Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3743
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
TRADIÇÃO DA COISA
DETENÇÃO
POSSE
POSSE TITULADA
POSSE DE MÁ FÉ
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS INSTRUMENTAIS
Nº do Documento: SJ20081211037437
Data do Acordão: 12/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Integram conceitos de facto as expressões entrega e ocupam, reportadas à passagem das parcelas de terreno para o domínio de facto do recorrido, o promitente-comprador, e ao exercício por eles desse domínio, designadamente a sua utilização
2. O facto do pagamento do preço das coisas na sequência do contrato-promessa de compra e venda não é essencial na acção em que o autor faz valer o seu direito de propriedade sobre elas com base na usucapião, mas sim instrumental, por isso susceptível de ser considerado em resultado da instrução e discussão da causa.
3. A conclusão de que ao promitente-comprador foi conferida pelo promitente vendedor a posse em nome próprio sobre o objecto mediato do contrato prometido é susceptível de derivar, não só das circunstâncias envolventes da celebração do contrato-promessa e da entrega pelo último ao primeiro daquele objecto, como também da sua execução, revelada pelo comportamento deles em relação àquele objecto.
4. A presunção de posse de má fé por não ser titulada não tem razão de ser no caso de ser o próprio proprietário e possuidor dos terrenos que investiu o promitente-comprador na posse sobre eles.
5. O promitente-comprador adquire o direito de propriedade dos terrenos por usucapião se deles foi possuidor pública, pacificamente e de boa fé durante quinze anos.
Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I
AA e BB intentaram, no dia 26 de Abril de 2002, contra a Corporação Missionária Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a reconhecer o seu direito de propriedade sobre as parcelas de terreno A, B e C, identificadas no documento inserto a folhas 18.
Fundamentaram a sua pretensão na transmissão pela ré da parcela de terreno B por via de contrato-promessa de compra e venda e na cedência das parcelas de terreno A e C, e na aquisição de todas elas por usucapião, por as virem usufruindo como se donos delas fossem, sem qualquer oposição, há mais de vinte anos.
A ré, em contestação, com apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, afirmou, em síntese, apenas ter prometido vender aos autores parte da parcela B e que continua a ser dona dessa das parcelas A e C, exercendo os inerentes poderes sobre elas, e, em reconvenção, pediu a condenação dos autores a reconhecerem a sua titularidade, a retirarem a vedação por eles erguida e a indemnizá-la pelos prejuízos a liquidar em execução de sentença.
Os autores responderam, impugnando os factos em que a ré fundou o pedido reconvencional e reiteraram o afirmado na petição inicial, e a ré treplicou sob o argumento de os autores terem invocado na réplica a ininteligibilidade do pedido reconvencional quanto à indemnização.
Frustrada a audiência preliminar designada para a tentativa de conciliação das partes, foi proferido despacho saneador, pelo qual foi admitida a reconvenção, salvo quanto ao pedido indemnizatório, ambas as partes impugnaram, sem êxito, a matéria de facto assente e a controvertida, e a ré agravou daquele despacho na parte em que lhe não foi admitido o pedido reconvencional relativo à indemnização.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, no dia 18 de Abril de 2006, por via da qual a ré foi absolvida do pedido e declarada proprietária das parcelas de terreno e os autores foram condenados a remover a respectiva vedação.
Apelaram os autores, impugnando também a decisão da matéria de facto, e a Relação, por acórdão proferido no dia 5 de Junho de 2008, julgou o recurso de agravo improcedente e a apelação procedente, alterando a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância e condenando a ré a reconhecer o direito de propriedade dos autores sobre as parcelas de terreno adquirido por usucapião.

Interpôs a apelada recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- os pontos 21 a 23 da fundamentação de facto na versão resultante das alterações introduzidas pela Relação contém expressões de importância central no respectivo sentido global, que são conclusivas e equiparáveis a matéria de direito, designadamente entregue, entregou, ocupam e entrega, pelo que se deverão ter por não escritas as correspondentes respostas dadas aos quesitos;
- a expressou entregou ou entregue não traduz nenhuma acção concreta susceptível de sobre ela recair um juízo probatório, quando, como no caso em apreço, está em causa saber se um imóvel, no caso uma determinada área de um terreno rústico, passou para as mãos do autor, o senhorio de facto;
- a entrega poderia ser expressão suficiente caso estivesse em causa um bem móvel, pois nesse caso ela traduz correctamente o acto de entregar no sentido que comummente lhe é atribuído, isto é, o gesto de dar em mão determinado objecto ou depositar certa coisa nas instalações do accipiens, importando uma actividade física de loco movere; mas no caso a entrega não é possível dessa forma, pelo que a expressão não pode ter o sentido que o uso comum lhe atribui;
- uma resposta verdadeiramente factual seria aquela que referisse o concreto gesto praticado, com base no qual se poderia ou não concluir pela existência de uma entrega, e não uma que, saltando essa necessária premissa afirma directamente a conclusão genérica de que houve entrega;
- se se aceitasse como factual a mera referência a uma genérica entrega, estar-se-ia a eximir a parte de alegar e provar as ocorrências concretas a que ela atribui o sentido de entrega, impedindo o tribunal de fazer esse juízo sobre se ocorreu verdadeira entrega ou não, e sobre qual o seu valor como acto transmissivo da posse;
- a expressão entregou exprime mais um juízo de valor sobre a conduta de AD do que os factos concretos em que essa conduta consistiu;
- a expressão ocupou é conclusiva, dado que a ocupação, no sentido de manifestação exterior de detenção ou senhorio de facto sobre determinado bem – corpus – há-de traduzir-se necessariamente em actos materiais correspondentes ao exercício do direito – artigo 1263º, alínea a), os quais não vêm referidos no ponto da matéria de facto em causa;
- não se trata de expressões menores ou secundárias na economia dos factos factuais em causa, porque concluir sobre a existência ou não de verdadeira entrega, e concluir sobre a existência ou não de verdadeira ocupação, são as questões centrais a que aqui se dá resposta, e são duas das questões centrais de todo o processo, fazendo parte integrante do próprio thema decidendum;
- por força da aplicação do nº 4 do artigo 646º do Código de Processo Civil, as respostas dadas pelo tribunal da Relação constantes dos pontos 21, 22 e 23 da matéria de facto deverão ser tidas por não escritas, pelo que violou aquela disposição legal e o artigo 1263º, alínea a), do Código Civil;
- a traditio paralela a um mero contrato-promessa de compra e venda, não translativo da propriedade, não pode por princípio ter o efeito de transmitir para o promitente-adquirente a posse nos termos do direito de propriedade, sendo que esta só poderá considerar-se transmitida caso a tradição seja rodeada de circunstâncias excepcionais que o indiquem inequivocamente, mesmo que se distinga claramente o contrato-promessa em si do acordo de tradição;
- tais circunstâncias hão de limitar-se às que acompanham a traditio, não contando para analisar o significado da tradição os actos posteriores do promitente-comprador. Assim, caso as circunstâncias não permitam atribuir à tradição o valor de transmissão da posse nos termos da propriedade, então também a actuação posterior deverá ser tida como exercida sem animus rem sibi habendi, a menos que, por se tratar de uma oposição, incompatível com a utilização de um mero detentor, haja que ser considerada como verdadeira inversão do título da posse nos termos do artigo 1265º do Código Civil, havendo nesse caso uma aquisição originária e não derivada da posse;
- no caso não existem circunstâncias de excepção de molde a permitir inverter a regra geral nos casos de tradição paralela a um contrato-promessa de compra e venda, e atribuir à entrega o valor de tornar os recorridos possuidores em nome próprio dos terrenos em causa;
- o facto de o preço ter sido integral e prontamente pago pelo autor tomado pelo acórdão como fundamento para julgar ultrapassado aquele princípio, não está dado como provado, nem foi alegado, mas é apresentado no acórdão como facto principal, parte integrante da causa de pedir no caso complexa porque engloba todos os factos que permitam aferir da existência da posse, caracterizá-la e determinar durante quanto tempo se prolongou – pelo que não pode servir para fundar a decisão, nos termos dos artigos 664º, 2ª parte, e 264º, nº 2, do Código de Processo Civil;
- mesmo que o preço tivesse sido pronta e integralmente pago, não se poderia ter conferido ao contrato-promessa o sentido de operar de imediato a transmissão da posse nos termos do direito de propriedade, uma vez que nem sequer estavam reunidas as condições para que o contrato de compra e venda fosse celebrado, porquanto nem o problema dos avos estava resolvido em 17 de Março de 1982, data do contrato-promessa;
- mesmo que constasse da factualidade que a ré nunca mais agricultou ou utilizou os terrenos em causa, directa ou indirectamente, ou que não ordenou nem consentiu o respectivo aproveitamento por terceiros até 1999, fundamento utilizado na decisão recorrida, sem suporte na factualidade provada, tal nunca poderia fazer concluir que a tradição constituiu o autor numa situação de posse nos termos do direito de propriedade, sendo pelo contrário natural que a ré não quisesse intervir nos terrenos em causa, pelo menos na sua totalidade;
- houve actos de oposição da ré logo que se apercebeu da real disparidade entre o contrato-promessa e as posteriores pretensões do autor – desacordo expresso quanto à área que havia sido prometida vender, pedido de suspensão do processo camarário e persistente oposição aquando da vedação do terreno pelo autor;
- as fundamentações seguintes – exploração de vacaria, autorização para uso por terceiros, vedação e apresentação de requerimentos à Câmara Municipal de Cascais – referem-se as circunstâncias que se verificarem depois da tradição, cujo real sentido e valor se pretende averiguar, pelo que só valeriam, quando muito, enquanto actos de inversão do título da posse;
- à excepção da vedação, ocorrida tardiamente, não antes de 1999, nenhuma dessas circunstâncias é de molde a consubstanciar uma inversão do título da posse, por não se tratar de actos unilaterais que tivessem sido impostos pelo autor contra a vontade da ré, actos de rebelião, quer a exploração temporária de uma vacaria, quer a eventual autorização dada a terceiros para que aproveitassem os terrenos porque são compatíveis com a autorização dada pela ré para aproveitamento dos terrenos, em nada contrariando o carácter de mera detenção sem animus possedendi por parte do autor;
- também o requerimento conjunto à Câmara Municipal não constitui acto de rebelião, porque a ré também nele interveio, ainda que equivocada quanto à configuração dos terrenos em causa, que posteriormente veio a verificar não estarem incluídos no contrato-promessa por ela aceite, sendo que veio a corrigir tal equívoco imediatamente após ter tomado consciência dele;
- nem a traditio transmitiu para o autor a posse dos terrenos em causa nos termos do direito de propriedade, nem ocorreu qualquer inversão do título da posse;
- o acórdão violou os artigos 1263º, alínea b), 1265º, 1267º, alínea b), e 1290º do Código Civil e 264º, nº 2, e 664º do Código de Processo Civil;
- a queda dos pontos 21 a 23 da fundamentação de facto retira à tese da aquisição da posse derivada, uma vez que desaparecem os próprios factos que pretendem consubstanciar a traditio em si, e da factualidade que fundamenta o acórdão também não ocorre a aquisição originária da posse dos autores, isto é, a prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito – artigo 1263º, alínea a), do Código Civil – no caso, do direito de propriedade;
- os actos de autorização para que terceiros cultivem, lavrem, colham feno ou criem porcos em partes do terreno em causa, nem os pedidos de licenciamento para aproveitamento urbanístico ou turístico dos mesmos, constituem actuações materiais capazes de revelar a posse desses terrenos, uma vez que se trata de actos jurídicos e não de actos materiais sobre os próprios terrenos, e nenhum desses actos é incompatível com a situação de mera detenção, por autorização da ré;
- nada consta da matéria de facto quanto à época em que foram praticados os referidos actos jurídicos de autorização, pelo que sempre fica sem se saber se teriam antiguidade suficiente para fundamentar a usucapião, sendo que a falta de especificação temporal no processo só pode prejudicar os autores, que invocaram o direito – artigo 342º, nº 1, do Código Civil;
- o requerimento à Direcção-Geral de Turismo, que apenas diz respeito à parcela B, o Palácio, apenas foi apresentado, quanto muito, em 1993 e o requerimento à Câmara Municipal de Cascais só foi apresentado em 1999, pelo que, mesmo que tais factos pudesse revelar a posse, eles não seriam suficientemente antigos para fundarem a usucapião;
- o requerimento à Câmara Municipal de Cascais não é susceptível de revelar que a ré acedeu em assinar conjuntamente o pedido de licença à Câmara de Cascais com o intuito de abdicar dos terrenos que eram seus, sendo justificado, em sede de mera detenção autorizada, pelos motivos apontados não podendo significar o reconhecimento de que os terrenos já eram da ré, como se vê do requerimento unilateral da ré à Câmara de Cascais, pedindo a suspensão do processo por erro de áreas, assim que descobriu a disparidade entre o que admitia ter prometido vender e aquilo que o autor afirmava ter sido prometido vender, o qual consubstanciou uma actuação própria de quem se considera dono das terras em causa, todas as abrangidas pelo pedido de licenciamento inicial, dado que traduz a confiança de poder suspender todo o processo e permitir o seu avanço apenas se fossem respeitadas determinadas condições e alterações que exigiu;
- não integra o corpus, por maioria de razão, o facto de o autor ter negociado com Perguilha a rescisão do contrato de arrendamento que esta tinha com a ré, uma vez que tal negociação não implica nenhuma actuação material sobre os terrenos em causa, sendo certo, além do mais, que tal negociação ocorreu antes do contrato-promessa, pelo que nem se compreende qual a relevância deste facto para o caso;
- a vedação não foi certamente feita antes de 1999, tendo em conta o alegado pelos próprios autores nos artigos 35º e 36º da petição inicial e os documentos 9 a 14 juntos com a mesma, pelo que também não poderia fundamentar a usucapião;
- não está esclarecido na fundamentação de facto qual a extensão do terreno em que teria sido criado gado, não se compreendendo se se trata de todo o terreno anteriormente arrendado à Perguilha, ou do conjunto das três parcelas identificadas no documento de folhas 18, ou, como resulta da constatação natural de que as vacas eram mantidas na vacaria e proximidades, apenas da parcela B, na qual se situava a vacaria explorada pelo autor;
- nada de útil se diz na fundamentação de facto sobre a localização no tempo desta criação de gado, uma vez que apenas se refere que ela ocorreu após a rescisão do contrato de arrendamento com a Pergulha, não se concretizando quando é que ela teria tido início, nem se dizendo quanto tempo durou, sendo que o período após a cessação do referido contrato se prolonga até ao presente;
- e tal utilização é compatível com a mera detenção dos terrenos utilizados, quaisquer que sejam, em nome da ré, por mera autorização desta;
- competiria ao autor alegar e demonstrar factos concretos que demonstrassem que a criação de gado em terreno da ré constituiu algo mais do que um mero exercício próprio de um detentor autorizado, demonstração que não foi feita e não decorre da mera circunstância de nele ter criado gado;
- a matéria de facto adquirida no processo também não permitiria fundamentar a usucapião, pelos autores, dos terrenos A,B e C, com base na posse originária, sob pena de violação do artigo 342º, nº 1, do Código Civil;
- os autores não lograram ilidir a presunção de má fé que contra eles advém de a pretensa posse não ser titulada, presunção de que não ignoravam lesar um direito de outrem ao adquiri-la que segundo o acórdão teria ocorrido na altura da tradição;
- tratando-se de averiguar se determinada presunção legal foi ilidida, a análise do assunto terá de ser necessariamente cuidadosa e ponderada, e o juízo aplicado deverá revestir-se de níveis mínimos de exigência, e não tratada de forma sumária, ou como que a sua solução fosse tão óbvia
que dispensasse justificações;
- tal leveza de tratamento induz a pensar que estaríamos, não diante de uma presunção de má fé, mas, pelo contrário, perante uma presunção de boa fé, que pudesse extrair-se, porventura, da existência da tradição, ou da verificação do animus possidendi por parte do autor, e, se assim fosse, qualquer posse adquirida por via da tradição, ou mesmo a posse originária, que implica necessariamente o animus, seria uma posse de má fé, o que deixaria inoperante e vazia de sentido a presunção legal de má fé;
- o tribunal a quo não indicou nenhum facto concreto no qual pudesse basear a afirmação de que o autor ignorava, ao adquirir a posse, que estava a lesar o direito de outrem;
- o próprio tribunal julgou insuficientes as circunstâncias que rodearam a tradição para, por si só, permitirem afirmar a ilisão da presunção de má fé, já que constatou a necessidade, para esse efeito, de que os factos fossem complementados, quer pelos documentos pertinentes, quer pelo posterior domínio de facto que diz ter sido exercido por parte do autor, também sem concretizar;
- os documentos não podem ser invocados para completar – para mais não se dizendo quais nem como – eventuais insuficiências da factualidade já fixada nas instâncias, uma vez que já desempenharam a função instrutória de permitir o juízo probatório sobre esses mesmos factos, e, em consequência, a decisão de os incluir ou não na fundamentação de facto;
- o momento relevante para se aferir da boa ou má fé do possuidor é o da aquisição da posse, pelo que não relevam eventuais factos que traduzem domínio de facto posteriores à aquisição da posse que para o tribunal ocorreu com a tradição, e um simples domínio de facto sempre poderia verificar-se numa situação de mera detenção e numa situação de posse de má fé, pelo que não é idóneo para realçar o convencimento do possuidor de não lesar o direito de ninguém;
- os factos não revelam directamente ignorar o autor lesar o direito de outrem ou estar convicto de o fazer ou julgar não o fazer ou estar consciente de exercer um direito próprio, ou qualquer acto equivalente, sendo que tal afirmação seria possível e factual, pelo que, cabendo ao autor o ónus de alegar e provar que, quando adquiriu a posse ignorava violar o direito de outrem, não pode considerar-se ilidida a presunção;
- não há facto que permita considerar, mesmo indirectamente, que o autor se julgava convencido de que era o dono dos terrenos em causa aquando da tradição que segundo o acórdão foi o momento da aquisição da posse;
- para que tal resultasse indirectamente demonstrado seria necessário que se tivesse provado que a intenção das partes aquando da celebração do contrato-promessa não era a de celebrar tal contrato, mas a de um contrato de compra e venda apto a transmitir a propriedade da ré para o autor, o que consubstanciaria simulação;
- tal disparidade não ficou demonstrada e ficou infirmada pela impossibilidade de celebração da compra e venda prometida enquanto não fosse resolvido o problema de avos, o qual só foi resolvido em Janeiro de 1983, no ano seguinte àquele em que se considerou que o autor adquiriu a posse das três parcelas de terreno, sendo que os próprios autores alegam, na petição inicial, que se trata de um contrato-promessa de compra e venda;
- o animus não se confunde com a boa fé, significando o primeiro que o detentor pretende actuar como dono, e a segunda que ele sabe ou está convencido que é o dono, estando ali um elemento volitivo e aqui um elemento cognitivo;
- a consideração de que a tradição transmitiu a posse – reunião do corpus e do animus – não implica a afirmação de que a posse é de boa fé e no caso esta não foi demonstrada pelos autores, pelo que o acórdão violou o artigo 1260º, nºs 1 e 2, do Código Civil;
- incluídas as parcelas A e C no contrato-promessa sem acréscimo de preço, estando fora de causa ser intenção da ré doar qualquer terreno ao autor, a ilisão da presunção de má fé na posse dos terrenos em termos de propriedade teria de passar necessariamente por demonstrar uma justificação suficiente para o acréscimo gratuito de 15 250 m2 de terreno a que não foi alheia a pressão do autor sobre o Padre AD;
- não seria possível concluir-se estar o autor convencido de que não lesava os direitos da ré sobre as referidas parcelas se não tivesse sido demonstrado um equilíbrio suficiente entre as partes no acordo de alargamento da promessa de aquisição a um terreno que aquele sabia que a ré não pretendia doar-lhe;
- sem existir tal equilíbrio, não poderia o autor ignorar a lesão da ré no seu direito à preservação do seu património e de não ser alvo de actuações dolosas;
- apesar de se terem esforçado por alegar e provar que o referido alargamento era contrapartida de uma área de um prédio rústico pretensamente incluída no contrato-promessa inicial e que posteriormente teria dele sido excluída, o juízo probatório sobre tal alegação foi negativo nas instâncias;
- os autores não foram bem sucedidos na ilisão da presunção de má fé, uma vez que não lograram demonstrar os factos de onde poderiam retirar o desconhecimento de estarem a lesar a ré ao assenhorarem-se, como proprietários, dos referidos terrenos;
- a mera referência genérica a dificuldades acrescidas não é hábil para justificar a inclusão de uma vasta área de terreno no contrato-promessa sem qualquer acréscimo de preço, logo, para afastar a presunção de má fé relativa à posse do autor sobre as parcelas de terreno em causa;
- a existência das dificuldades em causa já era conhecida do autor, por lhe ter sido expressamente comunicada aquando da celebração do contrato-promessa, sendo que o autor tomou expressamente e encargo de as resolver a suas expensas;
- a existência dessas dificuldades reflectiu-se no preço então estipulado, tendo acarretado uma redução de dez por cento;
- afirmar que o objecto do contrato-promessa foi acrescido de 15 250 metros quadrados sem qualquer aumento de preço apenas por virtude de um vago acréscimo de dificuldades na resolução de um problema, não se percebendo sequer em que teria consistido esse acréscimo não infirma, antes confirma, o desequilíbrio contratual que não poderia ter passado despercebido ao autor e à consequente consciência de estar a prejudicar os direitos e interesses da ré;
- se assim é para quem entende a boa fé como um conceito puramente psicológico, subjectivo, mais o será para quem considera que a boa fé, incluindo a possessória, é ética, ou seja, está de má fé a pessoa que, com culpa, ignore violar o direito de outrem;
- face aos factos provados, tendo em conta o gritante desequilíbrio do negócio por meio do qual se disse ter prometido adquirir os novos terrenos, a ponto de se não vislumbrar qualquer sinalagma num contrato que o autor nunca invocou ser de uma promessa de doação, a única conclusão possível é a de que ele não podia ignorar estar a lesar o direito da ré ao assenhorar-se dos referidos terrenos, e muito menos poderia ignorá-lo sem culpa, pelo que o acórdão violou os artigos 1260º e 1296º do Código Civil;
- caso se considerasse terem os autores adquirido a posse por inversão do título, a própria natureza opositiva dessa forma de aquisição da posse sempre afastaria liminarmente a existência de boa fé;
- no caso, a questão sempre seria irrelevante, pois a vedação não ocorreu mais cedo do que o ano de 1999, não se podendo contar o prazo para a usucapião desde tempo anterior;
- caso se considerasse que os autores adquiriram a posse, não pela tradição, mas pela prática de actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade de forma originária, estaria igualmente excluída qualquer hipótese de ilisão da presunção de má fé, porque o autor não poderia desconhecer que os terrenos não eram seus, precisamente porque ninguém lhos transmitiu por venda, doação, permuta ou qualquer outra forma de alienação;
- por muita vontade que tivesse de utilizar os terrenos em causa como seus, o autor não podia ignorar que, de facto, não eram seus, mas de outrem, e muito menos ignorar sem culpa, e não ignorava, nem isso está dito na fundamentação de facto;
- não está ilidida a presunção de má fé em nenhuma circunstância, quer se considere que o autor adquiriu a posse derivada por via de tradição, quer se considere que a adquiriu por inversão do título, quer se considere que a adquiriu de forma originária, sendo que não a adquiriu por nenhuma dessas formas, pelo menos até à vedação, altura em que inverteu o título da posse, pelo que o acórdão violou o artigo 1260º do Código Civil;
- sendo a posse de má fé, o prazo para adquirir por usucapião é de vinte anos e não de 15, nos termos do artigo 1296º do Código Civil;
- na hipótese de se considerar que a posse foi adquirida pela tradição, teria tido início, face aos factos provados, quanto à parcela B em 17 de Março de 1982 e quanto às parcelas A e C em 20 de Setembro de 1982;
- tendo a contestação e a reconvenção sido apresentadas e notificadas aos autores em Junho de 1982, as parcelas A e C nunca poderiam ter sido por eles adquiridas por usucapião;
- se se considerasse que o autor adquiriu a posse por inversão do título ou de forma originária, que não pela tradição, a usucapião não poderia dar-se quanto a nenhuma das três parcelas por não terem passado vinte anos desde o início da posse - nem se sabendo quando tal início teria ocorrido – até à apresentação da contestação-reconvenção da ré e respectiva notificação aos autores, que ocorreu em Junho de 2002;
- devem ser tidos por não escritos os pontos 21 a 23 da fundamentação de facto e, em qualquer caso, revogado o acórdão e substituído por decisão que julgue a acção improcedente e a reconvenção procedente na parte em que se pede o reconhecimento da propriedade da ré sobre as parcelas A, B e C e a condenação dos autores a reconhecerem essa propriedade da ré, devolvendo-lhe os terrenos e retirando a vedação;
- ou, quando assim se não entenda, seja substituído por decisão que julgue a acção improcedente quanto às parcelas A e C e a reconvenção procedente na parte em que pede o reconhecimento da propriedade da ré sobre as parcelas A e C e a condenação dos autores a reconhecerem essa propriedade da ré, devolvendo-lhe esses terrenos e retirando deles a vedação.

Responderam os recorridos, em síntese de alegação:
- o ponto 21 da matéria de facto está firmado no ordenamento jurídico por a decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância em 6 de Fevereiro de 2006, e, porque não foi objecto de impugnação, transitou em julgado – artigos 677º. 682º, nº 2, segunda parte e 685º do Código de Processo Civil;
- a expressão entregou do ponto 22 da matéria de facto não é eminentemente conclusiva e até utilizada pelo cidadão comum na sua linguagem do quotidiano, significando passar às mãos de outrem, depor nas mãos de outrem, confiar, depositar, dar, restituir, e está sustentada na prova testemunhal produzida;
- a expressão ocupam do ponto 23 da matéria de facto tem determinado sentido na linguagem comum de se tornar senhor de, apoderar-se de, tomar posse de, dar ocupação a, sem cariz conclusivo;
- o referido termo é utilizado como forma de traduzir a realidade decorrente dada como provada sem impugnação constante dos pontos 25 a 29, criou gado, permitindo que terceiros agricultassem o terreno e nele criassem porcos à vista de todos e sem oposição;
- a Relação utilizou os referidos termos nos pontos 21 a 23 da matéria de facto com sustentação ao nível dessa matéria que ficou provada;
- por força do designado contrato-promessa, a recorrente vendeu aos recorridos as três parcelas de terreno, primeiro a B e mais tarde, por força de vicissitudes várias, entre Maio e Setembro 1982, as parcelas A e C;
- o recorrido pagou em 17 de Março de 1982, aquando da celebração do contrato, o preço integral ajustado para a compra e venda, o que nunca foi posto em causa pela recorrente;
- nessa data, quanto à parcela B, e em Setembro desse quanto às parcelas A e C, a recorrente abriu delas mão a favor dos recorridos e estes entraram na sua apreensão material;
- em abstracto, esta apreensão material procederia de apossamento pelos recorridos ou da entrega pela recorrente ou de constituto possessório, nos termos do artigo 1263º, alíneas a) a c) do Código Civil, uma vez que não inverteram a posse;
- a recorrente entregou aos recorrido as três parcelas, a A e C por via de entrega simbólica, nos termos da alínea b) do artigo 1263º do Código Civil;
- o contrato-promessa, não obstante a convicção e a vontade erróneas das partes, não tinha aptidão para transferir a propriedade, não podendo senão consubstanciar venda nula por vício de forma, nos termos dos artigos 220º e 875º do Código Civil;
- a transferência da posse sobre as parcelas de terreno não depende de qualquer forma, bastando-se com a tradição material ou simbólica, nos termos do artigo 1263º, alínea b), do Código Civil, que está provada;
- as importantes condições ou o problema dos avos nada tem a ver com a transferências das parcelas de terreno, sendo que aquele problema só impedia o recorrido de exercer o direito potestativo de convocar a recorrente para a marcação da escritura, para dar forma à compra e venda que entendiam ter concluído;
- tal não impediu os recorridos de exerceram a posse das parcelas desde 17 de Março e Setembro de 1982, transmitida pelo representante da recorrente nos termos do direito de propriedade;
- a apreensão material das parcelas de terreno por parte dos recorridos traduz posse com animus sibi habendi e não mera detenção, porque para eles e para a recorrente o negócio celebrado fora de compra e venda;
- do teor do contrato não consta estipulação que reduza a entrega da fracção B a simples detenção, nem a coetânea entrega das outras;
- exercendo alguém os mesmos poderes e não há título ou declaração que esclareça o significado do exercício, é de concluir haver posse, por haver corpus, sem necessidade de deslindar o elemento animus;
- há detenção sempre que, nos termos da teoria objectiva, há corpus, mas se verifica uma situação que impede que se fale em posse, como é o caso de intenção declarada que desvaloriza a actuação do sujeito;
- não se podem desvalorizar as entregas das parcelas de terreno decorrentes da celebração de contrato que, embora nulo por vício de forma, as partes consideraram de compra e venda, de posse em nome próprio, em simples detenção ou posse precária;
- a eficácia da inversão do titulo da posse depende de actos positivos materiais ou jurídicos;
- os factos provados correspondem ao exercício da posse, ao corpus, pelo recorrido, nos termos do direito de propriedade sobre as três parcelas de terreno;
- o facto de as operações urbanísticas dependerem de os requerentes comprovarem a legitimidade sobre o solo por elas abrangido é que motivou que a recorrente subscrevesse o requerimento de licenciamento do destaque das parcelas para a sua autonomização a pedido do recorrido;
- no documento de folhas 47 não há pedido de suspensão do processo por erro de áreas ou referência de que a recorrente tenha descoberto disparidade entre o que admitia ter pretendido vender e o que o recorrente afirmava ter sido pretendido vender;
- a recorrente não se considerava proprietária das parcelas de terreno em causa, mas que as havia vendido ao recorrido;
- os recorridos exercem desde Setembro de 1982 a posse nos termos do direito de propriedade sobre todas as parcelas de terreno;
- é uma posse não titulada por se fundar em negócio formalmente inválido – o contrato promessa e a permuta selada com aperto de mão entre Maio e Setembro de 1982 – artigo 1259º, nº 1, do Código Civil, pelo que se presume de má fé, ou seja, que ao adquirem-na não ignoravam que lesavam o direito de outrem;
- mas o recorrido não podia estar a lesar qualquer direito ao adquirir a posse por tradição das mãos do representante da recorrente, sendo que esta era, já em 17 de Março de 1982, a possuidora e titular inscrita dos prédios em que se compreendem as parcelas de terreno em causa;
- não lesou o direito de posse da recorrente, porque esta lha traditou com a consciência de ter vendido os terrenos em causa, nem o de propriedade porque com o escrito de 17 de Março de 1982 e com as entregas entre Maio e Setembro de 1982 e com o recebimento da integralidade do preço naquela primeira data, considerou ter vendido as últimas;
- não estava a lesar direitos ao adquirir a posse, que só poderiam assistir à recorrente, que lhos transmitiu voluntariamente, pelo que resulta ilidida a presunção de má fé subjectiva prevista no artigo 1260º, nº 2, do Código Civil;
- em consequência, o prazo de aquisição do direito de propriedade por usucapião é de quinze anos, nos termos do artigo 1296º do Código Civil, pelo que, por esse meio, o adquiriram sobre as aludidas parcelas de terreno.

II
É a seguinte a factualidade considerada provada no acórdão recorrido, com a inclusão da que consta dos documentos para os quais houve remissão, mantendo a ordem nem lógica nem cronológica que vem das instâncias, por se revelar a inconveniência da correcta ordenação:
1. Encontra-se inscrito a favor da Ré o prédio descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Cascais pela descrição n.º 08311/000331, freguesia São Domingos de Rana "Misto. Lugar do Arneiro," "Torre da Aguilha". Composto por: a) Rústico com a área de 158.606 m2, terreno estéril e mato, constituído pelas parcelas cadastrais 1 (parte), 2 (parte), 3, 4, 5, 6, 7 (parte), 12 (parte), 14, 15, 16 (parte), 18 (parte), 19 (parte), 21 e 26 do artigo 1852, secção 61-62-71-72, com o valor patrimonial de 392.868$00; b) Urbano, composto de edifício a sul que serve de garagem e residência do chaufeur; edifício a norte com frente a sul e casa baixa, tendo ainda cave que serve para arrecadações, com área coberta de 540 m2 e logradouro com 1540 m2, artigo 197, com o valor venal de Esc. 510.000$00. Confrontações: Norte: Rua do Forno da Cal, estrada da Mata Torre, António ..., Ribeira, José ..., Constantino .... e Outros, Bairro da Mata da Torre e Rua Principal; Sul: Caminho, EPAL, AA e outros, serventia e limite da freguesia; Nascente: Bairro da Mata da Torre, Rua Principal, estrada, limite de freguesia e Fernando Manuel Ribeiro e Castro; Poente: Constantino ... e outros, Rua ..., Luís Simões, estrada de serventia, Auto-Estrada e Fernando Manuel Ribeiro e Castro. Resulta da anexação das fichas 01523, 08266, 08267, 08268 e 08269 todos de São Domingos de Rana.
2. Em 17 de Março de 1982, foi celebrado um acordo es­crito designado por "contrato-promessa de compra e venda" entre a Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo e AA de onde consta assina­ladamente que:
«1.º - O primeiro outorgante declara que é dono e possuidor do artigo urbano n.º 197 de São Domingos de Rana, com a área de 1540 m2, composto de casa senhorial, instalações agrícolas e pátios, e do artigo rústico n.º 210 de Carcavelos, com a área aproximada de 20 (vinte) hectares (…) e que nesta qualidade de dono vende estes dois artigos ao segundo outorgante pela soma de Esc. 45.000.000$00 (quarenta e cinco milhões de escudos), do que já recebeu a soma de 5 000 000$00 (cinco milhões de escudos) como sinal e principio de pagamento e de que dá quitação, devendo ser entregue mais 10 000 000$00 (dez milhões de escudos até ao dia 30 de Junho de 1982 e os restantes 30 000 000400 (trinta milhões de escudos) até 30 de Outubro de 1982, data a partir da qual se fará a escritura a pedido do comprador, digo do promitente comprador, logo que possível.
«2.°/ - O primeiro outorgante declara e esclarece tam­bém os seguintes pontos referentes à venda acima referida:
«a/ - Que a auto-estrada Lisboa - Estoril projectada há longos anos, atravessará o artigo 210 acima mencionado, cuja respectiva área já foi expropriada e paga.
«b/ - Que a Companhia das Águas fez a passagem de uma conduta de água no sentido poente - nascente, num percurso da projectada auto-estrada. Já pagaram esta faixa assinalada.
«c/- Que passa também uma conduta de esgotos no senti­do norte-sul à margem do regato existente na propriedade.
«d/ - Que foram vendidos 6.080 m2 em comum e partes indivisas em regime de compropriedade, de que já se fez a escritura, mas sem destacamento matricial conforme foto­cópia que se entrega ao segundo outorgante.
«e/ - Que no campo do Arneiro foi construído um bloco de quatro moradias num talhão urbanizado, cuja inscrição e registo se encontra em vias de realizar. Este bloco e sua área não fazem parte do presente contrato.
«f/ - Que a quinta se encontra arrendada a Perguilha, Pecuária da Aguilha, Lda, e que antes da assinatura do presente contrato entregou ao primeiro outorgante, docu­mento da relação contratual de arrendamento, a si segundo outorgante, obtido e referente não só à parte agora vendida como a outra não vendida e de que o primeiro outorgante tomará posse (…).
“3º/ - O primeiro outorgante solicita também ao segundo outorgante o seguinte: a) que faça o possível para que não se proceda ao loteamento ou construção clandestina na área agora vendida; b) que deixe uma pequena faixa de terreno atrás da casa do Arneiro acima mencionada na alínea e), para dar entrada para a garagem da mesma, Essa entrada deverá ser pública num projecto de urbanização futura.
«4.°/ - O segundo outorgante, depois de tomar pleno conhecimento de tudo o que acima foi referido e da situação concreta dos aludidos prédios e assuntos pendentes, aceita integralmente este contrato e as suas condições e condicio­nalismos.
«5.º/ - As escrituras, seus encargos e demais diligências e formalidades tendentes à solução dos casos pendentes acima citados serão da responsabilidade do promitente-comprador”. O promitente vendedor estará contudo na disponibilidade para a assinatura das escrituras necessárias para a viabilização das referidas questões.
3. No dia 26 de Janeiro de 1983, no Cartório Notarial de Torres Novas, foi celebrada entre a Província Portuguesa da Congregação do Espírito representada pelo Reverendo AD, como primeiro outorgante, e JP e DP, JS e MS, JS, OS, FT e MT, EO e AO, AP e MF, AF e MR, AF e MF, MO e MR, AS e MS, LS e MS, AV e GV, e AP, como segundos outorgantes, TS como procurador da Epal – Empresa Pública de Águas Livres, como terceiro outorgante, e AA e BB, como quarto outorgante, escritura de permuta, rectificação e compra e venda, inserta a folhas 275 a 294, e em que o primeiro outorgante, além do mais, declarou vender ao quarto outorgante, pelo preço global de 11 500 000$,
que já recebeu do comprador 14 920 avos indivisos do prédio atrás referido do artigo 219º, todo o prédio do artigo 214 e todo o prédio do artigo 217º.
4. A Direcção-Geral do Turismo emitiu e enviou ao autor, AA e à ré, Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, no dia 8 de Fevereiro de 1994, a carta e anexos juntos a folhas 41 a 44, relativos à localização e estudo prévio de uma estalagem a instalar na Torre d’Aguilha, São Domingos de Rana, Cascais, a fim de dar cumprimento ao solicitado no ofício nº 00062, de 3 de Janeiro de 1994, pela Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo
5. Autor e ré assinaram o requerimento dirigido à Câ­mara Municipal de Cascais de folhas 45, no dia 2 de Novembro de 1999, concernente ao envio de elementos documentais relativos ao processo de construção nº 1255/99.
6. O Padre AD emitiu e enviou ao autor a carta datada de 17 de Fevereiro de 2001, que este recebeu, de onde consta assinaladamente:
«1 - Continuam válidas todas as afirmações que se encontram exaradas no contrato promessa de compra e venda feito na altura e que as partes possuem;
«2 - Dado que o artigo urbano referente ao dito "palácio" não tinha contornos bem definidos e que várias constru­ções tinham sido feitas através dos tempos no campo do tanque e atendendo a diversas dificuldades entretanto surgidas, foram oralmente definidos os seguintes limites para a área a ceder e que fariam parte da mesma venda:
«- Do lado do campo do tanque seria limitado por uma linha recta no seguimento do muro existente que forma a vedação das hortas do palácio e de parte da casa.
«3 - Parece que surgiram dificuldades quanto ao último ponto, isto é, o alinhamento do lado campo do tanque, parece que já houve um consenso e marcações no local com que muito me alegro;
«4 - Mais informo que tudo foi vendido pelo preço exa­rado no contrato promessa e tudo igualmente liquidado na mesma ocasião. As escrituras, a cargo e encargo do com­prador, seriam feitas quando o promitente-comprador o solicitasse depois de ter ele mesmo criado as condições legais para o fazer, isto e, o destacamento, o que parece não ter sido fácil».
7. A ré escreveu e emitiu a carta de folhas 47 dirigida à Câmara Municipal de Cascais de onde consta, assinalada­mente: «Relativamente ao processo em epígrafe, vimos di­zer que nada temos a opor a que o mesmo prossiga, desde que respeite os alinhamentos constantes do levantamento jun­to, por nós rubricado, efectuado de harmonia com os marcos colocados no terreno».
8. A ré emitiu e dirigiu a carta, datada de 31 de Maio de 1999, ao autor, com o seguinte teor: «A carta de V. fez com que, a nível de Província, fizéssemos o historial da venda do palácio da Torre d'Aguilha há vinte anos atrás. Felizmente que os ecónomos provinciais estão ac­tualmente na nossa Província e isso ajudar a tornar viva a memória dos compromissos assumidos. Na verdade, o P. AD confirma e reafirma, sem hesitações, que o que foi acordado no acto da venda foi o terreno a sul "no alinhamento do muro de vedação das hortas do palácio" da Torre d'Aguilha. E a linha vermelha que segue no mapa junto. Sublinha o mesmo P. AD que sempre fa­lou no alinhamento do muro, embora sentisse pressão para empurrar a linha divisória para o lado do tanque, o que nunca foi concedido».
9. O autor emitiu e enviou à ré a carta datada de 12 de Maio de 1999, junta por cópia a folhas 93, e de onde consta assinaladamente: «A 28.01.99 deu entrada na Câmara Municipal de Cascais o projecto de recuperação e condomínio do Palácio da Torre d'Aguilha, assinado por mim e pelo padre Marcelino, tendo-me deslocado a vossa casa em Lisboa para o efeito; «A 05.05.1999 recebi o ofício da CMC com cópia da reclamação do Padre Sousa, em que suspende o projecto dizendo nada ter a Congregação a ver com o mesmo, e não concordando com o limite da propriedade; «Entendemos de boa fé ser aquele alinhamento a me­lhor maneira de respeitar compromissos mútuos desde há vinte anos com o Padre Moreira Dias, defendendo todo o casario do Palácio».
10. A ré, em 15 de Novembro de 2000, requereu a rectificação ao Serviço de Finanças de Cascais nos termos que constam de folhas 94, expressando que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo 197 tinha a superfície coberta de 540 metros quadrados e logradouro de 1 540 metros quadrados.
11. No dia 16 de Março de 1983, autor e ré celebraram escritura de compra e venda tendo como objecto "Um – Prédio rústico, de cultura arvense, com área de dois mil nove­centos dez centiares, no sítio denominado Torres da Aguilha ou Alvajar, freguesia de Carcavelos, concelho de Cascais"; "Dois – Prédio rústico, composto de terra de mato e cultura arvense, com área de seis hectares e quatro mil trezentos e sessenta centiares, também no sitio denomina­do Torre da Aguilha e Alvajar, freguesia de Carcavelos, de Cascais", junta por cópia a folhas 107 a 112.
12. Em 11 de Março de 1982, a ré e a sociedade Perguilha-Pecuária d'Aguilha, Lda acordaram, conforme folha 117, a "rescisão do contrato" de arrendamento do prédio denominado Quinta da Torre da Aguilha, a partir de 12 de Março de 1982.
13. Em 14 de Dezembro de 2000, a ré, através dos seus mandatários, emitiu e enviou ao autor a carta junta por cópia a folhas 119 a 121, com o conteúdo que daí consta, sendo os últimos quatro parágrafos do seguinte teor: “Ainda relativamente aos artigos 212º e 213 continuam as averiguações tendentes a consolidar ou não o direito que se afigura ter a Congregação a cerca de 2 000 m2 que sobram. Quer dizer, os artigos provenientes do artigo 210º da freguesia de Carcavelos estão todos eles vendidos, restando apenas, para cumprir o contrato por parte da Congregação, o artigo 197º urbano de S. Domingos de Rana. Lamento que só agora se tenha clarificado a questão, provocada pelo desconhecimento por parte do signatário, das escrituras de Torres Novas, e também, por parte dos actuais responsáveis da Congregação, e do Sr. Padre Marcelino, de todo o historial referido, tendo sido induzidos em erro perante a sua repetida afirmação de que faltava escriturar-lhe a área por V. Exa. reivindicada. O contrato de promessa será concluído, relativamente ao artigo 197, se V-Exa. cumprir o resto do contrato de promessa, nomeadamente o preenchimento das condições requeridas para o destaque das moradias, que, embora não façam parte do contrato de 17/3/82, no sentido de que não lhe foram prometidas vender, são objecto do nº 5 do mesmo, devendo ser da resolução de V.Exª. Entretanto, como representante da Congregação, estou ao dispor para qualquer esclarecimento”,
15. O autor emitiu e enviou a Ré a carta junta por cópia a folhas 122 e 123, onde consta a data de 22 de Dezembro de 2000, onde expressa “Saúdo V. Rmo como autoridade máxima da Congregação e venho escrever-lhe, dadas as nossas boas e leais relações, a fim de pormos termo às dúvidas que parecem existir quanto à compra que fiz à Vª. Congregação na Torre da Aguilha. Como V. Rmo sabe, com a assinatura do contrato promessa de 17 de Março de 1982 e pagamento da totalidade do preço e fixação posterior dos limites da parte compradora, tomei posse de toda a área que se acordou fazer parte da venda e tenho sobre ela exercido os poderes de um normal proprietário. Só posteriormente – e de comum acordo – foram sendo feitas as respectivas escrituras públicas, designadamente do artigo 210º que adquiri na totalidade, o qual posteriormente foi dividido em vários artigos matriciais pelo que a área sobrante do artigo 210 e pertencente a este é minha propriedade, só faltando a escritura. Quanto ao artigo 197 urbano e uma área do artigo 1852º que fica a sul de uma linha recta que vai da ribeira à Estrada do Arneiro no alinhamento do muro da vedação das hortas, falta fazer a escritura pública de venda, e só não foi ainda feita por causa da necessidade de destaque desta parcela do artigo 1852º. Aliás, tudo o que atrás refiro foi confirmado pelo Sr. Padre AD e Padre Marcelino Duarte Lopes conforme carta de 31/5/99 do Exmo. Superior Provincial Padre Eduardo Miranda Ferreira, C.S.Sp. E desde a assinatura do contrato promessa e pagamento imediato do preço acordado, tomei posse de toda esta área e do artigo urbano e exerço o domínio público, pacífico e à vista de todos, sobre tais áreas, o que é público e notório, tendo ficado com o rendeiro da parte do artigo 1852 com o qual posteriormente negociei a saída, pagando-lhe uma indemnização. Até agora nunca foi posto em causa o que atrás refiro e espero que não seja agora a ser posto em causa, pois os anteriores responsáveis da Congregação e que, comigo, negociaram confirmam o que atrás refiro. Como V.Exa. sabe, há mais de 18 anos que sempre mantive e mantenho com a Congregação as melhores relações pessoais e profissionais e por isso tomo a liberdade de me dirigir a V. Rmo, cuja elevação de espírito sempre admirei, no sentido de se realizar uma reunião com todos com vista a por termo definitivo a esta situação que me custa a ter com a Congregação a que V.Rmo preside e com a presença de todos os intervenientes ou seja, V. Rmo a presidir, eu, Sr. Padre AD, Sr. Padre ML e Sr. Padre JS no Seminário da Torre da Aguilha, no dia 29 de Dezembro, pelas 15 horas, ou em qualquer outro dia e hora que V. Rmo entenda conveniente, mas com a urgência que o assunto requer. Prontifico-me, caso seja necessário, a pagar as deslocações dos Senhores Padres, a fim de poderem estar presentes. Agradeço que V. Rmo dê conhecimento desta minha boa vontade de resolver este assunto aos referidos Senhores Padres e fico, com a certeza de que V. Rmo mais uma vez tomará a decisão certa, quanto aos compromissos assumidos, a aguardar resposta de V.Exº a esta minha solicitação”.
16. A ré emitiu e enviou ao Autor a carta datada de 11 de Janeiro de 2001 junta por cópia a folhas 124, do seguinte teor: “Acuso ter recebido na Rua de Sto. Amaro à Estrela, sede da Província Portuguesa da Congregação do Espírito Santo, a carta de V.Excia. sem data, a que passo a responder. Espero que tenha sido avisado a tempo da minha indisponibilidade, por ausência, para comparecer na reunião por si sugerida. Quanto ao conteúdo da carta em resposta, fico perplexo com a circunstância de o Senhor Costa se arrogar do direito de propriedade de terrenos que são da Congregação que lhe não forem vendidos e que não estão incluídos, afinal, no contrato de promessa de 17/03/1982. Diz V.Excia. ter tomado posse de toda a área que se acordou fazer parte da venda, Mas nem o objecto da promessa inclui qualquer parcela do artigo rústico 1852 nem os elementos de que disponho permitem sustentar aquela sua afirmação de posse relevante, antes o contrário é que é verdade. Fico aliás surpreendido com os protestos de lealdade de procedimentos e de amizade para com a Congregação em simultâneo com a afirmação de que pretende assenhorear-se de terrenos da Congregação que sabe não ter comprado nem prometido comprar e relativamente aos quais não houve, por parte da Congregação, qualquer acto de disposição válido e eficaz. Reitero que a Congregação cumprirá os compromissos assumidos no contrato de promessa. O objecto desse contrato é exclusivamente o artigo 210º rústico e o 197º urbano e este com a área de 2 080 m2, faltando apenas cumprir o que diz respeito a este último em reciprocidade com o cumprimento integral do compromisso assumido por V. Excia. no contrato de promessa. Como compreenderá, a posição por si tomada de se pretender assenhorear de terrenos que são da Congregação invocando ora o contrato invocando ora o contrato de promessa (que não os inclui), ora a aquisição por usucapião (cujos pressupostos não se verificam) e que implicaria que a Congregação ficasse sem terrenos e sem contrapartida, aconselham a que o diálogo se mantenha a nível de correspondência escrita. Caso pretenda estabelecer contactos ao nível pessoal deverá contactar o nosso advogado, Sr. Dr. António d’Orey da Cunha”.
17. O Autor emitiu e enviou ao mandatário da ré a carta datada de 9 de Novembro de 2000 junta a folhas 125 a 129, do seguinte teor: “Acuso a recepção do fax de V. Exa. em epígrafe – de 31/10/2000, e venho prestar a V.Exa. os seguintes esclarecimentos: Nos termos do contrato de 17 de Março de 1982 ficou assente no nº 1, parte final (linhas 12 a 15), que pagas as quantias acordadas, a partir de 30 de Outubro de 1982 se fará a escritura a pedido do comprador, digo do promitente-comprador, logo que possível. Em cumprimento desse contrato de 17/03/1982, em fins de 1998, o promitente-comprador apresentou na Câmara Municipal de Cascais um projecto de condomínio, depois de assente com a Câmara e devidamente assinado pela Congregação. Como posteriormente o novo Ecónomo Provincial Ven. Padre JS discordasse do alinhamento, anteriormente acordado pela Congregação, procedeu-se ao novo alinhamento, tendo sido apresentada nova planta do projecto com a assinatura legalizada da Congregação, após a colocação de marcos no terreno. A Congregação declarou por escrito e assinou que não se opunha ao projecto desde que fosse respeitado este novo alinhamento, tendo sido esta declaração junta ao processo camarário. Em contradição com o acordado e aceite pela Congregação, e enquanto o promitente comprador aguardava esse destaque e a feitura da escritura, com todas as autorizações necessárias, teve este conhecimento que a Congregação, em Outubro de 2000, apresentara um projecto de loteamento, que deturpava o fim e o destino do meu lote – construção de um condomínio – que sempre fora do conhecimento da Congregação e por esta aceite e autorizado. Do exposto, resulta claro (dado que já foi pago à Congregação a totalidade do preço acordado – 45 000 contos) que no projecto da Congregação devia esta respeitar o condomínio que o promitente-comprador acordara com a Câmara Municipal de Cascais e com a concordância da Congregação. No entanto, por razões que me escapam, a Congregação alterou, sem meu conhecimento e violando o que aceitara, o destino desse meu lote para escritórios, com consequências ainda não determinadas. Assim, solicito a V. Exa os seus bons ofícios no sentido de se comunicar à Câmara no projecto da Congregação que no meu lote se pretende um condomínio e não qualquer outro fim ou destino, estando desde já disposto conjuntamente com a Congregação para se atingir esse necessário desiderato. Quanto à pequena faixa de terreno atrás da casa do Arneiro para dar entrada para as garagens da mesma (vide art. 3º alínea b) do citado contrato de 17/03/1982), teve o promitente comprador o cuidado de cumprir de imediato o acordado e fez a escritura e registo dessa faixa em nome dos interessados, proprietários e residentes na Vivenda do Arneiro há mais de 15 anos: A) António ... – 174 m2 (avos) inscrição nº 36 554, e B) João ... – 206 M 22 (avos) inscrição nº 38 509. Quanto ao nº 2 do fax de V. Exa mais uma vez se estranha o seu teor. Na verdade, nos termos do nº 2 alínea e) do contrato-promessa citado por V.Exa ficou estabelecido que no campo do Arneiro foi construído um bloco de 4 moradias num talhão urbanizado, cuja inscrição e registo se encontra em vias de se realizar. Este bloco e sua área não fazem parte do presente contrato. Logo, o promitente-comprador nada tem a ver com esta situação nem com a sua legalização. No entanto, e no espírito de esclarecimento que me anima, venho trazer a V.Exa os seguintes factos: A) A Comissão do Bairro da Torre da Aguilha – de que o signatário apenas era membro – foi contactada pela Congregação e pelos proprietários para incluir no loteamento da Comissão essas vivendas pois, segundo referiram, não tinham outra possibilidade de legalização. B) A Comissão aceitou e alterou o projecto de loteamento a fim de proceder a esta inclusão, ficando os respectivos proprietários com os mesmos direitos e deveres dos demais proprietários e sujeitos às obrigações impostas pela Lei nº 91/95,de 2 de Setembro. C) Assim sendo, o signatário nada tem a ver com o exposto, devendo todos os proprietários em comum procederem ao pagamento das quantias necessárias às infra-estruturas de todos os lotes, a fim de a Comissão poder legalizar o loteamento uma vez que só a ela, Comissão, compete nos termos da lei. Quanto ao nº 3 do fax de V Exa e referente ao artigo matricial nº 219, esclarece que, nos termos do nº 1 do contrato promessa de 17/03/1982, o promitente comprador adquiriu todo o artigo matricial rústico nº 210 com a área aproximada de vinte hectares. Como a Congregação sempre soube, houve necessidade de transformar o artigo 210 em vários artigos: 212º, 214º, 217º, 218º e 219º, através de requerimentos assinados pela Congregação. Quis-se, assim, integrar no artigo 219º a compropriedade indivisa existente na Torre da Aguilha dos 8 0 80 m2 (avos) conforme se acordou no nº 2, alínea a) do contrato de 73/03/82. Do exposto resulta que todos os artigos resultantes do desmembramento do artigo 210º atrás referidos pertencem ao promitente-comprador que já liquidou a totalidade do preço à Congregação. E porque assim foi e ficara acordado, a Congregação foi-me fazendo as escrituras.

Quanto ao artigo 219º - devido ao facto de existir a compropriedade indivisa dos 6 080 m2/avos – ficou também acordado com a Congregação que em vez de me ser feita a escritura de todo o artigo, far-se-iam, por maior facilidade burocrática e por acordo de todos os interessados, as escrituras directamente com estes, de harmonia com as minhas comunicações, nada mais podendo a Congregação exigir. Ao ser-me feita a escritura de 14 920 avos não me foi vendida a totalidade do artigo 219º, já por mim paga, tendo sobrado 1 110, 27 m2 que, embora em nome da Congregação, são minha pertença de acordo com o contrato promessa e do que atrás se deixou dito. Deste modo, entendo que, perante o acordado no citado contrato promessa e a transformação do artigo 210º em 5 novos artigos e o pagamento total do preço, os restantes 1 110, 27 m2 devem ser vendidos pois não são da Congregação. No entanto, estou ao dispor de V. Exa para maior esclarecimento desta questão, informando todavia que o loteamento deste artigo rústico foi dirigido pela Comissão de Administração do Bairro de S. Miguel das Encostas (Proc. Nº 3913/90 – CMC). Será a esta Comissão que se deverá dirigir a Congregação se, por absurdo, entender que ainda é proprietária (embora já tenha prometido vender nos termos indicados) dos referidos 1 110,27 m2 (avos). Agradeço, pois, que V.Exa me informe o que pretende a Congregação fazer quanto a estes 1 110, 27 m2 (avos) perante o que ficou acordado entre mim e a Congregação. Pedindo desculpas pelo tempo que tomei a V.Exa com estes esclarecimentos, e ficando ao inteiro dispor de V Exa e da Congregação para resolver os problemas pendentes referidos nesta minha carta, subscrevo-me”.
18. O autor dirigiu à Câmara Municipal de Cascais, no dia 9 de Julho de 2001, a carta junta a folhas 130 e 131, do seguinte teor: “1- Na sequência de um contrato promessa firmado em 17 de Março de 1982, o requerente comprou à Congregação do Espírito Santo uma vasta área de terreno, que integrava uma construção em ruína, destinada a loteamento urbano, no lugar do Arneiro – Torre da Aguilha, freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de Cascais, a destacar do prédio misto descrito na ficha nº 00684 daquela freguesia (antiga descrição predial nº 3434 a fls. 190 do Livro B-10) da 1ª Conservatória do Registo Predial de Cascais. Uma parte desse prédio, com área um pouco inferior à alienada, foi mantida na posse e propriedade da Congregação. Actualmente, estão em curso para apreciação e despacho no Departamento de Urbanismo e Infra-estruturas dessa Câmara, dois processos de loteamento, um apresentado pelo aqui requerente, registado sob o nº 1225/99 e outro apresentado pela Congregação, registado sob o nº 6061/2000. Porque houve necessidade de proceder a várias operações jurídicas para tornar possível à Congregação o cumprimento da promessa de compra e venda, a transmissão da propriedade foi feita por parcelas e em vários actos notariais. E assim se procedeu, por meras razões de ordem jurídica, e no interesse da promitente vendedora. Ora, com surpresa e incumprindo o que ficou contratado, a Congregação está a incluir no loteamento por si requerido, e na parte que lhe pertence, uma parcela de terreno que é propriedade e está na posse do aqui requerente desde a data do contrato promessa. O título e razão do requerente quanto ao que afirma estão abonados no contrato promessa, na planta e na carta referente ao projecto apresentado nessa Câmara em 28 de Janeiro de 1999 (embora o número do processo nessa carta esteja errado, por mero lapso, pois o seu número é 1255/99), que foram aceites e assinaladas pelo legal representante da Congregação (Anexos 1 e 2) bem como no documento de junção de elementos de 2/11/99, igualmente assinado pelo requerente e pelo representante da Congregação (Anexos 3,4 e 5). Aliás, e reiterando a posse e propriedade do requerente, foram colocados marcos a definir as extremas das duas propriedades por acordo de ambas as partes. Isso considerado, o projecto de loteamento apresentado pela Congregação viola o direito de propriedade do requerente. Não se duvida que essa violação resulta de um erro, Mas, é esse um erro que, a não ser corrigido, prévia e imediatamente, é susceptível de causar graves danos ao requerente e, em última instância, à própria Congregação, se não a terceiros, visto que virá a viciar o acto administrativo que venha a dar deferimento ao projecto apresentado. Por isso, a bem da justiça e da economia processual e de meios impõe-se suspender a apreciação do projecto de loteamento apresentado pela Congregação até que as partes, se possível por acordo, façam a demarcação das suas propriedades. De resto, e ao que se sabe, crê ser esse o critério seguido por esse Departamento quando existam conflitos de vizinhança. Isso o que pede o requerente, que se coloca à disposição de V. Exa. Para quaisquer outros esclarecimentos ou apresentação de mais provas”.
19. Os autores mandaram vedar o imóvel em causa com uma rede, a ré opôs-se a essa vedação, e pretendia outorgar a escritura apenas re­ferente ao artigo 197 º.
20. No terreno identificado como B no documento de folhas 18 existem construções, as quais, juntamente com o pá­tio e logradouro envolvente, ali delimitado, têm a área de 6 866,39 metros quadrados.
21. À data da celebração do acordo denominado contra­to-promessa, identificado no segundo parágrafo, não obstante a área aí mencionada, foi entregue aos autores a área de terreno referida no parágrafo anterior, sem oposição de ter­ceiros e da ré;
21-A) Em função das dificuldades acrescidas com que o autor marido se confrontou na resolução da situação de indivisão que afectava uma parte do prédio rústico, o Padre MA acedeu em ceder aquele outras áreas de terreno, que não as identificadas nos dois parágrafos anteriores;
22. Entre Maio e Setembro de 1982, o representante da ré, Padre AD, entregou aos autores essas outras áreas do terreno identificado no docu­mento de folhas 18, correspondentes às letras A e C e que são parte do terreno inscrito na matriz sob o n.º 1852, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 08311.
22-A) Com a celebração da escritura a que se refere o parágrafo terceiro, foi resolvida a situação de indivisão que afectava uma parte do prédio rústico identificado no contrato-promessa.
23. Os autores ocupam a parcela de terreno correspondente à letra B do documento de folhas 18 desde 17 de Março de 1982 e as parcelas identificadas como A e C no documento de folhas 18, desde data indeterminada situada entre Maio e Setembro de 1982, sem oposição da ré, até pelo menos, Maio de 1999, e de terceiros, por via da entrega aos mesmos feita pelo Padre AD.
24. Foi o autor marido que negociou com a firma Perguilha, "arrendatária" dos terrenos pertencentes à ré e entregues ao autor, a rescisão do "contrato de arrendamento.
25. Após a rescisão do "contrato de arrendamento" com a Perguilha, o autor criou gado no terreno em causa e autorizou terceiros a cultivarem partes do mesmo.
26. O autor autorizou Carlos Alberto Eugénio Ramos a lavrar e colher feno nas terras entre o Palácio e a Estrada do Arneiro, e os Senhores Mota e Vítor Tavares a cultivar as terras a Poente do Palácio da Torre d'Aguilha, e AP a criar porcos na zona do palácio.
27. O autor vem actuando da forma descrita à vista de toda a gente e sem oposição, e pelo menos algumas pessoas da zona consideram os autores, donos dos terrenos em questão.
28. Foram publicadas as notícias documentadas a folhas 55 a 57, em 31 de Maio de 1995, sob os títulos “Velho Palácio poderá ser restaurado para fins turísticos”, “Torre da Aguilha escapa à demolição, e, a 6 de Setembro de 2000, no Jornal da Região – Cascais, sob o título “Torre da Aguilha, Entre a espada e a parede”, e no mesmo jornal, de 4 de Outubro de 2000, sob o título “Direito de Resposta, assinado por AA e nota de José d’Encarnação.


III
A questão essencial decidenda é a de saber se são os recorridos ou a recorrente os titulares do direito de propriedade sobre as questionadas parcelas de terreno.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões formuladas pela recorrente e pelos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei processual aplicável ao recurso;
- deve ou não alterar-se o quadro de facto fixado pela Relação na sequência da respectiva decisão?
- posse e detenção de coisas.
- aquisição do direito de propriedade por usucapião.
- tradição da coisa prometida vender conexa com o contrato-promessa;
- as parcelas de terreno em causa são ou não possuídas em nome próprio pelo recorrido?
- a posse exercida pelos recorridos assume ou não idoneidade para a aquisição do direito de propriedade?

Vejamos, de per se, cada uma das referidas subquestões.

1.
Comecemos por uma breve referência à lei processual aplicável ao recurso.
Como a acção foi intentada no dia 26 de Abril de 2002, ao recurso não é aplicável o regime processual anterior ao decorrente do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
É-lhe aplicável o regime anterior ao implementado pelo referido Decreto-Lei (artigos 11º, nº 1, e 12º, nº 1).

2.
Continuemos com a subquestão de saber se deve ou não alterar-se o quadro de facto fixado pela Relação na sequência da respectiva decisão.
A recorrente alegou as expressões entregue, entregou, ocupam e entrega constantes dos pontos 21 a 23 são conclusivas e equiparáveis a matéria de direito, e que, por isso devem ser consideradas não escritas.
Ora, o tribunal da primeira instância fixou a matéria de facto que inseriu sob os nºs 21, 22 e 23, respectivamente, nos seguintes termos:
- à data da celebração do acordo denominado contrato promessa, identificado no segundo parágrafo, não obstante a área aí mencionada foi entregue aos autores a área de terreno referida no parágrafo anterior sem oposição de terceiros e da ré.
- após a celebração da escritura referida no terceiro parágrafo, o representante da ré, Padre AD, entregou aos autores o terreno identificado no documento de folhas 18, correspondente a parte do terreno inscrito na matriz sob o n° 1852, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 08311.
- desde a data referida no parágrafo anterior, os autores ocupam as parcelas de terreno identificadas como A, B, e C no aludido documento.
Na sequência da impugnação pelos autores da referida decisão da matéria de facto, a Relação manteve a factualidade identificada sob 21, e alterou a elencada sob 22 e 23.
Quanto a estes últimos dois quesitos, embora tivesse alterado o respectivo conteúdo, ampliando o quadro de facto a considerar assente, a Relação manteve as expressões entregou aos autores e os autores ocupam.
Todavia, no ponto 23 a Relação utilizou, de novo, a expressão por via da entrega, agora por referência aos terrenos A e C, em conexão com a expressão ocupam que antes apenas se referia ao terreno B.
Neste quadro, importa distinguir, quanto às referidas expressões que a recorrente considera conclusivas ou equiparáveis matéria de direito, entre aquelas que já constavam da decisão da matéria de facto proferida no tribunal da primeira instância e as que resultaram da decisão da matéria de facto proferida pela Relação.
Certo é que, tendo a ora recorrente obtido ganho absoluto de causa no tribunal da primeira instância, não podia interpor recurso da sentença a fim de impugnar a decisão da matéria de facto.
Todavia, em quadro de ampliação do âmbito do recurso de apelação, nas respectivas alegações, a título subsidiário, ela podia impugnar a decisão da matéria de facto nos referidos pontos, prevenindo a hipótese de procedência daquele recurso (artigo 684º-A, nº 2, do Código de Processo Civil).
Como a recorrente não implementou a referida ampliação do recurso de apelação, não tinha a Relação que conhecer dos referidos pontos da decisão da matéria de facto, o que significa que, em relação a eles, a sentença proferida no tribunal da primeira instância deve ser considerada definitiva.
Em consequência, independentemente da questão de saber se a concernente sindicância se inscreve ou não na sua competência funcional, não pode este Tribunal conhecer desses pontos de facto.
Vejamos agora se a Relação, na decisão sobre a impugnação da matéria de facto, ao utilizar de novo a expressão por via da entrega, em conexão com maior abrangência da expressão ocupam, infringiu alguma norma de direito processual em termos de tais segmentos deverem ser considerados inexistentes.
Os quesitos da base instrutória devem inserir questões de facto que sejam relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito (artigos 508º-A, nº 1, alínea e), e 511º, nº 1, do Código de Processo Civil).
No caso de algum quesito inserir matéria juridicamente qualificável como questão de direito, não pode o tribunal da primeira instância decidi-la, e se a decidir, respondendo-lhe, deve a resposta ser considerada não escrita, ou seja, inexistente (artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Na hipótese de ser a Relação a cometer a referida ilegalidade processual, a solução é a mesma, de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer, por se tratar de violação da lei de processo (artigo 722º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Está em causa, conforme já se referiu, por um lado, a expressão entregou no contexto aos autores das áreas de terreno A e C, e, por outro, a expressão ocupam por referência às aludidas áreas e aos autores.
E tal como acima ficou dito, a base instrutória só deve incluir matéria de facto, mais concretamente a controvertida que releve para a decisão das pertinentes ou plausíveis questões de direito que o litígio suscite. Isso implica que se determine o que é para a lei a matéria de facto no confronto do que dela resulta ser matéria de direito.
A expressão facto é derivada da latina factum, associada ao verbo fazer ou causar, designando o acontecimento ou acto, isto é, tudo o que acontece, que se faz ou é feito. Temos, assim, factos naturais ou acontecimentos sem intervenção do ser humano e voluntários se representarem acções humanas, e, sendo susceptíveis de produzir, efeitos jurídicos, são designados por factos jurídicos.
Dir-se-á, assim, ser matéria de facto a que envolve os acontecimentos ou circunstâncias do mundo exterior, os fenómenos da natureza, as manifestações concretas dos seres vivos e as actuações dos seres humanos, incluindo as do foro interno.
A matéria de direito, por seu turno, envolve a expressão dos princípios e das regras jurídicas a aplicar, ou seja, tem essencialmente a ver com a interpretação e aplicação das normas jurídicas.

As conclusões sobre a matéria de facto são desta natureza, o que não acontece, como é natural, com as conclusões jurídicas, nem com os juízos de valor, sejam estes de facto ou de direito.
A circunstância de um determinado conceito constar da lei, não significa que não possa ser considerado matéria de facto, desde que seja utilizado com o sentido de acontecimento ou manifestação do mundo exterior.
O verbo entregar significa essencialmente, em sentido corrente ou vulgar, o passar por uma pessoa uma coisa para as mãos de outra, e a expressão entregou significa essa entrega no pretérito.
Mas também é susceptível de significar, em sentido jurídico, a tradição, ou seja, o que se passa para as mãos de outrem porque a este pertencia ou em cumprimento da obrigação de transmissão.
O verbo ocupar envolve vários sentidos vulgares, designadamente o de encher um espaço, preencher determinado tempo, estabelecer-se num determinado espaço ou habitar uma casa. Mas também susceptível de envolver, através do substantivo ocupação, o sentido jurídico de apropriação de coisa móvel sem dono com a intenção de a adquirir.
A determinação do sentido em que estão utilizadas as expressões entregou e ocupam, ou seja, se o estão em sentido jurídico ou de facto, deve ocorrer no contexto respectivo em que estão inseridas.
E decorre do mencionado contexto que as mencionadas expressões estão utilizadas nos referidos sentidos de passagem das parcelas de terreno para o domínio de facto do recorrido e de exercício desse domínio por ele, incluindo a sua utilização, o que significa que não estão empregues em sentido jurídico, mas de facto.
Assim, ao invés do que a recorrente alegou, a Relação não infringiu o disposto no artigo 646º, nº 4, do Código de Processo Civil, nem, naturalmente, a norma substantiva da alínea b) do artigo 1263º do Código Civil.
Inexiste, por isso, fundamento legal para a alteração da decisão da matéria de facto proferida pela Relação nos pontos em que as mencionadas expressões entregou e ocupam estão inseridas.
Segundo foi considerado pela Relação, tal como tinha sido considerado provado no tribunal da primeira instância, o recorrido pagou à recorrente o preço convencionado para a venda.
A recorrente, não pôs em causa, no recurso de apelação, por via da sua ampliação, naturalmente a título subsidiário, nos termos do artigo 684º-A, nº 2, do Código de Processo Civil, a afirmação de facto relativa ao mencionado pagamento, e a Relação não a pôs a em causa, nela baseando também a parte decisória do acórdão.
A recorrente, todavia, põe em causa o referido facto, alegando que ele não foi nem pode ser considerado provado.
É certo que o referido facto não foi oportunamente seleccionado para integrar o elenco da matéria de facto assente nem a base instrutória e, consequentemente, não consta do elenco autónomo dos factos provados constante da sentença proferida no tribunal da primeira instância nem no acórdão da Relação (artigos 508º-A, nº 1, alínea e), e 511º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Todavia, está assente que o Padre AD declarou ao autor, em carta datada de 17 de Fevereiro de 2001, que tudo foi vendido pelo preço exa­rado no contrato promessa e tudo igualmente liquidado na mesma ocasião, e que as escrituras a cargo do último seriam feitas quando este o solicitasse, depois de haver criado as condições legais para o fazer - o destacamento.
O pedido que os recorridos formularam na acção no confronto da recorrente foi o de declaração de titularidade do direito de propriedade sobre as questionadas parcelas de terreno, e a causa de pedir foi estruturada na usucapião, ou seja, na envolvência dos factos integrantes da posse por determinado período de tempo e dos demais requisitos de idoneidade para o efeito (artigos 1287º do Código Civil e 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
Isso significa que o referido facto de pagamento não é essencial, principal ou complementar, no que concerne à pretensão formulada pelos recorridos no confronto da recorrente, mas simplesmente instrumental em relação a ela, e consequentemente, como resultou da instrução da causa, podia ser considerado pelas instâncias (artigo 264º, nº 3, do Código de Processo Civil)
Acresce que este Tribunal não tem competência funcional para sindicar a decisão das instâncias quanto à ilação que extraíram da mencionada carta, ou seja, o juízo de facto por via do qual consideraram provado o referido facto (artigos 26º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais e 729º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Em consequência, não pode este tribunal anular a decisão das instâncias no sentido de estar provado o aludido pagamento do preço das parcelas de terreno, o que significa não poder proceder a alegação da recorrente em sentido contrário.

3.
Prossigamos, ora, com uma breve síntese do regime jurídico relativo à posse ou detenção sobre coisas.
A posse é o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (artigo 1251º do Código Civil).
É caracterizada por via do corpus ou domínio de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efectivo de poderes materiais sobre ela ou na possibilidade física desse exercício, e o animus, consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular, um direito real de gozo correspondente àquele exercício.
Adquire-se originária ou derivadamente, no primeiro caso por apossamento ou inversão do título e, no segundo, por tradição, sucessão ou constituto possessório. Mas no caso vertente apenas relevam o apossamento, a traditio e a inversão do título da posse, a que se reportam, respectivamente, as alíneas a), b) e d), do artigo 1263º do Código Civil.
O apossamento traduz-se na aquisição unilateral da posse por via do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com publicidade, de actos materiais correspondentes ao exercício do direito.
A traditio consubstancia-se na transferência voluntária da posse entre vivos, em regra quando a transmissão da situação jurídica e da situação de facto coincidem, o que ocorre quando há entrega da coisa.
A inversão do título da posse ocorre quando o detentor da coisa se opõe, por actos positivos inequívocos, como se fosse, por exemplo, dela proprietário, àquele em cujo nome a possuía.
A posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, presumindo-se que continua em nome de quem a começou, e é legalmente classificada de titulada e não titulada, de boa ou de má fé, pacífica ou violenta e pública ou oculta (artigos 1257º e 1258º do Código Civil).
A posse titulada é a fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente e da validade substancial do negócio jurídico, sendo que o título, ou seja, o negócio jurídico aquisitivo, se não presume e deve ser provado por quem o invoca (artigo 1259º do Código Civil).
Assim, não é titulada a posse não fundada em modo legítimo de adquirir ou em negócio afectado de nulidade por vício de forma.
É pacífica a posse adquirida sem violência, ou seja, se o possuidor, para a obter, não usou de coação física ou moral, esta caracterizada por derivar do receio de um mal objecto de ameaça à pessoa, à honra ou a fazenda do anterior possuidor ou de terceiro, salva a ameaça do exercício normal de um direito ou o simples temor reverencial (artigo 1261º do Código Civil).
É pública a posse exercida de modo a ser conhecida dos interessados, e oculta no caso contrário (artigo 1262º do Código Civil).
A posse é de boa fé, em sentido psicológico, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la que lesava o direito de outrem, e de má fé na situação inversa (artigo 1260º, nº 1, do Código Civil).
A titulada presume-se de boa fé e a não titulada de má fé, e a adquirida com violência de má fé, seja ou não titulada (artigo 1260º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
São, por seu turno, havidos como detentores ou possuidores precários, os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito, os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito e os representantes ou mandatários do possuidor e, de modo geral, todos os que possuam em nome de outrem (artigo 1253º, alíneas a) a c), do Código Civil).
A alínea a) reporta-se essencialmente aos possuidores em nome alheio, como é o caso, por exemplo, das pessoas que trabalham no prédio para os respectivos titulares do direito de propriedade.
A alínea b), por seu turno, refere-se às pessoas que se aproveitam da utilidade de alguma coisa com base no consentimento expresso ou tácito do titular do respectivo direito real.
Finalmente, a alínea c) alude aos actos praticados sobre as coisas pelos representantes ou mandatários do possuidor, e, em geral, por quem seja possuidor em nome de outrem, como é o caso, por exemplo, do locatário ou do titular do direito de retenção em relação ao direito de propriedade.
Dir-se-á, em suma, que os detentores ou possuidores precários a que este artigo se reporta são aqueles que têm o corpus, ou seja, o domínio de facto sobre a coisa, mas não com a intenção de se comportarem como titulares do direito correspondente.

4.
Vejamos, agora, a síntese do regime jurídico da aquisição do direito de propriedade por usucapião.
Conforme já se referiu, a posse mantém-se enquanto durar a actuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, e presume-se que ela continua em nome de quem a começou (artigo 1257º do Código Civil).
Assim, a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais, pelo que há corpus da posse enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ela.
A posse relativa ao direito de propriedade, por exemplo, mantida por certo lapso de tempo, faculta a quem a exerce em termos correspondentes, salvo disposição em contrário, a sua aquisição com efeitos que se retrotraem ao seu início (artigos 1287º e 1288º do Código Civil).
É uma forma originária de aquisição de direitos sobre as coisas, em quadro de extinção de qualquer encargo que sobre elas incidissem.
Não havendo registo do título ou o próprio título, a usucapião ocorre no prazo de quinze ou de vinte anos, contado do início da posse usucapível, conforme seja de boa ou de má fé (artigo 1296º do Código Civil).
Não podem adquirir pelo referido modo os detentores ou possuidores precários, a não ser que invertam o título da posse, caso em que os respectivos prazos se contam desde aquela inversão (artigo 1290º do Código Civil).
Constituída a posse com violência ou tomada ocultamente, os prazos de usucapião só começam a contar-se cessada a violência tornando-se a posse pública (artigo 1297º do Código Civil).
Assim, são elementos essenciais da aquisição do direito real por usucapião, as circunstâncias de a posse ser pública e pacífica, enquanto as características de ser ou não titulada ou de má ou boa fé só influem no tempo dela necessário para o efeito.

5.
Atentemos, ora, na problemática da tradição e da posse no âmbito dos contratos-promessa.
Dada a natureza e o fim do contrato-promessa, não faz sentido questionar se por via dele se transmite o direito de propriedade sobre a coisa tradiciada. Questiona-se, sim, se o tradiciário, por via da tradição da coisa, passa, em relação a ela, a ser um mero detentor ou um possuidor.
Conforme se vê da doutrina e da jurisprudência indicada pelas partes, discute-se a natureza jurídica da entrega da coisa prometida vender pelo promitente vendedor ao promitente-comprador.
Delas decorre, por um lado, ser a regra no sentido de a posição do promitente-comprador tradiciário se configurar, quanto à coisa tradiciada, em termos de posse em nome alheio até à celebração do contrato prometido.
E, por outro, excepcionalmente, face à especificidade das circunstâncias envolventes da tradição, poder a sua posição dela derivada ser juridicamente qualificável de posse em nome próprio.
A solução a dar a esta questão, que é controvertida na doutrina e na jurisprudência, tem, naturalmente, de resultar da interpretação da lei e do sentido dos factos disponíveis e pertinentes para o efeito.
Resulta da lei ser o contrato-promessa a convenção pela qual duas partes declararam prometer celebrar determinado contrato, que a lei designa por contrato prometido (artigo 410º, nº 1, do Código Civil).
A lei regula especialmente os efeitos da tradição da coisa a que se reporta o contrato prometido, em conexão com o regime do sinal. Assim, se o incumprimento for devido ao promitente que não constitui o sinal e houver tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, pode o promitente que o constituiu exigir do primeiro o valor dela (artigo 442º, nº 2, do Código Civil).
Ademais, tem o promitente-comprador que obteve a tradição da coisa objecto do contrato prometido direito de retenção sobre ela para garantia do direito de crédito decorrente do incumprimento pelo promitente-vendedor (artigo 755º, nº 1, alínea f), do Código Civil).
Isso significa, verificada que seja a existência do direito de crédito na titularidade do promitente-comprador tradiciário, derivado do incumprimento do promitente-vendedor que entregou a coisa, que o primeiro passa à posição de possuidor em nome próprio em relação ao referido direito de retenção, ou seja, a solução legal é de tutela do promitente adquirente com tradição da coisa.
Conforme já se referiu, a tradição em sentido jurídico significa a entrega material da coisa com o sentido de cumprimento de obrigação decorrente de um contrato, por exemplo, na sequência da transmissão do direito de propriedade, ou de transmissão da posse.
A entrega da coisa objecto mediato do contrato prometido por um promitente a outro depende, naturalmente, de acordo de ambos, por declarações expressas ou tácitas, que podem ou não constar do texto do contrato-promessa, certo que ela não está sujeita a forma escrita.
Na realidade, o que releva essencialmente nesta matéria é que a coisa entregue deva constituir o objecto mediato do contrato prometido, ou seja, que tenha conexão com o contrato-promessa respectivo.
A lei não estabelece que o promitente-comprador tradiciário, por virtude da tradição, passe a ser possuidor em nome alheio ou assuma a posição de possuidor propriamente dito, isto é, em nome próprio.
A simples utilização da coisa entregue pelo promitente-vendedor ao promitente-comprador é insusceptível de originar uma situação possessória propriamente dita, ou seja de posse causal ou real por parte do último, sendo a regra no sentido de tal se traduzir em posse do último em nome do primeiro.
Todavia a situação em que o promitente-comprador toma conta da coisa, como se fosse sua, praticando em relação a ela actos materiais ou jurídicos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem oposição do promitente-vendedor, com a sua colaboração, à margem da sua mera tolerância, então é justificada a dúvida – pelo menos - sobre se tal situação é ou não de posse verdadeira e própria.
Tal como a recorrente alegou, a questão de saber se, na intenção das partes, a tradição da coisa envolve a transmissão da posse para ser exercida em nome de quem a transmite ou em nome próprio de quem exerce os concernentes poderes, tem que ser resolvida por via da interpretação da vontade das partes manifestada no texto do contrato-promessa ou nas declarações negociais envolventes de conexo e atinente acordo.
Conforme resulta do casuísmo jurisprudencial relatado no recurso, entre as referidas circunstâncias são susceptíveis de figurar, na intenção das partes, a antecipação da entrega da coisa na sequência do pagamento integral do preço, a contrapartida do reforço do sinal, a confiança na celebração próxima do contrato prometido, a compensação por serviço de mediação, ou até a mera gentileza no âmbito das relações contratuais.
Assim, a referida intenção deve averiguar-se através das circunstâncias que envolveram o acto de tradição, quando ele ocorreu, mas não só, porque nada exclui que, na determinação dessa intenção e vontade se considere o comportamento das partes na execução ao longo do tempo do tempo do acordo que esteve na origem da situação, seja o do promitente-vendedor, seja o do promitente-comprador.
Por isso, ao invés do que foi alegado pela recorrente, para a referida determinação da intenção e vontade das partes, face ao disposto na alínea b) do artigo 1263º do Código Civil, não relevam apenas as circunstâncias que acompanham a tradição da coisa, mas também os actos materiais que posteriormente a ela venham a ser praticados por uma e outra.
A conclusão é, pois, no sentido de que a questão de saber se, por virtude da traditio da coisa objecto mediato do contrato prometido, a posição jurídica do promitente-comprador tradiciário é a de mero possuidor em nome do tradens ou de possuidor em nome próprio, deve ser averiguada pelas circunstâncias que envolveram o acto de tradição e a sua execução por ambas as partes.

6.
Vejamos, ora, se parcelas de terreno em causa são ou não possuídas em nome próprio pelo recorrido.
Na sentença considerou-se, por um lado, que a tradição do prédio relativo ao artigo 197º da matriz, porque resultou da celebração do contrato-promessa significava posse precária, e ser a entrega das outras parcelas de terreno, na sequência da escritura pública de 26 de Janeiro de 1983 mera forma de ampliação do contrato-promessa e não da sua transmissão.
E, por outro, não terem os recorridos provado suficientemente a transmissão da efectiva posse, resultar da matéria de facto provada que a recorrente apenas consentiu que os recorridos usassem os terrenos em causa, em termos de tolerância, quanto aos terrenos não integrantes do artigo matricial 197º, após a substituição do Padre AD como ecónomo do Seminário, e não em reconhecimento de qualquer direito aos primeiros, mas em tentativa de evitar o conflito até ao esclarecimento da questão.
A Relação considerou, por um lado, que a tradição efectuada em 1982 permitiu ao recorrido o desenvolvimento de actos de posse em nome próprio sobre os terrenos em questão, designadamente o projecto de loteamento e urbanização apresentado à Câmara Municipal de Cascais, no seu exclusivo interesse.
E, por outro, que ele desenvolveu nas parcelas de terreno identificadas no documento de folhas 18, a B por um lado, e A e C, por outro, desde 17 de Março de 1982 e 20 de Setembro de 1982, respectivamente, uma posse em nome próprio.
Estamos perante um contrato celebrado entre a recorrente, através do seu representante, por um lado, e o recorrido, por outro, em que a primeira declara vender, e o último comprar, por determinado preço, os prédios correspondentes a dois artigos matriciais, o urbano com 1 540 metros quadrados, e o rústico com cerca de vinte hectares.
As partes, a recorrente através do seu representante, declararam, sob o nº 1º, a primeira vender, e o último comprar, por determinado preço, os prédios a que alude, terem sido pagos 5 000 000$ como sinal e princípio de pagamento, deverem ser pagos 10 000 000$ até 30 de Junho de 1982 e os restantes 30 000 000$ até 30 de Outubro do mesmo ano, data a partir da qual se faria a escritura a pedido do recorrido logo que possível.
Acresce que, sob o nº 2º f), as partes se referem à venda e à parte vendida. Ademais, sob os nºs 4º e 5º, as partes declararam que o recorrido assumia a responsabilidade pela celebração das escrituras, encargos e diligências tendentes a resolver as questões que se prendiam com vendas em comum, a expropriação de parte de prédio, aqueduto de águas e esgotos.
Além disso, a recorrente entregou ao recorrido um documento relativo a um contrato de arrendamento relativo à parte vendida e a outra de que a primeira devia tomar posse, e em 16 de Março de 1983, portanto a um dia da passagem de um ano sobre a data do referido contrato-promessa, por via de escritura pública, em que o recorrido também outorgou, ficou resolvida a referida situação de indivisão.
Apesar daquela expressão de vender e comprar, face ao respectivo contexto, trata-se de um módulo negocial juridicamente qualificável como contrato-promessa de compra e venda, cuja entrega das parcelas de terreno em causa é conexa com ele (artigos 236º, nº 1, 238º, nº 1 e 410º, nº 1, do Código Civil, e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Os recorridos ocupam a parcela de terreno B desde 17 de Março de 1982, e as parcelas de terreno A e C desde 20 de Setembro daquele ano, ocupação que resultou da entrega que então lhes foi feita pelo Padre AD, representante da recorrente.
A referida entrega global está conexionada e é sequencial às declarações negociais integrantes do módulo contratual mencionado sob II 2, cujo conteúdo este Tribunal pode interpretar para lhe determinar o sentido presumido (artigos 236º, nº 1, e 238º, nº 1, do Código Civil e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Enquanto a recorrente, apoiada em parecer de um jurista, entende que os recorridos são meros detentores ou possuidores precários, os últimos, também apoiados em parecer de jurista, consideram terem sido investidos na posse em nome próprio sobre as três parcelas de terreno.
No tribunal da primeira instância, considerou-se que os ora recorridos não haviam provado a aquisição da posse em nome próprio, mas a Relação, com base em mais ampla matéria de facto, decidiu em sentido contrário.
Está em causa, conforme já se referiu, a titularidade do direito de propriedade sobre três parcelas de terreno, identificadas sob as letras A, B e C.
As partes estão de acordo, por um lado, que o contrato-promessa se reportou à parcela identificada pela letra B, onde existiam dezoito construções que, juntamente com o pátio e logradouro envolvente tem a área de 6 866,39 metros quadrados, e que a recorrente entregou ao recorrido a referida área de terreno.
E, por outro que, perante as dificuldades com que o recorrido se confrontou na resolução da situação de indivisão que afectava uma parte do prédio rústico, o representante da recorrente acedeu em ceder-lhe outras áreas de terreno, e que, entre Maio e Setembro de 1982, lhe entregou-lhe as áreas A e C.
As instâncias, interpretando a referida cedência, consideraram-na ampliação do objecto mediato do contrato prometido constantes do contrato-promessa de compra e venda. Na realidade, em termos de resultado prático, o recorrido recebeu as três referidas parcelas de terreno em conexão com as declarações negociais envolventes daquele contrato.
Atentemos agora no comportamento das partes que outorgaram no referido contrato-pro-messa subsequentes à sua outorga, em relação à globalidade do terreno que a recorrente, através do seu representante, entregou ao recorrido.
O recorrido negociou com um terceiro a rescisão do contrato de arrendamento relativamente aos terrenos que a recorrente lhe entregou, após o que neles criou gado, autorizou terceiros a proceder nele a criação de animais daquela espécie, a lavrarem-no, a cultivar parte dele e a colher feno, e vedou-o com uma rede.
Além disso, o recorrido e a recorrente, esta através do seu representante, assinaram, no dia 2 de Novembro de 1999, o requerimento dirigido à Câ­mara Municipal de Cascais, concernente ao envio de elementos documentais relativos ao processo de construção nº 1255/99, que se reportava a um projecto de recuperação e condomínio do Palácio Torre d’Aguilha, mencionado sob II 9.
Só depois de o recorrido ter escrito à recorrente a carta de 12 de Maio de 1999, em que lhe comunicou a reclamação da última junto da Câmara Municipal de Cascais no sentido de suspender o projecto, afirmando que nada tinha a ver com ele e não concordar com o limite da propriedade, é que ela lhe afirmou, por carta de 31 de Maio de 1999, que o acordado no acto de venda fora o terreno a sul no alinhamento do muro de vedação das hortas do palácio.
Isso significa que, até à referida reclamação da recorrente junto da Câmara Municipal de Cascais, expressando nada ter a ver com o projecto – naturalmente por não ser dela – por virtude da demarcação dos terrenos, tudo se passou como se o recorrido fosse o seu proprietário, sem oposição da recorrente.
Estamos, portanto, perante uma situação em que, por um lado, se expressa no contrato-promessa de compra e venda se tratar de venda - alias também referida na carta de 31 de Maio de 1999 – em que houve pagamento integral do preço relativo às parcelas de terreno entregues pela recorrente ao recorrido.
E, por outro, na sequência da outorga do contrato-promessa, o recorrido, entregues as parcelas de terreno, passou a usufrui-las como se dono fosse, praticando actos jurídicos e materiais em termos correspondentes ao exercício normal do direito de proprietário, e durante tanto tempo, sem qualquer oposição da recorrente, e até com a colaboração dela – no referido projecto – até à referida reclamação junto da Câmara Municipal de Cascais, na espécie sob a expressão de não concordância do limite da propriedade.
A posse adquire-se, além do mais, pela tradição material ou simbólica da coisa efectuada pelo anterior possuidor (artigo 1263º, alínea b), do Código Civil).
Perante o referido quadro de facto, designadamente a expressão utilizada no contrato-promessa – venda dos prédios – do pagamento do respectivo preço pelo recorrido à recorrente, do seu comportamento em execução daquele contrato a que acima se fez referência, auxiliar da interpretação da intenção e vontade negocial de um e de outra aquando da outorga daquele contrato, a conclusão é no sentido de que a recorrente, com a referida entrega das três parcelas de terreno ao recorrido, a este transmitiu, por tradição, a posse correspondente ao direito de propriedade que sobre elas tinha, nos termos do referido artigo 1263º, alínea b), do Código Civil.
Assim, a partir de 17 de Março de 1982 quanto à parcela de terreno B, e de entre 1 de Junho e 31 de Agosto de 1982 quanto às parcelas de terreno A e C, os recorridos passaram a assumir a posição de possuidores delas em nome próprio, exercitando o corpus possessório, sob o animus ou intenção de se comportarem como titulares do direito de propriedade sobre aquelas parcelas de terreno.
Em resultado dessa conclusão, prejudicada fica a análise da questão de saber se os recorridos adquiriam ou não a posse sobre as referidas parcelas de terreno por via da inversão do título de posse, ou seja, pela transmutação da posse em nome alheio em posse em nome próprio em razão da sua vedação (artigos 660º, nº 2, 713º, nº 2, e 726º do Código de Processo Civil).

7.
Atentemos agora na subquestão de saber se a posse exercida pelos recorridos assume ou não idoneidade para a aquisição do direito de propriedade.
Resulta de II 23, 29 e 30, que os recorridos ocupam o conjunto das referidas parcelas de terreno, como possuidores em nome próprio, desde 31 de Agosto de 1982, à vista de toda a gente, sem oposição de alguém até Maio de 1999, em quadro de convicção de algumas pessoas da zona de que são donos delas.
Tendo em conta as considerações de ordem jurídica expendidas sob 4, a referida posse dos recorridos sobre as mencionadas parcelas de terreno é pública, porque não foi oculta, e pacífica, porque não foi adquirida com violência (artigos 1261º e 1262º do Código Civil).
A recorrente alegou, para a hipótese de os recorridos deverem ser considerados possuidores das parcelas de terreno em causa em nome próprio, não terem essa qualidade durante o tempo necessário para a aquisição do direito de propriedade por usucapião por não terem ilidido a presunção de aquisição da posse de má fé.
Na realidade, conforme acima se referiu, a classificação da posse de boa ou de má fé releva para a determinação do tempo necessário para a aquisição do direito, por exemplo o de propriedade, por usucapião.
Com efeito, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé (artigo 1296º do Código Civil).
Ora, a referida posse não é titulada, porque o contrato-promessa de que ela derivou não é título legítimo de transmissão do direito de propriedade, sendo que a lei não dispensa o requisito de validade formal do título (artigos 875º e 1259º, nº 1, do Código Civil).
A posse é de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem, e a não titulada presume-se de má fé (artigo 1260º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Como no caso vertente é não titulada a posse dos recorridos, ela é legalmente presumida de má fé – presunção juris tantum – apenas ilidível por via da produção de prova pelos recorridos em contrário (artigos 344º, nº 1, e 350º do Código Civil).
Importa, quanto a este ponto, tem em conta que a posse é legalmente considerada de boa fé quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la lesar o direito de outrem.
Tendo em conta o modo, a que acima se fez referência, por que foi ao recorrido conferida a posse pela recorrente, possuidora que era em termos correspondentes ao direito de propriedade sobre as parcelas de terreno em causa, pela própria natureza das coisas, não faz sentido configurar a lesão do direito de quem lha conferiu ou de outrem.
Por isso, também no caso não faz sentido configurar a ciência ou a ignorância dos recorridos quanto à lesão, ao adquirirem a posição de possuidores, da lesão do direito da recorrente ou de outrem.
Na realidade, os factos revelam exuberantemente que o recorrido estava de boa fé ao adquirir, por tradição operada pela recorrente, a posse em nome próprio sobre as parcelas de terreno em causa.
Não tem, por isso, fundamento legal a alegação do recorrente de que os recorridos não ilidiram a presunção de má fé da aquisição da posse por virtude de esta não ser titulada.
Mas a boa fé do possuidor cessa com a sua citação na posição de réu para a acção, de notificação da reconvenção na posição do autor (artigo 481º, alínea a), do Código de Processo Civil).
Ora, como os recorridos só em Junho de 2002 foram notificados do instrumento de contestação e de reconvenção, só nessa data se pode considerar cessada a sua boa fé na posse em causa.
Conforme acima se referiu e resulta da lei, não havendo registo do título ou o próprio título, a usucapião ocorre no prazo de quinze ou de vinte anos, contado do início da posse usucapível, conforme seja de boa ou de má fé (artigo 1296º do Código Civil).
Embora a letra deste artigo se reporte à inexistência do registo do título de aquisição da posse, dado o seu escopo finalístico, é aplicável à situação de inexistência do próprio título, como ocorre no caso em análise.
Ora, como a posse dos recorridos sobre as referidas parcelas de terreno é não titulada, pública, pacífica e de boa fé e durou mais de quinze anos, certo é que assume idoneidade para a aquisição do direito de propriedade por usucapião.
A conclusão é, por isso, no sentido de que os recorridos adquiriram o direito de propriedade sobre as referidas parcelas de terreno por usucapião.

8.
Finalmente, a síntese da solução para o caso, decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
É aplicável ao recurso o regime processual anterior ao implementado pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
Interpretadas no contexto em que estão inseridas, as expressões entrega e ocupam, reportadas à passagem das parcelas de terreno para o domínio de facto do recorrido e ao exercício desse domínio por ele, incluindo a sua utilização, não estão utilizadas em sentido jurídico, mas em sentido de facto.
Tendo em conta a pretensão dos recorridos de declaração de aquisição do direito de propriedade sobre as parcelas de terreno em causa, não é essencial, mas instrumental, o facto do pagamento do preço relativo ao contrato prometido podia ser considerado pelas instâncias independentemente da sua articulação pelas partes, com base no conteúdo de documento junto ao processo.
As circunstâncias que envolveram a celebração do contrato-promessa e a entrega pela recorrente ao recorrido das parcelas de terreno em causa, interpretadas com o auxílio do comportamento posterior das partes no âmbito da sua execução, revelam que ao último foi conferida pela primeira aposse em nome próprio sobre elas.
A presunção de posse de má fé por não ser titulada não tem razão de ser no caso, quedando ineficaz, porque foi a recorrente, proprietária e possuidora das parcelas de terreno, quem investiu o recorrido na posse das referidas parcelas de terreno.
Como a referida posse foi pública, pacífica e de boa fé e durou mais de quinze anos, os recorridos adquiriram o direito de propriedade sobre as mencionadas parcelas de terreno por usucapião.
Em consequência, ao decidir como decidiu, não infringiu a Relação qualquer das normas invocadas pela recorrente.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, como a recorrente beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, alínea a), 37º, nº 1 e 54º, nºs 1 a 3,
da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que seja condenada no pagamento das referidas custas.



IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.


Lisboa, 11 de Dezembro de 2008.

Salvador da Costa (relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis