Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1952/13.6TBPVZ.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANOS PATRIMONIAIS PUROS
PRESSUPOSTOS
ABUSO DE DIREITO
BONS COSTUMES
FACTO ILÍCITO
NEXO DE CAUSALIDADE
TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
Data do Acordão: 09/08/2016
Nº Único do Processo:
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
Doutrina:
- Adelaide Menezes Leitão, Normas de protecção e danos puramente patrimoniais, 2009.
- Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, 87.
- Carneiro da Frada, Teoria da confiança e responsabilidade civil, 2004, 238.
- Carneiro da Frada/Maria João Vasconcelos, “Danos económicos puros – Ilustração de uma problemática”, Forjar o Direito, 2015, 161-166.
- Ferrer Correia/V. Lobo Xavier, “Efeito externo das obrigações; abuso do direito; concorrência desleal”, Revista de Direito e Economia, 1979, 12.
- Maria João Vasconcelos, “Algumas questões sobre a ressarcibilidade delitual de danos patrimoniais puros no ordenamento jurídico português”, in Novas tendências da responsabilidade civil, 2007, 147 e ss..
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I – Parte Geral, IV, 2005, 372, nota 1140; Tratado de Direito Civil, VIII – Direito das Obrigações, 2014, 448.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 2016, 261.
- Paulo Mota Pinto, Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, 2008, 550-551.
- Pinto Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, 995.
- Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, 1987, I, 474.
- Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, 1989, 187 e ss., 545 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 334.º, 342.º, N.º1, 483.º, N.º1, 485.º, 495.º.
CÓDIGO DA ESTRADA (CE): - ARTIGOS 2.º, 3., N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21/03/1995 (PROC. N.º 086835), DE 21/10/2003 (PROC. N.º 03A2822), DE 01/10/2009 (PROC. N.º 118/2000.S1) E DE 11/12/2012 (PROC. N.º 165/1995.L1.S1).
-DE 14/10/1997 (PROC. N.º 540/97), DE 13/12/2001 (PROC. N.º 3593/01) E DE 13/12/2007 (PROC. N.º 3023/07), SUMÁRIOS CONSULTÁVEIS EM WWW.STJ.PT, DE 02/06/2016 (PROC. N.º 1453/13.2TBCTB.C1.S1), IN WWW.DGSI.PT E, DE 12/02/2009 (PROC. N.º 73/09), IN WWW.DGSI.PT .
-DE 04/12/2014 (PROC. N.º 2606/07.8TJVNF.P1.S1) E DE 08/09/2015 (PROC. N.º 910/13.5TBVVD-G.G1.S1), IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Os danos económicos puros (também designados como danos puramente patrimoniais ou danos patrimoniais puros) – aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido prévia afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida – não são reparáveis em sede de responsabilidade civil extracontratual, salvo no caso de violação de normas destinadas a proteger interesses alheios (segunda regra do art. 483º, nº 1, do CC) ou em determinadas hipóteses especiais como as dos arts. 485º e 495º do CC, ou ainda quando se verifique abuso do direito enquanto fonte de responsabilidade civil.

II. Não tendo sido feita prova da titularidade de qualquer situação absolutamente protegida, nem se verificando a violação de norma destinada a proteger os interesses da autora/lesada, resta a possibilidade de recurso ao instituto do abuso do direito, interpretado em sentido amplo, abrangendo as simples liberdades, designadamente a liberdade genérica de agir e a liberdade especial de contratar, ou convocar “uma proibição destinada a assegurar o mínimo ético-jurídico no relacionamento entre os membros da comunidade jurídica”, independentemente de se encontrarem ou não inseridos em relações contratuais, conduzindo a soluções práticas idênticas às que resultam do recurso ao art. 334º do CC.

III. No caso dos autos, a conduta dos réus – interrompendo a passagem em caminho relativamente ao qual não provaram deter qualquer direito real ou equivalente; utilizando uma máquina retroescavadora para revolver o piso de terra batida a fim de inviabilizar a circulação dos veículos da autora ou dos veículos de terceiros que lhe prestavam serviços, designadamente na realização das obras em curso – configura uma manifesta violação dolosa dos limites impostos pelos bons costumes e, simultaneamente, constitui uma grave afectação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social.

IV. Por uma ou por outra via, a conduta dos réus integra um facto ilícito e culposo que obriga a indemnizar a autora pelos danos económicos puros provados, desde que preenchido o pressuposto do nexo de causalidade, apreciado segunda a tese da causalidade adequada.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. AA – Cooperativa dos Produtores de Leite, CRL, intentou acção contra BB (por si e na qualidade de única herdeira de CC e DD), EE, FF, GG, HH, II e JJ, pedindo a condenação destes: a) na restituição da posse do caminho que identifica; b) a absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem o acesso da A., a pé e de carro, pelo referido caminho; e c) no pagamento de uma indemnização no valor de € 30.529,55, pelos prejuízos causados. Fundamentando os seus pedidos, a A. alegou, em síntese, que é legítima proprietária do prédio sito na Rua da …, Rates, o qual sempre foi servido pelo lado poente por um caminho que dá acesso ao lugar designado por Fonte …, o que sucede há mais de 20 e 30 anos, à vista de todos e sem oposição. Sucede que, no dia 20/06/2013, os RR., arrogando-se proprietários do caminho e que o mesmo apenas dá servidão ao terreno de um vizinho, impediram a circulação dos camiões que carregavam o betão para a obra que a A. tinha em curso, obrigando-a a arranjar alternativas e, mais tarde, a repor o caminho no seu estado inicial, o que tudo lhe causou um prejuízo não inferior a € 30.529,55.

Os RR. contestaram. Invocaram a ineptidão da petição e impugnaram os factos alegados, dizendo, em síntese, que são donos do prédio que confronta a nascente com o da A. pelo qual, por si e ante possuidores, permitiram ao vizinho KK o acesso ao seu prédio, criando um trilho por onde aquele passava, esporadicamente, a pé, com animais e carro de bois e, posteriormente, com tractor. Em 2007, aquando das obras na unidade fabril da A., esta alteou o terreno e alargou o caminho, primeiro até à entrada do seu prédio e, posteriormente, até ao prédio do KK. Em 2013, a A. ordenou a circulação de camiões pelo prédio dos RR., com a oposição destes, motivando a contratação pelos RR. de uma retroescavadora para rebaixar o caminho. Além de concluírem pela sua absolvição, os RR. deduziram pedido reconvencional, pedindo a condenação da A. a reconhecê-los únicos donos do prédio rústico descrito, e a abster-se da prática de qualquer acto ofensivo de tal direito. No caso de se reconhecer a existência da servidão de passagem, que se declare a mesma extinta por desnecessidade e, bem assim, a condenação da A. a pagar-lhes os prejuízos sofridos, a liquidar em execução de sentença.

A A. respondeu à matéria da excepção, impugnou os factos alegados, que fundamentam a reconvenção e defendeu a sua improcedência.

A fls. 192, foi proferido despacho saneador admitindo o pedido reconvencional e julgando improcedente a excepção da ineptidão.

Por sentença de fls. 278, decidiu-se nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e em consequência condeno os Réus a restituir a posse do caminho à Autora e a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou dificultem o acesso da Autora, a pé e de carro pelo referido caminho, bem como a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença.

Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional e em consequência declaro que os Réus/Reconvintes são únicos e exclusivos donos de um prédio rústico denominado “Monte …”, de bravio, sito no Lugar de …, freguesia de Rates, deste concelho, a confrontar do sul com LL e a poente com herdeiros de MM, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o n.º 949 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00904/... e condeno a Autora/Reconvinda a reconhecer e respeitar e abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem ou ofendam tal direito de propriedade. Absolvo a Autora Reconvinda do demais peticionado.”

Inconformados, os RR. interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando a matéria de facto e questionando a solução de direito.

Por acórdão de fls. 375, alterou-se a matéria de facto e, em consequência, decidiu-se nos seguintes termos:

“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente apelação e, em conformidade, revoga-se a sentença, na parte em que condenou os réus (“condeno os Réus a restituir a posse do caminho à Autora e a absterem-se de praticar quaisquer atos que impeçam ou dificultem o acesso da Autora, a pé e de carro pelo referido caminho, bem como a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença”) e, em tudo o mais (“declaro que os Réus/Reconvintes são únicos e exclusivos donos de um prédio rústico denominado “Monte …”, de bravio, sito no Lugar de Salto do Cão, freguesia de Rates, deste concelho, a confrontar do sul com LL e a poente com herdeiros de MM, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o n.º 949 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00904/… e condeno a Autora/Reconvinda a reconhecer e respeitar e abster-se de praticar quaisquer atos que perturbem ou ofendam tal direito de propriedade. Absolvo a Autora Reconvinda do demais peticionado”) mantém-se o sentenciado.

2. Vem a A. recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

A. Em função da alteração à matéria de facto dada como provada considerou o Tribunal "a quo" que a parte da sentença que condena os réus a pagar à autora uma indemnização pelos prejuízos sofridos no montante que se vier a liquidar em execução de sentença deve ser alterada.

B. Salvo o devido respeito, que é muito, não pode a autora concordar com esta decisão, tendo, na perspectiva da recorrente o Tribunal "a quo" feito errada interpretação, entre outras disposições legais, do art. 483°, do CC. Na verdade,

C. Apesar de não se haver considerado a inexistência de direito ou de posse por parte da recorrente, no acórdão recorrido fica-se com a ideia que é legítimo alguém impedir outrem de aceder ao prédio de que é proprietário por um caminho que ali já existe há mais de trinta anos e por onde toda a gente passava e que os recorridos não provaram fazer também parte da sua propriedade.

D. O caminho em causa nos autos existe e dá acesso ao prédio da recorrente, conforme vem referido no item 5 dos factos considerados provados.

E. os camiões da empresa construtora contratada pela recorrente foram impedidos de circular pelo referido caminho, uma vez que lá se encontrava, a impedir a circulação, uma máquina retroescavadora giratória, que foi colocada pelos réus - item 8 - e que depois foi colocada em funcionamento e começou a revolver a terra do caminho - item 10.

F. Esta situação, provocada intencionalmente pelos réus, causou necessariamente prejuízos conforme se pode verificar pelo constante dos itens 11 a 20 dos factos considerados provados, pois, ainda que se não tenha provado que a posse exercida pela autora foi uma posse de mais de 20 e 30 anos, e como tal tendente à aquisição originária do direito de servidão, o certo é que era por aquele caminho que a autora acedia àquela parte do seu prédio, dando o mesmo também acesso à Fonte do Pedro e a, pelo menos, ao prédio de mais um proprietário. Ora,

G. Conforme é doutrina e jurisprudência assente no nosso sistema jurídico, são as partes que fornecem os factos ao Juiz, mas a sua qualificação jurídica, o seu enquadramento no regime legal, é função própria dos Tribunais, mais concretamente dos Magistrados Judiciais, os quais nesse âmbito procedem com a mais inteira liberdade.

H. A recorrente tem por certo e seguro que a conduta dos recorridos, no caso concreto relatado nos autos, e mesmo de acordo com os factos que vieram a ser considerados provados em sede de recurso de apelação, não foi conforme ao direito, não os podendo afastar da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no art. 483°, do CC.

I. É que para haver obrigação de indemnizar é necessário a existência de um facto lesante, facto esse ilícito, que possa ser imputado a alguém, que cause dano e que se estabeleça um nexo de causalidade entre o facto lesante e o dano. Contudo,

J. Para justificar a não condenação dos recorridos na indemnização pedida pela autora, a douta decisão recorrida valeu-se do facto de entender que para haver ilicitude, esta pressupõe a violação de um direito alheio, no caso a violação de um direito absoluto da autora, direito esse que a autora não terá demonstrado ter, nomeadamente a posse do caminho. No entanto,

K. Entende a recorrente que a obrigação de indemnizar ocorre não só quando a conduta ilícita é violadora de um direito absoluto alheio ou de disposição legal que protege interesses de outrem, mas também quando o agente age com manifesto abuso de direito, nos termos definidos pelo art. 334°, do CC e com o enquadramento que lhe é dado pela jurisprudência nacional.

L. Atenta a impossibilidade deste Tribunal Supremo poder julgar de facto, mas apenas o podendo fazer em matéria de direito e o Tribunal "a quo" haver fixado definitivamente a matéria de facto considerada provada e não provada, no que à obrigação de indemnizar diz respeito, os factos assentes teriam de levar a conclusão diversa daquela que foi tomada no douto acórdão em crise. Na verdade,

M. Como muito bem referem Pires de Lima e Antunes Varela, na anotação ao art. 483° do CC (Código Civil Anotado, Vol. I, pg 471, 4ª Edição Revista e Actualizada) "O elemento básico da responsabilidade é o facto do agente — um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma de conduta humana -pois só quanto a factos desta índole tem cabimento a ideia da ilicitude, os requisitos da culpa e a obrigação de reparar o dano, nos termos em que a lei a impõe" e mais adiante os mesmos ilustres professores de direito, na mesma anotação, referem o seguinte: " ... Não se trata, neste caso, da violação de um direito de outrem, ... mas do exercício anormal do direito próprio. O exercício do direito em termos reprovados pela lei é considerado ilegítimo, e isso quer dizer que, havendo dano, o titular do direito pode ser (desde que no caso se reúnam os restantes requisitos da responsabilidade) condenado a indemnizar o lesado ...".

N. Impedir alguém de circular por um determinado caminho que dá acesso a uma propriedade, independentemente de tal caminho ser considerado público ou particular, não pode deixar de ser considerado um acto ilícito, tanto mais que os lesantes não têm qualquer direito sobre o caminho em causa, como se veio a provar.

O. E esse acto ou facto ilícito foi levado a cabo com culpa, porque os recorridos, em face da situação concreta, podiam e deviam ter agido de outro modo, quer seja pelo recurso aos Tribunais (únicas entidades que poderiam dirimir qualquer conflito acerca da propriedade ou posse do caminho), quer seja pelo estabelecimento de quaisquer conversações com a apelante.

P. E esta conduta por parte dos recorridos foi feita com evidente dolo e especial censura, pois não podiam deixar de ter a consciência de que com a sua conduta iriam provocar prejuízos imediatos, atrasos na obra e obrigar a eventuais soluções alternativas com custos evidentes. Por isso,

Q. Mesmo que o caminho fosse público (o que também não se veio a apurar nos autos) a actuação dos recorridos não conforme ao direito originaria sempre uma obrigação de indemnizar os prejuízos causados, tal como foi decidido no Ac do STJ, de 28-05-2013, "... o facto de se considerar que a posse pública imemorial do caminho basta para que ele se considere caminho público não implica a contrario sensu que, não se provando que ele seja um caminho público, não possa ser considerado uma coisa comum cuja utilização, no caso de violação ilícita, fará incorrer em responsabilidade civil o agente do facto ilícito pelos prejuízos causados com a obrigação de reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (artigos 562. ° e 564. ° do Código Civil)". Além disso,

R. Não pode deixar de ser considerado que a recorrente só levou a cabo as obras de reposição do caminho em causa nos autos, não de moto próprio, mas após a decisão judicial elaborada no procedimento cautelar e em função dessa mesma decisão.

S. Deste modo, no entendimento da recorrente violou o douto acórdão recorrido o disposto nos art. 334°, 483°, 562° e 564°, todos do Código Civil.

Os RR. contra-alegaram, pugnando pela manutenção do acórdão recorrido por, em síntese, não se encontrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade –, tanto por violação de direito de outrem, como por violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios, como ainda por abuso do direito.

Cumpre decidir.

3. Vem provado o seguinte:

Da petição inicial:

1 - A autora é dona e legítima proprietária de um edifício de rés-do-chão e 1.º andar, destinado a unidade industrial, sito na Rua …, no 981, freguesia de Rates, desta comarca, prédio descrito na Conservatória do Registo Predial e nela registado a seu favor pela inscrição Ap. 24, de 20/06/2001 e inscrita na matriz urbana sob o artigo 1647.

2 - A autora, por si e ante possuidores, durante mais de vinte anos, possuiu o referido prédio, transformando-o e nele construindo, pagando as respectivas contribuições e impostos, à vista de toda a gente e sem oposição de ninguém, de boa-fé e de forma contínua, pacífica e pública, tudo isto na convicção de ser esse um seu direito que lhe pertence e de não estar a lesar nenhum direito alheio.

3 - No referido prédio estão a ser efectuadas obras de acabamento da unidade industrial de recolha e transformação de leite, obra essa cuja empreitada foi entregue pela Autora à empresa NN – Engenharia e Construções, SA.

4 - O referido prédio é servido pelo seu lado poente por um caminho que dá acesso a um local chamado Fonte do … e que delimita também o prédio pertencente aos requeridos, que se situa a poente daquele caminho.

5 - Esse caminho dá acesso ao prédio da autora e mais concretamente, ao estaleiro da obra de ampliação da nave industrial, da Estacão de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e à Estacão de Tratamento de Águas (ETA), bem como, à construção do Páteo de Lamas, necessárias ao funcionamento da unidade fabril que a Autora está a construir.

6 - O caminho, com a configuração que actualmente possui, é em terra batida e tem cerca de seis metros de largura.

7 – Não provado (alterado pela Relação).

8 - No início da manhã do dia 20 de Junho de 2013, os camiões da empresa construtora com cargas de betão para a obra, foram impedidos de circular pelo referido caminho, uma vez que lá se encontrava, a impedir a circulação, uma máquina retroescavadora giratória, que foi colocada pelos réus.

9 - Junto à referida máquina retroescavadora encontravam-se as filhas da primeira Ré́, as quais disseram que se encontravam na sua propriedade e que ali era um caminho de servidão para um proprietário de um terreno em frente ao seu e que apenas essa pessoa poderia usar esse caminho.

10 - De seguida, a referida máquina retroescavadora foi colocada em funcionamento e começou a revolver a terra do caminho.

11 - Naquele dia a obra ficou parada e as cargas de betão que estavam para ser descarregadas na obra tiveram de ser inutilizadas.

12 - Houve necessidade de procurar soluções alternativas para poder manter a obra em curso e poder assim cumprir os prazos de conclusão da mesma.

13 - Após o deferimento do procedimento cautelar apenso, teve a autora de contratar uma empresa de terraplanagens que fizesse o trabalho de reposição do caminho no estado em que o mesmo se encontrava.

14 - Foi contratada para o efeito a empresa OO – Terraplanagens, Lda. que efectuou o trabalho de reposição do caminho, nomeadamente o restabelecimento das cotas existentes, incluindo o fornecimento de solos de empréstimo, carga, transporte, espalhamento, rega e compactação dos mesmos, por forma a que fosse possível a circulação pelo caminho tal como se verificava antes.

15 - A empresa que a autora contratou para efectuar os trabalhos de construção civil necessários à indústria de lacticínios que está a desenvolver, apresentou já à Autora uma nota das despesas que a actuação dos Réus causou à obra que está a levar a efeito.

16 - Por forma a não parar totalmente a obra em causa, a empresa construtora teve necessidade de solicitar permissão a uma outra entidade jurídica – PP – Associação dos Produtores de Leite e Carne – proprietária de um prédio vizinho, para nesse prédio vizinho ser efectuado um novo acesso à obra.

17 - Foram feitas escavações nesse terreno vizinho, remoção dos materiais escavados, seu carregamento em camião e transporte a vazadouro dos produtos sobrantes.

18 - No dia em que ficou o acesso à obra impedido pelos Réus não foi possível efectuar a betonagem dos maciços da ETA, tendo o betão que era transportado pelos camiões sido desperdiçado.

19 - Esta impossibilidade de acesso dos camiões carregados da betonagem para a ETA teve ainda como consequência a alteração dos planos de trabalhos e originou a paragem de um encarregado, oito carpinteiros de cofragem, um manobrador e um gruista.

20 - A máquina retroescavadora giratória que estava ao serviço dos réus para obstruir a passagem o caminho, quando se aproximou do Páteo de Lamas dificultou ainda a betonagem desse mesmo Páteo de Lamas devido à constante aproximação do Riper da Giratória que estava a intervir na obstrução do acesso.

Da Contestação:

21 - Os réus são donos e legítimos possuidores e proprietários de um prédio rústico denominado “Monte …”, de bravio, sito no Lugar de Salto do Cão, freguesia de Rates, deste concelho, a confrontar do sul com LL e a poente com herdeiros de MM, inscrito na matriz predial rústica da referida freguesia sob o n.º 949 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 00904 / ….

22 - Tal prédio adveio à sua posse e titularidade por adjudicação à ré BB e seu falecido marido, QQ, na partilha e compra de quinhões outorgada por escritura pública de 19 de Março de 1971, por óbito de RR, viúva de SS.

23 - Por falecimento do QQ foi o referido prédio adjudicado na proporção de 10/20 para a ré BB e 1/20 para cada um dos restantes Réus.

24 - Tal o prédio tinha vindo à posse de SS por este o haver comprado à Câmara Municipal da Póvoa de Varzim através de Carta de Arrematação em Hasta Pública realizada em 12/10/1909, documento do seguinte teor: “um terreno maninho no lugar do monte de Guardães, da freguesia de Rates de que é directa senhoria a Câmara Municipal e enfiteuta o arrematante...”.

25 - O prédio da autora apresentava um desnível de cerca de 1,5 metros em relação ao caminho.

26 - Para além de se encontrar murado por esse mesmo lado nascente.

27 - Em Maio/Junho de 2013, a autora sem o conhecimento e consentimento dos réus abriu uma entrada na extrema poente do seu prédio, deixando ver que o prédio fora alvo de terraplanagem, a sua quota rebaixada de tal forma que se encontrava praticamente ao nível do caminho permitindo desta forma a circulação de camiões e outros veículos pelo caminho.

28 - A partir da entrada do prédio de KK até à Fonte do Pedro, verifica-se a existência de um carreiro (pedonal), com um declive acentuado e piso rochoso.

29 - A referida Fonte do Pedro é uma fonte natural, entre rochas.

30 - Os réus contrataram os serviços de um profissional para com uma máquina retroescavadora rebaixar o caminho e abrir uma vala onde iriam construir um pequeno muro, de forma a evitar descargas de entulho.

31 - A autora conseguiu aceder à obra pelo lado norte e pelo lado sul do seu prédio.

32 - O prédio da autora dispõe de acesso directo a caminho público para o qual abriu e edificou entrada, designadamente pelo lado sul do seu prédio.

33 - O caminho público referido (que dá acesso ao prédio da autora) foi e tem sido desde há muito tempo limpo, alargado e regularizado no seu piso, encontrando-se em bom estado de conservação, permitindo a livre circulação de quaisquer pessoas, animais ou veículos (carroças, tractores, automóveis, camiões, etc.).

34 - Sendo que, todas as pessoas transitam indiscriminada e livremente por esse caminho que se encontra no uso directo e imediato de todas as pessoas da freguesia e arredores, bem como de todos os que nele queiram transitar.

Da Réplica:

35 – Não provado.

36 - Até 11.05.1993 o prédio pertencente aos réus estava inscrito na matriz com a área de 16.400 m2.

37 - Por requerimento apresentado no Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, apresentado naquele dia, foi solicitada pelos réus a rectificação dessa área para 65.000 m2.

38. Passados cerca de 6 anos por requerimento apresentado no Serviço de Finanças da Póvoa de Varzim, processo com o no 186/99, foi solicitada pelos Réus a rectificação dessa área para 86.511 m2.

39 - A Estação de Tratamento de Águas, Estação de Tratamento de Águas Residuais e o Páteo de Lamas da unidade fabril da Autora situa-se a um nível inferior relativamente à entrada existente a nascente, sendo o caminho a poente o acesso às mesmas.

Cumpre decidir.

4. Tendo em conta o disposto no nº 4, do art. 635º, do Código de Processo Civil, no presente recurso está em causa a seguinte questão:

- Obrigação de indemnizar os danos sofridos pela A.

5. Considera-se conveniente proceder ao enquadramento da questão, tal como ela se apresenta nesta fase recursória. A acção foi proposta pedindo: a condenação dos RR. na restituição da posse do caminho identificado nos autos, de que a A. é proprietária e/ou possuidora; na abstenção de praticar quaisquer actos que impeçam o acesso e circulação de veículos da A. nesse caminho; e no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos causados no montante de € 30.529,55.

Na contestação os RR. deduziram pedido reconvencional, pedindo: a condenação da A. a reconhecê-los como únicos donos do prédio rústico descrito, no qual se inclui o caminho; a abster-se da prática de qualquer acto ofensivo desse direito.

O diferendo entre as partes acerca da propriedade e/ou posse sobre o caminho identificado nos autos foi decidido pelas instâncias em sentidos diferentes. A 1ª Instância deu como não provado qualquer direito dos RR. sobre o caminho e como provada a utilização pública e pacífica do mesmo por parte da A. há mais de 20 e 30 anos. O acórdão da Relação alterou a matéria de facto com a seguinte fundamentação:

Depois de reapreciada a prova, importa fazer uma análise crítica à mesma, de forma a concluir se é justificada a alteração da matéria de facto, pretendida pelos apelantes. Assim:

1 – Em primeiro lugar é importante assinalar que a prova trazida aos autos se revela precária, contraditória e confusa. Se a ata da Junta de Freguesia (consubstanciando um acordo em que os proprietários formalmente não intervêm), as fotografias (revelando uma realidade que não pode ser temporalmente extrapolada) e as sucessivas retificações da área do terreno dos apelantes (sem explicação compreensível) já suscitavam as maiores dúvidas, os depoimentos testemunhais evidenciam-nas.

2 – O cerne da questão de facto, com reflexos na aplicação do direito, está na posse que a autora invoca ter sobre determinado caminho (por isso, pede a restituição dessa posse) e na posse (e propriedade) que os apelantes alegam ter sobre a mesma realidade física.

3 – Ora, se os depoimentos das testemunhas apresentadas pelos réus são imprecisos e mesmo contraditórios (quer quanto à dimensão, quer quanto à utilidade e utilização do caminho que, ainda que nem sempre com precisão, referem pertencer ao prédio dos demandados), os depoimentos que podiam alicerçar a posse dos autores são inequívocos quanto à sua inexistência: as duas testemunhas que alicerçam a posição processual da demandante referem-se à possibilidade de a autora passar livremente pelo caminho porque consideram o caminho público, porque toda a gente (“em bando”, diz uma das testemunhas), ali podia passar. Dito de outro modo: nenhum depoimento permite concluir que a autora exerceu atos de posse (naturalmente, aceitando-se, como é lógico, que não há posse de um caminho público), pois, por definição, os não podia exercer ou porque, segundo outras testemunhas, o caminho fazia parte do prédio dos réus.

4 – Repete-se: não pode retirar-se de qualquer depoimento, qualquer ato de posse da autora. Mas igualmente a prova da propriedade (do caminho) dos réus não é suficiente: além da constante ambiguidade e confusão das testemunhas que tal defendem, não pode esquecer-se que, através de retificações de área, incompreensíveis e nunca explicadas, o terreno dos réus podia abarcar a área correspondente ao caminho.

Deste modo, deu-se como não provada a propriedade e/ou a posse do caminho tanto pela A. como pelos RR. sem que se provasse a quem, afinal, pertence.

Tendo alterado a sentença naquela parte, o acórdão recorrido revogou a decisão de condenação dos RR. ao pagamento de indemnização. É de tal decisão revogatória que a A. interpõe revista, alegando, em síntese: “Para justificar a não condenação dos recorridos na indemnização pedida pela autora, a douta decisão recorrida valeu-se do facto de entender que para haver ilicitude, esta pressupõe a violação de um direito alheio, no caso a violação de um direito absoluto da autora, direito esse que a autora não terá demonstrado ter, nomeadamente a posse do caminho.”; “Entende a recorrente que a obrigação de indemnizar ocorre não só quando a conduta ilícita é violadora de um direito absoluto alheio ou de disposição legal que protege interesses de outrem, mas também quando o agente age com manifesto abuso de direito, nos termos definidos pelo art. 334°, do CC e com o enquadramento que lhe é dado pela jurisprudência nacional.”; “Impedir alguém de circular por um determinado caminho que dá acesso a uma propriedade, independentemente de tal caminho ser considerado público ou particular, não pode deixar de ser considerado um acto ilícito, tanto mais que os lesantes não tem qualquer direito sobre o caminho em causa, como se veio a provar.”; “E esta conduta por parte dos recorridos foi feita com evidente dolo e especial censura, pois não podiam deixar de ter a consciência de que com a sua conduta iriam provocar prejuízos imediatos, atrasos na obra e obrigar a eventuais soluções alternativas com custos evidentes.”

6. O caso dos autos situa-se no domínio da responsabilidade civil extracontratual ou delitual, importando averiguar da verificação ou não dos respectivos pressupostos, devendo, para o efeito, ter-se presentes os seguintes factos provados:

- 6. O caminho, com a configuração que actualmente possui, é em terra batida e tem cerca de seis metros de largura.

- 8. No início da manhã do dia 20 de Junho de 2013, os camiões da empresa construtora com cargas de betão para a obra, foram impedidos de circular pelo referido caminho, uma vez que lá se encontrava, a impedir a circulação, uma máquina retroescavadora giratória, que foi colocada pelos réus.

- 10. De seguida, a referida máquina retroescavadora foi colocada em funcionamento e começou a revolver a terra do caminho.

- 11. Naquele dia a obra ficou parada e as cargas de betão que estavam para ser descarregadas na obra tiveram de ser inutilizadas.

- 12. Houve necessidade de procurar soluções alternativas para poder manter a obra em curso e poder assim cumprir os prazos de conclusão da mesma.

- 13. Após o deferimento do procedimento cautelar apenso, teve a autora de contratar uma empresa de terraplanagens que fizesse o trabalho de reposição do caminho no estado em que o mesmo se encontrava.

- 14. Foi contratada para o efeito a empresa OO – Terraplanagens, Lda. que efectuou o trabalho de reposição do caminho, nomeadamente o restabelecimento das cotas existentes, incluindo o fornecimento de solos de empréstimo, carga, transporte, espalhamento, rega e compactação dos mesmos, por forma a que fosse possível a circulação pelo caminho tal como se verificava antes.

- 15. A empresa que a autora contratou para efectuar os trabalhos de construção civil necessários à indústria de lacticínios que está a desenvolver, apresentou já à Autora uma nota das despesas que a actuação dos Réus causou à obra que está a levar a efeito.

- 16. Por forma a não parar totalmente a obra em causa, a empresa construtora teve necessidade de solicitar permissão a uma outra entidade jurídica – PP – Associação dos Produtores de Leite e Carne – proprietária de um prédio vizinho, para nesse prédio vizinho ser efectuado um novo acesso à obra.

- 17. Foram feitas escavações nesse terreno vizinho, remoção dos materiais escavados, seu carregamento em camião e transporte a vazadouro dos produtos sobrantes.

- 18. No dia em que ficou o acesso à obra impedido pelos Réus não foi possível efectuar a betonagem dos maciços da ETA, tendo o betão que era transportado pelos camiões sido desperdiçado.

- 19. Esta impossibilidade de acesso dos camiões carregados da betonagem para a ETA teve ainda como consequência a alteração dos planos de trabalhos e originou a paragem de um encarregado, oito carpinteiros de cofragem, um manobrador e um gruista.

- 20. A máquina retroescavadora giratória que estava ao serviço dos réus para obstruir a passagem [n]o caminho, quando se aproximou do Páteo de Lamas dificultou ainda a betonagem desse mesmo Páteo de Lamas devido à constante aproximação do Riper da Giratória que estava a intervir na obstrução do acesso.

Esclareça-se que, compulsada a petição inicial, se confirmou terem sido dados como provados danos que a A. agrupou em duas parcelas distintas: (i) despesas despendidas pela A. com a reposição do caminho disputado no estado inicial (factos 13. e 14.); (ii) despesas despendidas pela A. com a preparação dos acessos alternativos (factos 16. e 17.) e com os custos acrescidos pela paragem da obra no prédio da A. (factos 18. a 20.), as quais – no seu conjunto – foram apresentadas a pagamento à A. através da “nota de despesas” indicada no facto 15.

Os factos provados permitem concluir que a conduta dos RR. corresponde a um facto voluntário que causou danos à A. Mas já suscita dificuldades particulares apurar se tal conduta se deve qualificar como ilícita (e culposa), o que se apresenta como indissociável da determinação da qualificação e da ressarcibilidade do tipo de danos sofridos pela A.

Na verdade, a sentença de 1ª Instância reconheceu a posse da A. sobre o caminho e, consequentemente, considerou provada a ilicitude da conduta dos RR. Nesta perspectiva, verificando-se a violação de uma posição absolutamente protegida (art. 483º, nº 1, primeira regra, do Código Civil), condenou os RR. a indemnizar a A. pelos danos resultantes da referida violação.

Tendo a Relação alterado a matéria de facto, dando como não provada a posse da A., absolveu os RR. do pagamento da indemnização.

Afigura-se que a questão impõe uma ponderação cuidadosa.

Os danos dados como provados – despesas com a reposição do caminho disputado no seu estado inicial; despesas com a preparação de acessos alternativos; despesas resultantes da paragem da obra no prédio da A. – não resultam da violação de qualquer direito absoluto da A. ou de outra posição jurídica de natureza equivalente, tutelada nos termos do art. 483º, nº 1, primeira regra, do CC.

São danos que se reconduzem antes à categoria de ‘danos económicos puros’ (também designados ‘danos puramente patrimoniais’ ou ‘danos patrimoniais puros’) e que podem ser definidos como aqueles em que há uma perda económica (ou patrimonial) sem que tenha existido afectação de uma posição jurídica absolutamente protegida (v.g. um direito de personalidade ou um direito real) – cfr. Carneiro da Frada/Maria João Vasconcelos, “Danos económicos puros – Ilustração de uma problemática”, in Forjar o Direito, 2015, págs. 161-162.

A problemática da ressarcibilidade dos danos económicos puros tem sido estudada na doutrina portuguesa das últimas décadas (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, 1989, págs. 187 e segs., Carneiro da Frada, Tutela da confiança e responsabilidade civil, 2004, págs. 238 e segs., Maria João Vasconcelos, “Algumas questões sobre a ressarcibilidade delitual de danos patrimoniais puros no ordenamento jurídico português”, in Novas tendências da responsabilidade civil, 2007, págs. 147 e segs., e, mais desenvolvidamente, Adelaide Menezes Leitão, Normas de protecção e danos puramente patrimoniais, 2009). Para efeitos de um breve enquadramento dogmático do tema, socorremo-nos da síntese de Carneiro da Frada/ Mª João Vasconcelos (cit., págs. 161-166).

Considera-se que, “em sede de responsabilidade civil obrigacional, prevista nos arts. 798º e seguintes do Código Civil, a indemnizabilidade de danos patrimoniais puros não suscita dúvidas segundo a natureza do interesse afectado” (cit., pág. 162). Porém, “no campo aquiliano, a situação é diferente: nos termos do art. 483º, nº 1, do Código Civil – norma central, a imputação delitual pode resultar da violação de direitos subjectivos de outrem ou de disposições legais destinadas à protecção de interesses alheios. Entende-se que a violação de direitos subjectivos de outrem, enquanto previsão básica de responsabilidade civil delitual, tem essencialmente em vista a lesão de posições jurídicas absolutamente protegidas.” (cit., págs. 162-163).

Deste modo, “as lesões patrimoniais que não envolvem a ofensa de uma posição jurídica absolutamente protegida só dentro de pressupostos relativamente estreitos poderão dar lugar a uma obrigação de indemnizar” (cit., pág. 163). Concretamente, na responsabilidade delitual, apenas será de admitir a ressarcibilidade de danos económicos puros nas seguintes situações:

(i) Quando tiver sido violada uma norma de protecção ou “disposição legal destinada a proteger interesses alheios” (art. 483º, nº 1, segunda regra, do CC);

(ii) Quando exista previsão delitual específica que contemple os danos económicos puros, como por exemplo, as normas dos arts. 485º e 495º do CC, ou a norma do art. 8º do Decreto-Lei nº 147/2008, de 29 de Julho, relativamente à reparação de danos ambientais;

(iii) Quando se verifique abuso do direito, nas condições em que este constitua fonte de responsabilidade civil.

Na doutrina, defende-se também que se inclua nesta última via não apenas o exercício abusivo de um direito mas também o gozo da liberdade geral de agir (cfr. Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, cit. pág. 547, nota 325). Já para Carneiro da Frada/Mª João Vasconcelos, “segundo a lei, o abuso pressupõe o exercício de uma posição jurídica” pelo que “é muito discutível que possa em rigor sindicar também comportamentos ofensivos de interesses puramente económicos que não se traduzam no exercício de um direito” (cit., pág. 165). Para estes autores, seria antes de “admitir a indemnizabilidade de danos patrimoniais quando tenha havido uma ofensa grave do mínimo ético-jurídico exigível de todos os membros da comunidade, estejam ou não inseridos em relações contratuais.” (cit., pág. 165).

Conclui-se que, em sede de responsabilidade civil aquiliana, os danos económicos puros só são ressarcíveis em hipóteses circunscritas. No mesmo sentido, ver Paulo Mota Pinto (Interesse contratual negativo e interesse contratual positivo, 2008, págs. 550-551), Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, VIII – Direito das Obrigações, 2014, pág. 448) e Menezes Leitão, (Direito das Obrigações, I, 2016, pág. 261). Como bem se compreende, tal resulta da “necessidade de salvaguardar a liberdade de actuação dos sujeitos, pois esta opõe-se a uma protecção indiscriminada do património em sede de responsabilidade civil delitual” (Carneiro da Frada/Mª João Vasconcelos, cit., pág. 164).

Vejamos se, no caso dos autos, se verifica alguma dessas hipóteses circunscritas de reparabilidade dos danos económicos puros.

7. Não foi feita prova da titularidade de qualquer direito real da A. sobre o caminho disputado pelas partes, nem da posse do mesmo. Nem tampouco foi feita prova da ocorrência de uma situação coberta por qualquer norma especial de tutela de danos económicos puros no domínio da responsabilidade civil delitual.

Assim sendo, impõe-se ponderar se a conduta dos RR., ao impedirem a circulação no caminho identificado nos autos, constituiu violação de norma legal destinada a proteger interesses alheios (art. 483º, nº 1, segunda regra, do CC).

Não foi alegada nem provada a afectação do livre exercício de actividade económica ou empresarial, mas tão só a afectação da livre circulação dos veículos da A. ou de quem lhe prestava serviços. Com efeito, invoca a recorrente que “Impedir alguém de circular por um determinado caminho que dá acesso a uma propriedade, independentemente de tal caminho ser considerado público ou particular, não pode deixar de ser considerado um acto ilícito…”.

A este propósito, é convocável a norma do art. 3º do Código da Estrada que tutela a liberdade de trânsito:

“1. Nas vias a que se refere o artigo anterior é livre a circulação, com as restrições constantes do presente Código e legislação complementar.

2. As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes na via.

(…)”

O impedimento da circulação rodoviária constitui uma conduta ilícita por violação de norma destinada a proteger interesses alheios, desde que estejam em jogo “vias do domínio público” ou “vias do domínio privado quando abertas ao trânsito público” (art. 2º, conjugado com o art. 3º, nº 1, do Código da Estrada).

Tratando-se de um facto constitutivo do direito da A., cabia-lhe, nos termos do art. 342º, nº 1, do CC, fazer prova de que o caminho interrompido constitui via do domínio público ou via do domínio privado aberta ao trânsito público. Não o tendo feito, não pode aqui aplicar-se a norma legal que garante a liberdade de trânsito.

Deste modo, encontra-se excluída a alternativa de fundar a ressarcibilidade dos danos económicos puros na violação de norma destinada a proteger interesses alheios.

8. Subsiste a possibilidade de aplicação do instituto do abuso do direito, suscitada apenas em sede recursória. Sendo a mesma de conhecimento oficioso (cfr. neste sentido, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/12/2014 (proc. nº 2606/07.8TJVNF.P1.S1) e de 08/09/2015 (proc. nº 910/13.5TBVVD-G.G1.S1), in www.dgsi.pt), nada obsta à sua apreciação desde que o tribunal se cinja aos factos alegados ou adquiridos no processo com respeito pelo contraditório.

São dois os níveis em que a questão se coloca. Primeiro, o da admissibilidade do abuso do direito como cláusula geral de ilicitude. Segundo – e caso a solução ao primeiro nível seja afirmativa – o da sua aplicação à liberdade genérica de agir (assim como à liberdade especial de contratar que, contudo, não está aqui em causa).

Na vigência do Código Civil de 1966, a admissibilidade do abuso de direito como fonte autónoma de responsabilidade civil foi defendida por Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, 1987, I, pág. 474 (“A juntar aos casos de violação do direito alheio ou de disposição legal que protege interesses de outrem, há ainda que referir, como forma de comportamento antijurídico capaz de determinar a obrigação de indemnizar, o abuso do direito (art. 334º)”), posição que foi sendo reafirmada na doutrina nacional, com destaque para o estudo de referência de Sinde Monteiro (Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, 1989, págs. 545 e segs.) cujas conclusões, pela sua importância, aqui se transcrevem:

“Retomamos agora a linha de desenvolvimento esboçada aos expormos a grandes traços a orientação do Código Civil português em matéria de ilicitude.

Nota característica reside no facto de este não incluir, na secção da responsabilidade civil, uma cláusula residual sindicando como ilícita a causação de danos com violação dos bons costumes, como sói acontecer mesmo nos que apresentam cláusulas gerais concebidas nos mais latos termos (…).

Não se trata de uma lacuna. Nos trabalhos preparatórios, Vaz Serra entendia que a teoria do abuso do direito devia ser “enunciada na parte geral”, mas, dada a sua particular relevância para o efeito da responsabilidade civil, também nesta matéria deve fazer-se-lhe referência”.

Reduzido o articulado inicial a uma única disposição, colocada na Parte Geral, não significa isso, obviamente, que o abuso do direito tenha deixado de relevar para efeitos de responsabilidade civil. Antes que a tarefa de desentranhar da proibição genérica daquele abuso uma cláusula operacional (um, apenas um dos aspectos da ‘ilegitimidade’ é assim, com grande latitude, entregue à doutrina e aos tribunais).

Também aqui se detecta a importância e delicadeza do instituto, salientadas por Antunes Varela na comunicação feita à Assembleia Nacional para apresentação do Código Civil.

Ele é de particular relevo nas hipóteses em que não existe violação de direitos subjectivos, nem os respectivos interesses estão protegidos por disposições legais de protecção (art. 483/1). Portanto, para o sector dos danos puramente patrimoniais (…).

Das três vertentes do abuso do direito – excesso manifesto dos limites impostos pela boa fé, bons costumes e fim social ou económico -, de pouca utilidade nos pode ser a terceira. (…).

Por outro lado, lidamos agora com hipóteses nas quais entre os sujeitos não existe uma relação ou relacionamento especial, pressuposto normalmente requerido para a actuação do princípio da boa fé.

Como essencial, para efeitos de responsabilidade civil, aparece a segunda vertente. Reveste-se todavia de algum melindre a tarefa da determinação dos termos em que a ofensa dos bons costumes há-de gerar uma obrigação de indemnização.

O juízo de que um comportamento é contrário, ofensivo dos bons costumes, contém uma desaprovação dirigida à ‘moral social ou negocial’ dominante. Mas parece que o art. 334 (como o art. 280/2) contém uma remissão para princípios de valoração imanentes à ordem jurídica.”

Concluindo, mais à frente (pág. 552):

“(…) teremos o mínimo de conteúdo delitual que, inquestionavelmente, se retira do art. 334: aquele que, de uma forma ofensiva para os bons costumes, causa intencionalmente um dano a outrem fica obrigado a indemnizar o lesado.”

Na jurisprudência deste Supremo Tribunal encontra-se a enunciação, em abstracto, do abuso do direito como fonte de responsabilidade civil (cfr., por exemplo, os acórdãos de 14/10/1997 (proc. nº 540/97), de 13/12/2001 (proc. nº 3593/01) e de 13/12/2007 (proc. nº 3023/07), consultáveis em www.sumarios.pt, e de 02/06/2016 (proc. nº 1453/13.2TBCTB.C1.S1), in www.dgsi.pt) e, em concreto, admitiu-se a sua aplicação no acórdão de 12/02/2009 (proc. nº 73/09), in www.dgsi.pt, num caso em que a ré seguradora considerou um sinistro como sendo acidente de trabalho e, abruptamente, em fase crucial do tratamento do autor lesado fez cessar a prestação de serviços médicos, por considerar que, afinal, o sinistro não tinha natureza laboral, causando o agravamento do estado de saúde do lesado. Não estavam, porém, em jogo danos económicos puros.

9. Contudo, a admissibilidade do abuso do direito, designadamente pelo desrespeito pelos “bons costumes”, como cláusula geral de ilicitude, não permite resolver, sem mais, o caso dos autos, no qual, como se verificou, não foi dada como provada a titularidade de qualquer direito dos RR. sobre o caminho disputado.

Suscita-se, assim, o problema de saber se o abuso do direito é ou não aplicável às simples liberdades, entre as quais se contam a liberdade genérica de agir e a liberdade especial de contratar. Em sentido favorável se pronuncia doutrina relevante nos seguintes termos:

- “Seria incompreensível, se não absurdo que o comportamento contrário à boa fé e aos bons costumes (e não violador de um ‘direito de outrem’ ou de uma ‘disposição legal destinada à protecção de interesses alheios’, nos termos do art. 483º, nº 1, do Código Civil), só originasse responsabilidade do agente quando correspondesse ao exercício de um direito deste” (Ferrer Correia/V. Lobo Xavier, “Efeito externo das obrigações; abuso do direito; concorrência desleal”, in Revista de Direito e Economia, 1979, pág. 12);

- “ «Abuso do direito» é, como temos repetido, uma mera designação tradicional, para o que se poderia dizer «exercício disfuncional de posições jurídicas». Por isso, ele pode reportar-se ao exercício de quaisquer situações jurídicas e não, apenas, ao de direitos subjectivos” (Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I – Parte Geral, IV, 2005, pág. 372), dando como exemplo o abuso do ‘direito’ de contratar (cit., nota 1140);

- “Do mesmo modo, cabe entender a palavra ‘direito’ utilizada pelo art. 334º num sentido amplo, abrangendo, não apenas os verdadeiros e próprios direitos subjectivos, mas ainda outras situações, posições ou figuras que não recebam essa qualificação técnica, como sejam os meros poderes, liberdades, ou faculdades directamente resultantes da capacidade jurídica (ex: a faculdade de contratar)” (Almeida Costa, Direito das Obrigações, 2009, pág. 87);

- “A noção de ‘direito’ do art. 334º tem de ser entendida no mais lato sentido – abrangendo a liberdade geral de agir -, visto não termos outra norma a que recorrer para cunhar com a mácula da ilicitude comportamentos (acções ou omissões) que não se integrem no exercício de um direito ‘stricto sensu’” (Sinde Monteiro, cit., pág. 547, nota 326);

- “O exercício de um direito subjectivo ‘em contradição com a ideia da justiça’ é um exercício ilegítimo, por aplicação do art. 334º do Código Civil; o exercício da liberdade geral de agir ou da liberdade especial contratual ‘em contradição com a ideia de justiça’ – concretizada por intermédio das cláusulas gerais da boa fé e dos bons costumes – é, a pari ou fortiri (a majore ad minus), um exercício ilegítimo.” (Pinto Oliveira Princípios de Direito dos Contratos, 2011, pág. 995).

Afastando-se da orientação de aplicação analógica do art. 334º do CC à simples liberdade geral de agir, mas propugnando uma via que – na senda da proibição dos actos emulativos – converge, a final, nos resultados práticos, defende Carneiro da Frada:

- “é também possível desentranhar para o sistema vigente, sem auxílio do abuso do direito, uma proibição destinada a assegurar o mínimo ético-jurídico no relacionamento entre os membros da comunidade jurídica, o que, desse modo, permite preservar o instituto do abuso de uma intervenção fora do quadro dogmático acima referido [exercício de posições jurídicas absolutas]. Esta discrepância de índole teórico-construtiva do campo de aplicação do pensamento do abuso do direito e do seu âmbito projecta-se ao nível metodológico da interpretação-aplicação do Direito. Enquanto a solução de Sinde Monteiro opera com auxílio de uma norma positivada do sistema jurídico – o art. 334º –, aquela que preferimos implica uma integração através do reconhecimento de uma norma não escrita, dirigida a salvaguardar o mínimo ético-jurídico exigível aos membros da comunidade jurídica como imposição do próprio conceito de Direito. (…) Não se sobreavalie, porém, esta diferença do ponto de vista da praticabilidade das soluções ou da segurança jurídica: a formulação do mínimo ético-jurídico não andará longe do comportamento, afinal também ele indeterminado, proscrito genericamente pelo art. 334º, ao referir-se este preceito (…) à manifesta inobservância dos limites impostos pelos bons costumes. Por outro lado, o mínimo ético-jurídico constitui-se em conteúdo de operacionalidade dogmática imediata da tradicional máxima do ‘neminem laedere’, como núcleo irredutível (e irrenunciável) da dimensão de justiça que lhe é inerente. (Teoria da confiança e responsabilidade civil, 2004, nota 121).

A jurisprudência deste Supremo Tribunal admite a sujeição da liberdade especial de contratar ao art. 334º do CC (cfr. por exemplo, os acórdãos de 21/03/1995 (proc. nº 086835), de 21/10/2003 (proc. nº 03A2822), de 01/10/2009 (proc. nº 118/2000.S1) e de 11/12/2012 (proc. nº 165/1995.L1.S1), de natureza equivalente à da liberdade geral de agir relevante no caso dos autos. No primeiro dos acórdãos “A palavra "direito" nesta figura [abuso do direito] tem de ser entendida em sentido muito amplo, abrangendo toda e qualquer prerrogativa jurídica subjectiva, os "poderes", as "faculdades" e as "liberdades". Direito subjectivo seria qualquer coisa que pertence ou "cabe" de direito ao indivíduo, que lhe permita participação nos bens da vida, em conformidade com a ordem jurídica. Interesse e direito subjectivo não são conceitos idênticos.”

No caso dos autos, considera-se que, quer se siga a via da aplicação analógica do art. 334º à liberdade geral de agir dos RR. quer se siga a via proposta por Carneiro da Frada, a resposta será idêntica.

Com efeito, a conduta dos RR. – interrupção da passagem em caminho relativamente ao qual não provaram deter qualquer direito; utilização de máquina retroescavadora para revolver o piso de terra batida a fim de inviabilizar a circulação dos veículos da A. ou dos veículos de terceiros que lhe prestavam serviços, designadamente na realização das obras em curso – configura uma manifesta violação dolosa dos limites impostos pelos bons costumes.

Simultaneamente, tal conduta, traduzindo a vontade dos RR. em “fazer justiça pelas próprias mãos” sem que tenham conseguido fazer prova de qualquer dos pressupostos da acção directa (art. 336º, do CC) – de tal forma que se poderá questionar que possa sequer integrar a liberdade geral de agir – constitui uma grave afectação do mínimo ético-jurídico exigível na convivência social.

Conclui-se, pois, pelo preenchimento dos pressupostos da ilicitude e da culpa.

10. Reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, estão os RR. obrigados a indemnizar a A. pelos danos causados. Com a restrição que se segue.

Recorde-se que, compulsada a petição inicial, se confirmou terem sido dados como provados danos que a A. agrupou em duas parcelas distintas: (i) despesas despendidas pela A. com a reposição do caminho disputado no seu estado inicial (factos 13. e 14.); (ii) despesas despendidas pela A. com a preparação dos acessos alternativos (factos 16. e 17.) e com os custos acrescidos pela paragem da obra no prédio da A. (factos 18. a 20.), as quais – no seu conjunto – foram apresentadas a pagamento à A. através da “nota de despesas” indicada no facto 15.

Significa então que a A. pretende ser ressarcida tanto pelo custo dos acessos alternativos como pelo custo da reposição do caminho disputado. Não pode aceitar-se esta duplicação. Se entre a conduta dos RR. e as despesas da A. com a preparação de acessos alternativos existe nexo de causalidade adequada, tal não se verifica entre aquela conduta e as despesas com a reposição do piso do caminho disputado. Só assim não seria se a A. tivesse feito prova da titularidade de direito real ou equivalente sobre o mesmo caminho. Nesse caso estaríamos no domínio da tutela do art. 483º, nº 1, primeira regra, do CC.

Conclui-se assim que:

a) Encontram-se incluídas na obrigação de indemnização: as despesas despendidas pela A. com a preparação dos acessos alternativos (factos provados 16. e 17.) e com os custos acrescidos pela paragem da obra no prédio da A. (factos provados 18. a 20.), as quais – no seu conjunto – foram apresentadas a pagamento à A. através da “nota de despesas” indicada no facto provado 15.

b) Encontram-se excluídas da obrigação de indemnização: as despesas despendidas pela A. com a reposição do caminho disputado no estado inicial (factos provados 13. e 14.)

11. Pelo exposto, concede-se a revista, condenando os RR. ao pagamento de indemnização a liquidar ulteriormente com o limite do pedido e pela qual se compense a A. das despesas despendidas com a preparação dos acessos alternativos (factos provados 16. e 17.) e com os custos acrescidos pela paragem da obra no prédio da A. (factos provados 18. a 20.).

Custas a final, a corrigir de acordo com o resultado da liquidação.

Lisboa, 8 de Setembro de 2016

Maria da Graça Trigo (Relatora)

Bettencourt de Faria

João Bernardo