Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
33/08.9TMBRG.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: DIVÓRCIO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 04/26/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMILIA
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS ESPECIAIS
Doutrina: -P. Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I, p. 661/663.
-P. Lima e A. Varela, C.C. Anotado, vol. III, p. 350.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1105.º, 1403.º, N.º2, 1404.º, 1406.º, N.º2, 1688.º, 1729.º, N.ºS 1 E 2, 1793.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 1407.º, N.ºS 2, 4 E 7, 1410.º, 1413.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18/11/2008, CJ S., ANO XVI, T. 3, P. 137 E SS..
Sumário :

                1. São questões diferentes, a relativa à atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo de divórcio (art. 1407.º, nºs 2 e 7 do CPC) e a de constituição de arrendamento da casa de morada de família, regulada, como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413.º do CC, e prevista, como efeito do divórcio, nos arts 1793.º e 1105.º do CC.

                2. Tendo cessado as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688.º do CC), face ao trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio, até à partilha, mantém-se a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva, com aplicação à mesma das regras da compropriedade (art. 1404.º do CPC).

                3ª – No plano dos princípios, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória da casa de morada de família (bem comum dos ex-cônjuges) na pendência do divórcio – in casu, até à adjudicação dos bens aos ex-cônjuges – nada impede, tudo aconselhando, ao invés, que nos socorramos, como pano de fundo, do regime arrendatício fixado no citado art. 1793.º e dos índices de referência aí contidos;

                4ª – Não havendo, de qualquer modo, que fixar a compensação devida ao ex-cônjuge privado da casa de morada de família a favor do outro pelos valores de mercado, desconsiderando a situação económica daquele que da casa mais necessitar.

Decisão Texto Integral:
                ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

                AA veio intentar acção especial de divórcio litigioso contra BB, pedindo que seja decretado o divórcio entre ambos, com culpa exclusiva da ré, face à violação, de forma grave, reiterada e contínua dos deveres de respeito, cooperação e assistência para com o autor, que tornaram impossível a manutenção do vínculo conjugal e da vida em comum.

                Após tentativa de conciliação gorada, a ré contestou, impugnando a matéria alegada pelo autor, pedindo, em reconvenção, que seja decretada a dissolução por divórcio do seu matrimónio com o autor, mas declarando-se este o único culpado, por violação dos deveres conjugais de respeito, cooperação e assistência. Mais pedindo que lhe seja concedida a utilização exclusiva da casa de morada de família na pendência da presente acção, alegando que ela e os filhos não têm outro sítio onde viver, nem dispõe de meios económicos para comprar ou tomar de arrendamento outra casa, enquanto o autor tem uma situação económica que lhe permite facilmente fixar outro domicílio.

                Replicou o autor, impugnando a matéria alegada na reconvenção, mantendo o já afirmado na petição inicial e pugnando pelo indeferimento do pedido de atribuição exclusiva da casa de morada da família à ré ou, caso assim não se entenda, e porque se trata de um bem comum, devendo a ré ser condenada a pagar ao autor uma compensação pela ocupação, nunca inferior a € 250,00 mensais.

                Treplicou a ré, mantendo o já alegado.

                Foi proferido o despacho saneador, tendo sido fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

                Foi instruído o incidente de atribuição da casa de morada da família, com junção de prova documental e inquirição de testemunhas.

                Realizado o julgamento foi proferida a sentença que decretou o divórcio entre autor e ré, com culpas concorrentes de ambos os cônjuges, fixando-se regime provisório de atribuição da casa de morada de família à ré, até à adjudicação dos bens comuns do extinto casal por via extrajudicial ou judicial.

                Inconformado com a decisão sobre a atribuição da casa de morada de família, dela veio o autor interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde, por acórdão de fls 275 a 286, na sua parcial procedência, foi revogada a sentença recorrida na parte em que atribuiu a casa de morada de família à ré sem qualquer compensação ao autor, substituindo-se por outra, que atribua a esta a casa de morada de família mediante o pagamento ao autor de uma renda mensal no valor de € 150,00.

Agora irresignada, veio a ré pedir revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - A Recorrente e os filhos não dispõem de outro local para residir;

2ª - A Recorrente aufere a remuneração mensal ilíquida de € 1.124,27;

3ª - O Recorrente aufere a remuneração mensal de € Euros 1.423,92;

4ª - O douto Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado quanto aos montantes necessários para a subsistência, no dia-a-dia, da Recorrente e agregado familiar;

5ª - A Recorrente está em situação de insolvência, uma vez que não consegue honrar as suas obrigações;

6ª - O Tribunal a quo deveria pronunciar-se tendo em conta o superior interesse dos filhos dos Recorrente e Recorrido;

7ª - A manter-se o pagamento da quantia de Euros 150,00 mensais o Recorrido locupletar-se-á em igual quantia;

8ª - O Tribunal recorrido violou o disposto no art. 1 793º Código Civil;

9ª - O Tribunal recorrido violou o disposto nº 3, art. 659º C.P.C.

                Contra-alegou o autor, pedindo a rejeição liminar do recurso de revista excepcional pela ré interposto ou se assim não for entendido, a improcedência do recurso.

                Indeferido o pedido de revista excepcional, por falta de preenchimento dos seus pressupostos, foi admitido o recurso de revista normal.

                Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

                             Vem dado como PROVADO:

                                1 - No dia 27-7-1985 AA e BB contraíram casamento civil sem convenção antenupcial (alínea A) dos factos assentes);

2 - Em 11-1-1986 nasceu CC e em 18-5-1990 nasceu DD, os quais têm registado na paternidade DD e na maternidade BB (alínea B) dos factos assentes);

3 - Após o casamento autor e ré foram viver para o imóvel sito na ........., em ........ (artigo 1º da base instrutória);

4 - Em 1992 autor e ré compraram uma moradia de três quartos onde passaram a viver com os filhos (artigo 2º da base instrutória);

5 - Entre 19 e 23 de Março de 2003 a ré submeteu-se a intervenções cirúrgicas na área da estética, na clínica privada Clipóvoa (artigo 3º da base instrutória);

6 - Após a cirurgia, a ré, quando regressou a casa, pediu ao filho DD que saísse do seu quarto para que o pudesse ocupar, passando o menor a dormir no quarto do casal com o autor (artigo 4º da base instrutória);

7 - Desde essa ocasião a ré deixou de dormir no quarto do casal com o autor (artigo 5º da base instrutória);

8 - Desde essa ocasião autor e ré deixaram de partilhar o mesmo quarto e a mesma cama (artigo 6º da base instrutória);

9 - Em Julho de 1985 o autor trabalhava na E.D.P. (artigo 7º da base instrutória);

10 - Em Janeiro de 2008 o autor encontrava-se na situação de pré-reforma (artigo 8º da base instrutória);

11 - Em Julho de 1985 a ré trabalhava na Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho (artigo 9º da base instrutória);

12 - Autora e ré geriam cada um os frutos dos seus rendimentos (artigo 10º da base instrutória);

13 - Até à referida cirurgia autor e ré contribuíam para a economia familiar, partilhavam as despesas, faziam as compras juntos e faziam as refeições em família (artigo 11º da base instrutória);

14 - No ano de 2002 a ré todos os dias começou a chegar a casa por volta das 23.00 horas, por força do seu trabalho (artigo 12º da base instrutória);

15 - Sendo, por isso, o autor que preparava o jantar, fazia a refeição com os filhos e deixava um prato preparado para a ré jantar quando chegasse (artigo 13º da base instrutória);

16 - Em 2005 a ré continuou a trazer o almoço para ela e para os filhos e o autor continuou a preparar a sua refeição e a almoçar sozinho (artigo 14º da base instrutória);

17 - A partir de 2005 a ré começou a sair à noite com pessoas amigas também às sextas-feiras e aos sábados, chegando a casa entre as 0.00 horas e as 3.00 horas da manhã (artigo 15º da base instrutória);

8 - É o autor quem trata da limpeza e da manutenção da casa de morada de família (artigo 16º da base instrutória);

19 - A partir da referida cirurgia é o autor quem paga a água, luz, internet e contribuição autárquica (artigo 17º da base instrutória);

20 - No dia 2-12-2007 no interior da casa de morada de família a ré arremessou um banco na direcção do autor para o atingir (artigo 18º da base instrutória);

21 - Logo de seguida empunhando duas facas dirige-se ao autor e diz que o mata (artigo 19º da base instrutória);

22 - O autor vive num constante sofrimento, transformando-se numa pessoa triste e ansiosa (artigo 20º da base instrutória).

23 - Desde 2004 o autor recusa-se a gozar a licença para férias na companhia do restante agregado familiar (artigo 22º da base instrutória);

24 - Desde meados de 2007 o autor, na presença de outras pessoas, impede a ré de emitir opiniões sobre o que quer que seja mandando-a calar (artigo 23º da base instrutória);

25 - Desde meados de 2007 o autor em qualquer local e à frente de quem se encontra dirige-se à ré e profere as seguintes expressões “Sua filha da puta”, “Sua vaca”, “Vai para a puta que te pariu”, “Abres as pernas a qualquer um” e “Vai para o caralho” (artigo 24º da base instrutória);

26 - Em 2-12-2007 o autor desligou o aquecedor e aproximou-se da ré e prendeu-lhe as mãos e os braços e contorceu-os, provocando-lhe hematomas nos membros superiores (artigo 25º da base instrutória);

27 - De seguida deitou as mãos ao pescoço da ré e apertou-o, só parando com a intervenção do filho DD (artigo 26º da base instrutória);

28 - Na mesma ocasião o autor dirigiu-se à ré e proferiu a seguinte expressão “Andas a abrir as pernas aos homens da rua” (artigo 27º da base instrutória);

29 - O autor desliga a água quente quando a ré toma banho (artigo 28º da base instrutória);

30 - Por uma ocasião o autor impediu a ré de viajar ao seu lado no veículo automóvel (artigo 29º da base instrutória);

31 - Desde Setembro de 2006 que o autor impediu a ré de ter acesso ao sistema de que era beneficiária pela entidade patronal do autor (artigo 30º da base instrutória);

32 - Diariamente, pelas 8.00 horas da manhã, aquando da sua higiene matinal e antes da ré fazer a higiene matinal, o autor utiliza uma laca de marca “Palmolive Naturalis” (artigos 31º e 44º da base instrutória);

33 - A ré sofre tristeza e angústia, a ré sempre dedicou o maior amor e carinho ao autor (artigo 34º da base instrutória);

34 - Autor e ré coabitam com os filhos CC e DD no mesmo domicílio (artigo 35º da base instrutória);

35 - A ré e os filhos não têm outro sítio para viver (artigo 36º da base instrutória);

36 - Até 19-3-2003 autor e ré partilharam o mesmo quarto e leito conjugal (artigo 37º da base instrutória);

37 - Em 1999 autor, ré e filhos do casal passaram férias em Palma de Maiorca, em 2000 foram uma semana para São Paulo, no Brasil, em 2002 estiveram em Sanxencho na Galiza, em 2003 foram oito dias para a Tunísia e em 2004 foram oito dias para o Egipto (artigo 38º da base instrutória);

38 - No ano de 2005 a ré acompanhada dos filhos foram de férias para Tenerife sem nunca ter informado o autor (artigo 39º da base instrutória);

39 - Desde o ano de 2005 que o autor se encontra na situação de pré-reforma (artigo 40º da base instrutória);

40 - Desde o ano de 2005 que a ré não informa o autor da altura e do local em que vai gozar as suas férias (artigo 41º da base instrutória);

41 - O sistema de aquecimento de água funciona com um termo acumulador eléctrico (vulgarmente conhecido por cilindro) e após ser desligado ainda pode fornecer água quente durante cerca de quinze minutos (artigo 42º da base instrutória);

42 - Pelo menos desde Junho de 2007 a ré deixou de querer viajar no mesmo veículo que o autor (artigo 43º da base instrutória);

43 - Desde o ano de 2003 a ré recusa-se a ter relações sexuais com o autor (artigo 45º da base instrutória);

44 - A filha CC é estudante na Guarda, encontrando-se apenas em casa de 15 em 15 dias (artigo 46º da base instrutória);

45 - A ré aufere a título de remuneração o montante de € 1.124,27 por mês (artigo 47º da base instrutória);

46 - O autor aufere a título de prestação pré-reforma a quantia de € 1.423,92 (artigo 48º da base instrutória);

47 - O autor paga a quantia de € 20,00 por mês de água, € 174,82 anuais de electricidade, € 345,64 de contribuição autárquica, taxa para actos médicos € 165,12 por ano, Internet € 29,73 por mês, uma tonelada de lenha, cerca de € 110,00 por ano (artigo 49º da base instrutória);

48 - O autor pagou de I.R.S. referente ao ano de 2007 a quantia de € 605,87 (artigo 50º da base instrutória);

49 - O autor paga cerca de € 300,00 mensais para as despesas de educação dos filhos (artigo 51º da base instrutória);

50 - A ré despende a sua remuneração com produtos “Herbalife”, tratamentos de estética e vestuário (artigo 52º da base instrutória);

51 - Em 2-12-2007 a ré solicitou a presença da G.N.R. no seu domicílio e efectuou uma denúncia junto da A.P.A.V. delegação de Braga (artigo 53º da base instrutória);

52 - O autor aufere cerca de € 20.000,00 anuais (artigo 54º da base instrutória).

São as conclusões da alegação dos recorrentes, como é sabido, que delimitam o objecto do recurso – arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.

As quais se podem resumir à de saber se se deve ou não manter o pagamento, por banda da ré/recorrente, da quantia de € 150,00 mensais, a título da atribuição provisória que lhe foi feita da casa de morada de família até à adjudicação dos bens comuns do dissolvido casal, por via judicial ou extrajudicial.

Desde já se dizendo não estarmos perante a situação de ter sido dado de arrendamento à ré, a pedido da mesma, a casa de morada de família, bem comum dos ora ex-cônjuges[1] (art. 1793.º do CC).

Mas antes, e apenas, perante o regime provisório de atribuição da casa de morada de família, até à adjudicação dos bens comuns do extinto casal, por via judicial ou extra-judicial, que, nos termos do art. 1407.º, nº 7 do CPC, havia, na contestação, sido pela ré/reconvinte, ora recorrente, requerida.

Sendo certo que a sentença de 1ª instância, apenas nessa parte recorrida, não atribuiu qualquer compensação monetária pela fixação de tal regime provisório a favor do autor e que a Relação, face ao inconformismo deste, atendendo ao seu pedido, atribuiu ao mesmo uma contraprestação, a pagar pelo ex-cônjuge mulher, face à aludida atribuição da casa de morada de família.

Assim prescrevendo o citado art. 1407.º, no seu nº 7, que inaugura o capítulo do divórcio e separação litigiosa:

“Em qualquer altura do processo, o juiz, por iniciativa própria ou a requerimento de alguma das partes, e se o considerar conveniente, poderá fixar um regime provisório quanto a alimentos, quanto à regulação do exercício do poder paternal dos filhos e quanto à utilização da casa de morada de família; para tanto poderá o juiz, previamente, ordenar a realização das diligências que considerar necessárias.”

Trata-se de um incidente, com processo especialíssimo, norteado por critérios de conveniência, que apenas tem em vista a fixação de um regime provisório – in casu, sem reparo das partes, atribuído ao ex-cônjuge mulher, até à partilha dos bens comuns (nos quais se integra a casa em apreço) – quanto à sequela do divórcio relacionada com a casa de morada de família (cfr. citado art. 1407.º, no seu nº 2).

Que, em princípio, não tem a ver com o processo de constituição de arrendamento da casa de morada de família regulado, como processo de jurisdição voluntária, no art. 1413.º do CPC, previsto, como efeito do divórcio, nos arts 1793.º e 1105.º do CC.

Cabendo aqui, neste ora aludido processo (o do art. 1413.º), ao Tribunal, ouvidos os cônjuges, definir as condições do contrato, valendo, onde o mesmo for omisso, as regras gerais do arrendamento para habitação[2].

Havendo então lugar, mesmo tratando-se de bem próprio dos cônjuges ou só de um deles, à fixação de uma renda, a pagar por aquele a quem for atribuído o direito ao arrendamento do imóvel que foi a casa de morada de família.

Sendo, portanto, questões diferentes: a da atribuição provisória da casa de morada de família durante o período da pendência do processo (art. 1407.º, nºs 2 e 4) e a relativa à atribuição da casa de morada de família depois do divórcio, regulada no art. 1793.º, caso se trate de casa própria.

Mas, será que estando-se em sede de atribuição provisória da dita casa de morada de família, não se deve fixar qualquer compensação pela sua atribuição exclusiva ao cônjuge que o Tribunal, realizadas as diligências que considerou necessárias, entender dela mais carecer?

Sendo apenas tal compensação (provisória) – devida ou indevida até à partilha dos bens - que é objecto desta revista.

E, nada mais.

Ora, e sem embargo de haver agora que se reconhecer que, face ao trânsito em julgado da sentença, na parte que decretou o divórcio, e por efeito deste, cessaram as relações patrimoniais entre os cônjuges (art. 1688.º do CC), o certo é que, até à partilha, se mantém a chamada comunhão de mão comum ou propriedade colectiva (contitularidade de direitos reais), desaparecida que foi a razão de ser do regime específico instituído para o património comum dos ex-cônjuges, com aplicação à mesma das regras da compropriedade (art. 1404.º do CC)[3].

E, assim, sabendo-se que o “comproprietário”, aqui recorrido, pretende exercer os seus direitos sobre o aludido prédio que foi a casa de morada de família do ex-casal, deles não prescindindo – tanto que pede para ser compensado pelo uso provisoriamente facultado pelo Tribunal à sua ex-mulher – sendo qualitativamente iguais os direitos dos “consortes” (art. 1403.º, nº 2 do CC) e sendo certo que o uso da “coisa comum” por um dos “comproprietários”, não constitui, em princípio, posse exclusiva ou posse superior à dele (art. 1406.º, nº 2 do mesmo CC), crê-se ter cabimento que aquele que da sua “quota-parte” não usufrui, tenha também direito a um gozo indirecto, que consistirá em perceber, tal como se locação houvesse, compensação pelo valor do uso de tal “quota-parte”[4].

Isto, no plano dos princípios, pois, não disciplinando a lei, de forma específica, como efectuar a atribuição provisória que in casu pela ré, ex-cônjuge mulher, foi requerida, nada impede que nos socorramos, pelo menos como pano de fundo, do regime arrendatício fixado no citado art. 1793.º (está em causa um bem comum dos cônjuges e não um imóvel arrendado).

Regime esse, sujeito ao processo de jurisdição voluntária, com predomínio da equidade sobre a legalidade – art. 1410.º do CPC.

Fixando, assim, tal preceito (o art. 1793.º) os índices de referência quanto à atribuição provisória da casa de morada de família

Não havendo, de qualquer modo, que fixar a compensação devida pelos valores do mercado, desconsiderando a situação económica do cônjuge que da casa mais necessitar. Assim inviabilizando os objectivos da lei[5].

A Relação, entendendo que a casa foi bem atribuída à ré – que aqui o autor não põe em causa – e não se vendo motivo para não atribuir ao então apelante uma compensação pecuniária pelo uso exclusivo por parte da apelada de um bem que também é dele, fixou, a título de renda, por aplicação directa do estatuído no citado art. 1793.º, a quantia de € 150,00 mensais.

Insurge-se quanto a tal pagamento a ora recorrente, que diz estar em situação de insolvência, não conseguindo honrar as suas obrigações.

Mas, não é isso que consta da matéria de facto apurada nas instâncias, à qual este Supremo Tribunal de Justiça - não a podendo sindicar, salvo excepções que ora não importam – tem de definitivamente aplicar o regime jurídico adequado – art. 1729.º, nºs 1 e 2 do CPC.

Constando antes que a ré aufere de remuneração mensal o montante de € 1124,27, pagando o autor, para despesas de educação dos filhos, a quantia de e 300,00 mensais.

E que despende a sua remuneração com produtos “Herbalife”, tratamentos de estética e de vestuário.

Bem como que o casal tem dois filhos, ambos de maior idade (um com 26 anos e outro com 21, quase 22).

Os proventos da ré (desconhecendo-se onde é que a mesma actualmente trabalha, bem podendo estar sujeita aos cortes dos subsídios de férias e de Natal, que, assim, não serão tidos em conta e se os filhos do casal, na actualidade, ainda estudam ou se acaso já trabalham), caso não os despenda em estética e vestuário, são de molde, por certo, a permitir-lhe pagar ao autor a compensação fixada pela Relação, parecendo justo que este, privado do bem que com a ré ainda comunga, com a utilização exclusiva por banda da mesma, a receba.

O que parece de todo em todo inapropriado é que a ré, para satisfazer apetências (nada nos diz que a razão das mesmas são derivadas a problemas de saúde) de mera estética, com vestuário incluído, usufrua, de forma exclusiva (embora, em princípio, com os filhos) da casa que é de ambos, sem disso compensar o seu ex-marido.

Sendo bem razoável que modere e controle os seus gastos, ao que parece supérfluos, pelo menos em grande medida, pagando compensação pelo uso da “quota-parte” do bem que lhe não lhe pertence de forma exclusiva.

A compensação arbitrada, embora por razões jurídicas nem sempre coincidentes com as do acórdão recorrido, será, assim, de manter.

Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 26 de Abril de 2012

Serra Baptista (Relator)

Álvaro Rodrigues

Fernando Bento

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[1] A sentença de 1ª instância, na parte em que decretou o divórcio dos cônjuges, com culpas concorrentes de ambos, já há muito que transitou em julgado.
[2] P. Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, vol. I, p. 663.
[3] P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. III, p. 350).
[4] Cfr. votos de vencido (Cons. Moreira Alves e Cons. Alves Velho) no ac. do STJ de 18/11/2008, CJ S., Ano XVI; T. 3, p. 137 e ss.
[5] O citado art. 1793.º, inserido na política de protecção da casa de morada de família que a Reforma de 1977 adoptou, foi inspirada no direito francês, tendo a lei sacrificado o direito de propriedade ao interesse da família – P. Coelho e Guilherme Oliveira, ob. cit., p. 661/662.