Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1220/13.3TTPRT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
DENÚNCIA
CADUCIDADE
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 04/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - LEIS, SUA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO.
DIREITO DO TRABALHO - DIREITO COLECTIVO / INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO ( INSTRUMENTOS DE REGULAMENTAÇÃO COLETIVA DE TRABALHO ) / CONVENÇÃO COLECTIVA ( CONVENÇÃO COLETIVA ) / ÂMBITO TEMPORAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 295-298.
- ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Almedina, Coimbra,1999, p. 785; Direito do Trabalho, 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 688.
- BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231, 233.
- BENJAMIM MENDES e OUTRO, «Nota sobre os efeitos jurídicos da caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho», Revista de Direito e de Estudos Sociais, n.os 3 e 4, Julho-Dezembro 2007, Almedina, p. 49.
- CARLOS ANTUNES e OUTRO, Direito da Contratação Colectiva de Trabalho, Anotado e Comentado, Petrony Editora, 2014, pp. 166-171.
- CONSELHO CONSULTIVO DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA, Parecer n.º 239/77, de 21 de Dezembro de 1977, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 30 de Março de 1978, e no B.M.J., n.º 280, p. 184 e seguintes.
- MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Colectivas, 2.ª edição actualizada à reforma do Código do Trabalho, até Dezembro de 2014, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 314, 315, 325.
- PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “Código Civil” Anotado, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, pp. 18-19.
Legislação Nacional:
CCT, REVISTO E COM PUBLICAÇÃO INTEGRAL NO BTE N.º 32, DE 29 DE AGOSTO DE 2008.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 12.º, N.ºS 1 E 2.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, N.º2, 663.º, N.º 2, E 679.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2003: - ARTIGO 558.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGO 501.º.
LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 7.º, N.º1, 10.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 306/2003, DE 25 DE JUNHO, PROCESSO N.º 382/03, DISPONÍVEL EM WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT .

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5 DE FEVEREIRO DE 2003, PROFERIDO NA REVISTA N.º 3738/02, DA 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ( AÍ REFERENCIADO COMO PROCESSO 02S3738);
-DE 2 DE JULHO DE 2003, PROFERIDO NA REVISTA N.º 3745/02, DA 4.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT ( AÍ REFERENCIADO COMO PROCESSO 02S3745).
Sumário :
1.  Não se pode concluir pela caducidade da convenção colectiva em causa, à luz da disposição transitória contida no artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, pois à data da entrada em vigor dessa Lei, embora a denúncia operada pela autora tivesse ocorrido há mais de 18 meses e não fosse de reputar de inválida, o certo é que após aquela denúncia a convenção colectiva foi revista, acrescendo que desde a entrada em vigor da última publicação integral da convenção não tinham, ainda, decorrido seis anos e meio.

2.  O artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe sobre os efeitos emergentes dos factos que enuncia, pelo que só se aplica aos ocorridos depois da sua entrada em vigor, sendo que o novo regime de sobrevigência e caducidade de convenção colectiva aí consagrado não abstrai do facto (denúncia) que determina a cessação dos seus efeitos, daí que se configure um caso de sobrevigência da lei antiga.

3.  A esta conclusão não se opõe o regime previsto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, já que o facto (denúncia) praticado pela autora teve o pertinente efeito (a negociação) totalmente passado no domínio da lei antiga, logo a denúncia efectivada, em 30 de Março de 2004, não teve a virtualidade de operar a caducidade do CCT celebrado entre as partes.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                    I

            1. Em 16 de Setembro de 2013, no Tribunal do Trabalho do Porto, Juízo Único, 3.ª Secção, a ASSOCIAÇÃO AA (A…) instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra o SINDICATO BB (SBB), pedindo que fosse reconhecida a caducidade, em 6 de Abril de 2011, do contrato colectivo de trabalho (CCT) celebrado entre a autora e o réu, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1995, com diversas alterações, bem como do acordo de adesão celebrado entre a autora e o réu, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 19, de 22 de Maio de 2007.

Em substância, aduziu que o seu conselho de direcção deliberou denunciar o CCT celebrado entre as partes, o que foi comunicado ao réu, por carta datada de 30 de Março de 2004, acompanhada da atinente proposta de revisão, sendo que as partes promoveram a negociação do novo texto de contrato colectivo de trabalho e, em 23 de Dezembro de 2011, foi celebrada com outros sindicatos, excepto com o réu, convenção colectiva para a actividade seguradora, tendo comunicado ao Ministério do Trabalho e da Segurança Social, em 4 de Fevereiro de 2011, a conclusão, sem acordo, do processo negocial e requerido a publicação do aviso referente à data de caducidade daquele contrato colectivo, o que foi indeferido.

O réu contestou, alegando que, no processo iniciado em 2004, as partes continuaram as negociações para revisão do clausulado, a que a autora colocou fim, em 28 de Janeiro de 2010, quando existia acordo numa grande parte do clausulado, tendo a autora referido, nas negociações, que o processo de celebração de uma nova convenção caducara, entendimento que não aceitou, por as partes terem previsto que o mesmo só caducava quando fosse substituído por outro ou por decisão arbitral.

Realizado julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o réu do pedido.

2. Inconformada, a autora interpôs recurso de revista per saltum, para este Supremo Tribunal, em que formulou as conclusões que se passam a transcrever:

              «1.ª   A Recorrente recorre da sentença de fls. , apenas quanto à decisão de Direito nela proferida.                                     
                 2.ª   Os efeitos da denúncia, em 30 de Março de 2004, do contrato colectivo de trabalho celebrado entre Recorrente e Recorrido, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1995, e respectivas revisões, bem como do acordo de adesão celebrado entre as mesmas partes e publicado naquele Boletim e série, n.º 19, de 22 de Maio de 2007, regem-se pelo disposto no artigo 501.º do Código do Trabalho, na versão aprovada pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
                  3.ª   Por efeito do número 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, o Código do Trabalho de 2009 não se aplica [aos] efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente à sua entrada em vigor.
                4.ª   Porque o CCT estatuía a sua vigência “até ser substituído por um novo CCT ou decisão arbitral”, nem a respectiva denúncia, nem a apresentação de proposta de revisão que incluía a modificação da cláusula em apreço, haviam determinado a respectiva caducidade, à data do início de vigência do Código de Trabalho de 2009.
             5.ª   O facto impeditivo da extinção do CCT inerente à denúncia da Recorrente — a disposição deste que determinava a respectiva subsistência até à substituição por nova convenção colectiva de trabalho ou decisão arbitral — mantinha-se eficaz à data do início de vigência do Código do Trabalho de 2009.
                 6.ª   Na mesma data, não tinha também decorrido o prazo de cinco anos de que o artigo 501.º/1 do Código do Trabalho de 2009 faz depender a caducidade da disposição que impede a cessação de vigência do CCT até à sua substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva.
                  7.ª   Antes e após a data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, os outorgantes do CCT declararam, repetidas vezes, que o processo iniciado com a denúncia daquele e a apresentação de proposta para a sua revisão que incluía a alteração do n.º 1 da cláusula 3.ª, não se encontrava concluído.
                  8.ª   Razões que determinam a conclusão de que aquando do início de vigência do mesmo Código do Trabalho, a denúncia do CCT apresentada pela Recorrente e os respectivos efeitos ou sequelas não se encontravam ainda totalmente passados.
                 9.ª   Consequentemente, é no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 que deve encontrar-se o regime jurídico do efeito extintivo da denúncia do CCT declarada pela Recorrente em 30 de Março de 2004.
               10.ª  Por aplicação daquele preceito, o número 1 da cláusula 3.ª do CCT celebrado entre Recorrente e Recorrido, que fazia depender o termo da aplicação desta convenção da sua substituição por outra, caducou em 1 de Abril de 2009, cinco anos após a denúncia e a apresentação de proposta para a sua revisão.
               11.ª  A partir desta data, o CCT manteve-se em regime de sobrevigência, pelo período mínimo de 18 meses, ou seja, até 1 de Outubro de 2010.
                12.ª  O CCT caducou em 6 de Abril de 2011, 60 dias depois da Recorrente ter comunicado ao ministério responsável pela área laboral a conclusão, sem acordo, do processo de negociação subsequente à denúncia do CCT.
               13.ª  A aplicação do artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 ao caso sub judice afasta a disposição do n.º 2 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2009.
               14.ª  Não constituem impedimento à aplicação deste último preceito as diversas revisões do CCT após a denúncia declarada pela Recorrente em 2004, pois aquelas revisões foram sempre acompanhadas de declarações dos outorgantes quanto à eficácia da denúncia apresentada.
               15.ª  Também caducou a disposição do CCT que estatui a respectiva vigência “até ser substituído por um novo CCT ou decisão arbitral”, por terem decorrido cinco anos, contados quer da data da última publicação integral do CCT, quer [da] data da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009.
               16.ª  Pelo que não se verifica impedimento à caducidade do CCT, mesmo à luz do regime transitório previsto no número 2 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2012 [será Lei n.º 7/2009].
                17.ª  Ao declarar improcedente a presente acção, absolvendo o Réu do pedido, a sentença recorrida infringiu o disposto nos números 1 a 4 do artigo 501.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, bem como no número 1 do artigo 7.º e nos números 1 a 3 do artigo 10.º desta Lei.
               18.ª  A Recorrente requer que o presente recurso suba directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do número 1 do artigo 678.º do Código de Processo Civil, atento (i) o valor dado à causa, superior à alçada do Tribunal da Relação, (ii) à sucumbência total da Recorrente, (iii) à limitação do objecto do presente recurso à questão de Direito e (iv) à inexistência de impugnação de qualquer decisão interlocutória.»

Termina sustentando a procedência do recurso de revista, «revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra [que] condene o Réu no pedido».

Em contra-alegações, o réu defendeu a confirmação do julgado, tendo, a este propósito, explicitado o núcleo conclusivo seguinte:

              «1.   O tribunal “a quo” decidiu bem ao considerar que, por força da entrada em vigor do artigo 501.º, n.os 1 a 3 do Código de Trabalho, aprovado pela lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, o CCT publicado no BTE, n.º 23, de 22/06/95, com as alterações introduzidas posteriormente nos BTE's (1.ª série) n.º 29, de 8/8/2000, n.º 29, de 8/8/2001, n.º 29, de 8/8/2002, n.º 27, [de] 22/7/2003, n.º 34, de 15/9/2004 e n.º 33, de 8/9/2005, n.º 33, de 8/7/2007 e 1.ª Serie, n.º 32, de 29 de Agosto de 2008, não podia caducar, porque no momento em que foi celebrado não existia previsão legal que assim o permitisse, pois os artigos 556.º e 557.º do Código de Trabalho, aprovado pela lei 99/2003 de 27/8, estipulava que o regime de vigência e caducidade era o fixado pelas partes, funcionando este como norma supletiva.
                   2.   O CCT publicado no BTE, n.º 23, de 22/06/95, com as alterações introduzidas posteriormente nos BTE's (1.ª série) n.º 29, de 8/8/2000, n.º 29, de 8/8/2001, n.º 29, de 8/8/2002, n.º 27, [de] 22/7/2003, n.º 34, de 15/9 de 2004 e n.º 33, de 8/9/2005, n.º 33, de 8/7/2007 e 1.ª Serie, n.º 32 de 29 de Agosto de 2008 regulava no n.º 1 da cláusula 3.ª a sua cessação, pelo que a denúncia efectuada em 2004, pela Recorrente, não podia produzir os efeitos de fazer caducar, unilateralmente, o IRCT.
                  3.   Aplicando-se o artigo 501.º, n.os 1 a 3, da lei 7/2009 de 12 de Fevereiro a uma denúncia efectuada em 2004, esta teria efeitos retroactivos, portanto seria inconstitucional.
             4.   O artigo 501.º, n.os 1 a 3, do Código de Trabalho, é inconstitucional por esvaziar de conteúdo a contratação colectiva, por violando a autonomia e liberdade sindical, consagrada no artigo 56.º da CRP, restringindo-a, em absoluto, sem que estejam verificados os requisitos do artigo [18.º], n.º 2, também da Constituição, que impõe na restrição de direitos fundamentais o legislador, nessa restrição, está limitado aos princípios da proporcionalidade, da necessidade e de ser o meio menos intrusivo.
              5.   O artigo 501.º, n.os 1 a 3, do Código de Trabalho é inconstitucional por violar o princípio da segurança jurídica devida a quem trabalha, quando de forma abrupta faz cessar, sem motivo, direitos que asseguram uma vida condigna, nos termos do artigo 1.º e 59.º da CRP, bem como por tornar o trabalho uma mercadoria, violando princípios fundamentais do direito Internacional como a declaração de Filadélfia e Declaração Universal dos Direitos Homem.
          6.   O artigo 501.º do Código de Trabalho é ainda inconstitucional por violar a Convenção Europeia dos Direitos Humanos, artigo 11.º, bem a [sic] Convenções da Organização Internacional de Trabalho n.º 87 e 98 e Declaração de 1998 relativa dos Sociais [sic] Fundamentais do Trabalho, por força do disposto nos artigos 8.º e 16.º da CRP.»

Termina defendendo a improcedência do recurso interposto e a manutenção da «decisão proferida pelo Tribunal “a quo” e, se assim não se considerar, deve ser declarado inconstitucional o artigo 501.º, n.os 1 a 3, do Código de Trabalho, aprovado pelo Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, por violação do direito à contratação colectiva e a autonomia e liberdade sindical, consagrado na CRP, artigo 56.º, n.º 3, bem como por violação do artigo 11º da CEDH e as Convenções da OIT números 87 e 98».

Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no qual concluiu: (i) «[a] denúncia, em relação às convenções colectivas, tem sido entendido não revestir carácter extintivo, apresentando-se antes como o iniciar de um processo de revisão daquelas»; (ii) «[o] art. 13.º da lei preambular do CT/2003 não afastou o regime de sobrevigência, que manteve a sua natureza supletiva, relativamente à vontade das partes, tendo estas acordado, conforme n.º 1 da cl.ª 3.ª do CCT em causa que a mesma “entra[va] em vigor cinco dias após a publicação e vigorará por períodos sucessivos de dois anos, até ser substituído por um novo CCT ou decisão arbitral”, pelo que à luz daquele diploma aquele ICT não caducou»; (iii) «[o] art 10.º do diploma preambular do actual Código do Trabalho fixa um regime transitório de sobrevigência e caducidade de convenção colectiva, estipulando que a CCT caduca na data de entrada em vigor daquele CT ou após 18 meses da denúncia, verificados, cumulativamente, os factos constantes das al.s a), b), c) e d) do n.º 2 daquele normativo»; (iv) «[d]eflui da facticidade assente não se encontrarem reunidos os pressupostos legais necessários exigidos por aquele art. 10.º, não se verificando, consequentemente, a caducidade da referida CCT»; (v) «[c]onforme disposto no art. 12.º do Código Civil, ”a lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”, pelo que não será de aplicar, in casu, o art. 501.º do actual Código do Trabalho»; (vi) «[a] autora com a denúncia e apresentação da proposta de revisão CTT, pretendeu iniciar um processo de revisão daquela convenção, conforme resulta da missiva enviada aos Sindicatos, bem como das actas das reuniões de negociação, razões pelas quais, SMO, o recurso deveria improceder, antes sendo de confirmar a sentença sub judicio

O mencionado parecer, notificado às partes, suscitou resposta da recorrente, na qual veio reiterar o entendimento explicitado na alegação de recurso de revista.

3. As questões suscitadas no âmbito do recurso de revista em apreciação são as que se passam a explicitar, segundo a ordem lógica que entre as mesmas intercede:

                Se ocorreu a caducidade, em 6 de Abril de 2011, do CCT celebrado entre a autora e o réu, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1995, e respectivas revisões, bem como do acordo de adesão celebrado entre a autora e o réu, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 19, de 22 de Maio de 2007 (conclusões 2.ª a 17.ª da alegação do recurso de revista);
                Se as normas contidas no artigo 501.º, n.os 1 a 3, do Código do Trabalho de 2009 são inconstitucionais (conclusões 3.ª a 6.ª da contra-alegação do recurso de revista).

Preparada a deliberação, cumpre julgar o objecto do recurso interposto.

                                                    II

1. O tribunal recorrido deu como provados os factos seguintes:
1) A autora, Associação AA, é uma associação de empregadores, com estatutos publicados, por último, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 40, de 29 de Outubro de 2008, com rectificação publicada no mesmo Boletim e série, n.º 10, de 15 de Março de 2009;
2) O réu representa «trabalhadores que exerçam a sua actividade por conta de outrem ou por conta própria (desde que não tenham trabalhadores ao seu serviço) na actividade seguradora ou em quaisquer outras actividades com ela conexas […]»;
3) Até 2000, o réu designou-se S... — Sindicato CC e, entre 2000 e 2005, o réu usou a firma Sindicato BB — S…;
4) A autora celebrou contrato colectivo de trabalho com o SDD — Sindicato DD, o SEE — Sindicato EE e o réu, à data sob a designação SCC — Sindicato CC;
5) O contrato colectivo de trabalho foi publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1995, e foi objecto de diversas alterações, publicadas sucessivamente nos Boletins do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 24, de 29 de Junho de 1996, n.º 25, de 8 de Julho de 1997, n.º 25, de 8 de Julho de 1998, n.º 27, de 22 de Julho de 1999, n.º 29, de 8 de Agosto de 2000, n.º 29, de 8 de Agosto de 2001, n.º 29, de 8 de Agosto de 2002 e n.º 27, de 22 de Julho de 2003;
6) O número 1 da cláusula 3.ª do mesmo contrato colectivo estabelecia que «o presente CCT entra em vigor cinco dias após a publicação e vigorará por períodos sucessivos de dois anos, até ser substituído por um novo CCT ou decisão arbitral»;
7) Em 2000, o SDD — Sindicato DD alterou a sua denominação para SFF— Sindicato FF;
8) Em reunião de 11 de Dezembro de 2003, o Conselho de Direcção da autora deliberou denunciar o contrato colectivo de trabalho supra mencionado;
9) Em reunião de 29 de Março de 2004, o mesmo Conselho aprovou proposta de revisão do mesmo contrato colectivo;
10) Por cartas datadas de 30 de Março de 2004 e dirigidas aos Sindicatos subscritores, assinadas pelo Presidente do Conselho da direcção, a autora denunciou o contrato colectivo de trabalho supra mencionado;
11) A denúncia foi acompanhada de proposta de revisão do mesmo contrato colectivo de trabalho;
12) Aquela proposta de revisão incluía a alteração da disposição prevista no número 1 da cláusula 3.ª do referido contrato colectivo;
13) A autora e os mesmos Sindicatos promoveram a negociação de novo texto de contrato colectivo de trabalho nos termos constantes das actas juntas aos autos até ao dia 15 de Dezembro de 2011;
14) O réu, no âmbito dessas negociações, apresentou, em 30/11/2009, uma proposta de revisão do contrato colectivo à autora constante do documento junto a fls. 248 a 252, cujo teor se dá por reproduzido;
15) A autora suspendeu as negociações em 28 de Janeiro de 2010, pelos motivos constantes da declaração junta a fls. 261, cujo teor se dá por reproduzido quando já tinham sido alcançados «alguns consensos no bloco de matérias considerado prioritário» e que foram posteriormente reiniciadas;
16) A autora não requereu arbitragem nem a mediação;
17) Em nenhuma das reuniões realizadas entre a autora e os sindicatos, incluindo o réu, com vista à revisão do CCT para a actividade seguradora, aquela afirmou que, em caso de falta de acordo, a convenção colectiva em revisão, caducaria em resultado da denúncia de 2004;
18) Em 23 de Dezembro de 2011, a autora, o STAS — Sindicato FF e o SISEP — Sindicato EE, celebraram convenção colectiva de trabalho para a actividade seguradora, publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 2, de 15 de Janeiro de 2012;
19) O n.º 1 da cláusula 54.ª desta convenção estatui que a entrada em vigor deste contrato colectivo de trabalho faz cessar os «direitos e efeitos […] decorrentes da regulamentação colectiva de trabalho anterior», excepto quando ressalvado;
20) O réu não celebrou este contrato colectivo de trabalho, nem nenhum outro com a autora;
21) O contrato colectivo de trabalho acima referido foi ainda revisto após Março de 2004;
22) Aquelas revisões foram publicadas sucessivamente nos Boletins do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 34, de 15 de Setembro de 2004, n.º 33, de 8 de Setembro de 2005, n.º 30, de 15 de Agosto de 2006, n.º 29, de 8 de Agosto de 2007, n.º 32, de 29 de Agosto de 2008 e n.º 29, de 8 de Agosto de 2009;
23) Todas as revisões foram outorgadas pelos sindicatos supra referidos, excepto a publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 30, de 15 de Agosto de 2006, apenas subscrita pelo STAS — Sindicato FF e pelo SISEP — Sindicato EE;
24) E a que o réu aderiu por acordo celebrado com a autora e publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 19, de 22 de Maio de 2007;
25) As revisões acima indicadas respeitaram somente a matérias de natureza pecuniária;
26) Em todas elas, os outorgantes fizeram menção expressa à subsistência da denúncia e subsequente processo de negociação;
27) No mesmo período, o texto consolidado do mesmo contrato colectivo de trabalho foi publicado por duas vezes, nos Boletins do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 34, de 15 de Setembro de 2004, e n.º 32, de 29 de Agosto de 2008;
28) Em ambos os casos, aquela publicação foi justificada em cumprimento do disposto no artigo 550.º/1, alínea e), do Código do Trabalho [de 2003];
29) Tendo os outorgantes declarado ficar «bem entendido que se mantêm eficazes e válidas as denúncias da mesma [convenção colectiva], efectuadas pela Associação AA em 1 de Abril de 2004, relativamente às quais continua o processo negocial»;
30) Em 4 de Fevereiro de 2011, a autora comunicou ao então Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social a conclusão «sem acordo [d]o processo negocial tendente à revisão global do contrato colectivo de trabalho para a actividade seguradora, publicado no BTE n.º 23, 1.ª série, em 22 de Junho de 1995, iniciado na sequência da denúncia promovida por esta Associação em 30 de Março de 2004»;
31) Tendo requerido a publicação de aviso sobre a data da caducidade daquele contrato colectivo;
32) Por despacho de 5 de Abril de 2011, o director de serviços da regulamentação colectiva e organizações do trabalho da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social recusou publicar aquele aviso com fundamento na não verificação da caducidade.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram impugnados pelas partes, nem ocorre qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 682.º do actual Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-de ser resolvida a questão suscitada no recurso.

2. A autora defende a verificação dos pressupostos da caducidade, em 6 de Abril de 2011, do CCT que firmou com o réu, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 23, de 22 de Junho de 1995, e atinentes revisões, bem como do acordo de adesão celebrado entre a autora e o réu, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 19, de 22 de Maio de 2007, fundamentando a sua pretensão na aplicação do estipulado no artigo 501.º do Código do Trabalho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, aduzindo que «é no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 que deve encontrar-‑se o regime jurídico do efeito extintivo da denúncia do CCT declarada pela Recorrente em 30 de Março de 2004», porquanto, «aquando do início de vigência do mesmo Código do Trabalho, a denúncia do CCT apresentada pela Recorrente e os respectivos efeitos ou sequelas não se encontravam ainda totalmente passados».

Mais alega, sem prejuízo do antecedente entendimento, que «não se verifica impedimento à caducidade do CCT mesmo à luz do regime transitório previsto no número 2 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2012 [será Lei n.º 7/2009]».
2.1. Ao tempo da celebração do CCT, cuja caducidade a autora entende ter ocorrido, vigorava na ordem jurídico-laboral o Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que, no tocante à vigência temporal dos instrumentos de regulamentação colectiva, estabelecia, no artigo 11.º, que «[a]s convenções colectivas e as decisões arbitrais vigoram pelo prazo que delas constar expressamente» (n.º 1) e que «[a] convenção colectiva e a decisão arbitral mantêm-se em vigor até serem substituídas por outro instrumento de regulamentação colectiva» (n.º 2).

As convenções colectivas de trabalho vigoravam, por conseguinte, até que fossem substituídas por outros instrumentos de igual ou superior posição hierárquica, configurando-se a denúncia prevista no artigo 16.º daquele diploma legal como «uma declaração recipienda que acompanha a proposta e revela a intenção de rever ou substituir a convenção anterior» (cf. ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 1994, pp. 295-298), e manifestando-se um claro fenómeno de «sobrevigência ou ultra-actividade potencialmente ilimitada» das CCT (cf. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 11.ª edição, Almedina, Coimbra,1999, p. 785), sendo óbvia a prevalência conferida «ao valor da estabilidade dos regimes laborais, que se compadece mal com situações de vazio normativo ao nível da contratação colectiva», por oposição «à dinâmica específica da contratação colectiva, que se projecta na índole eminentemente transaccional e, por isso mesmo, transitória dos regimes colectivos e, por consequência, na vigência necessariamente temporária dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho» (cf. MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte III – Situações Laborais Colectivas, 2.ª edição actualizada à reforma do Código do Trabalho, até Dezembro de 2014, Almedina, Coimbra, 2015, p. 314).

«A concepção mais tradicional da contratação colectiva ligava-lhe uma ideia de continuidade: sem prejuízo das alterações mais ou menos frequentes que a evolução das circunstâncias impusesse, e independentemente do período de vigência estabelecido, a regulamentação convencional não deveria sofrer descontinuidades. Desde que houvesse uma convenção para certo âmbito, ela só cessaria os seus efeitos se e quando surgisse convenção substitutiva» (cf. ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 16.ª edição, Almedina, Coimbra, 2012, p. 688).

Na mesma linha do entendimento, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 5 de Fevereiro de 2003, proferido na Revista n.º 3738/02, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt (Processo 02S3738), exarou pronúncia sumariada nos termos seguintes: «I – A tese de que a caducidade de um IRCT deriva “ipso iure” do decurso do prazo de validade dele próprio constante, apenas acrescido do tempo necessário e suficiente para a realização da negociação conducente à sua substituição, colide com a disciplina do n.º 2 do artigo 11.º da LRCT (DL n.º 519-C1/79 de 29 de Dezembro). II – A inércia das partes outorgantes de um acordo de empresa pode entender-se como a concordância com a manutenção do que nele está clausulado. III – Não sendo de admitir que o legislador se tenha contradito nos dois únicos números do artigo 11.º da LRCT, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.º 87/89, de 23 de Março, deve entender-se que o n.º 1 estabelece o prazo mínimo de vigência do contrato colectivo — o constante da convenção —, e o n.º 2 estatui a sua vigência efectiva — até à sua substituição por outro IRCT. IV – Esta interpretação é conforme ao artigo 9.º do CC e obstaculiza à ocorrência de hiatos entre IRCTs» (cf., no mesmo sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 2 de Julho de 2003, proferido na Revista n.º 3745/02, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, aí referenciado como Processo 02S3745).

No dizer de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (ob. cit., p. 315), «este sistema redundou na total cristalização da contratação colectiva», assim se perpetuando a vigência de «CCT desactualizadas pelo devir histórico, em prejuízo da celebração de novas CCT» (cf. BENJAMIM MENDES e OUTRO, «Nota sobre os efeitos jurídicos da caducidade das Convenções Colectivas de Trabalho», Revista de Direito e de Estudos Sociais, n.os 3 e 4, Julho-Dezembro 2007, Almedina, p. 49).

É, pois, neste quadro que se devem entender as alterações introduzidas pelo Código do Trabalho, editado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que contemplou medidas tendentes a promover a renovação das CCT existentes e a instituir a revisão periódica destes instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho.

Assim, conforme realça MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (ob. cit., p. 315), «para forçar a revisão das convenções colectivas em vigor, foi admitida a denúncia imediata das convenções em vigor e determinada a nulidade das cláusulas das convenções contrárias ao Código do Trabalho, que não viessem a ser substituídas no prazo de um ano sobre a entrada em vigor do Código (artigos 13.º e 14.º da Lei Preambular ao CT de 2003). Por outro lado, este Código fixou um prazo legal mínimo de vigência da convenção colectiva e instituiu um sistema supletivo de sobrevigência, mas estabeleceu a regra da caducidade da convenção colectiva findos aqueles prazos, caso não viesse, entretanto, a ser substituída por outra convenção (artigos 556.º e 557.º). Já em matéria de tutela dos direitos adquiridos pelos trabalhadores por ocasião da sucessão de convenções colectivas, o Código não se afastou significativamente do regime anterior  (artigo 560.º do CT de 2003)(-) (-)

Refira-se que o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 306/2003, de 25 de Junho, Processo n.º 382/03, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, não se pronunciou pela inconstitucionalidade da norma resultante da conjugação dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho de 2003, que previa que, decorrido o período de sobrevigência, a eficácia normativa da convenção colectiva caducava, atendendo, para tanto, a que «a questionada solução legislativa, impondo limites que se consideram mitigados à sobrevigência, se mostra razoável e equilibrada. Desde logo, ela surge como mera solução supletiva, competindo às partes, em primeira linha, a adopção do regime que reputem mais adequado. Depois, é assegurado, após a denúncia e até ao início da arbitragem, um período de sobrevigência que pode atingir os dois anos e meio. Finalmente, seria contraditório com a autonomia das partes, que é o fundamento da contratação colectiva, a imposição a uma delas, por vontade unilateral da outra, da perpetuação de uma vinculação não desejada.»

Entretanto, as alterações introduzidas ao Código do Trabalho por via da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, acolheram relevantes alterações na matéria em causa, já que o n.º 1 do seu artigo 501.º — a par da disposição transitória prevista no artigo 10.º daquela Lei — estatuiu um prazo de vigência das convenções colectivas, ainda que consagrassem, no correspondente clausulado, norma que fizesse depender a cessação da sua vigência da substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, como sucede in casu. Isto é, se anteriormente a caducidade de uma convenção colectiva que contivesse uma cláusula daquele teor estava, sempre, dependente da sua substituição por outra convenção colectiva, inovou-se no sentido de se prever mecanismos que obviassem à tendencial eternização das CCT.

Como anotam CARLOS ANTUNES e OUTRO (cf. Direito da Contratação Colectiva de Trabalho, Anotado e Comentado, Petrony Editora, 2014, pp. 166-171), o «n.º 1 [do artigo 501.º] pretende acabar com o efeito da perpetuação de vigência das convenções colectivas através de cláusulas que determinam que tais convenções só caducam por substituição por nova convenção, comummente denominadas de “cláusulas de eternização”. Isto é, o CT 2009 estabelece uma orientação diversa da “sobrevigência ilimitada” do CT 2003 […] dando primazia à renovação periódica das convenções colectivas atribuindo-lhes uma vigência limitada, ainda que por esse facto possa ocorrer eventualmente um “vazio contratual” pela não celebração de convenção substitutiva. Assim, institui-se que a cláusula de convenção que faça depender a cessação da sua vigência, de substituição por outro instrumento, caduca decorridos 5 anos sobre a última publicação integral da convenção, a denúncia da convenção ou a proposta de revisão da convenção que inclua a revisão da referida cláusula. Ou seja, embora a aposição de tais cláusulas continuem a ser validamente permitidas, passam a ter um limite temporal de 5 anos, findo o qual caducam, com vista a estimular o interesse e a vontade das partes em negociar».
Este regime de caducidade, na síntese de MARIA DO ROSÁRIO PALMA RAMALHO (ob. cit., p. 325), traduz uma «novidade do actual Código do Trabalho» e «pretende obstar à vigência das convenções colectivas para além de limites razoáveis […], favorecendo assim a renovação cíclica da contratação colectiva».

Efectivamente, a redacção originária do n.º 1 do artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 preceituava que «[a] cláusula de convenção que faça depender a cessação da vigência desta da substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho caduca decorridos cinco anos sobre a verificação de um dos seguintes factos: a) [ú]ltima publicação integral da convenção; b) [d]enúncia da convenção; c) [a]presentação de proposta de revisão da convenção que inclua a revisão da referida cláusula.» E, subsequentemente, o mesmo artigo estabelecia que, «[h]avendo denúncia, a convenção mantém-se em regime de sobrevigência durante o período em que decorra a negociação, incluindo conciliação, mediação ou arbitragem voluntária, ou no mínimo durante 18 meses» (n.º 3) e que «[d]ecorrido o período referido no número anterior, a convenção mantém-se em vigor durante 60 dias após qualquer das partes comunicar ao ministério responsável pela área laboral e à outra parte que o processo de negociação terminou sem acordo, após o que caduca» (n.º 4).

O certo é que, na redacção dada a esta norma pela Lei n.º 55/2014, de 25 de Agosto, a caducidade das sobreditas cláusulas passou a ocorrer passados três anos (a) sobre a última publicação integral da convenção, (b) sobre a denúncia da convenção, ou (c) sobre a apresentação de proposta de revisão da convenção que inclua a revisão da referida cláusula, redacção que, nos termos do artigo 4.º da Lei n.º 55/2014, não se aplica às convenções colectivas de trabalho denunciadas até 31 de Maio de 2014.

2.2. As dúvidas respeitantes à norma aplicável, em caso de alteração de um particular regime jurídico, encontram solução no próprio ordenamento jurídico.

Como alude BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, Coimbra, 1983, pp. 229-231), «os problemas de sucessão de leis no tempo suscitados pela entrada em vigor de uma LN [lei nova] podem, pelo menos em parte, ser directamente resolvidos por esta mesma lei, mediante disposições adrede formuladas, chamadas “disposições transitórias”», que «podem ter carácter formal ou material. Dizem-se de direito transitório formal aquelas disposições que se limitam a determinar qual das leis, a LA [lei antiga] ou a LN, é aplicável a determinadas situações. São de direito transitório material aquelas que estabelecem uma regulamentação própria, não coincidente nem com a LA nem com a LN, para certas situações que se encontram na fronteira entre as duas leis.»

A Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, contempla normas transitórias que delimitam a vigência do Código do Trabalho quanto às relações jurídicas subsistentes à data da sua entrada em vigor, pelo que, para fixar a eficácia temporal daquele Código, há que recorrer aos critérios sobre aplicação da lei no tempo enunciados naquelas normas, sendo certo que, no que agora importa, o n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, estipula que, «[s]em prejuízo do disposto no presente artigo e nos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho aprovado pela presente lei os contratos de trabalho e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou adoptados antes da entrada em vigor da referida lei, salvo quanto a condições de validade e a efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento».

A norma transcrita acolhe o regime comum de aplicação das leis no tempo contido no n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil.

Relativamente à aplicação das leis no tempo rege o artigo 12.º do Código Civil, segundo o qual «[a] lei só dispõe para o futuro» (n.º 1), sendo que, «[q]uando a lei dispõe sobre a validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor» (n.º 2).

Sublinha BAPTISTA MACHADO (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, ob. cit., p. 233), que o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil trata-se de norma que ainda exprime o princípio da não retroactividade nos termos da teoria do facto passado, nele se distinguindo «dois tipos de leis ou de normas: aquelas que dispõem sobre os requisitos de validade (substancial ou formal) de quaisquer factos (1.ª parte) e aquelas que dispõem sobre o conteúdo de certas relações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que a tais situações deram origem (2.ª parte). As primeiras só se aplicam a factos novos, ao passo que as segundas se aplicam a relações jurídicas (melhor: Ss Js [situações jurídicas]) constituídas antes da LN mas subsistentes ou em curso à data do seu IV [início de vigência].»

Na mesma linha de entendimento, afirmam PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA (Código Civil Anotado, volume I, Coimbra Editora, 1967, anotação ao artigo 12.º, pp. 18-19): «[p]revinem-se no n.º 2, em primeiro lugar, os princípios legais relativos às condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos, ou referentes aos seus efeitos. Assim, por exemplo, quanto a impedimentos matrimoniais, quanto à capacidade, quanto à legalidade do próprio negócio, quanto à forma, não pode aplicar-se a lei nova a situações anteriores, e o mesmo é de dizer quanto às obrigações do vendedor ou do comprador, quanto aos direitos ou obrigações do locatário ou do senhorio, quanto à obrigação do mutuário, etc. Se, porém, tratando-se do conteúdo do direito, for indiferente o facto que lhe deu origem, a nova lei é já aplicável. Assim, para fixar o conteúdo do direito de propriedade, é aplicável a lei nova e não a lei da data da sua constituição. Não interessa, na verdade, saber qual foi o título constitutivo, nem qual foi, por consequência, a data da formação deste. É sempre o mesmo direito de propriedade. O mesmo acontece, geralmente, com os direitos de natureza perpétua […].»
A matéria da aplicação das leis no tempo constitui domínio em que existe vasta elaboração doutrinária por parte do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, que sobre o n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil afirmou já o seguinte (Parecer n.º 239/77, de 21 de Dezembro de 1977, publicado no Diário da República, II série, n.º 74, de 30 de Março de 1978, e no B.M.J., n.º 280, p. 184 e seguintes):

              «   Nesse n.º 2 estabelece-se a seguinte disjuntiva: a lei nova ou regula a validade de certos factos ou os seus efeitos (e neste caso só se aplica aos factos novos) ou define o conteúdo, os efeitos de certa relação jurídica, independentemente dos factos que a essa relação deram origem (hipótese em que é de aplicação imediata, quer dizer, aplica-se, de futuro, às relações jurídicas constitutivas e subsistentes à data da sua entrada em vigor).
     «Precisamente a ratio legis que está na base desta regra da aplicação imediata é: por um lado, o interesse na adaptação à alteração das condições sociais, tomadas naturalmente em conta pela nova lei, o interesse no ajustamento às novas concepções e valorações da comunidade e do legislador, bem como a existência da unidade do ordenamento jurídico, a qual seria posta em causa e com ela a segurança do comércio jurídico, pela subsistência de um grande número de situações duradouras, ou até de carácter perpétuo, regidas por uma lei há muito ab-rogada; por outro lado, o reduzido ou nulo valor da expectativa dos indivíduos que confiaram, sem bases, na continuidade do regime estabelecido pela lei antiga uma vez que se trata de um regime puramente legal, e não de um regime posto na dependência da vontade dos mesmos indivíduos.»

Em conformidade, para que a lei nova seja imediatamente aplicável a uma concreta situação jurídica é necessário que aquela disponha directamente sobre o conteúdo dessa situação jurídica, mas abstraindo do seu título constitutivo; ao invés, verifica-se um caso de sobrevigência da lei antiga sempre que a lei nova se refira às condições de validade de um acto jurídico ou ao conteúdo de situações jurídicas indissociáveis do seu título constitutivo.
2.3. É tempo de reverter ao caso em apreciação.

A sentença recorrida, após uma análise exaustiva dos regimes jurídicos que, sucessivamente, regeram a vigência, sobrevigência e caducidade dos instrumentos de regulamentação colectiva, fez repercutir, no caso sub judice, a subsunção jurídica que entendeu relevante, tendo concluído não ser de aplicar o preceituado no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009, nem de reconhecer essa caducidade à luz do regime transitório previsto no artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

A este propósito, a mencionada sentença acolheu a fundamentação seguinte:

              «O artigo 501.º, n.º 1 do C.Trabalho/09 é manifestamente uma norma inovadora e não interpretativa na medida em que constitui uma derrogação da autonomia privada no que respeita ao regime de vigência da convenção colectiva.
                    Recorde-se que esta norma, ao contrário do regime anterior, estabelece que a cláusula de convenção que faça depender a cessação da sua vigência da substituição por outra caduca decorridos cinco anos sobre a verificação de apenas um dos seguintes factos: última publicação integral da convenção, denúncia da convenção ou apresentação de proposta de revisão da convenção que inclua a revisão dessa cláusula.
                     Por conseguinte, estamos perante uma norma que dispõe sobre os efeitos (caducidade) dos mencionados factos, pelo que só se aplica aos ocorridos depois da sua entrada em vigor.
                      […]
                      Mesmo que assim não se entendesse, parece evidente que este novo regime de caducidade desta cláusula de vigência da convenção não abstrai do facto (denúncia) que determina a cessação dos seus efeitos.
                     Na verdade, afirma claramente Romano Martinez(-) que “…tendo em conta a doutrina do facto passado […] a lei antiga mantém a sua aplicação (sobrevigência) ao conteúdo de situações jurídicas que não abstraem dos factos que lhe deram origem (art. 12, n.º 2, do C.C.); ora, a caducidade da convenção colectiva deriva (directamente) da denúncia, pelo que não abstrai do facto que lhe deu origem.”
                     Acresce que […] o legislador, através da Lei n.º 7/2009 de 12.02 que aprovou o C. de Trabalho, fez constar um regime transitório, no seu art. 10.º, possibilitando a caducidade de convenção colectiva da qual conste uma cláusula igual àquela acima mencionada, na data de entrada em vigor da lei ou após 18 meses da denúncia, desde que se mostrem verificados todos os factos aí previstos.
                      […]
                     Portanto, o legislador de 2009, consciente, por um lado, da existência de cláusulas de vigência que determinavam a tendencial perpetuação das convenções colectivas, e por outro, do regime inovador que instituiu no art. 501.º, n.º 1, impôs esta disposição de “meio termo” entre as duas leis.
                     Acontece, porém, que a convenção colectiva celebrada pelas partes não cumpria os pressupostos desse regime transitório na data de entrada em vigor da nova lei (C.Trabalho/09), pelo que também não caducou por esta via.
                      […]
                     Em suma, a lei que venha [a] regular por forma diferente os efeitos de factos por ela assumidos como extintivos de relações jurídicas, só se aplica a factos futuros sendo que inexiste, no caso sub judice, qualquer sobrevigência de efeitos que permitam a aplicação da nova lei.
                     Numa palavra, a não aplicação do C. de Trabalho de 2009 ao caso dos autos, ou seja, à convenção colectiva celebrada entre as partes, significa que a mesma não caducou, continuando o seu clausulado plenamente em vigor.»

Antes de se averiguar se «é no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 que deve encontrar-se o regime jurídico do efeito extintivo da denúncia do CCT declarada pela Recorrente», importa equacionar a possibilidade de que o caso seja resolvido pelo direito transitório aplicável, sabendo-se que o n.º 1 da cláusula 3.ª do CCT celebrado entre a autora e o réu dispõe que «o presente CCT entra em vigor cinco dias após a publicação e vigorará por períodos sucessivos de dois anos até ser substituído por um novo CCT ou decisão arbitral» [facto provado 6)].

Com efeito, o artigo 10.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com o título «Regime transitório de sobrevigência e caducidade de convenção colectiva», prevê: «1 – É instituído um regime específico de caducidade de convenção colectiva da qual conste cláusula que faça depender a cessação da sua vigência de substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, de acordo com os números seguintes. 2 – A Convenção caduca na data da entrada em vigor da presente lei, verificados os seguintes factos: a) A última publicação integral da convenção que contenha a cláusula referida no n.º 1 tenha entrado em vigor há, pelo menos, seis anos e meio, aí já compreendido o período após a denúncia; b) A convenção tenha sido denunciada validamente na vigência do Código do Trabalho; c) Tenham decorrido pelo menos 18 meses a contar da denúncia; d) Não tenha havido revisão da convenção após a denúncia. 3 – A convenção referida no n.º 1 também caduca, verificando-se todos os outros factos, logo que decorram 18 meses a contar da denúncia. 4 – O disposto nos n.os 2 e 3 não prejudica as situações de reconhecimento da caducidade dessa convenção reportada a momento anterior. 5 – O aviso sobre a data da cessação da vigência da convenção é publicado: a) Oficiosamente, caso tenha havido requerimento anterior cujo indeferimento tenha sido fundamentado apenas na existência da cláusula referida no n.º 1; b) Dependente de requerimento, nos restantes casos.»

Neste preceito consagram-se requisitos, de verificação cumulativa, para que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 7/2009, se considere operada a caducidade de convenção colectiva de trabalho que contenha cláusula que faça depender a cessação da sua vigência de substituição outro instrumento de regulamentação colectiva.

No caso, embora à data da entrada em vigor da citada lei a denúncia operada pela autora tivesse ocorrido há mais de 18 meses — facto provado 10) — e não fosse de reputar de inválida — pois, como resulta do facto provado 11), foi acompanhada de proposta de revisão do contrato colectivo de trabalho, exigência contida no n.º 1 do artigo 558.º do Código do Trabalho de 2003, então em vigor — o certo é, porém, que após aquela denúncia a convenção em causa foi revista — factos provados 21) e 22) —, sendo irrelevante a circunstância de se fazer alusão expressa, nas revisões efectivadas, «à subsistência da denúncia e subsequente processo de negociação», bem como que tais revisões respeitassem, tão-somente, «a matérias de natureza pecuniária» [factos provados 25) e 26)], na medida em que a lei não atribui a nenhum desses factos qualquer efeito jurídico, limitando-se, objectiva e expressamente, a prever que não tenha havido revisão da convenção após a denúncia.

Acresce que, desde a entrada em vigor da última publicação integral da convenção contendo a cláusula aludida no n.º 1 do artigo 10.º da Lei n.º 7/2009 não tinham, ainda, decorrido seis anos e meio, aquando do início da vigência dessa Lei (17 de Fevereiro de 2009), já que aquela última publicação entrou em vigor no dia 3 de Setembro de 2008 (cf. cláusula 3.ª, n.º 1, do CCT celebrado entre as partes, revisto e com publicação integral no BTE n.º 32, de 29 de Agosto de 2008), não relevando a circunstância de aquela publicação ter sido justificada «em cumprimento do disposto no artigo 550.º/1, alínea e) do Código do Trabalho» [facto provado 28)], nem de terem os outorgantes declarado «ficar bem entendido que se mantêm eficazes e válidas as denúncias da mesma [convenção colectiva], efectuadas pela Associação AA, em 1 de Abril de 2004, relativamente às quais continua o processo negocial» [facto provado 29)], visto que a lei não confere àqueles factos relevância jurídica para efeitos de aplicabilidade do regime transitório da caducidade.

Fica, pois, afastada a possibilidade de se concluir, à luz do enunciado direito transitório, pela caducidade do instrumento de regulamentação colectiva em causa, termos em que improcedem as conclusões 14.ª a 16.ª e 17.ª, esta na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

Nesta conformidade, resta enfrentar a questão de saber se «é no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 que deve encontrar-se o regime jurídico do efeito extintivo da denúncia do CCT declarada pela Recorrente em 30 de Março de 2004».

Especificamente, a autora/recorrente invoca, neste plano de consideração, que «o número 1 da cláusula 3.ª do CCT celebrado entre Recorrente e Recorrido, que fazia depender o termo da aplicação desta convenção da sua substituição por outra, caducou em 1 de Abril de 2009, cinco anos após a denúncia e a apresentação de proposta para a sua revisão», sendo que, «[a] partir desta data, o CCT manteve-se em regime de sobrevigência, pelo período mínimo de 18 meses, ou seja, até 1 de Outubro de 2010», tendo caducado «em 6 de Abril de 2011, 60 dias depois da Recorrente ter comunicado ao ministério responsável pela área laboral a conclusão, sem acordo, do processo de negociação subsequente à denúncia do CCT».

Ora, a denúncia operada pela autora, por missivas de 30 de Março de 2004 [facto provado 10)], tinha, à data, como resultava do n.º 1 do artigo 558.º do Código do Trabalho de 2003, a virtualidade de desencadear a negociação, como, de facto, se verificou. Porém, nas situações em que a própria convenção colectiva estipulava o seu prazo de vigência e as condições da sua cessação — como era o caso, em que o instrumento de regulamentação colectiva previa que a respectiva cessação só ocorria com a sua substituição por outro instrumento de regulamentação colectiva — jamais a frustração do processo negocial conduzia à caducidade da convenção em causa.

Isto é, à luz da lei então vigente, a denúncia levada a efeito pela recorrente implicava, tão-somente, o desencadear do processo negocial tendente à celebração de um novo contrato colectivo, sendo certo que, mesmo que tal processo se frustrasse, subsistia o instrumento de regulamentação colectiva objecto de denúncia.

Diversamente, a denúncia do CCT, no domínio do artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009, embora partilhe com a lei anterior o efeito de fazer desencadear o processo negocial, acarreta, uma vez este gorado, a respectiva caducidade.

É sabido que o regime comum de aplicação das leis no tempo manteve o princípio tradicional da não retroactividade da lei, que só dispõe para o futuro, sendo que «[q]uando a lei dispõe sobre a validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor».

Ora, no caso, o artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009 dispõe sobre os efeitos (sobrevigência e caducidade de convenção colectiva) emergentes dos factos que discrimina, pelo que só se aplica aos ocorridos depois da sua entrada em vigor; por outro lado, o novo regime de sobrevigência e caducidade de convenção colectiva consagrado no artigo 501.º citado não define o conteúdo de certa relação jurídica, independentemente do facto que lhe deu origem, antes aquele conteúdo é modelado pelo facto que lhe dá causa: a denúncia operada pela autora.

Configura-se, assim, um caso de sobrevigência da lei antiga, que projecta os seus efeitos sobre a situação jurídica em causa, o que determina que a frustração do processo negocial decorrente da denúncia operada pela autora, em 30 de Março de 2004, tem por consequência a aplicação dos efeitos que, na lei e ao tempo, eram previstos, isto é, o da manutenção do contrato colectivo celebrado entre as partes.

A esta conclusão não se opõe o regime previsto no n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, já que o facto (denúncia) praticado pela autora teve o pertinente efeito (a negociação) totalmente passado no domínio da lei antiga, sendo irrelevante que essa negociação tenha sido de maior ou menor duração, já este circunstancialismo é mera consequência do maior ou menor comprometimento das partes no processo negocial e não efeito jurídico directo da denúncia assumida.

Tudo para concluir que a denúncia efectivada pela autora, em 30 de Março de 2004, não teve a virtualidade de fazer caducar o CCT celebrado entre as partes.

Adite-se que, desde a última publicação integral do CCT, verificada em 29 de Agosto de 2008 [facto provado 27)], decorreram mais de cinco anos, pelo que, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009, na sua redacção originária, caducou o n.º 1 da cláusula 3.ª do CCT celebrado entre as partes. Todavia, a caducidade daquela cláusula não gera a caducidade do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho no seu todo, a qual depende dos ulteriores procedimentos previstos nos n.os 2 a 4 desse artigo, maxime, de uma nova denúncia, uma vez que a datada de 30 de Março de 2004 não releva para aqueles efeitos.

Improcedem, pois, as restantes conclusões da alegação do recurso de revista.

3. Tendo sido afastada a aplicação, no caso vertente, do estipulado no artigo 501.º do Código do Trabalho de 2009, fica prejudicado o conhecimento da questão enunciada nas conclusões 3.ª a 6.ª da contra-alegação do recurso de revista.

De facto, o n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 663.º, n.º 2, e 679.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

                                              III

Pelo exposto, delibera-se negar a revista e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela autora/recorrente.

Anexa-se o sumário do acórdão.

                                 Lisboa, 22 de Abril de 2015


Pinto Hespanhol (Relator)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha