Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
461/14.0T8VFR.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
DILAÇÃO DO PRAZO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
GRAVAÇÃO DA PROVA
PROVA DOCUMENTAL
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Data do Acordão: 11/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
-LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª Edição, 2004, 594 e 595;
-AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, 138.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 527.º, N.ºS 1 E 2, 638.ºS 1 E 7, 640.º, N.º 2, ALÍNEA A).
CPC/1961, INTRODUZIDO PELO DL N.º 39/95, DE 15 DE FEVEREIRO: - ARTIGO 690.º-A.
Sumário : I. Havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, a lei concede um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a interposição do recurso de apelação.

II. O benefício do alargamento do prazo justifica-se pelo ónus de alegação que recai sobre o recorrente, no âmbito da impugnação da matéria de facto.

III. O benefício não se estende à impugnação da matéria de facto baseada apenas na reapreciação da prova documental.

IV. A interpretação feita do art. 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, não viola qualquer princípio de natureza constitucional, nomeadamente o da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


   AA instaurou, em 4 de novembro de 2014, no Juízo Cível Local de …, Comarca de Aveiro, contra BB e CC, ação declarativa, sob a forma de processo comum, pedindo que fosse decretada a cessação do contrato de arrendamento, tendo por objeto o prédio urbano sito na Rua …, n.º 1…0, …, concelho de Santa Maria da Feira, o Réu condenado na sua entrega, e os Réus condenados a pagar-lhe as rendas vencidas, no valor de € 1 800,00, e as rendas vincendas, bem como os correspondentes juros de mora, à taxa legal.

Para tanto, alegou, em síntese, que o R., sendo arrendatário, deixou de pagar a renda, no valor mensal de € 600,00, a partir de agosto de 2014, sendo a R. fiadora.

Contestaram os RR., alegando a exceção de incumprimento e o abuso do direito e concluindo pela improcedência da ação. Em reconvenção, foi pedido que o A. fosse condenado a pagar ao R. a quantia de € 39 255,03, correspondente ao prejuízo sofrido com o encerramento do estabelecimento comercial sito no local arrendado.

Replicou o A., concluindo pela improcedência da reconvenção.

Prosseguindo o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida, em 21 de julho de 2016, sentença, que, julgando a ação procedente, declarou resolvido o contrato de arrendamento e condenou também os Réus a pagar ao Autor quantia de € 1 800,00, acrescida da quantia de € 600,00, por cada mês, desde novembro de 2014 até à efetiva entrega do locado, na sequência do despejo decretado, bem como, julgando improcedente a reconvenção, absolveu o Autor do respetivo pedido.

Inconformado, o Réu apelou, para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 20 de abril de 2017, decidiu não conhecer do recurso, por extemporâneo.


De novo inconformado, o Réu recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as conclusões:


a) Verifica-se relevância jurídica fundamental da questão, bem como relevância social, para além da violação ou errada aplicação da lei de processo.

b) A questão prende-se com a violação do princípio da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva, princípios constitucionais que configuram a base do Estado de Direito e do acesso à justiça e aos tribunais, razão pela qual não pode deixar de se entender pela admissibilidade do presente recurso.

c) O objeto do recurso interposto fundamenta-se no facto da sentença ter feito incorreta apreciação dos factos e do direito e ter deixado violadas normas jurídicas, designadamente os artigos 428.º e 1031.º, ambos do Código Civil, e a Portaria n.º 215/2011, de 31 de maio, não podendo subsistir na ordem jurídica.

d) Impugnaram-se os factos julgados provados e não provados, porquanto os factos elencados não correspondiam à prova produzida nos autos.

e) O alargamento do prazo considerado no art. 638.º do CPC tem por finalidade a possibilidade das partes analisarem a prova produzida, relacionando-a com a matéria de facto provada e não provada, e, para além disso, adequarem-na à matéria de direito, análise que não se mostra necessária quando apenas se impugna a matéria de direito que fundamenta a sentença proferida.

f) A decisão recorrida, fundamentando-se na não aplicabilidade do alargamento do prazo estabelecido no art. 638.º do CPC, conduz a interpretações injustas e inconstitucionais, encurtando o prazo do recurso, violando a Constituição da República Portuguesa, e mais concretamente o princípio da igualdade (art. 13.º) e o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º).


Com a revista, o Recorrente pretende a revogação do acórdão recorrido.


O A. não contra-alegou.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está essencialmente em discussão o prazo para a interposição do recurso de apelação, havendo reapreciação da prova.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. Pela Relação foi dado como provado:


1. A sentença foi notificada ao Réu, na pessoa da mandatária, através de comunicação eletrónica de 25 de julho de 2016.

2. Dessa sentença, o R. interpôs recurso em 8 de outubro de 2016.



***



2.2. Descrita a dinâmica processual, importa então conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões, e que, na essência, respeita ao prazo para recorrer da sentença, tendo o recurso por objeto a reapreciação de prova.

O Recorrente, alegando ter impugnado a decisão relativa à matéria de facto, entende beneficiar do alargamento do prazo de dez dias previsto no art. 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil (CPC).

Por sua vez, o acórdão recorrido decidiu que, pretendendo-se impugnar a decisão sobre a matéria de facto sem ter por objeto a reapreciação da prova gravada, o recorrente não pode beneficiar do alargamento do prazo, por mais dez dias, previsto no n.º 7 do art. 638.º do CPC.

Delineado o thema decidendum, verifica-se que, para a interposição do recurso de apelação, o prazo geral corresponde a 30 dias, nos termos do disposto no art. 638.º, n.º 1, do CPC.

Todavia, “se o recurso tiver por objeto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 dias” (art. 638.º, n.º 7, do CPC).

Na verdade, havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, a lei concede um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a interposição do recurso de apelação.

Este benefício no prazo justifica-se, inicialmente, pelo ónus que recaía sobre o recorrente de “proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda” (art. 690.º-A do CPC/1961, introduzido pelo DL n.º 39/95, de 15 de fevereiro) e tem razão de ser, posteriormente, de forma a permitir o cumprimento do ónus de alegação consagrado no art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, para o qual, evidentemente, é indispensável a audição da prova gravada (LOPES DO REGO, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2.ª edição, 2004, págs. 594 e 595, e AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 2000, pág. 138).

É, portanto, por efeito do ónus de alegação, no âmbito da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, nomeadamente da resultante da reapreciação da prova gravada, que a lei fixa um benefício no prazo, para a interposição do recurso de apelação, favorecimento temporal que, por razões de igualdade, também se estende à resposta da contraparte.

Todavia, para o benefício do prazo, não é suficiente a mera impugnação da decisão relativa à matéria de facto, como parece sugerir o Recorrente, sendo ainda necessário que a impugnação respeite à reapreciação da prova gravada. Efetivamente, tanto pela expressão da lei, ao referir-se especificamente a “prova gravada”, como pela sua razão de ser, que antes se enunciou, é essa a interpretação que se retira do disposto no art. 638.º, n.º 7, do CPC.

Compulsando a alegação da apelação, verifica-se que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto não tem por objeto a reapreciação da prova gravada, não obstante esta se tenha realizado, mas apenas a reapreciação da prova documental especificada.

Nestas circunstâncias, não ocorrendo qualquer dificuldade na reapreciação da prova documental, pois é fácil localizar e examinar os documentos especificados, na impugnação da matéria de facto, não se justifica o benefício do alargamento do prazo para a interposição da apelação da sentença.

O tratamento diferenciado, quando o objeto do recurso é a reapreciação da prova gravada, encontra-se justificado, nomeadamente como forma de permitir o cumprimento do exigente ónus de alegação na impugnação da decisão relativa à matéria de facto.

Por outro lado, e ao contrário do que pressupõe a alegação do Recorrente, o alargamento do prazo representa um benefício para o recorrente, que assim dispõe de um alargamento por mais dez dias, não podendo nunca constituir uma limitação intolerável e injusta da tutela jurisdicional efetiva.

Assim, a interpretação feita da norma do art. 638.º, n.º 7, do CPC, não viola qualquer princípio de natureza constitucional, nomeadamente o da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.


Em face do exposto, o prazo, para a interposição do recurso de apelação da sentença, era de trinta dias, por aplicação do disposto no art. 638.º, n.º 1, do CPC.

Não obstante o objeto do recurso contemple a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, não inclui a “reapreciação da prova gravada”, mas apenas a reapreciação da prova documental, situação à qual não é aplicável o alargamento do prazo, por mais dez dias, previsto no art. 638.º, n.º 7, do CPC.

Não se questionando que o Recorrente interpôs o recurso para além do prazo de trinta dias após a notificação da sentença, é o recurso intempestivo e, por esse motivo, não pode o seu objeto ser conhecido, como não foi.

 

Nestes termos, não relevando as conclusões do recurso, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.


2.3. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

 

I. Havendo impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que tenha por objeto a reapreciação da prova gravada, a lei concede um alargamento do prazo, por mais dez dias, para a interposição do recurso de apelação.

II. O benefício do alargamento do prazo justifica-se pelo ónus de alegação que recai sobre o recorrente, no âmbito da impugnação da matéria de facto.

III. O benefício não se estende à impugnação da matéria de facto baseada apenas na reapreciação da prova documental.

IV. A interpretação feita do art. 638.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, não viola qualquer princípio de natureza constitucional, nomeadamente o da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva.


2.4. O Recorrente, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sendo, no entanto, inexigível o pagamento, por efeito do benefício do apoio judiciário.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:


1) Negar a revista.


2) Condenar o Recorrente (Réu) no pagamento das custas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.


Lisboa, 9 de novembro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Maria do Rosário Morgado

José Sousa Lameira