Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUE ARAÚJO | ||
Descritores: | NULIDADE DE ACÓRDÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA COMPRA E VENDA FALSIDADE REGISTO PREDIAL CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO TERCEIRO BOA FÉ | ||
Data do Acordão: | 11/27/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES / HIPOTECA / EXTINÇÃO DA HIPOTECA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTEÇA. | ||
Doutrina: | - Mónica Jardim, Escritos de Direito Notarial e Direito Registal, 2015, in https://books.google.pt; - Mónica Jardim, Margarida Costa Andrade e Afonso Patrão, 85 Perguntas sobre a Hipoteca Imobiliária, p. 46; - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, p. 753. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL (CRGP): - ARTIGOS 16.º, ALÍNEA A) E 17.º, N.º 2. CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 732.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º 2 E 615.º, N.º 1, ALÍNEA D). | ||
Sumário : | I - A falsidade do título que originou o averbamento da extinção dos ónus ou encargos e permitiu a outorga da venda do imóvel, livre de ónus ou encargos, determina a nulidade daquele registo (averbamento), de acordo com o que dispõe o art. 16.º, al. a), do CRgP. II - O art. 732.º do CC deve ser considerado como afloração do princípio geral de tutela de terceiros perante o cancelamento “indevido” do registo de uma hipoteca. III - Por consequência, não pode o terceiro adquirente, na vigência do registo de cancelamento da hipoteca, ser penalizado com as consequências de um facto jurídico substancialmente inválido e registralmente nulo (essas consequências terão de limitar-se às relações entre as partes envolvidas), efeitos esses que lhe são inoponíveis. | ||
Decisão Texto Integral: |
PROC. N.º 277/14.4TBABT.E1.S1 REL. 52[1]
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ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
AA, solteira, residente na rua …, n.º …, …, …, intentou acção declarativa comum contra BB, viúva, moradora na rua …, n.º …, …, CC, divorciado, residente na ..., lote …., …, …, DD, solteiro, morador na rua ..., n.º …, …, e o Estado Português, pedindo que:
O Réu CC contestou, impugnando os factos alegados pela Autora e negando que tenha falsificado qualquer documento que tenha servido de base ao cancelamento da hipoteca. Pediu a improcedência da ação e a sua absolvição do pedido.
O Réu DD também contestou e, no essencial, invocou a sua qualidade de terceiro de boa-fé, referindo ter adquirido a fracção em causa livre de ónus ou encargos, tal como estava inscrito no registo predial, pagando o respetivo preço.
O Réu Estado Português, por seu lado, contestou arguindo a incompetência absoluta (material) do Tribunal para conhecer da presente acção. Aduz, no entanto, que a acção deve proceder, caso se prove que o registo do cancelamento da hipoteca foi efectuado com base num título falso.
Realizou-se o julgamento e foi proferida a sentença em que se decidiu: a) Declarar nulo o registo de cancelamento da hipoteca efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; b) Condenar os réus BB, CC, Estado Português e DD a reconhecer a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca efetuado pela Ap. 1052, de 20120604; c) Ordenar à Conservatória do Registo Predial de Constância a reposição em vigor do registo da hipoteca efetuado pela Ap. 13352, de 30.09.2010; d) Ordenar o cancelamento do registo efetuado pela Ap. 1478, de 2012/06/15 a favor do réu DD.
Inconformado com o decidido, recorreu o demandado DD, tendo o acórdão da Relação de Évora revogado a decisão da 1ª instância na parte em que decretou “o cancelamento do registo efetuado pela Ap.1478, de 2012/06/15 a favor do Réu DD”, mantendo quanto o mais o ali decidido. O referido acórdão conta com um voto de vencido, com o seguinte teor: “Votei vencido, na parte em que mantém a sentença, porquanto, não obstante a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca, não determinaria o cancelamento desse registo, por força do disposto no n.º 2 do art. 17º do Cod. Reg. Predial”.
Novamente inconformado, volta a recorrer o Réu DD. Conclui as alegações da revista do seguinte modo: “Tendo sido ordenado, com base em título falso, o cancelamento do registo de hipoteca e adquirida fracção autónoma livre de ónus e encargos (com desconhecimento da desconformidade entre a realidade substantiva e a realidade registal) a nulidade do registo não é oponível aos adquirentes que deverão ser considerados terceiros de boa-fé para os efeitos previstos no art. 17º, nº 2 do CRP.”
A Autora AA interpôs recurso de revista subordinado, rematando as alegações do seguinte modo:
Sendo o objecto de cada um dos recursos delimitado pelas respectivas conclusões, as questões a conhecer são: No recurso principal: - Foi omitido o conhecimento de questão suscitada pelo recorrente? - Por força das disposições dos artigos 17º, n.º 2, do CRP e 732º do CC, não deve ser averbado o cancelamento do registo de cancelamento da hipoteca? No recurso subordinado: - Deve ser repristinada a decisão da 1ª instância na parte em que ordenou o cancelamento do registo efectuado pela AP 1478 de 2012/06/15 a favor de DD?
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O DIREITO
Do Recurso Principal
a) Nas primeiras cinco conclusões da revista, o recorrente DD aponta ao acórdão recorrido o vício de omissão de pronúncia, ainda que o faça de forma pouco usual, uma vez que faz referência ao artigo 608º, n.º 2, em vez de aludir à nulidade prevista na alínea d), primeira parte, do n.º 1 do artigo 615º do CPC. Afirma em sustentação dessa suposta nulidade que, sendo-lhe reconhecida a qualidade de terceiro de boa-fé, cabia à Relação de Évora resolver a questão da impugnação dos efeitos da declaração de nulidade do registo de cancelamento da hipoteca, mas tal não sucedeu, pois o que aí se decidiu foi que tal só seria possível noutro tempo e noutra acção. Cremos que não tem razão. Com efeito, o acórdão recorrido pronunciou-se sobre a matéria embora, como veremos, não o tenha feito da melhor forma. Veja-se o que nele se escreveu: “O recorrente DD não põe em causa a nulidade do registo efetuado pela Ap. 1052, de 4 de junho de 2012, com fundamento no artigo 16º., a) e b) do Código do Registo Predial. Impugna, sim, o seu cancelamento - manifestamente, implícito no dispositivo da sentença -, por este não lhe ser oponível, uma vez que é terceiro de boa- -fé. Sendo um registo nulo, importa fazer cessar os seus efeitos, disso se dando conta, no Registo Predial, sob pena de, assim não acontecendo, se frustrar a sua função publicitária. Acontece que o meio próprio de o fazer coincide com o averbamento de cancelamento. Este é, pois, uma consequência da nulidade do registo. Tendo como referência o caso dos autos, é, assim, inelutável o cancelamento do registo decorrente da Ap. 1052, de 4 de junho de 2012. Equivale isto a dizer que a proteção de terceiro de boa-fé, consagrada no artigo 17º., nº 2 do Código do Registro Predial, deverá ter como referência a inoponibilidade da declaração judicial de nulidade e não do averbamento de cancelamento. Como tal, nada obsta que, eventualmente, noutra data e processo, venha o Réu DD invocar a dita proteção”. Como se vê, o acórdão recorrido não deixou sem pronúncia a questão colocada pelo recorrente; o que sucedeu foi, muito simplesmente, que, através de uma justificação pouco clara, a não considerou juridicamente actuante. Teremos oportunidade, mais à frente, de desenvolver o nosso entendimento sobre aquilo que consideramos ter sido um erro de julgamento. Não se verificando, portanto, a mencionada nulidade, improcede, nesta parte, a revista.
b) Ao entrarmos na análise do tema principal do recurso, afigura-se útil recordarmos os factos mais relevantes.
A Autora AA vendeu à Ré BB, por escritura pública denominada de ‘Compra e Venda, Hipoteca e Fiança” realizada em 05.11.2009, uma fracção predial, tendo sido estipulado que, para garantia do bom e pontual pagamento do preço acordado, a Ré BB constituía a favor da Autora AA hipoteca voluntária sobre a mesma fracção. A hipoteca foi registada em 30.09.2010, tendo a Ré BB, também nesta data, registado a seu favor a aquisição da dita fracção – v. 1., 3., 5. e 22. O Réu CC declarou, na referida escritura, que se responsabilizava, como fiador e principal pagador, por tudo o que viesse a ser devido à Autora, em consequência da mencionada hipoteca – v. 4. Com base em declaração falsa, emitida pelos Réus BB e CC, foi a hipoteca cancelada através do averbamento AP 1052, de 04.06.2012 – v. 9., 10. e 13. Em 15 de Junho de 2012, a Ré BB vendeu ao Réu DD a fracção acima aludida, livre de ónus ou encargos – v. 22. O DD registou a seu favor a referida aquisição, pela Ap. 1478, de 25.06.2012 – v. 23. A presente acção foi registada em 21.03.2014 – v. 24.
O acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª instância que declarou nulo o registo de cancelamento da hipoteca efectuado pela AP. 1052, de 04.06.2012, condenou os Réus BB, CC, Estado Português e DD (aqui recorrente) a reconhecerem essa mesma nulidade e ordenou a reposição em vigor do registo da hipoteca efetuado pela Ap. 13352, de 30.09.2010, sendo que, como nele se refere (fls. 615, in fine), essa decisão da 1ª instância, na parte em que ordena a reposição em vigor da hipoteca de 30.09.2010, tem implícita a ordem de cancelamento do registo de cancelamento da hipoteca, em consequência da nulidade detectada. Aliás, só assim se pode entender o voto da Ex.ª Desembargadora vencida quando declara que, “não obstante a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca não determinaria o cancelamento desse registo (…)”. O que o Réu DD pretende com a presente revista é que se revogue a decisão nessa parte, considerando que, por ser um terceiro de boa-fé, não lhe é oponível a consequência derivada da nulidade do registo de cancelamento da hipoteca. E invoca, em apoio da sua tese, as disposições dos artigos 17º, n.º 2, do CRP e 732º do CC. Parece assistir-lhe razão quanto à questão de fundo. Como é sabido, o registo predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário – artigo 1º do CRP. É com base nessa publicitação e nela confiados que terceiros praticam actos e celebram negócios. A natureza essencialmente declarativa ou enunciativa do registo comporta, porém, algumas excepções. No caso da hipoteca, por exemplo, os artigos 687º, n.º 4, do CC e 4º, n.º 2, do CRP, impõem o seu registo, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes. Portanto, na falta de registo não há produção do correspondente efeito real. Daí que se reconheça ao registo da hipoteca uma função ou efeito constitutivo. Uma vez registada, a hipoteca só pode ser cancelada quando se verifique causa para a sua extinção, sendo o cancelamento feito por averbamento à respectiva inscrição – cfr. artigos 10º, 13º e 100º, n.º 1, e 101º, n.º 2, alínea g) do CRP. A extinção da hipoteca pode verificar-se como reflexo de se extinguir a dívida assegurada. Mas existem também causas directas da extinção desta garantia real, como sejam a prescrição a favor de terceiro adquirente de prédio hipotecado, o perecimento da coisa hipotecada e a renúncia do credor à hipoteca – artigo 730º do CC. No presente caso, foi a declaração falsa de fls. 41 dos autos (ponto 10. dos factos provados), fabricada pelos Réus BB e CC, em que a Autora ‘reconhecia’ ter-lhe sido paga a ‘última tranche dos valores acordados’, que serviu de suporte ao averbamento do cancelamento da hipoteca, em virtude da aparente extinção da dívida garantida por esta. Foi esse acto substantivo inválido, porque falso, que originou o averbamento da extinção dos ónus ou encargos que recaíam sobre a fracção predial, permitindo a outorga da venda do imóvel, livre de ónus ou encargos, ao Réu DD. Sendo esse título falso, o respectivo registo (averbamento) é nulo, de acordo com o que dispõe o artigo 16º, alínea a), do CRP. Apesar disso não se mostra aplicável ao caso dos autos o preceito do artigo 17º, n.º 2, do CRP, que esteve na origem do voto de vencido e que também serve o argumentário do recorrente. Diz-se nessa norma: “A declaração de nulidade do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiro de boa fé, se o registo dos correspondentes factos for anterior ao registo da acção de nulidade”. Não resta qualquer dúvida de que o registo (averbamento) do cancelamento da hipoteca efectuado pela AP 1052, de 04.06.2012, é extrinsecamente nulo, porque se baseia num título falso em que se alberga um negócio materialmente inexistente. Mónica Jardim[3] defende, porém, que o artigo 17º, n.º 2, do CRP não protege terceiros perante a inexistência ou invalidade substantiva, justificando a sua posição do seguinte modo: “Sempre que um facto jurídico aceda ao registo e padeça de inexistência, seja nulo ou venha a ser anulado, em causa estão dois actos viciados: o facto jurídico inscrito e o assento registal. Acresce que cada um desses factos está inquinado por vícios diversos. Efectivamente o facto jurídico inscrito padece do vício substantivo; o registo, por seu turno, é extrinsecamente nulo porque lavrado com base num título falso ou com base num título insuficiente para a prova legal do facto registado (…) e, portanto, padece de uma nulidade consequencial decorrente de um vício substantivo. Acresce que cada um desses vícios tem o seu respectivo regime. Porque assim é não temos dúvidas de que o preceito legal que tutela os terceiros perante o vício registal extrínseco não concede (não pode conceder) qualquer protecção aos terceiros perante a inexistência ou a invalidade do facto jurídico inscrito que é a causa da invalidade registal. Por outra via, sendo o vício registal mera consequência do vício substantivo, na nossa perspectiva, um terceiro não pode beneficiar da tutela concedida pelo n.º 2 do art. 17º do Cód. Reg. Pred. perante a inexistência ou a invalidade substantiva, uma vez que não há-de ser o regime que tutela os terceiros perante um consequência da inexistência ou da invalidade substancial – o mesmo é dizer, em face da nulidade registal – a determinar o regime que tutela os terceiros perante a própria inexistência ou a invalidade substancial – ou seja, em face da causa da nulidade registal. Ou, de forma sincopada, não pode ser o regime da consequência a determinar o regime da causa”. Temos, assim, que o artigo 17º, n.º 2, do CRP não concede tutela aos terceiros perante vícios substantivos que afectem o facto jurídico, quer esteja em causa uma inscrição nula ou um assento de cancelamento nulo. Todavia, esta conclusão não tira completamente a razão ao recorrente, que insiste na inoponibilidade dos efeitos da nulidade do registo de cancelamento da hipoteca com um outro fundamento legal, o do artigo 732º do CC: “Se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada, ou ficar por outro motivo sem efeito, a hipoteca, se a inscrição tiver sido cancelada, renasce apenas desde a data da nova inscrição”. Sobre esta norma escreveram Pires de Lima e Antunes Varela[4]: “Afastou-se a lei (…) da regra geral sobre a nulidade ou anulabilidade prescrita no n.º 1 do artigo 289º; uma e outra têm efeitos retroactivos e, portanto, em princípio, tudo se devia passar como se o negócio extintivo não tivesse tido lugar. São as necessidades do registo (protecção de terceiros) que inspiram a doutrina do artigo 732º. Entre o cancelamento do primeiro registo e a feitura do segundo podem ter sido constituídos novos direitos reais, quer sejam de gozo, quer de garantia, sobre a coisa, e importa proteger os respectivos titulares, se eles, entretanto, obtiveram o registo desses direitos. E igual protecção merecem os próprios direitos registados já na altura do cancelamento, embora posteriormente à hipoteca, cujos titulares passaram a contar com a extinção da garantia cancelada”. Mónica Jardim, Margarida Costa Andrade e Afonso Patrão[5], respondendo à questão de saber se, quando o registo da hipoteca tenha sido cancelado, os terceiros adquirentes, na vigência do cancelamento, podem vir a ser prejudicados se, posteriormente, se reconhecer ao credor o direito a obter a reinscrição da hipoteca, aderem àquele entendimento e acrescentam: “Portanto, não só são protegidos os terceiros, adquirentes na vigência do cancelamento, como os terceiros que hajam adquirido após o registo da hipoteca e antes do seu cancelamento Desta forma, afastou-se a lei portuguesa da regra geral, segundo a qual a nulidade e a anulabilidade produzem efeitos retroactivos, bem como da excepção introduzida a esta regra, em benefício de terceiros adquirentes de boa fé a título oneroso, consagrada no art. 291º. Mais, apesar da letra da lei, o terceiro não é apenas protegido se a causa extintiva da obrigação ou a renúncia do credor à garantia for declarada nula ou anulada ou ficar por outro motivo sem efeito, mas sim sempre que o registo da hipoteca seja cancelado e depois se reconheça ao credor o direito a obter a reinscrição da hipoteca. Assim, por exemplo, quando o registo de uma hipoteca seja cancelado com base numa falsa declaração do consentimento do credor”. E concluem: “Em resumo, na nossa perspectiva, o art. 732º do Código Civil deve ser considerado uma afloração de um princípio geral de tutela de terceiros perante o cancelamento ‘indevido’ do registo de uma hipoteca”. Ora, como resulta dos factos acima extractados, a hipoteca constituída a favor da Autora, sobre a fracção predial em causa, foi registada em 30.09.2010, tendo esse registo sido cancelado em 04.06.2012 com base numa declaração falsa de fls. 41 dos autos, emitida pela primeira adquirente Ré BB e pelo Réu CC. Em 15.06.2012 a Ré BB vendeu ao Réu DD a referida fracção, “livre de ónus ou encargos”. Este Réu (ora recorrente), que desconhecia, inclusivamente, a existência da hipoteca e os actos praticados tendentes ao seu cancelamento, registou a seu favor a aquisição da aludida fracção em 25.06.2012. Considera-se, portanto, que não pode o Réu DD, terceiro adquirente na vigência do registo de cancelamento da hipoteca, ser penalizado com as consequências de um facto jurídico substantivamente inválido e registalmente nulo. Essas consequências terão de limitar-se às relações entre as partes envolvidas. De tudo resulta, que a aquisição feita pelo Réu recorrente se encontra a salvo dos efeitos destrutivos da invalidade, ou, dito de outro modo, esses efeitos são-lhe inoponíveis. Procederá, portanto, na justa medida do exposto, a revista do Réu DD.
Do Recurso Subordinado
O provimento do recurso principal, nos termos que ficaram assinalados, retira qualquer margem de sucesso ao recurso subordinado, que vinha confinado à questão de saber se deveria manter-se a decisão da 1ª instância que ordenou o cancelamento do registo de aquisição da fracção a favor do Réu DD, efectuado pela AP 1478, de 15.06.2018. A inoponibilidade ao referido Réu dos efeitos da invalidade do facto jurídico levado a registo (cancelamento da hipoteca), com a consequente nulidade desse mesmo registo, mantém intocável o negócio de compra e venda firmado por ele com a Ré BB e a subsequente inscrição dessa aquisição no registo na referida data de 15.06.2018.
* - Manter o acórdão recorrido na parte em que declarou nulo o registo de cancelamento da hipoteca efetuado pela Ap. 1052, de 04.06.2012 e condenou os Réus BB, CC e Estado Português a reconhecer essa nulidade; - Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou o Réu DD a reconhecer a nulidade do registo de cancelamento da hipoteca efectuado pela AP. 1052, de 20120604, absolvendo-o do correspondente pedido, e na parte em que ordenou à Conservatória do Registo Predial de Constância a reposição em vigor do registo da hipoteca efetuado pela Ap. 13352, de 30.09.2010. - Negar provimento ao recurso subordinado da Autora.
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As custas do recurso principal e do recurso subordinado serão suportadas pela Autora. *
LISBOA, 27 de Novembro de 2018 Henrique Araújo (Relator) Maria Olinda Garcia Catarina Serra
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