Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1675/17.7T8CBR.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ROSA TCHING
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
FACTURA
FATURA
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / JULGAMENTO NO CASO DE INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 610.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-10-1993, IN CJSTJ, ANO I, TOMO III, P. 84;
- DE 12-01-1995, IN CJSTJ, ANO III, TOMO I, P. 19.
Sumário :
A aprovação prévia da fatura,  imposta por convenção das partes,  como condição do seu pagamento,  não exonera a ré  da obrigação de cumprir, ou seja,  não afasta  a responsabilidade da ré  pelo cumprimento da obrigação, valendo no caso o disposto no artigo 610º, nº1 do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. Relatório

1. AA – ......, S.A. intentou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra BB – S......., S.A., pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 124.019,80, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese,  que a  empresa CC sofreu um acidente com um dos seus camiões que provocou o derrame de substâncias no solo e que determinou a contratação de serviços de limpeza e descontaminação.

Tais serviços foram adjudicados à sociedade DD, que, por sua vez, contratou para os levar a efeito a autora.

A empresa CC acionou o contrato de seguro que, para o efeito, havia assinado com a ré, mas esta não aceita alguns dos valores dos serviços prestados pela autora.

2. Citada a ré contestou, invocando a prescrição do direito da autora.

Mais alegou  não ter celebrado com a autora qualquer contrato e que, não obstante  do documento  junto com a petição inicial, intitulado “Ficha de Cliente - Formalização de Adjudicação - A fornecer à DD”, constar que o pagamento dos serviços terá lugar  “após aprovação da respectiva factura”, a verdade é que não houve aprovação prévia dos custos apresentados pela autora, nem apresentação de faturas.

Na fase de reparação dos danos, contratou empresa de peritagem que acompanhou a operação e,  com base na observação direta dos peritos, aceitou pagar a quantia de € 54.345,50, logo em 24/10/2014, sendo excessivo e infundado o valor peticionado pela autora.

Concluiu pela procedência da exceção perentória da prescrição e pela  improcedência da ação.

3. Na sua resposta, a autora sustentou a improcedência da invocada exceção de prescrição.

4. Na audiência prévia foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a invocada  exceção de prescrição, após o que foi proferido despacho a fixar  o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.

5. Realizada  audiência de julgamento,  foi proferida sentença que  julgou a presente ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condenou a Ré, “BB-S......., S.A.” a pagar à A. a quantia de € 55.945,5 acrescida de juros contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento, absolvendo a mesma da parte sobrante do pedido.

6. Não se conformando com esta decisão dela apelou a  autora  para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 06.12.2018, julgou  parcialmente procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e substituindo-a por outra que, na parcial procedência da ação, condenou a ré no pagamento à autora da quantia de € 103.024,80 (cento e três mil e vinte e quatro euros e oitenta cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-a do restante peticionado.

7. Inconformada com esta decisão, dela interpôs a ré  recurso de revista  para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões que se transcrevem:

«1ª- O Acórdão proferido pelo douto Tribunal " a quo " fez incorreta aplicação do direito aos factos, proferindo uma decisão de mérito injusta e sem fundamento; Com efeito,

2ª - De acordo com a prova produzida e tendo em conta o princípio da imediação quanto à valoração da prova testemunhal, não deveria ter havido alteração da mesma. De todo o modo e mesmo sem essa apreciação que nesta sede se encontra vedada, considera a ora recorrente manterem-se as premissas que fundamentaram a douta sentença de 1a instância, já que,

3ª- A ora recorrente não celebrou qualquer contrato com a recorrida, limitando-se a assumir a reparação dos danos decorrentes do acidente de viação em causa nos autos. Sendo que,

4ª- A reparação integral dos danos corresponderá sempre, quer no âmbito da responsabilidade civil contratual, quer extracontratual,  aos danos  efetivamente sofridos  e com  nexo de causalidade com o facto ilícito;

5ª- A ora recorrente limitou-se a aceitar o documento junto com a p.i. sob o doc. n° 4 que é apenas uma " proposta " genérica, mas com a ressalva essencial, de que pagaria, mas com a aprovação prévia da factura respetiva; Ora,

6ª- Ficou provado que nunca houve qualquer negociação entre a ora recorrente e a recorrida, e principalmente,   para  a  condição  que  mais  releva, que jamais  a   recorrida apresentou previamente qualquer factura á ora recorrente para a sua aprovação;

7ª- Essa condição foi elemento essencial para assunção da responsabilidade pelo pagamento, pois caso contrário, jamais o poderia aceitar, tendo em conta os mais elementares princípios do giro comercial e constituiria antes uma " assinatura em branco " que não foi corresponde todo, à vontade declarativa que presidiu á assinatura da referida " proposta " geral;

8ª- Acresce que tratava-se exatamente de um documento/proposta geral, que dependeria, naturalmente, da respetiva concretização aquando na execução dos serviços. Assim sendo,

9ª- Não se pode aceitar de modo algum o raciocínio meramente aritmético do Tribunal " a quo" com o argumento de que a ora recorrente aceitou os preços unitários, portanto é só multiplicar.

10ª- O Tribunal " a quo " não valorou a manifesta e evidente violação da recorrida, quanto à condição de aprovação prévio por parte da ora recorrente, provada conforme ponto 42, que aqui se dá por integralmente reproduzido. E pior do que isso,

11ª- A ora recorrente, de boa fé, mesmo assim aceitou pagar, logo extrajudicialmente a verba de 54.345,50€ que a recorrida recusou, não podendo todavia tal comportamento da ora recorrente obrigá-la para além desse montante! Antes pelo contrário.

12ª- O documento que serviu para condenar a ora recorrente, não pode ser avaliado apenas parcialmente, nomeadamente nos termos do disposto no art°376, n° 2 do Cód. Civil, devendo antes ser considerado em toda a linha, o incumprimento total e definitivo da recorrida, no que concerne à condição essencial da aprovação prévia da factura, o que o douto Acórdão não fez, com expressa violação desta norma. Paralelamente,

13ª- O mesmo se diga relativamente  à " confissão " de pagamento assumida pela ora recorrente. Ou seja, também a propósito desta matéria releva, nomeadamente o disposto no art° 360 do Cód. Civil, que igualmente não foi atendido pelo Tribunal " a quo ". Com efeito,

14ª-Tendo em conta a matéria dada como provada, nomeadamente nos pontos 37., 38., 39., 40., 41., 50., 58., aditada á matéria do ponto 42. , jamais poderia haver condenação superior à expressamente aceite pela ora recorrente. Ou seja,

15ª- Foi feita incorreta aplicação do direito à matéria de facto dada como assente e que a montante, imporia sempre a prévia aprovação da factura, o que jamais foi feito.

16ª- A ora recorrente, mesmo face ao manifesto incumprimento por parte da recorrida da condição essencial, para  pagamento, dado que cautelarmente solicitou  a  empresa de peritagem independente e conhecedora da matéria o acompanhamento direto e diário dos trabalhos efetivamente executados, entendeu, de acordo com o relatório de peritagem técnico devidamente fundamentado, junto aos autos com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, ser ajustado,  real e correspondente aos serviços efetivamente prestados, a verba que se propôs liquidar.

17ª- Tal não significa que tenha de pagar tudo o que a recorrida reclamou, só porque assinou, a montante, o documento n°4 já supra referenciado.

18ª- O  douto Acórdão,  fez  igualmente  incorreta  apreciação  da  lei  aplicável,  quanto  ao tratamento e transporte dos resíduos, considerando-se que a avaliação feita pela 1ª instância se deveria manter por adequada e legal. Com efeito,

19ª- Considera a ora recorrente que a ratio da legislação aplicável, que visa um controle rigoroso do  percurso e tratamento dos  resíduos aponta  para a prova documental  em detrimento de qualquer outra, nomeadamente tendo em conta por exemplo o disposto no art° 5º n° 6 e 7 do DL 73/2011 de 5/9 , bem como do disposto no art° 21 do DL 73/2011 de 17/06 e ainda art° 5º da Portaria 335/97 de 16 de maio. Ora,

20ª- O Tribunal " a quo " valorou erradamente tal matéria, ao considerar, nomeadamente que a recorrida, não esta obrigada a qualquer demonstração documental dos actos de gestão dos resíduos. Facto é que,

21ª- As GARs ou Guias de Acompanhamento de Resíduos, sempre tiveram modelo e formulário legalmente pré elaborado e visam acompanhar os resíduos até ao seu destino final.

Ora as juntas aos autos a fls...cujo teor se dá por integralmente reproduzido, têm como destinatário final a empresa DD, e nunca à ora recorrida. Pergunta-se, como é que tal facto não é relevante para quem tem de pagar o transporte que a recorrida está a reclamar ?

22ª- Os serviços efetivamente prestados, não se podem confundir com valores unitários de tabelas de serviços eventualmente a prestar !...e dependem sempre da execução concreta, o que no caso foi acompanhado nos 13 dias pelos peritos nomeados pela recorrente, sendo o valor reclamado, pela recorrente, indevido e absolutamente exagerado !

23ª- Atento todo o exposto a decisão proferida pelo Tribunal " a quo " para além de violadora da lei substantiva é manifestamente injusta».

Termos em que requer seja dado provimento ao recurso.

8. A autora respondeu, concluindo as suas contra-alegações cm as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« A) O recurso de Revista a que ora se responde não tem qualquer fundamento, de facto e de Direito, conforme se procurará demonstrar de seguida.

B) De forma abreviada, e para o que aqui importa, defende a Recorrente que o Douto Tribunal "a quo" "alterou a decisão que havia sido proferida pela 1ª instância, na opinião da recorrente, com violação e aplicação errada da lei, apresentando argumentos que, bem sabe, não colhem uma vez que até contradizem o que pretende alegar. E nesse sentido, mencione-se,

C) Em 03.03.2014, um camião da propriedade de "CC ....., S.A.", que transportava cola líquida, despistou-se, e consequentemente, derramou resinas no solo, o que obrigou à limpeza e descontaminação dos solos.

D) Em virtude do acidente supra mencionado, a "CC ....., S.A." solicitou à DD os serviços de limpeza e descontaminação dos solos, a qual, por sua vez, contratou com a Autora, ora Recorrida, em virtude de estarem sediados longe do local e de não disporem de todos os equipamentos necessários para aquela operação em concreto.

E)  Nesse sentido, a Autora, ora Recorrida apresentou à DD a sua proposta de valores unitários de referência para os vários recursos necessários, a qual por sua vez, apresentou à "CC ....., S.A.", conforme ponto 5 dos Factos Provados.

F)  Por conseguinte, a "CC ....., S.A." accionou as apólices de seguro n°000000 e 000000, transferindo a sua responsabilidade para a Ré, ora Recorrente, que aceitou adjudicar a proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos n°000000, e respectivo anexo com valores para os serviços a prestar (vide doe. n.° 4 da petição inicial), conforme ponto 6 dos Factos Provados.

G) Pelo que é responsável pelo pagamento dos serviços prestados, independentemente de os ter adjudicado à Autora, ora Recorrida, ou à DD.

H) Com vista a aferir dos meios utilizados para limpeza e descontaminação dos solos, a Ré, ora Recorrente, contratou uma empresa de peritagem, diga-se, a EE -E....... (doravante, EE) para proceder ao acompanhamento dos trabalhos no local.

I) O serviço, incluindo o destino a dar aos resíduos, foi assegurado, e quanto a isso, a Ré, ora Recorrente, não nega.

J) Sucede que, a Ré, ora Recorrente, validou o valor constante do relatório da empresa de peritagem, desconhecendo os valores que ali estavam efetivamente contabilizados e, de que modo foram contabilizados.

K) Sendo que, por seu turno, a empresa de peritagem, fez "tábua rasa" aos valores indicados na Proposta (junta como doe. 4 da PI) e aceites pela Ré, ora Recorrente, e apresentou outros valores que entendeu mais convenientes.

L) Porém, a Ré, ora Recorrente, assumiu, desde logo, pagar determinados valores por serviços já indicados na Proposta de Prestação de Serviços anexa à Ficha de Cliente que preencheu, e que ela própria reconhece,

M) Pelo que, não pode, após a execução dos trabalhos de limpeza, relativamente aos quais não foi efetuada qualquer observação/reclamação, apresentar/considerar novos valores.

N) Assim, os únicos valores que a Ré, ora Recorrente, poderia apresentar a discussão seriam os preços de equipamentos ou serviços não contemplados naquela Proposta e que a Ré, através dos seus peritos, poderia entender serem excessivos para o preço comercial normal, ou mesmo, terem sido contabilizados em excesso.

O) Por outro lado, repetidamente a Ré, ora Recorrente invoca a falta de apresentação prévia de fatura prévia para aprovação, como condição essencial para o pagamento dos serviços. Alegação que não tem qualquer sentido, porquanto,

P) Como bem sabe a Ré, ora Recorrente, nunca foi apresentada qualquer fatura prévia para aprovação à Ré, ora Recorrente, uma vez que os valores a incluir na mencionada fatura foram objeto de discussão, nas várias reuniões que ocorreram entre o perito  (aqui representante dos interesses da  Ré,  ora recorrente) e a DD, onde a Recorrida também esteve presente, e emails que foram trocados, e como mencionado por todas as testemunhas que estiveram presentes nas reuniões, nunca  houve  um  entendimento  entre as  partes quanto aos valores reclamados e valores reconhecidos. E neste sentido, que valor haveria de constar na factura?

Q) Assim, cumpre questionar, em que momento é que o Tribunal "a quo" violou e  aplicou de forma errada a lei? Simples, em momento algum, mas antes, bem andou o Douto Tribunal "a quo" ao proferir o Acórdão aqui em questão.

R) E neste sentido, cumpre sublinhar que "antes haverá que condenar a R. no pagamento à A. daquilo que corresponde ao valor dos trabalhos realizados pela A., na sequência da adjudicação dos mesmos feita pela R. à "DD", através da aceitação da proposta que lhe foi apresentada por esta, e tendo presente que a "DD" contratou com a A. os serviços em questão, por não deter os equipamentos necessários ao tipo de operações em causa, como decorre do ponto 4. dos factos provados.

Aliás, é nesse mesmo pressuposto que a R. "confessadamente aceitou pagar" à A. o valor dos serviços que a mesma realizou, tendo presente a sua obrigação decorrente dos contratos de seguro celebrados com a "CC", e dos quais emerge a sua obrigação de reparação dos danos causados pelo acidente com o camião da sua segurada, e sendo os serviços realizados pela A. aqueles que correspondem à referida reparação dos danos."

S) Por último, e não menos importante, vem a Ré, ora Recorrente, referir que o Tribunal "a quo" fez uma incorreta apreciação da lei aplicável, quanto ao tratamento e transportes de resíduos, mais considerando que "a ratio da legislação aplicável, que visa um controle rigoroso do percurso e tratamento dos resíduos aponta para a prova documental em detrimento de qualquer outra, nomeadamente, tendo em conta por exemplo o disposto no art. 5°, n°. 6  e 7 do DL 73/2011 de 5/9, bem como do disposto no art° 21 do Dl 73/2011 de 17/06 e ainda art. 5º da Portaria 335/97 de 16 de maio".

Discordamos, porquanto,

T) Dos preceitos legais supra mencionados não se infere qualquer omissão porquanto as GAR's foram devidamente apresentadas. Mas mais,

U) Bem andou o Douto Tribunal "a quo", no seu Acórdão ao explicar que "decorre do n.° 5 do art. 5º do referido Regime Geral a obrigatoriedade do produtor inicial dos resíduos assegurar o tratamento dos mesmos, através do recurso a entidade licenciada para executar operações de recolha e/ou gestão de resíduos, mais decorrendo do n.° 6 do mesmo art. 5º que a responsabilidade pela gestão dos resíduos que recai sobre o seu produtor se extingue pela transferência para uma entidade licenciada para executar operações de recolha e/ou gestão dos mesmos.

O que equivale a afirmar que, à face do quadro legal em questão, no caso dos resíduos recolhidos pela A. ficou a mesma com a responsabilidade pela sua gestão, na definição que lhe é dada pela al. p) do art. 3º do mesmo Regime Geral da Gestão de Resíduos.

E como essa definição legal de gestão compreende a recolha, o transporte, a valorização e a eliminação de resíduos, incluindo a supervisão destas operações, bem como a manutenção dos locais de eliminação nos pós-encerramento, o recebimento pela A. do resíduos, causados pela actividade da "CC", mais não representa, face à sua responsabilidade enquanto operadora (licenciada) de gestão de resíduos, que aquilo que a R. chama (com utilização de terminologia incorrecta) o "alegado tratamento de resíduos.

O que equivale a afirmar que a A. não está obrigada a qualquer demonstração documental dos actos de gestão desses resíduos, para que se possa afirmar ter suportado o encargo dessa mesma gestão (...)".

V) Face ao exposto, bem andou o Tribunal "a quo" ao proferir o seu Douto Acórdão, o qual valorou e avaliou toda a prova produzida e junta aos autos, tendo decidido pela alteração da matéria de facto, ainda que parcial, quanto a temas julgados como não provados e,  pelo apuramento da responsabilidade da Ré,  ora Recorrente,   no pagamento à A., ora Recorrida, do valor dos serviços prestados por esta».

 

Termos em que requer seja negado provimento ao recurso.

9. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


***

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é sabido, o objeto do recurso determina-se pelas conclusões da alegação do recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do C. P. Civil, só se devendo tomar conhecimento das questões  que tenham sido suscitadas nas alegações e levadas às conclusões, a não ser que ocorra questão de apreciação oficiosa[1].

Assim, a esta luz, a única questão a decidir consiste em saber se existe fundamento para o Tribunal da Relação condenar a ré no  pagamento à autora da quantia de € 103.024,80, em vez da quantia € 55.945,5 fixada na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância. 


***

III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto

A  sentença recorrida considerou os seguintes Factos Provados:


1. A A. tem por objecto social a recolha e transporte de resíduos industriais, resíduos perigosos e não perigosos, seu tratamento e eliminação, valorização de resíduos não metálicos, transformação de resíduos biodegradáveis, transporte rodoviário de mercadorias, fabricação de produtos petrolíferos a partir de resíduos, transmissões e aquisições intracomunitárias.
2. Em 3/3/2014 um camião, propriedade de “CC ....., S.A.” e que transportava cola líquida, despistou-se no IC2, em Coimbra.
3. Do acidente referido em 2. resultou o derrame de resinas no solo, o que obrigou à limpeza e descontaminação dos solos.
4. A “CC” solicitou os serviços de limpeza e descontaminação dos solos à “DD – Gestão e Reciclagem de Resíduos, Lda.” tendo esta última contratado com a A. tal serviço, por não deter os equipamentos necessários para este tipo de operações.
5. A A. apresentou à “DD” a sua proposta de valores unitários de referência para os vários recursos necessários, quer por sua vez a apresentou à “CC” (documento de fls. 17v. a 22v., correspondente à “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000”).
6. A “CC” accionou as apólices de seguro nº 000000 e 000000, transferindo a sua responsabilidade para a R., que aceitou adjudicar a “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000”.
7. Após formalizada a adjudicação da obra à “DD”, esta formalizou a adjudicação à A., tendo a A. procedido aos trabalhos previstos na proposta.
8. Durante a execução dos trabalhos de limpeza a A. utilizou meios que não estavam incluídos na proposta, mas que foi sempre comunicando e justificando a sua utilização, não tendo a R. formulado qualquer objecção.
9. A execução dos trabalhos foi acompanhada diariamente pela empresa de peritagem nomeada pela R. (EE – S......., Lda.), tendo-lhe sido prestados os esclarecimentos, designadamente no que concerne aos meios a utilizar para a remoção dos solos.
10. Após a conclusão dos trabalhos a “EE” apresentou à “DD” um apuramento dos valores relativos aos trabalhos de limpeza que não correspondiam aos valores inicialmente apresentados pela mesma “DD”.
11. A obra de limpeza decorreu por treze dias.
12. A “EE” concluiu que os custos a liquidar pelos trabalhos de limpeza ascendiam a € 54.345,50.
13. Interpelada pela A. para proceder à alteração/revisão do valor referido em 12., por carta de 13/1/2016 a R. manteve a posição de que era devida a quantia de € 54.345,50 “referente aos custos de limpeza em resultado do acidente ocorrido no dia 3.3.2014, prejuízos estes que foram apurados pelos nossos serviços técnicos, tendo por base o acompanhamento dos trabalhos por parte dos serviços de peritagem nomeados”.
14. Mais disse na referida carta que “a empresa nomeada, EE – , Lda, é uma empresa certificada, com peritos especializados, com conhecimento e acompanhamento dos trabalhos e encargos operacionais e logísticos associados à limpeza e descontaminação de vias e solos, que foram efectuados no local e em simultâneo com as operações efectuadas pelos vossos serviços”.
15. Relativamente à deslocação da viatura utilizada pelo director técnico da operação, a A. reclamou o valor de € 1.560,00, tendo a R. reconhecido a quantia de € 227,50.
16. Relativamente à viatura de apoio ao pessoal, a qual era usada para transporte dos operadores responsáveis pelas operações de descontaminação e respectivos equipamentos, a A. reclamou o valor de € 2.242,50, sendo que a R. apenas reconheceu o valor de € 227,50.
17. No que concerne à viatura cisterna de bombeiros para fornecimento de água, a A. reclamou o valor de € 2.600,00, sendo que a R. apenas reconheceu o valor de € 1.200,00, em virtude de ter sido facultada a “factura n.º FT01—190 da Associação dos Bombeiros Voluntários de Coimbra, no valor de € 1.200,00, aceite como prejuízo (…)”.
18. Quanto à viatura de pedreiros, a A. reclamou a quantia de € 400,00 e a R. reconheceu apenas a quantia de € 227,50.
19. Relativamente à viatura ligeira, a A. reclamou o valor de € 450,00, sendo que a R. não reconheceu qualquer valor, por entender que, “as viaturas acima indicadas no ponto 1 e 2, no pressuposto de efectiva gestão logística, eram suficientes para o transporte do efectivo laboral de Pombal para a obra, pelo que não foi considerado qualquer valor”.
20. Quanto ao transporte de hidrolimpador, a A. reclamou a quantia de € 600,00 e a R. reconheceu aquela mesma quantia.
21. No que concerne ao transporte de cisterna, a A. reclamou a quantia de € 4.200,00 e a R. apenas reconheceu a quantia de € 2.600,00, considerando para o efeito “o frete de 13 dias x 200,00€/dia, no pressuposto do frete para Pombal e não, como o inicialmente indicado, para Santo António do Tojal (mais oneroso)”.
22. No que respeita ao transporte de camião porta contentores, em que a A. reclamou o valor de € 3.000,00, a R. apenas reconheceu o valor de € 1.500,00, em virtude de entender que “face à quantidade de resíduos recolhidos e considerando uma adequada gestão da capacidade do contentor, resultaria na utilização máxima de 6 fretes, em vez da permanência em obra, que não se justificava, ao custo unitário de 250,00€, o que totaliza o valor unitário de 1.500,00€”.
23. Quanto ao transporte de camião três eixos (banheira), a A. reclamou a quantia de € 1.000,00 e a R. reconheceu aquela mesma quantia.
24. Relativamente aos seguintes itens: giratória, dumper, mini retroscavadora e respectivos transportes, a A. reclamou a quantia global de € 6.670,00, tendo sido reconhecido pela R. a quantia de € 6.635,00, ao que a A. não se opôs.
25. Relativamente ao director técnico, a A. reclamou a quantia de € 5.069,00, e a R. não reconheceu qualquer valor, alegando ainda que “não foi considerado qualquer valor, uma vez que quem esteve presente em obra, foi o Eng.º FF, coordenador, com excepção do primeiro dia de trabalho, em que o coordenador foi o Sr. GG. Mais informamos que durante os trabalhos, o responsável era o Sr. HH(encarregado)”.
26. Quanto ao encarregado e aos coordenadores, a A. reclamou a quantia global de € 6.759,00 (€ 2.430,00 + € 4.329,00) e a R. reconheceu aquela mesma quantia.
27. No que diz respeito ao valor referente aos operadores, a A. reclamou a quantia de € 15.580,00, e a R. não reconheceu qualquer valor, por considerar “os operadores incluídos no equipamento”.
28. Quanto à cisterna de 30 m3, em que a A. reclamou o valor de € 5.200,00, a R. apenas reconheceu o valor de € 4.160,00, mais alegando que “foi considerado o tempo efectivo de laboração e não o reclamado, que considerava na imobilização os tempos de deslocação Pombal – Coimbra. Assim, aceitámos o valor de 4.160,00€, correspondente a 104 horas x 40,00€/hora”.
29. Relativamente ao camião porta contentores, a A. reclamou a quantia de € 5.200,00 e a R. não considerou qualquer valor por entender que “a recolha de resíduos era feita no final do dia com os contentores cheios, pelo que não se justificava a sua permanência da viatura em obra, que na maioria do tempo permaneceu imobilizada, onerando substancialmente a empreitada”.
30. No que concerne ao hidrolimpador, a A. reclamou a quantia de € 27.485,00, a qual foi reconhecida pela R.
31. Quanto à utilização da grua, a A. reclamou a quantia de € 500,00 referente ao transporte da grua, a quantia de € 1.200,00 referente à operação da grua, e a quantia de € 480,00 referente ao serviço dos pedreiros, no valor global de € 2.180,00, sendo que a R. apenas reconheceu a quantia global de € 1.100,00 alegando para o efeito que “foi considerado o valor de 1.100,00€, conforme factura n.º 1/2014023 de 2014.06.17, emitida pela II, Lda. directamente a V. Exas. relativa a mão de obra de pedreiros e serviço de grua”.
32. Relativamente aos resíduos (de água e terra contaminada), relativamente aos quais a A. reclamou a quantia global de € 30.939,30 (a quantia de € 21.172,50 referente a águas contaminadas e € 9.766,80 referente a terras contaminadas) a R. nada considerou alegando “que até ao momento não foi feita prova do efectivo tratamento dos resíduos”.
33. Quanto ao fornecimento de tout‑venant, a A. reclamou a quantia de € 520,00, sendo que a R. apenas reconheceu a quantia de € 260,00, “tendo em conta o preço médio de mercado de 5,0€/T e tonelagem inerte utilizada em obra, 52T”.
34. No que concerne às análises efectuadas aos resíduos, a A. reclamou a quantia de € 1.000,00, porém, a R. apenas reconheceu a quantia de € 564,00, referindo para o efeito que “aceitámos o valor da factura do Laboratório JJ, de 464,00€, ao qual adicionamos os custos de transporte/entrega (Pombal – Leiria), de 100,00€”.
35. No que tange aos fatos e luvas e produtos químicos, a A. reclamou o valor global de € 1.650,00, tendo a R. reconhecido a quantia global de € 1.400,00.
36. Durante a execução dos trabalhos de limpeza a A. utilizou meios que não estavam incluídos na “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000”.
37. A “EE” acompanhou diariamente os trabalhos.
38. A “EE” elaborou o relatório junto com a contestação como documento 1 (fls. 86 a 97).
39. Após a conclusão dos trabalhos a “EE” enviou à R. e-mail de 9/10/2014, junto com a P.I. como documento 7 (fls. 32), e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
40. A R. enviou à A. carta de 13/1/2016 reiterando a disponibilidade para o pagamento da quantia referida em 13.
41. Tal quantia já havia sido posta à disposição da “DD” por comunicação de 29/10/2014.
42.  A A. não apresentou à R. facturas prévias para aprovação.
43.  A utilização do camião cisterna dos bombeiros visava a rentabilização do serviço e foi comunicado ao perito que acompanhava os trabalhos.
44. A “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000” contemplava para deslocação da viatura do técnico o valor de € 150,00/dia.
45. Para viatura de apoio ao pessoal, € 200,00/dia.
46. Para viatura ligeira, € 150,00/dia.
47. Foi utilizada a viatura cisterna de bombeiros para fornecimento de água, que não constava da proposta, e cujo valor ascendeu a € 1.200,00.
48.  Da “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000” constava o valor de € 37,00 para o valor/hora do Eng.º FF, que desempenhava as funções de Director Técnico
49. Da “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000” constava o preço unitário de € 37,00 para o técnico coordenador, de € 20,00 para os operários, de € 90,00 para o hidrolimpador, e de € 45,00 para “Giratória”.
50. A R. informou a “DD” que, caso não enviasse facturas de suporte, os valores não seriam considerados.
51. Apenas se considerou o valor de € 42.625,50 para pessoal, equipamentos, materiais e análises.
52. O valor de € 1.200,00 para a cisterna dos Bombeiros.
53. O valor de € 6.760,00 para o tanque cisterna de 30 m3.
54. O valor de € 1.500,00 para o porta‑contentores.
55. O valor de € 1.000,00 para o camião de três eixos.
56. O valor de € 260,00 para o tout‑venant.
57. E o valor de € 1.000,00 para produtos químicos.
58. A A. não procedeu à apresentação à R. de factura prévia para aprovação.
59. Nos termos do documento de fls. 23 (documento 4 junto com a P.I., correspondente a “Ficha de Cliente – Formalização da Adjudicação – A fornecer à DD”) o pagamento seria feito após a apresentação da respectiva factura.

Factos Aditados pelo Tribunal da Relação


60. Relativamente à viatura dos pedreiros, a A. suportou o valor diário de € 200,00, em cada um dos 2 dias em que durou tal utilização;
61. Relativamente à viatura de apoio ao pessoal (transporte de pessoal), a A. suportou o valor global de € 2.245,50, no cômputo dos dias em que durou tal utilização;
62. Relativamente à viatura ligeira (afecta ao transporte esporádico de pessoal), a A. suportou o valor diário de € 150,00, em cada um dos 3 dias em que durou tal utilização;

63. Relativamente à viatura afecta ao director técnico FF, a A. suportou o valor global de € 1.560,00, no cômputo dos dias em que durou tal utilização.

64. Relativamente ao transporte de contentores, a A. suportou o valor de € 250,00 com cada um dos 11 serviços de transporte em camião porta-contentores.

65. Os operários/operadores de equipamentos utilizados pela A. no âmbito das operações de limpeza e descontaminação dos solos prestaram 520 horas de trabalho, sendo de € 20,00 o valor de cada hora de trabalho prestado.

66. Relativamente à cisterna de 30m3, a A. suportou o valor horário de € 40,00 em cada uma das 117 horas que durou tal utilização.

67. Relativamente à gestão dos resíduos (correspondentes a 282,3 toneladas de águas e a 162,78 toneladas de terras), a A. suportou o encargo de € 30.939,30.


***

Na sentença recorrida foram  dados como não provados os seguintes  factos:
1) O valor suportado com a viatura dos pedreiros ascendeu a € 400,00; (eliminado pelo Tribunal da Relação)
2) O valor suportado com a viatura ligeira ascendeu a € 450,00; (eliminado pelo Tribunal da Relação)
3) Cada deslocação da cisterna ascendeu a € 350,00 tendo havido duas deslocações a Santo António do Tojal;
4) O valor suportado com o transporte de camião porta contentores ascendeu a € 3.000,00;
5) O Director Técnico prestou 137 horas de serviço;
6) Os operadores prestaram 779 horas de trabalho no valor de € 15.580,00;
7) Valor de € 5.200,00, relativo à cisterna de 30 m3;
8) Encargos suportados com o camião porta‑contentores;
9) Os encargos suportados com a utilização da grua e pedreiros ascenderam a € 2.180,00;

10) Os encargos referentes aos pedreiros, para além do reconhecido relativamente à grua/pedreiros;

11) Os encargos suportados com tratamento de resíduos de água e terra contaminada ascenderam a € 30.939,30; (eliminado, nos termos adiante decididos)

12) Os encargos suportados com o fornecimento de tout-venant no valor de € 520,00;

13) Os encargos suportados com as análises efectuadas aos resíduos, para além dos € 564,00 dados como provados.


***

3.2. Fundamentação de direito

Conforme já se deixou dito, o objeto do presente recurso prende-se única e exclusivamente com a questão  de  saber se existe fundamento para o Tribunal da Relação condenar a ré no  pagamento à autora da quantia de € 103.024,80, em vez da quantia € 55.945,5 fixada na sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

  

No sentido afirmativo decidiu o acórdão recorrido, com base na seguinte fundamentação:

« A decisão recorrida fundamentou a procedência parcial da acção nos seguintes termos:

A questão que se põe, é a divergência de valores peticionados pela empresa que levou a cabo os trabalhos e aqueles que a Ré entende serem os devidos e nada mais que isso, a isto se reduzindo o objecto da demanda.

Conforme já se anotou, a “Minuta de Adjudicação” constante de fls.23 v. que terá sido enviada à ora A. nunca foi enviada à Ré sendo que dos mails juntos a fls.24 e ss. apenas constam comunicações feitas pela A. à sociedade DD e da empresa de peritagem de igual modo à sociedade DD.

Apenas em 13 de Janeiro de 2016, surge correspondência dirigida pela Ré à A. propondo-se nessa data pagar a quantia de €54.345,50. Cfr. fls.34.

No caso sub judice e conforme se anotou a Ré apenas questiona os valores peticionados pela A. na decorrência dos trabalhos efectuados.

Ora, a este respeito, da prova documental produzida e da prova testemunhal ouvida, na verdade não resultam provados os valores pedidos pela A.. De facto, nenhum documento os sustenta, sendo que o depoimento das testemunhas por si arroladas resultou vago e impreciso.

Nos termos do disposto no art.342º do CCivil, é sobre aquele que invoca o direito que incumbe o ónus de o provar o que a A., manifestamente não logrou fazer.

Em face do exposto, apenas podemos condenar a R. a pagar a quantia que a mesma confessadamente aceitou pagar, a qual consta dos factos provados e ascende a €.55.945,50 e não a €54.345,50 conforme é referido”.

Todavia, e em razão da alteração da matéria de facto provada, não pode subsistir a fundamentação da sentença recorrida, no sentido de apenas haver lugar a condenar a R. no pagamento daquilo que a mesma confessadamente aceitou pagar.

Antes haverá que condenar a R. no pagamento à A. daquilo que corresponde ao valor dos trabalhos realizados pela A., na sequência da adjudicação dos mesmos feita pela R. à “DD”, através da aceitação da proposta que lhe foi apresentada por esta, e tendo presente que a “DD” contratou com a A. os serviços em questão, por não deter os equipamentos necessários ao tipo de operações em causa, como decorre do ponto 4. dos factos provados.

Aliás, é nesse mesmo pressuposto que a R. “confessadamente aceitou pagar” à A. o valor dos serviços que a mesma realizou, tendo presente a sua obrigação decorrente dos contratos de seguro celebrados com a “CC”, e dos quais emerge a sua obrigação de reparação dos danos causados pelo acidente com o camião da sua segurada, e sendo os serviços realizados pela A. aqueles que correspondem à referida reparação dos danos.

Assim, o valor total desses serviços ascende a € 103.024,80, sendo correspondente à soma dos valores parcelares identificados nos pontos 15. e 63. (€ 1.560,00), 16. e 61. (€ 2.242,50), 17. e 47. (€ 1.200,00), 18. e 60. (€ 400,00), 19. e 62. (€ 450,00), 20. (€ 600,00), 21. (€ 2.600,00), 64. (€ 2.750,00), 23. (€ 1.000,00), 24. (€ 6.635,00), 26. (€ 6.759,00), 65. (€ 10.400,00), 66. (€ 4.680,00), 30. (€ 27.485,00), 31. (€ 1.100,00), 32. e 67. (€ 30.939,30), 33. (€ 260,00), 34. (€ 564,00), 35. (€ 1.400,00), todos dos factos provados.

Ou seja, na procedência parcial das conclusões da A., a sentença recorrida carece de ser alterada, sendo substituída por outra que condena a R. no pagamento do montante global agora apurado, acrescido dos juros de mora à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, e assim procedendo, nesta medida, o recurso da A».

  Contra este entendimento insurge-se a ré, sustentando  que o acórdão recorrido fez incorreta apreciação da lei aplicável, quanto ao tratamento e transporte de resíduos, na medida em que considerou  não estar a autora obrigada a qualquer demonstração documental dos atos de gestão dos resíduos, quando é certo “apontar”  o regime previsto no art. 5º, nºs 6 e 7  do DL nº 178/2006, de 05.09,  no art. 21º do DL nº 73/2011, de 17.06 e no art. 5º da Portaria  nº 335/97, de 16.05 para a exigência da prova documental  em detrimento de qualquer outra.

Ou seja, no fundo e não obstante admitir, expressamente,  na 2ª conclusão das suas alegações de recurso  estar, no caso dos autos, “vedada” a reapreciação da matéria de facto, a recorrente  não deixa de questionar a reapreciação da matéria de facto feita pelo Tribunal da Relação no que concerne à eliminação  do ponto 11 dos factos dados como não provados pelo Tribunal de 1ª Instância e, consequente aditamento à matéria de facto  dada como provada dos factos supra descritos sob o ponto  67.  

Ora, consabido  não competir ao  Tribunal de revista sindicar o erro na livre apreciação das provas, salvo quando, nos termos do artigo 674.º, n.º 3, do CPC, a utilização desse critério de valoração ofenda uma disposição legal expressa que exija espécie de prova diferente para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, ou ainda quando aquela apreciação ostente juízo de presunção judicial revelador de manifesta ilogicidade e porque não se  vê que o Tribunal da Relação,  na reapreciação da factualidade   acima em referência,  tenha infringido qualquer norma legal probatória expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto  ou que fixe força de determinado meio de prova, impõe-se afirmar estar  este Supremo Tribunal impedido  de sindicar  o julgamento que a Relação fez  sobre tal factualidade, nos termos dos artigo 682.º, n.º 2 e 674º, nº 3, ambos do Código de Processo Civil e, consequentemente,  concluir pela manutenção do quadro factual fixado.


*

Mas, sustenta ainda a recorrente não serem devidos  os valores  dos trabalhos realizados e dos equipamentos usados dados como provados pelo Tribunal da Relação visto constar da  “proposta genérica”  constante  do documento nº 4, junto a  fls. 23 dos autos, por ela aceite, estar o pagamento dependente da condição essencial da aprovação prévia da fatura, condição esta que não foi tida em conta pelo Tribunal da Relação que, deste modo, violou  o disposto no art. 376º, nº 2 do C. Civil.    

Mais sustenta ter o Tribunal da Relação violado também o disposto no art. 360º do C. Civil, pois  da “confissão de pagamento” assumida pela ré  relativamente  aos serviços efetivamente prestados  pela autora  não se pode extrair  que a mesma tenha que pagar tudo o que a aquela reclamou.

Vejamos.

Ante o quadro factual fixado nos pontos 1 a 70 e porque dele resultam provados os valores dos  trabalhos efetivamente realizados pela autora na sequência da adjudicação dos mesmos feita pela “DD”, através da “Proposta de Prestação de Serviços/Gestão de Resíduos nº 000000” ( junta a fls. 23 dos autos), por a mesma  não deter os equipamentos necessários ao tipo de operações em causa, o que a ré aceitou, solucionada fica a questão da  divergência de valores peticionados pela autora  e aqueles que a ré entende serem os devidos, pois, nesta matéria, não pode este Supremo Tribunal deixar de aceitar aqueles  valores, tanto mais que na mencionada proposta nada foi dito quanto ao preço dos trabalhos a realizar.

Daí que a única questão a dirimir, como apesar de tudo acaba por reconhecer a recorrente, consiste em saber se a  expressão « o pagamento  dos serviços que vão ser realizados  (…) após a aprovação da respetiva factura », há-se ser entendida como uma  “condição essencial  para o pagamento ”.  

E a este respeito cumpre referir que, mesmo aceitando-se, ante uma tal  estipulação, que, não tendo a autora  procedido à apresentação à ré  de fatura prévia para aprovação ( cfr. factos dados como provados sob o nº 58), estarmos perante uma situação de inexigibilidade  da obrigação de pagamento do preço por parte da ré -  tanto mais que, no caso dos autos,  a referida proposta é omissa quanto ao valor dos trabalhos a executar pela autora e a ré, na sua contestação, afirma discordar dos valores peticionados, a esse título, pela autora - a verdade é que  aquela mesma cláusula  não exonera a ré  da obrigação de cumprir, ou seja,  não afasta  a responsabilidade da ré  pelo cumprimento da obrigação, valendo no caso o disposto no art. 610º, nº1 do C.P.Civil.

De resto, dir-se-á  que é nesta mesma linha de entendimento que  se posiciona a ré ao propor à autora  o pagamento da  quantia de € 54.345,50, valor apurado empresa de peritagem pela “EE”  ( cfr. Factos dados como provados sob os pontos 9, 10, 12, 13 e 40).

 Daí que, resultando determinados,  através da alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação, os valores  dos trabalhos realizados e dos equipamentos usados pela autora,  se imponha concluir  ter a autora direito a receber da ré a quantia de € 103.024,80, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal,  desde a citação e até integral pagamento, tal como decidiu o acórdão recorrido.

Termos em que, carecendo de qualquer fundamento as alegadas violações ao disposto nos arts. 376º, nº 2 e 360º, ambos do C. Civil, improcedem todas as razões da recorrente.  

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IV – Decisão


Pelo exposto, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal  em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

As custas  da revista  ficam a cargo da recorrente.


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Supremo Tribunal de Justiça, 19 de junho de 2019



Maria Rosa Oliveira Tching (Relatora)

Rosa Maria Ribeiro Coelho

Catarina  Serra

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[1] Vide Acórdãos do STJ de 21-10-93 e de 12-1-95, in CJ. STJ, Ano I, tomo 3, pág. 84 e Ano III, tomo 1, pág. 19, respetivamente.