja, a considerada deficiência da sinalização do desvio/basculamento de trânsito -, para as quais não se pode reconhecer a esse perito averiguador a mínima competência técnica.

       Assim – acrescentam para concluir -, assentando numa diferente convicção, privilegiando infundadamente esses testemunhos das pessoas indicadas pelo A. [ a Seguradora EE refere mesmo que o depoimento da testemunha PP foi entendido como fazendo “prova cabal ou plena” ] em detrimento das indicadas por eles, ora Recorrentes, olvidando para mais ainda a existência de prova documental - designadamente as fotografias juntas aos autos, que possibilitam verificar toda a sinalização existente no local, distâncias e visibilidade-, o acórdão recorrido violou os princípios da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, impondo-se, por isso, e necessariamente, a sindicação de tal pronunciamento por este Tribunal Supremo, com a consequente e inevitável desautorização do mesmo.

Que dizer? Prossigamos.

Não deixando de referir que “[a] interacção e delimitação dos conceitos de “matéria de facto” e de “matéria de direito” constitui um dos mais tortuosos dilemas do processo civil”, António Santos Abrantes Geraldes[3] salienta[4] que “[é] corrente a afirmação de que o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, apenas conhece de “matéria de direito”, sendo da competência exclusiva das instâncias a apreciação e fixação da matéria de facto.”

E acrescenta: “Trata-se de uma asserção que, integrando a regra geral, comporta “excepções” que decorrem do n.º 3 do art. 674.º e do n.º 3 do art. 682.º [ambos do CPC ]”.

E ressalvando que “[t]ais excepções não constituem limites absolutos à interferência do Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à delimitação da matéria de facto provada ou não provada”, logo Abrantes Geraldes afirma que “[o]utras situações, a que estão subjacentes verdadeiros erros de aplicação do direito, podem justificar a “intromissão” do Supremo na delimitação da realidade que será objecto de qualificação jurídica”, dando em seguida exemplos desta aventada possibilidade, como seja, a não consideração pela Relação da existência de acordo da partes quanto a um determinado facto, ou ter sido este objecto de declaração confessória com força probatória plena, ou, ainda, emergir ele de documento junto aos autos com força probatória plena, incluindo a eventual confissão nele manifestada.

Toda esta autorizada doutrina, diga-se, vem sendo uniformemente reiterada pelo S.T.J., como à saciedade resulta, desde logo, das múltiplas referências constantes das anotações de Abílio Neto[5] aos artigos 674.º e 682.º, ambos do CPC.

De entre essa profusão de recenseados arestos, quadra-se-nos aqui de mencionar o Ac. de 14.04.2014[6], em cujo sumário se explana que não sendo o S.T.J. “terceira instância, mas sim um tribunal de revista”, no domínio da matéria de facto os seus poderes “restringem-se à insuficiência de factos que sustentem a solução jurídica alcançada, à errada utilização de determinados meios de prova ou ainda à infracção dos limites traçados pelo art. 662.º do CPC para a reapreciação da prova, o que se justifica – mais se elucida - pela necessidade de certeza e de segurança jurídica na aplicação do direito e para evitar que as decisões judiciais sejam indefinidamente sindicáveis.” E ainda se salienta no douto aresto – com o maior relevo para a questão a que nos atemos -, que “[r]eeconduzindo-se as divergências entre as instâncias, na apreciação da matéria de facto, à valoração de documentos particulares e de testemunhos (assentando, portanto, o seu juízo na livre apreciação da prova), é vedado ao STJ sindicar a percepção e compreensão desses meios de prova.”

De mencionar é ainda o Ac.de 14.07.2016[7], na síntese conclusiva do qual é, entre o mais, dado ler o que segue:

- “I. De acordo com as regras processuais vigentes os poderes do Supremo Tribunal de Justiça, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos, limitando-se, neste domínio, ao controlo que emerge dos arts. 674º, nº 3 e 682º, nº 3, ambos do NCPC, designadamente, quando entenda que as instâncias omitiram pronúncia sobre matéria de facto pertinente para a integração jurídica do caso ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito.

II. Os poderes do Supremo nesta matéria abarcam, ainda, o controlo da aplicação da lei adjectiva em qualquer das tarefas destinadas à enunciação da matéria de facto provada e não provada – art. 674º, nº 1, al. b) – com a limitação que emerge do disposto no art. 662º, nº 4, que exclui a sindicabilidade do juízo de apreciação da prova efectuado pelo Tribunal da Relação e a aferição da formação da convicção desse Tribunal a partir de meios de prova sujeitos ao princípio da livre apreciação.

III. A prova pericial está sujeita à livre apreciação pelas instâncias, sendo fixada livremente pelo Tribunal conforme prescreve “expressis verbis” o art. 389º do CC.

(…).”.

De posse de todos estes doutos considerandos, e retomando a controvérsia em apreço, temos que, ao fim e ao resto, o que ambas as Recorrentes nesse contexto põem em causa é a apreciação levada a efeito pela Relação - em ordem à operada alteração do alegado facto da al. f) - dos elementos de prova constituídos pelos depoimentos das diversas testemunhas ouvidas em julgamento, bem como dos vários documentos, mormente fotografias visando o local do sinistro, constantes dos autos.

Ora, no que tange a esses documentos, além de não se apresentarem, considerando a matéria em causa – relembre-se: acharem-se ou não as lanternas sequenciais existentes no local do acidente em funcionamento -, revestidos de força probatória plena, mas apenas sujeitos – como aconteceu -, à sua livre apreciação, o certo é que, filiados nos mesmos, jamais seria possível, ainda assim, qualquer segura, ou sequer razoável, ilação a respeito da correspondência, ou não, com a realidade desse facto, mesmo que conjugado/confortado o teor desses documentos com os depoimentos das testemunhas arroladas pelas aqui Recorrentes.

Quer dizer: os elementos em função dos quais a Relação formou a sua convicção em diametral divergência relativamente à 1.ª Instância, no que tange ao conteúdo desse alegado facto da al. b), mormente o depoimento da testemunha/participante PP e declarações do perito RR - a que acresce ainda o testemunho de UU - em nada se evidenciam descredibilizados por elementos com absoluta força probatória, apenas - e tão só em certa medida - sendo de considerar em divergência com os depoimentos das testemunhas convocadas pelas aqui Recorrentes.

Ora, a posição tomada pela Relação no tocante a essa divergência, a opção, no fundamental, pelas declarações dessas três pessoas, apresenta-se, já se vê, como um juízo filiado, unicamente, no princípio da livre apreciação da prova – art. 396.º do CC - e, portanto, conforme a doutrina e jurisprudência antes referenciada, arredado da possibilidade de sindicação por parte deste Supremo, com competência prioritariamente reservada – como já redito – à apreciação de questões de direito[8].

O eventual erro cometido pela Relação, ao apreciar esses elementos probatórios - como sustenta Francisco M. Lucas Ferreira de Almeida[9] -, poderá pois configurar – a exemplo, em recta visão, da posição das Recorrentes -, erro de julgamento, mas não violação desse princípio da livre apreciação dos meios de prova.

Ora – insista-se - “[n]a apreciação da impugnação da matéria de facto, quando a Relação, como ocorreu no caso, se tenha orientado, a coberto de disposição legal, pelo princípio da livre apreciação da prova, não está prevista a possibilidade de sindicar em recurso de revista o resultado da sua convicção (art. 662.º, n,º 4, do NCPC) (2013)”.

De todo o exposto, decorre, pois, a completa impossibilidade de conhecer do julgamento ora em crise, pelo que, mantendo-o inalterado, assim também se mantém o pronunciamento emitido quanto ao facto da al. b), que o mesmo é dizer, o Facto 13-A, acima elencado.

A douta objecção recursória ora examinada soçobra, e com isso, também o recurso de revista interposto pela “Interveniente EE – Companhia de Seguros, S.A.”, já que, como visto, esta fez assentar a vitória desse recurso, unicamente, na procedência de tal objecção.


   II – Vendo-nos assim remetidos a prosseguir apenas incidindo a nossa atenção sobre o recurso de revista interposto pela Ré “CC”, das demais questões nessa sede suscitadas, impõe-se analisar aquela em segundo lugar supra listada, ou seja, saber se a Relação errou ao alterar para não provado o teor do Facto n.º 62 constante da sentença, teor com a redacção seguinte: “Os dispositivos luminosos instalados no local do despiste, mormente as placas reflectoras, eram visíveis a pelo menos 100 metros de distância”.

     Na sua discordância, a aqui Recorrente invoca, de essencialidade, o constante das acima transcritas conclusões XII e XIV, e que, por comodidade e cabal adequação de exposição, ora rememoramos:

   - “Com efeito, apesar do declarado em audiência pela testemunha SS que foi exactamente nesse sentido do n° 62 dos factos provados e apesar também das várias fotografias juntas autos (algumas delas colhidas, segundo declarado, por aquela testemunha) que retratam nomeadamente o local à noite e bem assim a distância desse local a que essas fotografias foram colhidas e que permitem, nessa perspectiva, mesmo sem a eventual existência de lanternas sequenciais, avistar com suficiente antecedência o "contorno" do desvio/basculamento de trânsito, graças designadamente ao abundante material reflectorizado ali existente (assim circulasse o A. atento e à velocidade máxima de 60 Km/h como lhe impunha a sinalização), nem assim o ac. da RP credibilizou este depoimento nessa parte e/ou (tudo o indica, pelo menos) viu "com olhos de ver" as ditas fotografias, tendo antes optado por valorizar um relatório de um perito averiguador que, como dito, não tem valor rigorosamente nenhum;

  - De modo que é nitidamente incorrecta a decisão da 2a instância de alterar aqueles dois pontos da matéria de facto (que até podia, se isso se justificasse - o que não nos parece seja o caso -, ter lançado mão do disposto no artigo 662° n° 2 alínea a) do C. P. C), assim se violando os princípios da imediação e da oralidade de que beneficiou claramente o juiz da Ia instância e assim se violando também normas de direito probatório material, dado que a prova dos autos não impunha de forma alguma uma decisão diversa daquela tomada a este respeito pela Ia instância”

   Revisitando, por sua vez, o acórdão recorrido, nele é possível ler, travejando o seu pronunciamento ora em causa, o que segue[10]:

   - “No que concerne à factualidade constante do n.º 62 dos factos provados entende-se que a prova produzida é insuficiente para com a necessária segurança considerar a mesma como provada. Com efeito, as fotografias juntas aos autos de fls. 1129 a 1136 e o depoimento da testemunha SS, que a instâncias do ilustre mandatário da Ré, e quando questionada a que distância é que tirou as fotografias da curva começou por responder "não", e quando lhe foi perguntado se foi a 50 metros, 100 metros ou 200 metros que tirou as fotografias referiu 100 metros mais ou menos a primeira, não constitui prova suficiente para se dar como provada a factualidade constante do n.º 62 dos Factos Provados, sendo certo que a folhas 64 e 65 existe um relatório de averiguação efectuado em 12 de Setembro de 2006, que refere que face à iluminação existente, a curva torna difícil a visualização do traçado do desvio durante a noite e, que conclui que a iluminação do local e a sinalização são deficientes.

   E não obstante, o subscritor do referido relatório, perito averiguador, RR - ter declarado na audiência de julgamento nada se lembrar do acidente em causa, tal é compreensível, porquanto a audiência de julgamento realizou-se mais de nove anos depois da elaboração do relatório e da ocorrência do acidente.”

  E isto posto, rematou-se: “Assim a factualidade constante do art.º 62 deverá transitar para o elenco dos “Factos Não Provados”.

  Pois bem; cotejando estas dissonantes posições, uma vez mais logo se antolha que, subjacente a tal dissentimento, se acha a ilação a extrair de elementos que, diversamente do defendido pela Recorrente, nada têm de impositivo quanto ao seu valor probatório, antes este se achando submetido à livre – posto que prudente - apreciação do julgador.

    De tal sorte, e como se explanou, fundamentando, em sede do anterior “item” I, este Supremo, como tribunal de revista que organicamente é, acha-se impedido de controlar/sindicar esse julgamento por que a Relação, no legítimo uso da competência a ela atribuída, se determinou. Há assim que, guardando-nos de qualquer pronunciamento a respeito de tal julgamento, mantê-lo, também ele, intocado.

      A objecção ora apreciada queda-se, outrossim, improcedente.


   III – Sustenta também a ora Recorrente que mesmo sendo de entender, como vimos ter ocorrido, não haver lugar a qualquer alteração ao contingente fáctico definido pela Relação, ainda assim deve o A. ser considerado único culpado pelo acidente que o vitimou.

   Com efeito, aduz a Recorrente, é de ter por certo – pese essa ainda que possível não comprovação de que as lanternas sequenciais estavam a funcionar no momento do acidente e que o A., afinal, não dispunha de uma visibilidade de cerca de 100 metros para o local do desvio/basculamento e para o "contorno" que ali tinha de descrever ‑, que, no mínimo, as luzes de cruzamento (médios) devem permitir iluminar para a frente numa distância de 30 metros – art. 60.°, n.° 1, al. b), do Cód. da Estrada.

   Demais, decorre, pelo menos, dos Factos provados n.°s. 47 a 51 e 55 a 60, que era abundante e variadíssima a sinalização existente com que obrigatoriamente o A. se deparou no seu percurso anterior ao local do sinistro.

    Desse modo – mais aduz - seguisse o A. atento e no máximo a uma velocidade de 60 Km/h (que ainda que não resulte dos factos provados é inverosímil que tenha acontecido) e também na via da direita (dado que não há prova que esta estivesse obstruída e/ou o A. estivesse a executar uma manobra de ultrapassagem), é absolutamente incontroverso que tinha o tempo e o "conhecimento" mais que suficientes para, se necessário fosse, imobilizar inclusivamente o motociclo, antes, naturalmente, de ocorrer algum acidente naquele local.

    Nessa medida, e apesar de não ter sido possível apurar a velocidade a que transitava o motociclo, o que é indiscutível – remata a Recorrente - é que o A. não logrou fazer com que o mesmo parasse no espaço livre, visível e disponível que havia à sua frente.

        Contrapostamente a este entendimento, a Relação determinou-se por um outro e diverso, assente na linha argumentativa que se passa a reproduzir:

  - “Ora não obstante a matéria de facto provada (cfr. pontos 47 a 51) o certo é que se provou que as lanternas sequenciais não estavam em funcionamento no momento em que se deu o despiste.

     Ora, tendo o acidente ocorrido cerca das 0:10 horas e não estando provado que existia qualquer iluminação no local e de que toda a sinalização referida, apenas as lanternas sequenciais são luminosas, e, não estavam em funcionamento no momento do despiste seria difícil a percepção atempada de qual o sítio exacto para se contornarem os perfis móveis de plástico e os separadores de betão ali existentes.

   E assim entende-se que o acidente se ficou a dever à existência no local dos referidos perfis e separadores móveis e à negligência da Ré na vigilância dos dispositivos de iluminação que permitisse que os utentes da auto-estrada pudessem durante a noite ter a percepção atempada daqueles perfis e separadores.

    Assim entende-se que estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnização previstos no art. 483º,do C. Civil.

    Por outro lado, o art. 12, nº 1, da Lei n.º 24/ 2007, de 18 de Julho, impõe à concessionária, em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, desde que a respectiva causa diga respeito a objectos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais, líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais.

    Tem sido jurisprudência dominante, que esta norma tem natureza interpretativa, aplicando-se aos acidentes ocorridos antes da sua entrada em vigor (cf. a título de exemplo, Ac. desta Relação de 19 de Janeiro de 2009, no processo n.º 0857252).

    Para desencadear o funcionamento da presunção prevista no citado artigo é requisito obrigatório que na origem do acidente, tenha estado uma das três situações previstas nas alíneas a) e c) o que sucede porquanto o acidente se concretizou no despiste contra os perfis móveis de plástico e os separadores de betão existentes no local.

   Desta forma, entende-se que os factos provados não poderiam conduzir à responsabilização do autor/lesado com base numa presunção quando, além do mais, os mesmos não são susceptíveis de imputar ao Autor/Recorrente a prática de qualquer contra-ordenação estradal.

        Face ao regime legal aplicável incumbia à concessionária da auto-estrada fazer prova das adequadas condições da infra-estrutura em questão, ou da adequação de actos seus tendentes a prevenir acidentes na via à sua guarda, não cabia ao autor fazer prova do contrário - e não se pode concluir que o tenha feito.

     Demonstrado que o acidente ocorreu numa auto-estrada concessionada e que se concretizou no despiste contra os perfis móveis de betão ali existentes, não logrando a concessionária e as demais intervenientes elidir a presunção de culpa e funcionando contra a concessionária a dúvida sobre a causa da ocorrência responde pelos danos causados ao autor e ao seu veículo.

   Assim, também por esta via, assiste ao autor/apelante o direito de ser indemnizado pelos prejuízos sofridos recaindo sobre a Ré /concessionária e respectiva seguradora a obrigação de suportar essa indemnização.”

    Plasmados que ficam estes doutos e antitéticos entendimentos, diremos que, sem quebra do muito respeito, se nos afigura não ser de subscrever o – acabado de reproduzir ‑ eleito pela Relação.

      Se não, vejamos.

      Com relevo para a questão em apreço, o acervo fáctico provado evidencia que:

     - No dia 27 de Maio de 2006, cerca das 0:10 horas, o A. AA conduzia o motociclo de matrícula ...-...-PD, marca Yamaha, a si pertencente, pelo IC24, no lanço de auto-estrada no sentido Alfena – Nó da Ermida, ao km 10,850; - Facto n.º 10.

    - A via encontrava-se em obras de alargamento, no âmbito da concessão indicada em 4); - n.º 11.

   - A separação provisória das vias de rodagem de sentido contrário era feita através da colocação de perfis móveis de plástico e de separadores móveis de betão; - n.º 12.

   - No local existiam lanternas sequenciais; - n.º 13.

  - Estas lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento em que se deu o despiste; - n.º 13-A.

   - Ao chegar ao ponto indicado em 10), onde a via descreve uma curva à direita seguida imediatamente de curva à esquerda, o A. não conseguiu efectuar a curva e seguiu em frente, despistando-se contra os perfis móveis de plástico e os separadores móveis de betão ali existentes; - n.º 14.

  - Sensivelmente 200 metros antes do local indicado em 10), existia sinalização indicativa da obrigatoriedade de o trânsito que se processava naquele sentido de marcha descrever para a sua direita, atendendo ao basculamento aí existente – sinal ST4; - n.º 47.

   - A cerca de 100 metros do início do basculamento, existia um sinal de proibição de circular a mais de 60 km/h e sinal de proibição de ultrapassar; -n.º 48.

   - O local do basculamento estava balizado com “PMP´s” (perfis móveis de plástico) – ET10 – e flat cones (ET6), estes últimos de material reflector; - n.º 49.

  - No mesmo local existia uma baia direccional e dois sinais de sentido obrigatório, indicando a direcção que o trânsito devia seguir; - n.º 50.

   - O pavimento encontrava-se pintado com uma linha longitudinal contínua de cor amarela, a descrever a curva existente na zona do basculamento; - n.º 51.

   - Sensivelmente ao longo do quilómetro que antecedia o local onde o A. se despistou, estava colocada a seguinte sinalização, em cada um dos lados da faixa de rodagem: sinalização vertical de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); sinal de perigo de “trabalhos na estrada”, sinal de perigo “outros perigos”; sinal de proibição de exceder a velocidade de 80Km/h; sinal de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); a 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade de 60 Km/h; - n.º 55.

  - Ao longo do desvio basculante existia um conjunto de lanternas sequenciais sobrepostas a balizas de posição (ET5); sinais de obrigação “sentido obrigatório”; sobre os separadores de betão, diversos delineadores reflectores; - n.º 56.

   - Ao longo da faixa de rodagem partilhada pelos dois sentidos de trânsito, existia a seguinte sinalização: aos 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; a seguir, sinal de indicação de desvio para a faixa de rodagem contrária ST5; depois, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; finalmente, ao longo do desvio (“basculamento”) para a faixa de rodagem inicial, conjunto de lanternas sequenciais sobrepostos a balizas de posição (ET5), sinais de obrigação de sentido obrigatório e, sobre os separadores de betão com a faixa de rodagem contrária, diversos delineadores reflectores; - n.º 57.

   - Por sua vez, a delimitação das mudanças de direcção era feita com “New Jerseys” plásticos (PMP), sendo que a delimitação de cada um dos sentidos de circulação, em cada uma das mudanças de direcção (no princípio e no final do desvio), era complementada através de uma fileira de cones reflectores colocados sobre a sinalização horizontal marcada a amarelo no pavimento (a contornar as duas vias de trânsito existentes ao longo do desvio); - n.º 58.

 - Toda essa sinalização era reflectorizada; - n.º 59.

   - No espaço do basculamento em causa, o IC24 desenhava uma recta com cerca de 500 metros, depois de fazer uma curvatura à esquerda, sempre em sentido descendente (considerando o sentido Alfena/Maia), sem qualquer obstáculo que limitasse a sua visibilidade; - n.º 60.

    - O ângulo das curvas na zona da transferência do trânsito duma faixa de rodagem para a outra era de pelo menos 135 graus; - n.º 61.

   - O despiste do A. deu-se do lado esquerdo da faixa de rodagem, tendo ficado destruídos três “new jerseys” de plástico ali colocados. - n.º 63.

     Ora, perante este quadro factual, e devidamente o ponderando, não vemos como excluir ter sido o A. o único culpado pelo evento em que se sinistrou.

     Na verdade, atentando na quantidade, natureza e características da sinalização – de que avulta a circunstância de toda ela ser reflectorizada -, bem assim, dos objectos que delimitavam a faixa de rodagem da via e definiam o espaço pavimentado livre por onde efectuar o trânsito – também eles reflectorizados -, forçosamente nos vemos reconduzidos a esse conclusivo, surgindo-nos totalmente injustificado o facto de o A., perante tal contexto, haver, pura e simplesmente, se despistado contra os perfis móveis de plástico e os separadores móveis de betão no local existentes.

    Sem embargo, certo é que as lanternas sequenciais não se encontravam em funcionamento no momento de tal despiste, inverificando-se assim as cautelares condições determinadas no n.º 2, do art. 77.º, e no n.º 1, do art. 93.º, ambos do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro.

       Mas menos certo não é que, sensivelmente a 200 metros antes do local do sinistro, existia sinalização indicativa da obrigatoriedade de o trânsito que se processava naquele sentido de marcha descrever para a sua direita, atendendo ao basculamento aí existente – sinal ST4 [Facto n.º 47];

      Também sensivelmente ao longo do quilómetro que antecedia o local onde o A. se despistou, estava colocada a seguinte sinalização, em cada um dos lados da faixa de rodagem: sinalização vertical de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); sinal de perigo de “trabalhos na estrada”, sinal de perigo “outros perigos”; sinal de proibição de exceder a velocidade de 80Km/h; sinal de indicação de desvio de trânsito para a faixa de rodagem contrária (ST5); a 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade de 60 Km/h [Facto n.º 55];

    Outrossim, ao longo da faixa de rodagem partilhada pelos dois sentidos de trânsito, existia a seguinte sinalização: aos 100 metros, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; a seguir, sinal de indicação de desvio para a faixa de rodagem contrária ST5; depois, sinal de proibição de ultrapassar, sobreposto a sinal de proibição de exceder a velocidade máxima de 60 Km/h; finalmente, ao longo do desvio (“basculamento”) para a faixa de rodagem inicial, conjunto de lanternas sequenciais sobrepostos a balizas de posição (ET5), sinais de obrigação de sentido obrigatório e, sobre os separadores de betão com a faixa de rodagem contrária, diversos delineadores reflectores;[Facto n.º 57].

     Ora, frente a este cenário, dúvidas não subsistem que ao A. se impunha a assunção de uma condução pautada pelos maiores cuidados e atenção, designadamente reduzindo progressivamente a velocidade imprimida ao motociclo, a ponto de, ao chegar à distância de 100 metros do início do basculamento, tal velocidade ser, a partir desse ponto, no máximo, equivalente a 60 Km/hora.

     A verificar-se – quando menos -, este circunstancialismo, ao A. far-se-ia mister, para efectuar a completa imobilização do seu veículo – conforme a Tabela de Distâncias de Paragem, constante do Código da Estrada – Anotado de Manuel de Oliveira Matos[11] - uma extensão calculada em 30 metros.

      Ora, o art. 60.º do Código da Estrada prescreve que os dispositivos de iluminação a utilizar pelos condutores, entre outros, são: luz de estrada (máximos), destinada a iluminar a via para a frente do veículo numa distância não inferior a 100 m [al. a]; luz de cruzamento (médios), destinada a iluminar a via para a frente do veículo numa distância até 30 m [al. b)].

  Considerando estes elementos, infere-se que perante um obstáculo “normal” – leia-se, sem quaisquer atributos destinados a potenciar a sua visibilidade -, a um condutor, circulando de noite, à velocidade de 60 Km/h, e com as luzes em médios, ao mesmo quadra-se possível efectuar a completa paragem do seu veículo sem contra tal obstáculo embater, ainda que ele apenas entre no seu horizonte visual por força e a partir da incidência de tal iluminação, ou seja, a 30 metros de distância.

    Daí que, estando tal objecto provido de material reflector, certamente – impõe-no os dados da experiência - que a distância superior a esse alcance dos faróis médios do seu veículo, a tal condutor seria dado avistar o aludido obstáculo, concretizando paragem, se necessário, a algum espaço antes de o atingir.

      Assim sendo, como se nos afigura, e volvendo ao caso ajuizado, cremos que o despiste do A., como avançámos, radicou apenas e só na não adopção pelo mesmo das especiais cautelas que a situação, conforme a muita sinalização existente “in loco” e na aproximação lhe impunha, não podendo ainda esquecer-se – mais se diga - que o tipo de veículo timonado pelo A., pelas suas características e dimensão, indubitavelmente lhe possibilitava, em tempo e modo, reacções bem diversas, em ordem a obviar à colisão com os objectos existentes na via, que outro veículo com estrutura bem diferente – o caso de automóvel.

      Tanto mais – diga-se ainda - que o ângulo das curvas na zona da transferência do trânsito duma faixa de rodagem para a outra era de pelo menos 135 graus [Facto n.º 61] e que no espaço do basculamento em causa o IC24 desenhava uma recta com cerca de 500 metros, depois de fazer uma curvatura à esquerda, sempre em sentido descendente (considerando o sentido Alfena/Maia), sem qualquer obstáculo que limitasse a sua visibilidade [Facto n.º 60].


     E ao ora expendido não se obtempere – em linha com o que vimos explanado no acórdão recorrido -, que tendo o acidente ocorrido cerca das 0:10 horas, e não estando provado que existia qualquer iluminação no local e que de toda a sinalização referida, apenas as lanternas sequenciais são luminosas, as quais não estavam em funcionamento no momento do despiste, seria difícil a percepção atempada de qual o sítio exacto para se contornarem os perfis móveis de plástico e os separadores de betão ali existentes.

        Com efeito, posto que apenas as lanternas sequenciais fossem os únicos objectos luminosos existentes no local, verdade é que – “ut” Facto n.º 58 -, cada uma das mudanças de direcção (no princípio e no final do desvio), era complementada através de uma fileira de cones reflectores colocados sobre a sinalização horizontal marcada a amarelo no pavimento (a contornar as duas vias de trânsito existentes ao longo do desvio), e, ainda, que sobre os separadores de betão se achavam diversos delineadores reflectores [Facto n.º 57 (parte final)].

    De acordo com tudo o exposto, segue-se que, malgrado a alteração da matéria de facto levada a efeito pela Relação, o decidido na sentença apelada surge-nos, não obstante, de sobraçar, designadamente quando nela se considera[12] que “(…) ainda que se não tenha apurado ao certo a que velocidade é que o A. circulava (cfr. als. b)e m) dos factos julgados não provados), e na falta de mais detalhes sobre o decurso dos acontecimentos, pode concluir-se que o A. seguia a velocidade “excessiva”, posto que não lhe permitiu imobilizar o motociclo no espaço livre e visível à sua frente.”

    E ainda e por fim: “De tudo quanto antecede, entendemos que o despiste “sub judice” ocorreu por culpa (presumida) do demandante, sem interceder um nexo de responsabilidade da concessionária, mormente por deficiente sinalização do troço da auto-estrada onde ocorreu o evento danoso.”

           

    IV – Nesta conformidade, o estatuído na referida decisão da 1.ª Instância quadra-se-nos inteiramente de manter, o que, implicando mostrar-se prejudicada a apreciação dessa 4.ª e última questão levantada no recurso que vem sendo considerado, mais implica a insubsistência do acórdão da Relação por ele em crise.

        Tudo visto, resta, pois, findar com a seguinte


     IV – DECISÃO

      Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se :

    a) – Negar provimento ao recurso de revista interposto pela Interveniente “EE – Companhia de Seguros, S.A.”;

   b) – Conceder provimento ao recurso de revista interposto pela Ré “CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.” e, consequentemente, revogando o acórdão recorrido, manter o decidido na sentença apelada.

         Custas do recurso de revista interposto pela Interveniente “EE – Companhia de Seguros, S.A.” por esta.

        Custas do recurso de revista interposto pela Ré “CC - Auto Estradas do Grande Porto, S.A.” pelo A./Recorrido.

                                                                            *

                                                                           

Lisboa, 22 de Março de 2018


Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

Salazar Casanova

_______

[1] Rel.: Helder Almeida

   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e

              Exm.º Conselheiro Salazar Casanova.

 [2] Surge de adscrever ao teor dos factos provados, porquanto – como ao diante melhor se verá‑, o julgamento negativo a respeito da matéria deste facto por parte da 1.ª Instância, foi alterado para provado pela Relação.

  [3] Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., Almedina, p. 362.

 [4] Ibidem, pp. 361-362.

 [5] Cfr. Novo Código Processo Civil- Anotado, 4.ª ed. Revista e ampliada, Março 2017, Ediforum.

 [6] Proferido no Proc. n.º 1899/12, e acessível in Sumários, 2015, p. 196.

[7] Proferido no Proc. n.º 605/14.4TTLRA.C1.S1, e acessível in dgsi.pt.

 [8] Consoante refere Fernando Amâncio Ferreira ‑in Manual dos Recursos em Processo Civil , 9.ª ed., Almedina, p. 286‑, “(…) em regra, o Supremo não se pronuncia sobre a “verdade” dos factos em que se baseia a invocada infracção à lei. Compete-lhe antes apurar se foi exacta a aplicação da lei, no pressuposto de que os factos aos quais a aplicou o tribunal “a quo” são verdadeiros tal como ele os considerou provados.”

[9] Cfr. Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 525.

[10] Cfr. fls. 1382 dos autos; p. 27 do enfocado acórdão.

[11] Editora Almedina, 6.ª ed., p. 72.

[12] Cfr. fls. 1238 dos autos [vol. 6.º ], p. 33 da sentença.