Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1512/07.0TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 7º SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
CADUCIDADE
RESTITUIÇÃO DO SINAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
MORA
INCUMPRIMENTO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
MATÉRIA DE DIREITO
CONHECIMENTO OFICIOSO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
DESPACHO DO RELATOR
EXCESSO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
GRAVAÇÃO DA PROVA
TRANSCRIÇÃO
PODERES DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 02/22/2017
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / DISPOSIÇÕES PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO.
Doutrina:
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, Coimbra–1982, p. 155 e 156;
- Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3.ª Edição revista e actualizada, p. 380 e 384;
- Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 1983, p.358;
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, p. 449 e 450.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 3.º, N.º 3, 5.º, N.º 3, 615.º, N.º 1, ALÍNEA D), 635.º, 640.º, N.º 2, ALÍNEA A), 652.º, N.º 1, ALÍNEA D) E 662.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 236.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 01-07-2014, PROCESSO N.º 1825/09.7TBSTS.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 19-02-2015, PROCESSO N.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 352/12.0TBVPA.G1.S1.
Sumário :
I - O princípio do dispositivo – que se manifesta, além do mais, na disponibilidade da tutela jurisdicional – não colide, nem interfere com o princípio do conhecimento oficioso do direito, apenas se exigindo que, caso a interpretação e aplicação das regras de direito a considerar, sempre com respeito pelo quadro factual que desenha o litígio, não coincida com a solução jurídica que as partes perspectivaram como caminho para alcançar as suas pretensões, o tribunal garanta previamente a estas a possibilidade de se pronunciarem, assegurando, desta forma, o contraditório e evitando indesejáveis decisões-surpresa (art. 5.º, n.º 3, do CPC).

II - Cabe nas competências do relator o despacho em que o mesmo se limita a dar cumprimento prévio ao princípio do contraditório nos termos do art. 3.º, n.º 3, do CPC (art. 652.º, n.º 1, al. d), do CPC ex vi do art. 679.º do mesmo Código).

III - Tendo a apelante instruído a sua alegação de recurso com a transcrição integral dos depoimentos prestados, cumpriu, com a sua actuação – ainda que sem observar integralmente o ritualismo previsto no art. 640.º, n.º 2, al. a), do CPC – o objectivo de facultar um acesso facilitado e eficaz aos meios probatórios invocados, permitindo à Relação sindicar a decisão fáctica da 1.ª instância no exercício dos poderes de reponderação das provas.

IV - As modificações a introduzir na matéria de facto pela Relação devem, em princípio e em consonância com o princípio do dispositivo, respeitar o conteúdo da impugnação do recorrente, dado que é a respectiva síntese conclusiva que baliza e traça o objecto do recurso; só assim não será nos casos em que, independentemente da referida impugnação, tenha sido desrespeitada prova tarifada ou vinculada ou a Relação tenha de proceder à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados com a finalidade de evitar contradições (arts. 662.º, n.º 1, e 635.º do CPC).

 V - Ao ter eliminado um facto sem que o mesmo tivesse sido impugnado e sem que tal eliminação se apresentasse como necessária numa perspectiva de harmonização com a restante materialidade provada, incorreu a Relação em excesso de pronúncia, sendo o acórdão recorrido, nesse segmento, nulo (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

VI - A cláusula inserta em contrato-promessa da qual consta que “Constituem condições essenciais da vontade de contratar da promitente compradora e como tais pressupostos da celebração do presente contrato promessa e da respectiva escritura pública de compra e venda, que: Nos prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo o índice 1.5 previsto no Regulamento do PDM” deve ser interpretada, à luz das regras contidas no art. 236.º do CC, como condição essencial, verdadeira ou em sentido próprio.

VII - Tendo as partes subordinado a produção dos efeitos do referido contrato-promessa a um acontecimento futuro e incerto, i.e., a uma condição suspensiva que não se verificou – nem na data designada para a celebração do negócio definitivo, nem na data contratualmente estabelecida pelas partes como sendo aquela até à qual o mesmo devia ser outorgado – não se verifica o necessário incumprimento (mora) imputável a qualquer delas para ocorrer a execução específica do contrato-promessa.

VIII - Tratando-se de condição suspensiva própria, a sua não verificação tem como consequência a não produção de efeitos do contrato-promessa, o qual caduca, desaparecendo tanto os seus efeitos provisórios, como os definitivos, tudo se passando como se o negócio não tivesse sido celebrado e daí que recaia sobre a promitente-vendedora a obrigação de restituir, em singelo, à promitente-compradora, a quantia dela recebida a título de sinal.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


 I – Relatório:

AA - Gestão Imobiliária, Lda veio deduzir a presente ação declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra:

BB - Investimentos Imobiliários, Lda, pedindo que:

a) se declarasse a transmissão a favor da Autora do direito de propriedade sobre os prédios urbanos sitos na Av. …, n.° … e …, em Cascais, descritos na Conservatória do Registo Predial de Cascais respetivamente sob os n.°s 05… e 03…, da freguesia de Cascais e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos 3…0 e 3…1 da mencionada freguesia, em execução específica do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré e incumprido por esta.

b) se declarasse a redução do remanescente do preço a pagar pela Autora à Ré em virtude da transmissão do direito de propriedade sobre os identificados prédios, de acordo com a avaliação efetuada em sede judicial atendendo aos fundamentos de facto determinantes do referido preço sumariado nos artigos 48° a 50°, 53° e 54° da petição inicial, com todas as consequências legais.

c) se condenasse a Ré no pagamento de uma indemnização à Autora nos termos gerais de direito e contratualmente estipulados entre aquelas por todos os prejuízos sofridos pela Autora em virtude da não outorga da escritura pública de compra e venda na data designada (22-12-2006), todas as despesas e responsabilidades assumidas pela Autora no desenvolvimento do projeto apresentado pela Ré e danos direta ou indiretamente resultantes da inexatidão ou imperfeição das declarações e garantias pela Ré efectuadas, em sede do contrato-promessa de compra e venda celebrado com a Autora em montante a liquidar pós sentença, com todas as consequências legais.

Para tanto alegou, em suma, que celebraram contrato promessa de compra e venda, em 2 de Novembro de 2006, relativo a dois prédios urbanos, nele figurando a autora como promitente compradora e vinculando-se a ré, promitente-vendedora, à sua venda, garantindo esta não incidirem nessa data, nem posteriormente, ónus ou encargos sobre os prédios, os quais se encontravam livres de pessoas e bens, e não se encontrarem em débito impostos ou taxas de qualquer natureza.

Mais declarou a ré no referido contrato que a Câmara Municipal de Cascais estava analisar o pedido de informação prévia, tendo ficado definido que constituía condição essencial da vontade de contratar da promitente compradora e, como tal pressuposto da celebração do contrato-promessa e da compra e venda, a possibilidade de nos prédios ser construído, acima do solo, no mínimo, o índice de 1,5 previsto no Regulamento do PDM.

   A ré fez declarações que não correspondiam à verdade, porquanto, além do mais, se limitou a requerer à Câmara Municipal de Cascais informação sobre a viabilidade de realizar a operação urbanística sobre o prédio, sem juntar qualquer estudo, nomeadamente, o que corresponde à cópia junta ao contrato e no qual referiu serem os valores do PDM de 1,5.

   Alegou ainda que a redução do preço deve ter em conta que a venda do imóvel depende do prévio cancelamento das inscrições hipotecárias ou outras; do índice de construção acima do solo a ser aprovado pela Câmara Municipal de Cascais; da efetiva libertação dos prédios de pessoas e bens; da comprovação da inexistência de quaisquer dívidas de natureza fiscal e outras; do averbamento de todo o processo camarário em nome da autora.

Na contestação alegou a ré, em síntese, que ocorreu erro na declaração, falta de consciência dos declarantes quanto a algumas das cláusulas, tendo a assinatura sido determinada por dolo da autora, declaratária, pelo que as cláusulas 4ª nºs 4 e 5, 6ª nºs 1 e nº 2 parte II devem valer com o sentido que os declarantes declararam e acordaram.

    Concluiu pela procedência das deduzidas exceções inominadas de falta de consciência da declaração da ré, na pessoa dos seus gerentes, e de vício da declaração decorrente de dolo da declaratária, pedindo que as cláusulas contratuais referidas fossem declaradas nulas ou anuladas, improcedendo, em consequência, a acção com a absolvição de todos os pedidos contra si formulados.

  Deduziu ainda reconvenção, na qual peticionou que fosse declarada por sentença a transmissão dos prédios a favor da autora, em execução especifica do contrato dos autos, na condição de esta depositar previamente o preço convencionado e em falta, acrescido dos juros devidos à taxa legal dos juros comerciais desde 28 de Fevereiro de 2007 até integral pagamento, sem prejuízo de a autora e dos seus identificados representantes serem solidariamente condenados, nos termos do disposto nos artigos 457° e 458° do Código de Processo Civil, no pagamento à ré da indemnização que se vier a apurar e liquidar com fundamento na má-fé negocial dos seus representantes, a título de dolo, e no incumprimento do contrato.

   Subsidiariamente, pediu que fosse declarado resolvido o contrato por incumprimento definitivo por banda da autora e perdido a favor da ré o sinal recebido, sem prejuízo da condenação da autora e seus representantes na precedente indemnização peticionada.

    Ser ainda a autora e, solidariamente com ela, os seus representantes, nos termos daqueles preceitos 457° e 458° do Código de Processo Civil, condenados nas custas e encargos da presente ação, com o máximo de procuradoria.

A Autora replicou, impugnando a matéria da excepção invocada pela Ré.

Saneado o processo, admitido o pedido reconvencional e selecionada a matéria de facto assente e a base instrutória, procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença com o seguinte teor:

«Por todo o exposto:

- A - Julga-se a ação improcedente por não provada e em consequência absolve-se a Ré do pedido.

- B - absolve-se da instância a Autora quanto ao segmento do pedido reconvencional relativo á sua condenação, bem como, solidariamente com ela, os seus representantes, a pagar à Ré a título de indemnização com fundamento na má-fé negocial dos seus representantes, a título de dolo, e pelo incumprimento contratual do contrato, a quantia que a Ré vier a apurar e liquidar posteriormente, em função dos prejuízos que a Ré vier a sofrer em consequência desse incumprimento e atuação com má-fé e com dolo.

- C - julga-se resolvido o contrato dos autos por incumprimento definitivo por banda

da Autora, e perdido a favor da Ré o sinal recebido da Autora.

- D - absolve-se a Autora dos demais pedidos formulados pela Reconvinte».

No tocante à litigância de má-fé, foi, ulteriormente, proferida decisão que, julgando verificados os seus pressupostos, condenou a autora na multa de 35 UCs.

Apelou a autora da sentença e, bem assim, da decisão relativa à condenação por litigância de má fé.

Por acórdão proferido no dia 4 de Fevereiro de 2016 o Tribunal da Relação de Lisboa julgou os recursos procedentes, decidindo:

«a) julgar procedente o recurso de apelação da A. e em consequência, revogando a sentença, declara-se a transmissão a favor da Autora do direito de propriedade sobre os prédios urbanos sitos na Av. …, n.° … e …, em Cascais, descritos na Conservatória do Registo Predial de Cascais respetivamente sob os n.°s 05… e 03…, da freguesia de Cascais e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob os artigos 3…0 e 3…1 da mencionada freguesia, livres de ónus ou encargos, em execução específica do contrato promessa de compra e venda celebrado entre a Autora e a Ré em 2-11-2006, incumprido por esta;

  b) ordenar à A., o depósito do remanescente do preço de venda em falta, nos termos do art. 830º, n° 5 do Código Civil - tendo presente que a A. já pagou à Ré € 628.600, 00 -, a liquidar em incidente de liquidação, devendo ser considerada a redução do valor do preço, correspondente à redução na volumetria garantida - que era de 1,5 (mínimo) para o preço de venda de 3.143.000,00.

c) fixar em 30 dias o prazo de realização do depósito, após transito em julgado do incidente de liquidação, sob pena da consequência prevista no aludido art. 830°, n° 5 do Código Civil.

d) condenar a Ré a pagar as despesas assumidas pela Autora no desenvolvimento do projeto apresentado pela Ré, na Câmara de Cascais.

e) julgar improcedente a reconvenção, pelo que, revogando a sentença, absolve-se a A. dos pedidos reconvencionais formulados;

f) julgar procedente o recurso de apelação da A. quanto à condenação como litigante de má fé, pelo que revogando a decisão recorrida, absolve-se a A da condenação como litigante de má fé».

Inconformada, recorreu a ré de revista.

Alegou e aduziu na respectiva alegação a seguinte síntese conclusiva:

«A) O acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615°, n° 1, ai. d), do CPC, nulidade que expressamente se invoca, cuja apreciação cabe no recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (artigo 674°, n° 1, ai. c) do CPC), na parte em que procedeu à eliminação do facto provado n° 43 da matéria de facto assente, por decidir de matéria que lhe estava vedada, porquanto a apelante não a submeteu a apreciação em sede de recurso de apelação, nada tendo alegado ou concluído nesse sentido, sendo que as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso (artigos 635°, 639° e 608° do CPC), devendo revogar-se a decisão nessa parte e manter-se como constante da matéria de facto assente o facto provado n° 43.

B) O acórdão recorrido é igualmente nulo por excesso de pronúncia (615°, n° 1, al. d), do CPC) na parte em que procedeu à eliminação dos factos provados n°s 41, 42, 44, 45, 54, 55, 60, 61, 64, 65, 71 a 76, 79 a 81 e 89, e ao aditamento do facto provado n° 98, por ter extravasado a alegação da apelante que delimita o objecto do recurso (artigos 635°, 639° e 608° do CPC), tratando-se de matéria não atendível, por não constar das alegações nenhuma indicação, ou indício sequer, que suportasse minimamente a alegada incorrecção de julgamento da indicada matéria de facto, nem designadamente qualquer meio de prova especificamente indicado que demonstrasse dever impor uma decisão diversa, incumprindo assim a apelante o requisito legal imposto pela alínea a) do n° 2 do artigo 640° do CPC, nulidade que expressamente se invoca, devendo, em consequência, ser revogado nessa parte, por caber ao Supremo Tribunal de Justiça a apreciação da invocada nulidade em sede de revista (artigo 674°, n° 1, ai. c) do CPC).

C) Ao aditar o facto n° 98 à matéria assente, o acórdão recorrido incorreu ainda em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa em ofensa do n° 1 do artigo 376° do CC, visto que o Anexo 4 do contrato-promessa assinado pelas partes contraria em absoluto a prova desse mesmo facto, que se deve ter por não verdadeiro e não provado, pelo que, não procedendo a conclusão anterior quanto ao aditamento deste facto, sempre deverá a decisão recorrida ser revogada nessa parte, nos termos do artigo 764°, n° 3, do CPC, por existência de prova documental (Anexo 4 do contrato assinado) nos autos que contraria o facto aditado.

D) A interpretação do texto do pressuposto n° 2 do contrato assinado deve ser feita à luz das normas constantes dos artigos 236° a 238° do CC, em conjugação com o n° 9 da cláusula quarta e respectivo Anexo 4, não tendo a R. garantido a manifesta impossibilidade de, à data da escritura de compra e venda, estar aprovada construção com o índice de 1,5, mas apenas que se encontrava em análise o Pedido de Informação Prévia nos termos do Anexo 4 do contrato (cf. cláusula quarta, n° 9) com o índice de construção de 1,33 e que, para aquela zona, o PDM previa a possibilidade de construção com o índice máximo de 1,5, não se verificando incumprimento da R. quanto à garantia dada relativamente ao índice de construção.

E) A R. não incumpriu o n° 4 da cláusula quarta do contrato-promessa, cuja redacção não corresponde à realidade e à vontade das partes, devendo a mesma ser interpretada no sentido de a R. ter garantido que não incidiam quaisquer ónus ou encargos sobre os prédios apenas na data da escritura de compra e venda e não na data da assinatura do contrato-promessa, nos termos do artigo 236°, n° 2, do CPC.

F) A R. não incumpriu o n° 5 da cláusula quarta, cuja declaração negocial tem que ser interpretada no sentido de a R. ter garantido a desocupação dos imóveis apenas na data da escritura de compra e venda e não na data da assinatura do contrato-promessa.

G) Nos casos referidos nas conclusões anteriores, estamos perante um erro na declaração, sendo que a vontade declarada da R. não corresponde ao querido, o que era conhecido pela A., pelo que o negócio vale segundo a vontade real do declarante, por não haver qualquer tutela que dar às expectativas do declaratário, que conhecia o erro da parte contrária e a sua vontade.

H) As partes assinaram um documento cujo conteúdo, em parte, não correspondia à verdade, não correspondia ao sabido e pretendido pelos outorgantes, realidade da qual a A. tentou tirar proveito ilicitamente ao acusar a R. de factos dos quais tinha conhecimento que alegou consubstanciarem incumprimento do contrato-promessa por parte da R. - ónus e encargos sobre os imóveis, nomeadamente hipotecas, ocupação temporária dos mesmos e garantia de autorização por parte da Câmara Municipal de Cascais do índice de construção de 1,5 - devendo manter-se a sua condenação em litigância de má fé nos termos constantes da decisão proferida em Ia instância.

I) A A. recusou injustificadamente a outorga da escritura de compra e venda e não efectuou o pagamento do reforço de sinal devido em 28/02/2007, o que consubstancia incumprimento do contrato-promessa por parte da A.

J) O acórdão recorrido deverá, assim, ser revogado, nos termos invocados nas conclusões A) e B) ou, se assim não se entender quanto ao facto aditato n° 98, nos termos invocados na conclusão C) (artigo 674°, n° 1, ai. c) e n° 3), mantendo-se inalterada a decisão relativa à matéria de facto proferida em 1ª instância, ou, caso não se decida por essa revogação, sempre deverá a decisão recorrida ser substituída no que à fundamentação de direito diz respeito, nos termos do artigo 674°, n° 1, al. a), por violação dos artigos 236° e 238° do CC, nos termos supra invocados, devendo ser declarada a transmissão dos prédios dos autos a favor da A. em execução específica do contrato, nos termos do artigo 830° do CC, conforme peticionado pela Recorrente em sede de reconvenção, na condição de a A. depositar previamente o remanescente do preço convencionado, acrescido de juros de mora até integral pagamento, sob pena de resolução do contrato por incumprimento definitivo por banda da A. com perda do sinal a favor da R.»

Contra-alegou a autora, formulando as seguintes conclusões:

«a) Conforme dispõe o art.º 682º, nº 2 do CPC, em sede de recurso de revista, a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº 3 do artº 674º.

b) Sendo que, segundo o previsto no artº 674°, nº 3 do CPC, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensas de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

c) Nenhuma destas duas situações de excepção se verifica nos presentes autos, porquanto o tribunal recorrido assentou a modificabilidade da decisão de facto, nomeadamente quanto à eliminação dos factos dados como provados pelo tribunal de 1ª instância sob os nºs 41 a 45, 54, 55, 60, 61, 64, 65, 71 a 76, 79 a 81 e 89, na análise crítica das provas produzidas sobre os mesmos, designadamente nos depoimentos das testemunhas - expressamente impugnados nas alegações da Autora - e no confronto daqueles depoimentos com a demais prova documental constante dos autos, principalmente, de fls. 21 a 30, 119, 121 a 129, valorados segundo a sua livre apreciação e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, segundo regras de experiência comuns, tudo de acordo com o disposto nos art°s 607º, nºs 4 e 5 e 663°, nº 2 do CPC.

d) Pese embora a Autora ora Recorrida não tenha expressamente invocado a eliminação do facto provado nº 43 nas suas alegações do recurso de apelação, a verdade é que o concreto facto em questão se encontra incluído, de um aponto de vista de ocorrência lógica, na sequência dos pontos de facto relatados nos factos provados nºs 41,42,44 e 45.

e) Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, entre outras, se a prova produzida, no seu conjunto, impuser decisão diversa.

f) Pelo que, não se verifica qualquer excesso de pronúncia por parte do acórdão recorrido, que implique a sua nulidade, ao abrigo do art. 615º, nº 1, alínea d) do CPC.

g) No que se refere ao aditamento do facto provado nº 98, em termos de se considerar provado que: "O índice de construção de 1.5 era um elemento sem o qual a Autora não celebraria o contrato", para além da análise crítica dos depoimentos das testemunhas CC, DD e EE, os mesmos foram concatenados com o facto assente sob o nº 2, referente ao teor do contrato promessa de compra e venda constante dos autos, de fls. 21 a 30.

h) Neste extenso documento escrito, assinado pelas partes, consta expressamente como pressuposto da celebração do contrato promessa e constituindo condição essencial da vontade de contratar da Autora que: "Nos prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo o índice 1.5 previsto no Regulamento do PPM.", não existindo qualquer contradição entre o teor deste documento com o referido Anexo 4 ao contrato promessa de compra e venda, correspondente ao Pedido de Informação Prévia apresentado pela Ré ora Recorrente à Câmara Municipal de Cascais, em 25/07/2006, em cuja Memória Descritiva e Justificativa se refere um índice de utilização do solo de 1,3, mencionando-se expressamente o valor do PPM de 1.5.

i) De acordo com o disposto nos arts 607º, nº 4 e 663º, nº 2 do CPC, o acórdão do Tribunal "a quo" devia ter tomado em consideração, como fez e bem, os factos que estão provados por documentos, incluindo documentos particulares, com força probatória suficiente, cuja genuinidade, autenticidade e força probatória não hajam sido postas em causa (arts 362º a 387º do Código Civil e art.- 423º, nº 1 do CPC), tal como sucedeu nos presentes autos.

j) Mantendo-se a matéria de facto dada como provada, tal como resulta do acórdão recorrido, outra não poderá ser a decisão do presente recurso senão manter, igualmente na íntegra, a decisão recorrida.

l) A Ré ora Recorrente conhecia perfeitamente a vontade real da Autora ora Recorrida, no que concerne aos pressupostos da celebração do contrato de promessa de compra e venda, constituindo condição essencial da vontade de contratar desta que nos prédios objecto daquele contrato, pudessem vir a ser construídos acima do solo, no mínimo o índice 1,5.

m) Nestes termos, conforme o disposto no art. 236º, nº 2 do C. Civil, é de acordo com aquela vontade real da Autora declarante, conhecida pela Ré declaratária, que deve valer a declaração negocial emitida.

n) Acresce que, segundo o previsto no art. 238º nº 2 do C. Civil, nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha o mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, tal como sucede no presente caso em relação ao teor do contrato promessa de compra e venda, livremente celebrado pelas partes.

o) Quedam, por isso, os argumentos invocados pela Ré ora Recorrida, de erro na declaração, conhecido pela Autora ora Recorrente, como forma de justificação do seu incumprimento contratual.

p) Em face dos factos expostos, é ainda possível a manutenção do vínculo jurídico contratual entre as partes, com recurso à execução específica do contrato, nos termos do artº 830º do C. Civil, e redução do preço em função da diminuição da área de construção prometida vender, mediante o depósito do preço em falta, conforme previsto nos arts 830º, nº 5 e 911º, ambos do C. Civil, tal como decidido no acórdão recorrido, que se deverá manter in totem».

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


      II. Fundamentos:

          De facto:

      Decidida a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação julgou provada a seguinte facticidade:

1) No escrito designado de contrato de promessa de compra e venda, datado de 2 de Novembro de 2006, composto pelas cláusulas de fls. 21 a 30, do qual fazem parte os anexos 1 a 5, juntos a fls. 31 a 69, foram apostas duas assinaturas, em representação da Ré e em representação da Autora.

2) Neste escrito a Ré, identificada como promitente vendedora ou 1ª contraente e a Autora como promitente compradora ou 2ª contraente, estabeleceram além do mais, o seguinte:

“I. CONSIDERANDOS

A.Que a Promitente Vendedora é dona e legítima possuidora dos Prédios urbanos sitos na Av. …, n° … e n.° … - Cascais, com a área de 821 m2 e 1.940 m2, descritos na Conservatória Predial de Cascais sob os n.°s 05… e 03… e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob o n.° 3…0 e 3…1, respetivamente.- Anexos 1 e B. Que a promitente vendedora quer proceder à alienação dos prédios acima identificados e a Promitente Compradora, por sua vez, pretende adquiri-los;

II. PRESSUPOSTOS DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO PROMESSA

Constituem condições essenciais da vontade de contratar da Promitente Compradora e como tais pressupostos da celebração do presente contrato promessa e da respectiva escritura pública de compra e venda, que:

 (…)

2. Nos Prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo o índice 1.5 previsto no Regulamento do PDM;

3. Se verifique que e venha a verificar a veracidade, validade e cumprimento de todas e de cada uma das declarações assumidas neste contrato pela Promitente Vendedora;

CLÁUSULA PRIMEIRA (prédio)

A Promitente Vendedora é dona e legítima possuidora dos Prédios urbanos sitos na Av. …; n.° … e n.° - Cascais, com a área de 821 m2 e 1.940 m2, descritos na Conservatória Predial de Cascais sob os n°s 05… e 03… e inscritos na respetiva matriz predial urbana sob o n° 3…0 e 3...1 respetivamente, já identificados no Considerando A.

CLÁUSULA SEGUNDA (objeto)

Pelo presente contrato, a Promitente Vendedora promete vender, livre de quaisquer ônus ou encargos, sejam de que naturezas forem, à Promitente Compradora e esta promete comprar os Prédios supra identificados.

CLÁUSULA TERCEIRA (preço)

O preço da compra e venda dos supra descritos Prédios é de € 3.143.000, 00 (três milhões cento e quarenta e três mil euros), e serão pagos através da forma seguinte:

€ 628.600, 00 (seiscentos e vinte e oito mil e seiscentos euros), a título de sinal e princípio de pagamento, na data da assinatura do presente contrato, que a Promitente Vendedora declara ter recebido;

€ 942.900, 00 (novecentos e quarenta e dois mil e novecentos euros), a título de reforço de sinal, serão pagos até 28 de Fevereiro de 2007;

A restante parte do preço, € 1.571.500, 00 (um milhão quinhentos e setenta e um mil e quinhentos euros), será liquidada no ato da outorga da escritura prometida, a qual deverá ser realizada até 31 de Julho de 2007.

CLÁUSULA QUARTA (Declarações e Garantias da Promitente Vendedora)

 A Promitente Vendedora declara e garante, incondicional, definitiva e irrevogavelmente, quer na presente data quer na data da celebração da escritura pública, que:

(…)

4. Não incide sobre os Prédios quaisquer ónus ou encargos nem sobre eles pendem ou existem factos que possam ser suscetíveis de poder gerar a constituição de ônus ou encargos, designada mas não exaustivamente, qualquer direito de opção ou de preferência, de restrição, de reversão, de servidão ou qualquer outro direito de que seja titular Terceiro que possa, de qualquer forma, limitar ou condicionar o direito de propriedade da Promitente Vendedora ou o seu uso;

5. O prédio encontra-se inteiramente livre de pessoas e bens.

8. Não se encontram em débito impostos, taxas ou contribuições referentes aos Prédios, sejam de que naturezas forem, não existindo, quer pendente quer contingente, qualquer responsabilidade fiscal ou qualquer tipo de dívida pela qual possam responder os Prédios.

9. A Câmara Municipal de Cascais está a analisar o Pedido de Informação Prévia nos termos do Anexo 4.

(…)

CLÁUSULA SEXTA (Outras Obrigações da Promitente Vendedora)

A Promitente Vendedora obriga-se a, junto da Câmara Municipal de Cascais, averbar todo o processo, aprovações ou deferimentos dos supra referidos Prédios, em nome da Promitente Compradora ou a autorizar, sempre que esta o licite, o relacionamento direto com quaisquer entidades públicas ou privadas.

(…)

4. Todas as despesas provocadas com a emissão do Alvará, projectos incluídos, serão da exclusiva responsabilidade da Promitente Compradora.

CLÁUSULA SÉTIMA (Escritura)

1. A escritura de compra e venda será outorgada até 31 de Julho de 2007.

2. Para a celebração da escritura de compra e venda bastará apenas à Promitente Compradora notificar a Promitente Vendedora, através de carta registada com aviso de receção, ou por outra forma manifestamente idônea.

3. A Promitente Vendedora entregará, no prazo de cinco dias úteis a contar da receção da comunicação prevista no número anterior, toda a documentação devidamente regularizada e atualizada, que se mostre necessária para a elaboração e outorga da escritura, bem como os originais referentes aos Prédios.

CLÁUSULA OITAVA (Vistoria)

A Promitente Compradora poderá, antes da data da celebração da escritura proceder a uma vistoria aos Prédios, a fim de se certificar que estes se encontram inteiramente livres e desocupados de pessoas e bens.

(…)

CLÁUSULAS DÉCIMA (Obrigação de Indemnização)

1. A Promitente Vendedora obriga-se a indemnizar a Promitente Compradora por todos os danos directa ou indirectamente resultantes da inexactidão ou imperfeição das Declarações e Garantias por ela efectuadas.

2. A indemnização acima prevista será de montante igual à totalidade do valor dos prejuízos em que tenha incorrido a Promitente Compradora.

CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA (Incumprimento)

No caso de se verificar incumprimento contratual por parte da Promitente Vendedora, poderá a Promitente Compradora optar pela execução específica do Contrato. Se o incumprimento for imputável à Promitente Compradora, a Promitente Vendedora recorrerá, de igual modo, à execução específica do Contrato nos termos do artigo 830° do Código Civil.

Junto a esse contrato encontra-se a certidão da Conservatória do Registo Predial de Cascais relativa aos dois imóveis, cuja cópia faz fls. 31 a 35 e 38 a 40 destes autos, onde consta inscrita uma hipoteca voluntária que incide sobre cada um dos imóveis e, bem assim, um "projecto" com a menção, além do mais, de "Cascais Lounge... pedido de informação prévia, memória descritiva e justificativa" cuja cópia consta de fls. 49 a 63.

3) Para pagamento do sinal referido no ponto 1 da cláusula 3ª do documento junto a fls. 21 e seguintes a autora entregou à ré o cheque cuja cópia consta de fls. 70.

4) A Autora decidiu optar pela antecipação da outorga da escritura, procedendo, em 27/11/2006, à notificação da Ré para que a escritura tivesse lugar no dia 22 de Dezembro de 2006, no Cartório Notarial FF, sito em Lisboa - Cfr. doc. n° 2

5) A autora enviou à ré, que a recebeu, uma carta, cujo teor consta de fls. 71 e 72 (doc.2), datada de 27 de Novembro de 2007, comunicando que a escritura de compra e venda estava marcada para 22 de Dezembro de 2006.

6) A ré enviou à autora, que a recebeu, uma carta, cujo teor consta de fls. 73 (doc.3), e datada de 4 de Dezembro de 2006, remetendo documentos que enuncia como necessários para a outorga da escritura de compra e venda e colocando-se á disposição para facultar qualquer outro caso se mostre necessário.

7) No dia 22 de Dezembro de 2006 compareceram perante a notária do Cartório Notarial de Lisboa, FF e GG, na qualidade de procuradora da ré e HH, na qualidade de gerente e representante da autora, tendo o referido Notário emitido a certidão que consta de fls. 74 a 77, tendo o representante da Autora declarado, além do mais: "Que no n.° 2 dos pressupostos da celebração do contrato de promessa refere-se que nos prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo, o índice de um ponto cinco previsto no regulamento do P.D.M. e que não foi junta certidão comprovativa dessa declaração, emitida pela Câmara Municipal de Cascais. Que na cláusula quarta, n.° 5, declara-se que o prédio encontra-se inteiramente livre de pessoas e bens e que na vistoria realizada neste momento se verifica a permanência de pessoas no prédio. Que no n.° 8 da cláusula quarta, se declara que não se encontram em débito impostos taxas ou contribuições referentes aos prédios e que não foram juntas certidões dos Serviços de Finanças e Câmara Municipal de Cascais nesse sentido, nem certidão emitida pela Câmara Municipal de Cascais para comprovar que a mesma está a proceder á analise do anexo 4 do contrato promessa, que o processo camarário foi averbado em nome da Autora."

8) Na mesma data encontrava-se presente o representante da Caixa II, o qual era portador de dois documentos destinados ao cancelamento das inscrições hipotecárias no Registo Predial.

9) A ré, em 11/08/2006, deu entrada a um documento no Departamento de Urbanismo da C.M.C., cujo teor consta parcialmente de fls. 79, 426 e 427 com, além do mais, os dizeres "Requerimento para informação prévia".

10) Após a não outorga da escritura pública de compra e venda, designada para o dia 22/12/2006, a Autora procurou junto da Ré uma solução extrajudicial que passasse pela realização do contrato definitivo com redução do preço, o que não foi aceite pela Ré.

11) Em 23 de Outubro de 2006, a Ré enviou para as mediadoras a minuta de contrato-promessa que havia elaborado de harmonia com os termos acordados na dita reunião (1ª versão), conforme consta do documento de fls. 121 -129.

12) JJ enviou para KK o e-mail datado de 28-10-2006, junto a fls. 120, o qual continha em anexo a minuta do escrito de fls. 121 a 129, designado de Contrato de Promessa de Compra e Venda, o qual chegou ao conhecimento da ré.

13) No dia 2/11/2006, às 12 horas, ocorreu a reunião para assinatura do contrato promessa de compra e venda, acima indicado, na sede da Ré.

14) E nessa reunião compareceram o Dr. JJ, que se apresentou como sócio da Autora, o dito comprador, LL, o gerente da ora Autora, HH, e ainda os gerentes da ora Ré, EE e MM, o Arquitecto NN, e ainda as duas mediadoras.

15) Nessa reunião foi o Dr. JJ quem assumiu a posição de negociador pelo lado do comprador, enquanto o gerente da Ré EE assumiu a posição de negociador pelo lado da vendedora.

16) Na reunião de 2-11-2006 a autora entregou à ré o cheque junto a fls. 70.

17) A ré enviou à autora uma carta cujo teor consta de fls. 130 a 131, datada de 8 de Março de 2007, na qual exige o pagamento do "reforço do sinal", concedendo-lhe "um novo e último prazo de 30 dias" e afirmando que " Se decorrido esse novo prazo a referida obrigação se não mostrar plenamente cumprida, esta sociedade, como promitente vendedora, perderá interesse na prestação, reservando-se então o direito de excluir a própria rescisão do próprio contrato promessa de compra e venda com fundamento no incumprimento definitivo do mesmo contrato, imputável exclusivamente á promitente compradora, com a consequente perda do sinal dado, nos termos previstos na lei e nesse contrato promessa", a qual foi recebida pela autora.

18) Nas Certidões do Registo Comercial juntas a fls. 164 a 195, em síntese, consta:

Firma: OO - Construção e Gestão de Parques de Estacionamento, Lda., Gerência: EE, MM;

Firma: PP - Sociedade de Construções, SA, Conselho de Administração: EE, MM;

Firma: Garagens QQ, Lda, Gerência: EE; Firma: RR - Projectos e Construções, Lda, Gerência: EE;

Firma: SS - Explorações Hoteleiras e Empreendimentos Turísticos, Lda, Titular: MM, Titular: EE;

Firma: TT - Atelier de Arquitectura e Urbanismo, Lda, Titular: EE;

Firma: UU - Actividades de Aquacultura, Lda, Titular: MM; Firma: VV - Empreiteiros, S.A., Conselho de Administração: MM;

Firma: XX - Gestão de Empresas, Compra e Venda de Imóveis, Lda, Gerência: MM.

20) A autora enviou à ré uma carta cujo teor consta de fls. 153, informando que propusera ação contra a Ré.

21) Os prazos estabelecidos no contrato-promessa de compra e venda foram aceites pela Autora, no pressuposto de que após a celebração da escritura teria os prédios disponíveis de imediato.

22) Até à data da outorga da escritura pública de compra e venda a Ré não apresentou à Autora certidões dos Serviços de Finanças e da Câmara Municipal das quais constasse a existência ou inexistência de quantias em débito àquelas entidades.

23) Até ao momento da outorga da escritura pública de compra e venda a Ré não apresentou qualquer documento, certidão ou outro, emitido pela Câmara Municipal de Cascais, comprovativo de ter averbado o processo do prédio à Autora.

24) A Autora apresentou, para pagamento do remanescente do preço de compra um cheque visado no valor de dois milhões quinhentos e catorze mil e quatrocentos euros, emitido pelo Banco ZZ na data da escritura de compra e venda.

25) Em Outubro de 2006, duas senhoras, profissionais da área de mediação imobiliária, AAA e BBB, informaram o então gerente da Ré, EE, que tinham um interessado na compra dos prédios indicados na petição inicial (de ora em diante "prédios dos autos").

26) Em consequência disso, foi agendada uma reunião na sede da Ré.

27) Ficou também acordado verbalmente, entre todos, que a minuta do contrato promessa de compra e venda seria elaborada pela vendedora.

28) E que esta a enviaria para o comprador por intermédio das mediadoras que os haviam apresentado.

29) Estas fizeram chegar uma minuta ao comprador.

30) EE transmitiu às mediadoras que não aceitava o contrato nem as cláusulas enviadas no email pelo Dr. JJ, que se identificara como advogado e sócio da sociedade da Autora, as quais contrariavam o que ele havia informado ás mediadoras e a LL.

31) Apesar do referido no número anterior, até á data da agendada assinatura do contrato promessa, JJ nada disse.

32) LL também nada disse sobre essa matéria.

33) Quanto à área de construção incluída no Estudo Prévio, EE afirmou à Autora, na pessoa de DD, que a área proposta nesse projecto fora a que resultara da solução urbanística encontrada, na qual se teve a preocupação de encontrar uma solução realista, cuja área de construção prevista não comprometesse a respetiva aprovação.

34) Na reunião de 2-11-2006 DD trazia consigo o texto impresso da minuta do contrato que enviara à Ré (2ª versão), e propôs que ali mesmo se procedesse à correção da minuta entre os dois negociadores.

34) Proposta que EE aceitou.

35) E assim foram abordadas, discutidas e negociadas todas as questões mais relevantes suscitadas por EE, constantes dessa minuta, e em geral por iniciativa deste, incluindo:

i. a questão do preço e alteração dos prazos de pagamento,

ii. a questão do índice de construção,

iii. a questão da hipoteca que incidia sobre o prédio dos autos,

iv. a situação dos prédios perante as finanças (impostos e taxas),

v. a situação actual dos requerimentos feitos pela BB à Câmara Municipal de Cascais relativos aos prédios dos autos, como o pedido de informação prévia acompanhada de um projeto que foi junto ao contrato promessa;

vi. o averbamento dos processos na CMC a favor da compradora,

vii. a ocupação temporária de um dos prédios, que estariam desocupados na data da escritura,

viii. a eventual indemnização em caso de incumprimento contratual.

36) Em relação a estas questões foi conseguido um acordo verbal.

37) Cujo texto ou acordo DD ia anotando na cópia impressa em seu poder.

38) Enquanto EE ia lendo as cláusulas que entendia ser necessário eliminar ou alterar.

39) EE confiou que DD anotasse todas as correções e alterações acordadas e não procedeu a anotações na cópia que tinha em seu poder.

40) Em relação à questão do preço e novos prazos de pagamento EE aceitou as alterações então propostas pela compradora, condições que não se alteraram em relação ao texto da minuta em causa (2ª versão).

41), 42), 44) e 45)[1]

43) EE adiantou que era o facto de não estar nada aprovado na CMC que o levava a vender, e que não se queria comprometer com nada que tivesse que ver com a CMC, referindo a dificuldade de relacionamento que estava a ter com a atual vereação para obter aprovações de projetos.

46) Foi abordada a hipoteca que incidia sobre o prédio dos autos, tendo o gerente da R declarado que os prédios estavam onerados com uma hipoteca ao CCC, mas que no acto da escritura seria apresentado documento de autorização de cancelamento.

47) Comprometendo-se a apresentar um documento para o "distrate" da hipoteca.

48) O que foi aceite por JJ.

49) Também as partes, assim representadas, falaram sobre eventuais dívidas de impostos ou taxas às Finanças, referentes aos prédios em causa, tendo o gerente da Ré afirmado que não havia dívidas.

50) EE informou que ainda não tinha qualquer resposta quanto ao Estudo Prévio nem informação dos serviços da Câmara Municipal de Cascais.

51) EE comprometeu-se a assinar os documentos necessários para que a Autora pudesse tratar de todos os assuntos na Câmara Municipal de Cascais.

52) Quanto à questão da indemnização por incumprimento, EE referiu que não aceitava a cláusula de indemnização pelo triplo do sinal, a acrescer á execução específica, a qual devia ser eliminada.

53) O que DD aceitou.

54), 55) e 56)[2]

57) Nessa reunião, EE ainda perguntou ao outro gerente aí presente, Sr. MM, se queria ver as alterações.

58) Ao que esse gerente respondeu que não precisava de ler, acrescentando "se tu já viste e estás de acordo, vou eu ler para quê."

59) O gerente da Ré conduziu o advogado ao gabinete de uma das empregadas da sociedade Quinta de S. LL, SÁ, pertencente ao mesmo grupo empresarial da Ré.

60) e 61)[3]

62) Confiou que DD ditasse todas as correcções acordadas.

63) Dado tratar-se de um advogado, de cuja honestidade e credibilidade não tinha qualquer motivo para duvidar.

64) e 65)[4]

66) O Dr. JJ organizou cada um dos duplicados para serem assinados pelas partes, procurando e juntando os respetivos anexos.

67) Incluindo, entre esses anexos, o que constituía a certidão do registo predial dos prédios dos autos, onde constava o registo da já referida hipoteca a favor da Caixa II.

68) EE verificou que DD estava a juntar aos duplicados do contrato uma cópia do Estudo Prévio, acima referenciado

69) EE sabia que o Dr. DD, que agia como se representasse a vontade da Autora, era advogado, motivo pelo qual não levantou objecções à junção de documentos ao contrato-promessa.

70) Concluída a organização dos duplicados do contrato, foi assinado o contrato.

71) a 76)[5]

77) Posteriormente à assinatura o Dr. DD, contactou EE acusando-o de que este o havia enganado quanto ao índice de construção para os prédios dos autos, garantido no contrato promessa, visto que na resposta da CMC à consulta da R. esta se referia a um máximo de 1,5 e não a um mínimo de 1,5 de índice de construção, ao contrário do que o gerente da R garantira e constava do contrato-promessa.

78) E que também o enganara quanto ao Estudo Prévio que garantira ter sido entregue na CMC, e que não constava nos serviços da CMC qualquer Projecto dessa natureza.

79), 80) e 81)[6] 

82) A Autora enviou logo a seguir uma carta para a Ré, a marcar a dita escritura para o dia 22 de Dezembro (junta aos autos pela própria A).

83) Nos contactos posteriores à assinatura do contrato promessa, incluindo nos contactos com vista a marcar a escritura antecipadamente, nunca a foi referida qualquer dificuldade ou obstáculo a que se realizasse a escritura prometida, como o facto de existir ainda registada uma hipoteca onerando os prédios dos autos.

84) A Ré enviou à Autora, dentro do prazo aí estabelecido, os documentos que considerou necessários, sem reclamação da Ré quanto a qualquer omissão, para a realização da escritura prometida.

85) Procedimento que é habitual e corrente nas escrituras de compra e venda de bens imóveis onerados com quaisquer ônus ou hipotecas e tinha sido acordado entre as partes na negociação das alterações à minuta do contrato.

86) A Ré ordenou que as pessoas que habitavam um dos prédios dos autos o desocupassem de pessoas e bens até à data da mesma.

87) A Ré assegurou a presença no local, dia e hora da escritura da procuradora constituída para a realização da mesma, munida da respectiva procuração e com as chaves dos prédios prometidos, para entregar à compradora, caso a escritura se realizasse.

 88) e 89)[7]

90) A Autora conhece LL como intermediário ou mediador, pessoa que lhe apresentou o negócio da compra e venda dos imóveis em causa nestes autos.

91) LL não é sócio da A., nem seu trabalhador.

92) O Dr. JJ nas negociações e na celebração do contrato promessa apresentou-se como se tivesse poder para tomar decisões pela Autora.

93) A minuta do contrato-promessa elaborada pela R., cuja cópia foi junta sob o doe. n° 1 com a Contestação, chegou ás mãos da Autora, enquanto sociedade interessada na compra.

94) A R., e seus gerentes, dispuseram dos dias 29 (domingo), 30, 31 de Outubro e 1 de Novembro de 2006 para lerem e analisarem a contra-proposta do contrato-promessa de compra e venda apresentada pela Autora, sabendo que estava em causa um negócio sobre dois imóveis no valor de € 3.143.000, 00.

95) Os gerentes da R. têm muita experiência na celebração de negócios no mercado imobiliário.

96) Na reunião de 02/11/2006 teve-se acesso á versão da contra-proposta da minuta do contrato promessa de compra e venda com o mesmo conteúdo da que havia sido enviada pela Autora através do e-mail de 28/10/2006, que continha diversos espaços em branco por preencher, e que foram naquele momento e nos serviços da Ré completados, tendo verbalmente sido obtido acordo sobre todas as cláusulas a incluir no contrato o que determinou a sua assinatura naquela data.

97) A questão das hipotecas que incidiam sobre os prédios dos autos foi abordada na reunião de 02/11/2006, tendo os gerentes da Ré garantido à Autora que iriam pagar o que deviam ao CCC e obter o cancelamento das hipotecas, para que na altura da escritura os prédios não tivessem qualquer ônus.

98) O índice de construção de 1,5 era um elemento sem o qual a Autora não contrataria.

De direito:

Sabido que o objecto do recurso é delineado pelas conclusões formuladas pelo recorrente na respectiva alegação, salvo questão de conhecimento oficioso, importa, in casu, dilucidar:

- se o acórdão incorreu nos vícios de excesso de pronúncia e contradição entre os fundamentos e a decisão, sendo nulo, nos termos do artigo 615.º n.º 1 alíneas c) e d) do Código de Processo Civil;

- se, relativamente à impugnação da decisão fáctica, a recorrente incumpriu o  requisito enunciado no artigo 640º nº 2 alínea a) do Código de Processo Civil;

- qual o sentido normativo do consigando pelas contraentes no ponto 2. dos «pressupostos da celebração do contrato promessa»;

- se a ré ou a autora faltaram ao contrato-promessa celebrado e eventuais consequências desse incumprimento;

1. Como questão prévia importa apreciar a arguida nulidade do despacho proferido pela relatora, em 12 de janeiro de 2017, que determinou a notificação das partes para se pronunciarem sobre a eventual caducidade do contrato-promessa objecto do presente litígio por falta de verificação da condição a que foi subordinado.

Confrontada com esta possível resolução do lítigio, que as partes não tinham perspectivado, argumentou a autora, ora recorrida, que tal despacho não cabe na esfera de competências atribuídas ao relator pelo artigo 652º, aplicável por força do disposto no artigo 679º, ambos do Código de Processo Civil, pelo que consubstancia a prática de um acto que a lei não admite, logo, nulo por influir no exame e decisão da causa (artigo 195º do citado código).

Não tem, porém, razão.

O princípio do dispositivo constitui um dos princípios estruturantes do nosso processo civil, que se manifesta em várias vertentes. Uma das mais relevantes é liberdade de a parte decidir dar início ao processo. Com efeito, a lei atribui a propositura da acção apenas à iniciativa da parte, mediante a formulação do respectivo pedido ao tribunal (princípio do pedido) e a alegação da facticidade que lhe serve de fundamento. São o pedido e a defesa que definem, em exclusivo, o objecto do litígio, o thema decidendum, como decorre do disposto no artigo 3º nº 1 do Código de Processo Civil.

Com esta disponibilidade da tutela jurisdicional, que se traduz na livre opção de desencadear o processo em juízo, não colide ou interfere o dever que impende sobre o juiz “de examinar a causa sob todos os pontos de vista jurídicos possíveis, movendo-se nesse domínio com inteira liberdade e sem adstrição às razões de direito invocadas pelas partes” (cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol.III, Coimbra–1982, pág. 155).

Este princípio do conhecimento oficioso do direito, válido tanto na submissão da matéria de facto à norma aplicável – aplicação normativa –, como na estatuição e consequências de uma tal subsunção – interpretação – (cfr. citado autor e obra, pág. 156) é perfeitamente conciliável com o princípio do dispositivo.

Ao Tribunal assiste, por conseguinte, o poder de conformação do direito aos factos alegados pelas partes e que venham a provar-se. Apenas se exige que, caso a interpretação e aplicação das regras de direito a considerar, sempre com respeito do quadro factual que desenha o litígio, não coincida com a solução jurídica que as partes perspectivaram como o caminho adequado para alcançar as suas pretensões, o Tribunal garanta previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem por forma a assegurar o necessário contraditório e evitar indesejáveis decisões-supresa.

No caso vertente, a circunstância de cada uma das partes ter centrado a respectiva prestensão apenas no incumprimento recíproco do clausulado no contrato-promessa celebrado, não impede este Supremo Tribunal de indagar, interpretar e aplicar as regras de direito que ao caso competem em face dos factos alegados pelas partes e provados, porquanto, neste particular, não está sujeito às alegações das partes (artigo 5º nº 3 do Código de Processo Civil) – «jura novit curia».

O despacho da ora relatora aguido de nulo limitou-se a dar cumprimento prévio ao princípio do contraditório, em conformidade com o disposto nos artigos 3º nº 3 do Código de Processo Civil, consentido pela alínea d) do artigo 652º, ex vi, do no artigo 679º, ambos do Código de Processo Civil.

Improcede, portanto, a nulidade invocada pela autora.


2. Como primeira questão a apreciar destaca-se a atinente ao cumprimento (ou não) pela recorrida do pressuposto inserto na al. a) do nº 2 do artigo 640º do Código de Processo no âmbito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida no recurso de apelação, uma vez que o conhecimento de algumas nulidades assacadas ao acórdão recorrido ficará prejudicado caso se conclua que o Tribunal da Relação não deveria ter admitido tal impugnação.

Como vem sendo repetidamente afirmado, a garantia do duplo grau de jurisdição no tocante à decisão fáctica teve em mente “uma maior e mais real possibilidade de reacção contra eventuais erros do julgador na livre apreciação das provas e na fixação da matéria de facto relevante para a solução jurídica do pleito” (cfr. preâmbulo do DL nº 39/95, de 15 de Fevereiro).

Uma tal garantia não significa, por um lado, que a 2ª instância deva proceder à reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência e, por outro, que o recorrente poderá limitar-se a uma discordância genérica com o decidido (cfr. citado preâmbulo).

Só uma discordância séria e consistente sobre concretos pontos de facto e fundada em particularizados meios de prova facultará ao recorrente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto. Com efeito, impuseram-se neste domínio ao recorrente determinados ónus de alegação, cuja inobservância conduzirá à imediata rejeição no recurso neste segmento.

Assim, consagrou-se um específico ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação, exigindo actualmente o n º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil que o recorrente, em caso de impugnação da decisão de facto proferida em primeira instância, especifique obrigatoriamente, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».

Para além da exigência do cumprimento destes ónus, requisitos essenciais ou indispensáveis para que a Relação possa sindicar a decisão sobre a matéria de facto proferida na 1ª instância e exercer um efectivo segundo grau de jurisdição, impôs ainda o legislador ao impugnante – incidindo a impugnação sobre prova gravada – o dever de «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes», sob pena, igualmente, de imediata rejeição do recurso na respectiva parte (artigo 640º nº 2 al. a)).

Procurou-se dessa forma obviar a que uma tal opção legislativa pudesse dar origem à utilização genérica, descuidada e imprudente do recurso no tocante à impugnação da decisão fáctica.

Apesar da relevância que pode assumir no âmbito da apreciação da prova gravada pelo Tribunal da Relação, pelo esforço de concretização que envolve, o cumprimento do ónus de indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso configura-se, como se dá nota no acórdão de 29.10.2015, como “um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”.

A exigência do seu cumprimento deverá ser ponderada em função, nomeadamente, da extensão da prova ou da matéria de facto que a apreciação da impugnação convoca e da particular e relevante dificuldade que a omissão do requisito em causa pode causar ao Tribunal de recurso para o desempenho da sua função de reapreciação ou reexame da prova gravada.

Considerando a finalidade do segmento normativo em causa, não é excessivo considerar-se que a transcrição dos depoimentos prestados e em que se baseia o recorrente para infirmar a decisão quanto a concretos pontos de facto, é susceptível, em regra, de satisfazer aquela exigência da lei adjectiva.

No sentido de que o requisito em causa – «indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» – não é de verificação indispensável, devendo ser ponderada a concreta necessidade do seu cumprimento, se pronunciaram, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 01.07.2014 (proc. nº 1825/09.7TBSTS.P1.S1), de 19.02.2015 (proc. nº 299/05.6TBMGD.P2.S1), acessíveis em www.dgsi.pt/jstj, e, bem assim, o de 10.12.2015 (proc. nº 352/12.0TBVPA.G1.S1) relatado pela ora relatora.

Uma interpretação meramente literal do segmento normativo em causa, conduziria a uma solução demasiado formal e contrária ao princípio da prevalência do mérito sobre a forma que norteou a reforma do processo civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, sendo aquela que propugnamos a que melhor concretiza os princípios da proporcionalidade e da adequação na aplicação das normas.

No caso em apreço a autora, apelante, instruiu a sua alegação de recurso com a transcrição integral dos depoimentos prestados, que faz fls. 705 a 972, facultando dessa forma ao Tribunal da Relação os meios que, em seu entender, permitiam contrariar a convicção formada na 1ª instância quanto aos pontos de facto concretamente referidos.

Sem dar integral cumprimento ao ritualismo previsto na al. a) do nº 2 do artigo 640º, a autora cumpriu com a sua actuação o objectivo de facultar ao julgador um acesso facilitado e eficaz aos meios probatórios invocados, permitindo ao Tribunal da Relação sindicar a decisão fáctica da 1ª instância no exercício dos poderes de reexame e reponderação das provas, sem embargo de este sempre poder proceder à audição integral dos depoimentos em causa, se necessário.

E o Tribunal da Relação assim o considerou, não vendo obstáculo à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e formando a sua própria convicção quanto a cada concreto ponto de facto impugnado, convicção firmada com base no princípio da livre apreciação das provas, que só é afastado nos casos de prova vinculada, em conformidade com o estatuído no artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil (anterior artigo 655º).

Concluímos, portanto, que a Relação fez correcta interpretação e aplicação do dispositivo legal contido no artigo 640º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil.

 

2. Posto isto, cumpre verificar se o acórdão recorrido está afectado do vício que a ré, ora recorrente, lhe aponta, sendo, por conseguinte, nulo.

Entende a ré que o acórdão recorrido incorreu no vício de excesso de pronúncia na parte em que eliminou dos factos provados os nºs 41 a 45, 54, 55, 60, 61, 64, 65, 71 a 76, 79 a 81 e 89. Sustenta ainda que de idêntico vício padece na parte em que procedeu à eliminação do facto nº 43 do elenco dos factos provados e ao aditamento do facto nº 98, matéria que extravasa o âmbito da alegação da apelante, delimitadora do objecto do recurso.

A causa de nulidade prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil radica no desrespeito do comando legal inserto no artigo 608º nº 2 do mesmo código, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, estando-lhe vedado ocupar-se de questões não suscitadas pelas partes, salvo das de conhecimento oficioso. Em sede de recurso são, como é sabido, as conclusões da alegação que definem o âmbito de cognoscibilidade do tribunal, sem prejuízo, como é óbvio, daquelas questões que devam ser apreciadas ex officio (artigos 635º nº 4 e 639º nº 1 do Código de Processo Civil).

Trata-se de um vício de limites. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.

No que concerne aos pontos de facto nºs 41 a 45, 54, 55, 60, 61, 64, 65, 71 a 76, 79 a 81 e 89, que a Relação julgou não provados, suprimindo-os, o conhecimento excessivo fundava-se, na tese da autora, no facto de a Relação não poder conhecer da impugnação da decisão sobre a matéria de facto em virtude de a apelante não ter cumprido integralmente os requisitos do artigo 640º do Código de Processo Civil, concretamente, o constante da al. a) do seu nº 2.

Não tem, contudo, razão a recorrente, porquanto, tendo a Relação decidido, acertadamente, apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida no recurso de apelação, não incorreu, nesta parte, em excesso de pronúncia.

Por iniciativa da Relação foi ainda eliminado do conjunto dos factos provados o ponto nº 43 e aditado aos mesmos factos provados o ponto nº 98 (artigo 139º da base instrutória) ao qual foi dada a seguinte redacção: "O índice de construção de 1,5 era um elemento sem o qual a Autora não celebraria o contrato".

No que respeita a este último ponto de facto observou o acórdão recorrido que:

«A decisão de facto que considerou não provados estes factos não pode subsistir, em coerência com o já decidido, no que tange à impugnação da restante matéria de facto.

Dos factos elencados como provados decorre também que ambas as partes tinham consciência de que o objectivo da A. era o da aquisição do imóvel com vista à construção tirando proveito do máximo de volumetria legalmente possível - essa questão foi abordada nas negociações preliminares, resulta também da minuta de contra-proposta enviada pela A. à Ré e veio a constar do contrato-promessa assinado pelas partes. De todos estes elementos probatórios decorre que tal aquisição só interessava à A., no pressuposto de a Câmara Municipal autorizar a volumetria de 1,5 que a Ré se comprometera a conseguir junto dos serviços camarários.

Em suma, analisados os depoimentos das testemunhas CC, DD e do próprio EE, concatenados com o facto assente sob o n° 2 (referente ao teor do contrato promessa de compra e venda constante dos autos), afigura-se que esta matéria ficou provada».

As modificações a introduzir na matéria de facto pelo Tribunal da Relação devem, por princípio, respeitar o conteúdo da impugnação do recorrente, em consonância com o princípio do dispositivo. Na reapreciação da decisão proferida sobre a matéria de facto em sede de recurso está o Tribunal da Relação, por regra, limitado pelo teor da alegação da parte que recorre, posto que, como já referimos, é a respectiva síntese conclusiva que baliza e traça o objecto do recurso, devendo proceder-se a uma leitura integrada dos dispostivos legais insertos nos artigos 662º nº 1 e 635º do Código de Processo Civil.

A Relação, para além do leque de factos impugnados, pode intervir nos casos em que tenha sido desrespeitada prova tarifada ou vinculada – se houver ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova ou ainda se, existindo essa prova no processo, a mesma tiver sido desconsiderada –.

Pode, igualmente, proceder à harmonização dos factos modificados com outros não impugnados com a finalidade de evitar, designadamente, contradição entre determinados pontos de facto. Note-se que se o Tribunal da Relação deve anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância quando a repute contraditória sobre pontos determinados da matéria de facto (artigo 662º nº 2 al. c)), por maioria de razão deve ser vigilante quanto à eventual contradição emergente da modificação resultante da apreciação da impugnação da decisão de facto.

Já no tocante aos meios de prova não existe qualquer constrangimento, cabendo à Relação atender a todos os elementos probatórios disponíveis no processo, ainda que não atendidos na decisão fáctica proferida na 1ª instância.

Feitas estas breves considerações, temos que, relativamente ao ponto de facto nº 98, emerge da fundamentação transcrita a existência de conexão entre o mesmo e a demais facticidade impugnada no recurso de apelação. Quanto ao ponto nº 43, não encontramos no acórdão recorrido fundamento para a sua eliminação, nem esta se apresenta como necessária numa perspectiva de harmonização com a restante materialidade provada, tanto mais que o ponto de facto 33 contém matéria concordante com o seu teor.

Ocorreu nesta parte excesso de pronúncia, por ter sido extravasado o âmbito dos poderes de reexame e reponderação da Relação no conhecimento da impugnação da decisão fáctica.

Por tal razão, verifica-se neste segmento a nulidade do acórdão recorrido prevista no artigo 615º nº 1 al. d) do Código de Processo Civil, visto ter sido apreciada questão não submetida pelas partes ao conhecimento do Tribunal, pelo que deve manter-se o ponto nº 43 no elenco dos factos provados.


3. Entrando na apreciação do mérito do recurso, podemos, desde logo, afirmar que não existe qualquer controvérsia quanto à natureza jurídica do contrato objecto do litígio, o qual vem, acertadamente, qualificado pelas partes e pelas instâncias como contrato-promessa (artigo 410º do Código Civil).

   Invocando o incumprimento contratual da ré, peticionou a autora a execução específica daquele contrato, com pedido de redução do preço convencionado para outro a fixar de acordo com a avaliação a efectuar em sede judicial, e, bem assim, o pagamento de uma indemnização.

Esse incumprimento traduzir-se-ia no facto de:

- ter ficado a constar do contrato que à data da sua celebração não incidiam quaisquer ónus ou encargos sobre os prédios prometidos vender, o que não correspondia à verdade;

- não ter sido apresentado comprovativo de que a ré não tinha em débito impostos ou taxas de qualquer natureza, o que justificaria a não celebração do contrato prometido;

- não ter a ré apresentado na Câmara Municipal de Cascais o pedido de informação prévia que constitui o anexo 4 do contrato-promessa, faltando à verdade, e constituir condição essencial para a celebração desse contrato pela autora que nos prédios a que se refere a promessa «possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo, o índice de 1,5 previsto no Regulamento do PDM», condição que não se verifica.

As instâncias foram unânimes no entendimento de que não ocorreram as duas primeiras alegadas violações contratuais, questões que não constituem, aliás, objecto do presente recurso de revista.

Insurge-se, contudo, a ré, aqui recorrente, contra o acórdão da Relação na parte em que teve por verificado o seu incumprimento contratual relativamente ao índice de construção inserto no contrato-promessa, concluindo pela improcedência da acção e procedência da reconvenção por si deduzida.

E é sobre esta questão nuclear que passaremos a debruçar-nos.

Interpretando o clausulado pelas partes no contrato-promessa e considerando a facticidade provada, observou-se no acórdão recorrido o seguinte:

«Alegou a Ré, na contestação que jamais se comprometeu a garantir um índice mínimo de 1,5 de construção acima do solo, embora este fosse o índice que constava do PDM de Cascais e que ficou convencida que o que ia constar do contrato era apenas que para aqueles prédios estava previsto um índice de construção de 1,5, no PDM de Cascais.

Contudo, tendo em atenção a matéria de facto provada, na sequência da procedência do recurso relativamente à matéria impugnada, constata-se que a Ré não logrou provar a existência de um erro na declaração, isto é, não ficou provado que a vontade declarada não correspondesse ao querido pela Ré, pelo que, claramente, o negócio vale segundo a interpretação do clausulado no contrato-promessa.

Assim, sendo, a mencionada cláusula não pode deixar de ser interpretada, à luz do disposto no art. 236° do CCivil, como condição essencial e não «como mera informação de que esse era o índice previsto no PDM. Aliás, tal interpretação seria, no mínimo, bizarra, não fazendo sentido incluir no contrato promessa uma informação sobejamente conhecida, sobretudo pelas partes outorgantes atendendo à sua actividade.

(…)

Ora, no caso dos autos, as partes expressamente condicionaram a celebração do contrato prometido à viabilidade do índice de construção mínimo de 1,5 no imóvel objecto do contrato-promessa (…).

Contudo, a Ré não cumpriu tal garantia já que a CMC não viabilizou sequer a volumetria de 1,5. Afigura-se, pois, que, face aos factos provados a A. tinha fundamento recusar a celebração da escritura de compra e venda referente ao contrato promessa dos autos.

(…) não sendo a situação de enquadrar-se como um risco do próprio contrato, na medida em que a A. contratou convicta de que o índice de construção mínimo 1,5

seria autorizado, tal como a Ré garantiu e sabia ser condição essencial para a A. contratar».

      Não podemos deixar de concordar com a afirmação de que o contrato-promessa, outorgado em 2 de Novembro de 2006, contém no seu clausulado um segmento que não pode deixar de ser interpretado, à luz das regras contidas no artigo 236° do Código Civil, como condição essencial e não «como mera informação de que esse era o índice previsto no PDM»

Com efeito, sob a epígrafe «PRESSUPOSTOS DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO-PROMESSA», consignou-se no início do mesmo que:

«Constituem condições essenciais da vontade de contratar da Promitente Compradora e como tais pressupostos da celebração do presente contrato promessa e da respectiva escritura pública de compra e venda, que:

Nos Prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo o índice 1.5 previsto no Regulamento do PDM».

Esta estipulação contratual revela ter sido decisiva para a autora a possibilidade de construir nos prédios prometidos vender uma vulumetria correspondente, no mínimo, ao índice de 1,5 acima do solo, mínimo que, no caso em análise, constitui também o máximo de construção admissível em face do Regulamento do Plano Director Municipal, o qual previa ao tempo, precisamente, o índice de 1,5 como limite de construção acima do solo.

Da verificação deste pressuposto no futuro dependia a celebração do contrato prometido, o qual deveria realizar-se até 31 de julho de 2007, incumbindo à autora a sua marcação e posterior notificação da ré, promitente vendedora.

As partes para ultrapassrem a incerteza quanto ao índice de construção motivador da disposição de contratar por parte da autora, dependente da aprovação dos serviços de urbanismo da Camara Municipal de Cascais, submeteram a concretização do negócio definitivo à verificação da possibilidade de edificar nos dois prédios objecto do contrato-promessa um índice de construção de 1,5 acima do solo.

Subordinaram, assim, a produção dos efeitos do contrato-promessa em causa a um acontecimento futuro e incerto, isto é, a uma condição suspensiva, nos termos do disposto no artigo 270º do Código Civil.

Trata-se de uma condição verdadeira ou em sentido próprio, na medida em que a eficácia do negócio, além de depender de acontecimento futuro e incerto, resulta de estipulação das partes e não directamente da lei, e causal, porquanto o evento condicionante depende de facto de terceiro, alheio às partes no negócio (cfr. Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol II, 1983, pág.358, e Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 3ª ed. revista e actualizada, págs. 380 e 384).

Os efeitos daquele contrato ficaram, por vontade das partes, suspensos e só se tornariam efectivos «ipso jure» desde a data da conclusão daquele negócio (retroactivamente) se verificada a condição, não se produzindo os efeitos definitivos do negócio – a celebração da escritura de compra e venda –, se inverificada a mesma (neste sentido Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 1980, págs. 449 e 450).

O estado de incerteza quanto à eficácia do negócio subordinado a condição suspensiva própria mantém-se ou persiste enquanto se não verificar o facto condicionante, apenas se sabendo ser possível que o mesmo venha a acontecer.

Já não concordamos com o acórdão recorrido quando atribui a não concretização do facto condicionante – construção acima do solo de um índice de 1,5 – a culpa da ré, por não ter logrado conseguir a sua verificação, apesar de a ter garantido.

Na verdade, consagrou-se na cláusula 4ª do contrato-promessa que a Câmara Municipal de Cascais estava a analisar o pedido de informação prévia constante do anexo 4 ao referido contrato, apresentado pela ré em data anterior à outorga do mesmo (11 de Agosto de 2006) no departamento de urbanismo daquela autarquia. E os factos provados mostram que, relativamente à área de construção incluída no estudo prévio, EE, gerente da ré, afirmou à autora, na pessoa de DD, que a área proposta nesse projecto fora a que resultara da solução urbanística encontrada, tendo havido a preocupação de encontrar uma solução realista, que não comprometesse a respectiva aprovação, referindo ainda não querer comprometer-se com nada que tivesse que ver com aquela entidade, dada a dificuldade de relacionamento que estava a ter com a atual vereação para obter aprovações de projetos (pontos de facto 33 e 43).

Ora, esta facticidade é incompatível com a conclusão de que a ré estava contratualmente obrigada a garantir que a autora poderia vir a construir um índice de 1,5 acima do solo, equivalente, como vimos, à volumetria  máxima prevista no respectivo Regulamento do Plano Director Municipal.

Ciente dos problemas a enfrentar, a ré optou por requerer a aprovação de uma volumetria inferior no estudo prévio apresentado e fez sabê-lo à autora, pelo que não seria sequer razoável assumir contratualmente a garantia de verificação da condição imposta.

A circunstância de a autora, antes de decorrido um mês sobre a data da assinatura do contrato-promessa – 27 de Novembro de 2006 –, ter procedido à marcação da escritura pública de compra e venda para o dia 4 de Dezembro de 22 de 2006 e, nesse mesmo dia, o seu representante ter recusado assiná-la com fundamento, no que agora releva, em que «no n.° 2 dos pressupostos da celebração do contrato de promessa refere-se que nos prédios possam vir a ser construídos acima do solo, no mínimo, o índice de um ponto cinco previsto no regulamento do P.D.M. e que não foi junta certidão comprovativa dessa declaração, emitida pela Câmara Municipal de Cascais» não consubstancia falta de cumprimento de qualquer obrigação contratual a que a ré estivesse vinculada porquanto não emerge do texto do contrato-promessa tal obrigação, nem a mesma resulta da interpretação das suas clásulas negociais.

Não se configura, por conseguinte, nos autos o necessário incumprimento (mora) por parte da ré ou da autora susceptível de alicerçar a execução específica do contrato-promessa nele expressamente prevista (artigo 830º do Código Civil).

Da interpretação do sentido normativo das declarações negociais das contraentes insertas no contrato-promessa e da facticidade provada resulta, na verdade, que a condição suspensiva a que ficou subordinada a eficácia do dito contrato se não verificou quer na data designada para a celebração do negócio definitivo, quer na data contratualmente estabelecida pelas partes como sendo aquela até à qual devia ser outorgado, isto é, 31 de Julho de 2007.

É o reconhecimento da falta de verificação da condição que está subjacente à pretensão de excução específica da autora, a qual não visa a concretização do contrato prometido, mas de um diferente contrato-promessa – com uma volumetria inferior a 1,5 acima do solo e a correspondente redução do preço –.

Em qualquer dos casos, a execução específica do contrato, seja modificado, como pretende a autora, seja nos precisos termos em que foi celebrado, como peticionou a ré em sede reconvencional, pressuporia sempre o incumprimento culposo (mora) de uma das partes e este não se descortina também relativamente à autora.

Com efeito, a autora recusou celebrar o contrato definitivo na data por si marcada por não estar, então, verificada a condição suspensiva de que dependia a eficácia do mesmo e não se provou que esta se tivesse concretizado até à data contratualmente prevista para a celebração do contrato prometido (31 de Julho de 2007).

A falta de verificação da condição, in casu, não é, por conseguinte, imputável quer a actuação da ré, quer da autora, sendo atribuível a evento independente da vontade de qualquer delas, já que o índice de construção acima do solo dependia de terceiro, ou seja, da aprovação dos serviços competentes da Câmara Municipal de Cascais, o qual, como se referiu,  tinha por tecto máximo o valor de 1,5.

Tratando-se de condição suspensiva própria, a sua não verificação tem como consequência a não produção de efeitos do contrato-promessa, o qual caduca, fazendo desaparecer tanto os próprios efeitos provisórios do mesmo, como os definitivos, tudo se passando como se o negócio não tivesse sido celebrado.

Logo, terá a ré de restituir à autora, em singelo,  a quantia dela recebida a título de sinal, ou seja, o montante de € 628.000,00.

III. Decisão:

Termos em que se acorda no Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcialmente a revista e, consequentemente, se:

- julga a acção parcialmente procedente e se condena a ré a entregar à autora a quantia de € 628.000,00, que dela havia recebido a título de sinal;

- julga a reconvenção improcedente, absolvendo-se a autora dos pedidos reconvencionais contra si deduzidos;

- condenam a autora e a ré no pagamento das custas da acção, em todas as instâncias, na proporção do respectivo decaimento, suportando a ré, ora recorrente, as custas da reconvenção.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2017

Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Nunes Ribeiro

__________________
[1] Eliminados pelo Tribunal da Relação.

[2] Factos eliminados pelo Tribunal da Relação.
[3] Pontos de facto eliminados pelo Tribunal da Relação.
[4] Eliminados pelo Tribunal da Relação.
[5] Suprimidos pelo Tribunal da Relação.
[6] Pontos de facto eliminados pelo Tribunal da Relação
[7] Eliminados pelo Tribunal da Relação