Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
795/17.2T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: SOCIEDADE ANÓNIMA
ASSEMBLEIA GERAL
PRESIDENTE
DELIBERAÇÃO
VOTAÇÃO
ESTATUTOS
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE DE CLÁUSULA
Data do Acordão: 09/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DAS SOCIEDADES – DELIBERAÇÕES DOS SÓCIOS / DELIBERAÇÕES NULAS – SOCIEDADES ANÓNIMAS / DELIBERAÇÕES DOS ACCIONISTAS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE E ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- António de Arruda Ferrer Correia e Vasco da Gama Lobo Xavier, A exigência estatutária de quórum nas assembleias gerais de segunda convocação e o art. 184.º do Código Comercial, Separata da Revista de Direito das Empresas e do Trabalho (RDES), XIV, Coimbra, 1968, p. 9-11;
- Armando Manuel Triunfante, A tutela das minorias nas sociedades anónimas - Quórum de constituição e maiorias deliberativas, p. 411;
- Brito Correia, Direito Comercial, 3.º volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1992, p. 54 e ss.;
- Eduardo de Melo Lucas Coelho, Direito de Votos dos accionistas nas Assembleias Gerais das Sociedades Anónimas, 1987, Rei dos Livros, p. 125-127;
- Jorge Henrique da Cruz Pinto Furtado, Deliberações de sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2005, p. 209;
- Luís Brito Correia, Direito Comercial, Vol. III, deliberações dos sócios, AAFDL, Lisboa, 1989, p. 87;
- Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume IV, 2.ª edição, Almedina, p. 34-36.
- Pedro Maia, O Presidente das Assembleias dos Sócios, Problemas do Direito das Sociedades, IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, 2022, Almedina, p. 423;
- Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, p. 432, 436 e 437;
- Raquel Cardoso Nunes, A Responsabilidade Civil do Presidente da Mesa da Assembleia Geral das Sociedades Anónimas, Outubro de 2013, in https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/14912/1/TESE%20FINAL.pdf.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSCOM): - ARTIGOS 56.º, N.º 1, ALÍNEA D), 383.º, N.º 3 E 386.º, N.ºS 2, 3 E 4.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 294.º.
Sumário :

I - A proclamação do resultado pelo presidente da mesa da assembleia geral de sociedade anónima constitui uma declaração que tem por objecto específico dar formalmente a conhecer o resultado da votação e, expressamente, se a proposta fez ou não vencimento.

II - O valor/efeito desta declaração, ainda que não dissociada da referente à natureza jurídica da figura do presidente da mesa da assembleia geral (preponderantemente entendido enquanto centro autónomo de poderes funcionais e de competências próprias atribuídas por lei), não pode ser alheada da eficácia certificativa que lhe é inerente, que é o de acrescentar certeza à “acertação” do escrutínio.

III – Consequentemente, quando ocorra divergência ou desacerto entre a proclamação do resultado e a realidade fáctica ou jurídica (erro, falsidade, desacerto na aplicação do direito ou qualquer vício que possa inquinar a proclamação), tal declaração só deixará de ter valor decisório quando não constitua a expressão da aparência da deliberação tomada, o que só ocorre quando na própria assembleia geral tenham surgido dúvidas susceptíveis de determinar incerteza acerca do resultado do procedimento deliberativo. Nos casos em que, ainda que munida de qualquer vício, a proclamação, constitui expressão da aparência da deliberação tomada caberá reagir pela impugnação contenciosa da deliberação tal como transparece da proclamação.

IV – Tendo ocorrido, na assembleia geral da Ré de 15-06-2015, dissídio entre os sócios presentes quanto à aprovação ou não das propostas apresentadas ao escrutínio, ainda que não tenha sido instaurada qualquer acção visando debelar a incerteza sobre o resultado do procedimento deliberativo, a proclamação levada a cabo pelo presidente da mesa (no sentido de rejeição da proposta de alteração de cláusulas do contrato social) não pode assumir valor confirmativo/decisório pois que não constituiu a expressão da aparência da deliberação.

V – O n.º3 do citado artigo 383.º do CSC, ao dispor que a assembleia pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital por eles representado (quórum constitutivo) consiste numa disposição imperativa que não pode ser derrogada pelos estatutos, porquanto visa promover a facilidade deliberativa ainda que para as assembleias em segunda convocação, em matérias de significado relevo (denominadas assembleias gerais extraordinárias).
VI – As disposições dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 386.º do CSC, viabilizam a possibilidade de os estatutos sociais preverem maiorias deliberativas superiores às legalmente prescritas (quórum deliberativo) porquanto fixam apenas valores mínimos que a autonomia estatutária terá de preservar.
VII – Mostra-se estabelecida de modo indirecto quórum constitutivo a previsão (legal ou estatutária) de uma maioria qualificada (quórum deliberativo) em função do capital social (e não reportada aos votos emitidos) por, nesses casos, ocorrer uma exigência, ainda que indirecta, de comparência de uma parcela de capital para a formação da maioria deliberativa.

VIII – A cláusula dos estatutos da Ré ao estipular que as deliberações sociais são tomadas por maioria superior a setenta e cinco por cento de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital afere a maioria deliberativa por referência ao capital social, pelo que se reconduz à previsão indirecta de quórum constitutivo uma vez que impõe que a validade de qualquer deliberação tomada em assembleia geral (independentemente da matéria a decidir) esteja necessariamente dependente da presença ou representação de accionistas com mais de 75% do capital social; como tal, colide com o disposto no artigo 383.º, n.º3, do CSC, de natureza imperativa.

IX – Consequentemente, o conteúdo da referida cláusula, ofendendo norma imperativa, não pode constituir referência à aprovação das deliberações tomadas em assembleia geral (ordinária ou extraordinária) reunida em segunda convocação (cfr. artigos 294.º, do Código Civil e 56.º, n.º1, alínea d), do CSC).

Decisão Texto Integral:

Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA, ao abrigo do disposto nos artigos 59.º, do Código das Sociedades Comerciais (doravante CSC) e 369.º, n.º3, do Código de Processo Civil (doravante CPC), propôs contra BB, SA acção pedindo que as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral Anual de 11 de Julho de 2016 sejam declaradas anuladas por violação do artigo 11.º do pacto social, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

           Alegou para o efeito e fundamentalmente a falta de quórum deliberativo por os pontos constantes da ordem de trabalho terem sido aprovados com os votos correspondentes apenas a 70% do capital social, em incumprimento do que se mostra exigido pelo pacto social da Ré (maioria superior a 75% de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital, conforme redacção em vigor do artigo 11.º do referido pacto).

2. Em contestação a Ré defendeu-se por impugnação e excepção. Nesta defesa invocou a caducidade do direito de acção de anulação das deliberações sociais e a falta de legitimidade do Autor para propor a acção por não ser accionista da sociedade Ré, pedindo ainda que o tribunal se pronunciasse sobre o abuso de minoria em que se traduzia o comportamento do Autor.

3. Em resposta o Autor concluiu pela improcedência das excepções.

4. Findos os articulados, o tribunal conheceu imediatamente do mérito da causa, proferindo sentença que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade e caducidade suscitadas pela Ré, bem como o pedido de suprimento do voto do Autor. Julgou procedente a acção, declarando anuladas as deliberações tomadas na assembleia geral de 11 de Julho de 2016, por violação do artigo 11.º dos estatutos da sociedade, de acordo com o disposto no artigo 58.º, n.º 1, alínea a), do CSC.

5. Apelou a Ré tendo o tribunal da Relação de Coimbra proferido acórdão que julgou o recurso improcedente relativamente à caducidade do direito de acção e à legitimidade do Autor e procedente quanto à validade da deliberação, pelo que revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a acção.

6. Interpõe o Autor revista, concluindo nas suas alegações (transcrição)

1. O douto acórdão recorrido julgou o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revogou a sentença proferida em primeira instância, em concreto:

a) Julgou improcedente a exceção de caducidade invocada pela Ré/Recorrida;

b) Julgou improcedente a exceção de ilegitimidade processual ativa do Autor/Recorrente;

c) Declarou válidas as deliberações sociais da Ré/Recorrida tomadas na assembleia geral anual de 11 de julho de 2016.

2. Inconformado com a decisão vertida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, vem o Autor, ora Recorrente, interpor recurso de revista para este Colendo Tribunal

3. Para que se possa determinar se as deliberações sociais tomadas na assembleia geral anual de 11 de julho de 2016 são ou não válidas, é necessário que se tome uma posição acerca da assembleia geral extraordinária realizada no dia 16 de junho de 2015.

4. O contrato social da Recorrida, no seu artigo 1.º, prevê que "as deliberações sociais são tomadas por maioria superior a setenta e cinco por cento de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital".

5. Fazendo uma leitura global do artigo 386° do CSC, e recorrendo às regras da interpretação da lei previstas no art. 9.º do Código Civil, não nos parece que o espírito do legislador seja no sentido de considerar que estamos perante uma norma imperativa.

6. O legislador, no art. 386° do CSC, como já vimos, usa as expressões "salvo disposição diversa da lei ou do contrato", "deve ser aprovada por dois terços dos votos emitidos" e "pode ser tomada pela maioria dos votos emitidos.

7. Por força do elemento literal da lei, não podemos corroborar a posição do Tribunal a quo quanto à imperatividade do art. 386° do CSC.

8. Pegando nos ensinamentos de Coutinho de Abreu, em "Código das Sociedades Comerciais em Comentário", justamente em comentário ao artigo 386°, "também a maioria qualificada de dois terços dos votos emitidos pode ser aumentada nos estatutos. Tal como é possível reforçar estatutariamente a maioria prevista no n.°4 do art. 386°".

9. O pacto social não pode estabelecer, nos casos previstos no 383°, n.° 2 CSC, um quórum deliberativo inferior a dois terços - mas já nada impede que se estabeleça um quórum mais exigente.

10. Também acolhendo esta posição temos autores como Raul Ventura; Ana Taveira da Fonseca; Tarso Domingues e Elda Marques.

11. No dia 16/06/2015 realizou-se uma Assembleia Geral extraordinária da Requerida, regularmente convocada, cuja ordem de trabalhos era proceder à alteração, entre outros, do art. 11° do pacto social.

12. Posta a votação, esta proposta teve os votos favoráveis dos acionistas DD, EE e FF, e o voto desfavorável do acionista e aqui Recorrente AA.

13. O Recorrente, na qualidade de presidente da mesa, procedeu à contagem dos votos e, uma vez que a proposta de alteração dos estatutos foi votada favoravelmente por 70% dos votos correspondentes ao capital social, e os estatutos exigem uma maioria de, pelo menos, 75%, proclamou uma deliberação negativa.

14. Concluído o processo de votação, incumbe ao presidente proceder à contagem dos votos e anunciar à assembleia o resultado da votação, isto é, o sentido (positivo ou negativo) da deliberação tomada.

15. Compete ao presidente da assembleia geral apurar o resultado de cada votação e proclamá-lo e declarar a reunião encerrada: de novo um ponto formal importante, para que todos se apercebam de que não haverá mais deliberações possíveis.

16. Mantém-se válida a deliberação tomada na assembleia de 15 de Junho de 2015, tal como exarada em ata; isto é, que foi rejeitada a proposta de alteração dos estatutos da requerida, do que decorre manter-se vigente o artigo 11.° dos estatutos da Requerida.

17. Ao presidente da mesa da assembleia geral das sociedades anónimas cabem múltiplas funções entre elas, a de direção e condução da reunião de tal colégio. E neste específico desempenho, compete-lhe, notadamente, abrir e encerrar a assembleia, pôr em discussão cada ponto da ordem do dia, dar a palavra aos participantes que dela pretendam usar, aceitar e pôr à votação propostas de deliberação, efetuar a contagem dos votos e, ainda, proclamar o resultado da votação.

18. Não existe qualquer dúvida de que é a deliberação proclamada pelo presidente — e só essa! — a que se formou. Pode até suceder que o presidente se tenha equivocado, contado mal os votos, aplicando mal a lei, desconsiderando os estatutos etc. Mas daí decorre, apenas, a invalidade da deliberação tal como esta tenha sido proclamada.

19. O presidente da mesa limitou-se a exercer as suas funções: contar os votos e proclamar a deliberação, não tendo exercido qualquer direito de voto — logicamente.

20. Os restantes acionistas, se entendessem que o presidente da mesa deveria ter proclamado deliberações de sentido positivo e que, portanto, as deliberações proclamadas estão viciadas, as mesmas seriam, nesse caso anuláveis.

21. Mas, não tendo sido impugnadas em tempo, não temos quaisquer dúvidas em afirmar que as deliberações negativas - de reprovação das propostas de alteração dos estatutos — ainda que fossem inválidas, estariam já convalidadas.

22. Os n.°s 3 e 4 do art. 386° do CSC não têm natureza imperativa.

23. A maioria qualificada de dois terços dos votos emitidos pode ser aumentada nos estatutos. Tal como é possível reforçar estatutariamente a maioria prevista no n.° 4 do art. 386°.

24. A doutrina e a jurisprudência são praticamente consensuais quanto a esta questão.

25. O art. 386°, n.° 4 é uma norma dispositiva e, como tal, deve entender-se que a fixação de um quórum nos estatutos constitui uma derrogação implícita da normal.

26. Razão pela qual a doutrina reconhece a não aplicação do n.° 4 do art. 386° aos casos em que os estatutos fixem um quórum acrescido — como são os da Requerida.

27. Se assim não se considerasse, a redução de quórum seria arbitrária, e, mais grave, constituiria um mecanismo fácil para contornar qualquer reforço estatutário de quórum, pois bastaria faltar na primeira data para, na segunda, lograrem aprovar a deliberação, que se bastaria com metade dos votos.

28.Permitir que em segunda convocatória se aprove uma deliberação que aquela percentagem de capital nunca lograria aprovar em primeira convocação, constitui uma subversão do espírito do art. 386°, n.° 4.

29. Ou seja, uma cláusula estatutária que ele acima da percentagem exigida por lei o capital necessário para a aprovação de deliberações, é incompatível com uma norma que reduz esse capital em segunda convocatória.

30. Razão pela qual os estatutos da Requerida devem ter-se por não alterados, tendo em conta a proclamação negativa quanto à proposta de alteração realizada na assembleia geral de 16/06/2015.

31. Desta forma, as deliberações sociais tomadas em assembleia geral anual da Requerida, no dia 11 de julho de 2016 são inválidas, por violação ao pacto social.”.

7. Em contra alegações a Ré defende a improcedência do recurso.       

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil – doravante CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
Ø (in)validade das deliberações tomadas em Assembleia Geral da Ré de 11 de Julho de 2016

1.1 Os factos provados

1. A Ré é uma sociedade anónima constituída em 1969, com o capital social de 1.000.000,00€ e que se tem dedicado essencialmente à actividade de extracção de argilas, areias, caulinos e outros inertes.

2. A Ré tem um Conselho de Administração composto por três membros, DD, EE e FF.

3. A Ré tem como fiscal único a sociedade “GG, SROC”, representada pelo Dr. HH.

4. O Autor é titular de 59.950 acções no valor de 5,00 € cada, que corresponde a 29,975% do capital social da Ré.

5. O remanescente da participação social da Ré pertence aos accionistas DD, titular de 69.900 acções (34,95%), EE (35%), titular de 70.000 acções e FF, titular de 100 acções (0,05%).

6. O artigo 11º do pacto social da Ré tem a seguinte redacção: “As deliberações sociais são tomadas por maioria superior a setenta e cinco por cento de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital”.

7. No dia 16 de Junho de 2015, a Ré reuniu em Assembleia Geral Extraordinária, da qual foi lavrada uma acta, à qual foi dado o nº 89, com o seguinte conteúdo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido:

“(…) A presente Assembleia-Geral Extraordinária a constituir-se em segunda data convocatória, sob a presidência do Sr. AA e secretariado por Dr. II, foi convocada com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Único – Deliberar sobre a alteração dos artigos 5°, nº 1, 11°,12°, nº3 e 15º, nº1, alínea a), nos seguintes termos:

Ponto 1.1 – Alteração da redacção do nº 1 do artigo 5°. – Alterar a redacção do n° 1 do artigo 5° do pacto social da sociedade, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “A transmissão das acções nominativas é livre entre accionistas, cônjuges, ascendentes e descendentes.”

Ponto 1.2 – Alteração da redacção do artigo 11°. – Alterar a redacção do artigo 11° do pacto social da sociedade, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “As deliberações sociais são tomadas nos termos previstos no artigo 386° do Código das Sociedades Comerciais, por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado”.

Ponto 1.3 – Alteração da redacção do nº 3 do artigo 12°. – Alterar a redacção do nº 3 do artigo 12° do pacto social da sociedade, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “Quer em primeira, quer em segunda convocatória, a deliberação da Assembleia Geral sobre algum dos assuntos referidos no nº 2 do artigo 383° do Código das Sociedades Comerciais, deve ser aprovada por dois terços dos votos emitidos.”

Ponto 1.4 – Alteração da redacção da alínea a) do no 1 artigo 15°.- Alterar a redacção da alínea a) no nº 1 artigo 15° do pacto social da sociedade, passando o mesmo a ter a seguinte redacção: “Pela assinatura de dois Administradores.”

Verificada a lista de presenças na presente Assembleia e os respectivos votos emitidos conclui-se estarem presentes 99,97% (…) do capital social (…), pelo que se iniciou a sessão pela análise do ponto 1.1 do ponto único da ordem de trabalhos, o qual depois de lido aos presentes, discutido e analisado, mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, FF e DD, representado pela Drª JJ e o voto desfavorável do accionista AA representado pelo Dr. KK. Quanto ao ponto 1.2 do ponto único da ordem de trabalhos, o qual depois de lido aos presentes, discutido e analisado, mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, FF, e DD, representado pela Drª JJ e o voto desfavorável do accionista AA representado pelo Dr. KK. Quanto ao ponto 1.3 do ponto único da ordem de trabalhos, o qual depois de lido aos presentes, discutido e analisado, mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, FF e DD, representado pela Drª JJ e o voto desfavorável do accionista AA representado pelo Dr. KK. Quanto ao ponto 1.4 do ponto único da ordem de trabalhos, o qual depois de lido aos presentes, discutido e analisado, mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, FF e DD, representado pela Drª JJe o voto desfavorável do accionista AA representado pelo Dr. KK.

Atento o sentido da votação dos vários itens do ponto único da ordem de trabalhos, pelo Sr. Presidente foi por este dito que conforme o artigo 11º do pacto social da sociedade, as deliberações sociais e passa a citar “as deliberações sociais são tomadas por maioria superior a 75% dos votos favoráveis, correspondentes à, totalidade do capital”. Por conseguinte pelo sr. Presidente foi considerada reprovada a proposta de deliberação. (…) Nada mais havendo a tratar, o Presidente da Mesa da presente Assembleia Geral, Sr. AA, deu por encerrada a sessão, às nove horas e quarenta minutos, da qual se lavrou a presente acta, que depois de lida vai por ele ser assinada e por mim que a subscrevi.”

8. As deliberações tomadas na assembleia geral de 16 de Junho de 2015 não foram impugnadas judicialmente. 

9. No dia 11 de Julho de 2016, a Ré reuniu em assembleia geral ordinária, da qual foi lavrada uma acta, à qual foi dado o nº 91, com o seguinte conteúdo, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido: “A presente Assembleia- Geral Anual a constituir-se em primeira convocação, sob a presidência do Dr. LL e secretariado pela Dra. MM, foi convocada com a seguinte ordem de trabalhos: Ponto Um: Deliberar sobre o relatório de gestão e contas do exercício da sociedade findo em 31 de Dezembro de 2015; Ponto Dois: Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados da sociedade relativos ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2015; Ponto Três: Proceder à apreciação geral da Administração e Fiscalização da sociedade relativamente ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2015.

Ponto Quatro: Deliberar sobre outros assuntos de interesse para a sociedade; Antes de iniciada a sessão, pelas 15:05 horas, o Senhor Presidente solicitou o livro de registo de acções bem como a lista de presenças na presente Assembleia, a qual após ser elaborada foi assinada pelos accionistas ou seus representantes EE, FF e DD e AA e após rubricada pelo Sr. Presidente e pelo Secretário (…). Assim, verificada a lista de presenças, na presente Assembleia e os respectivos votos emitidos conclui-se estarem presentes 99,975% (noventa e nove vírgula novecentos e setenta e cinco por cento) do capital social, pelo que é manifesto que, nos termos previstos do art. 383º e 386° do Código das Sociedades Comerciais, verifica-se a existência de quórum constitutivo e deliberativo necessário para a realização da Assembleia-Geral anual da sociedade. Continuou-se a sessão pela análise do ponto um da ordem de trabalhos, tendo sido apresentado aos presentes, pelo Presidente do Conselho de Administração da NN, o relatório de gestão e as contas do exercício. Pelo Sr. Presidente do Conselho de Administração foi feita uma breve introdução em que o mesmo referiu que o relatório de gestão que foi atempadamente distribuído e dado conhecimento a todos os accionistas, e porque certamente o mesmo foi por todos analisado, sugere a desnecessidade de voltar a lê-lo para a Assembleia, o que por todos os presentes foi aceite. Contudo proferiu que o ano de 2015 foi um ano positivo, não devido ao aumento das vendas mas pelo aumento da rentabilidade recorrente da estratégia formalizada com os seus principais parceiros através da introdução de novos produtos, bem como aproveitando ao máximo todos os retornos existentes. Após discutido e analisado este ponto da ordem de trabalhos, foi o mesmo apresentado a deliberação, o qual mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, DD, FF representada pelo Dr. II e o voto contra de AA, sendo aprovado por maioria dos votos emitidos presentes correspondentes a 70% do capital social. Quanto ao ponto dois da ordem dos trabalhos, depois de lido aos presentes discutido e analisado o relatório de gestão e as contas de exercício, verificou-se (…). Posta à provação e deliberação dos presentes, a proposta mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, DD, FF representada pelo Dr. II e o voto contra de AA, sendo aprovado por maioria dos votos emitidos presentes correspondentes a 70% do capital social. Quanto ao ponto três da ordem de trabalhos (…). O presente ponto três e o voto de louvor mereceu os votos favoráveis dos accionistas EE, DD, FF representada pelo Dr. II e o voto contra de AA, sendo aprovado por maioria dos votos emitidos presentes correspondentes a 70% do capital social. Quanto ao ponto quatro não foram trazidos a esta assembleia a análise e apreciação de quaisquer outros assuntos do interesse da sociedade. Nada mais havendo a tratar, o Presidente da Mesa da presente Assembleia Geral, Dr. LL, deu por encerrada a sessão, às quinze horas e quarenta minutos, da qual se lavrou a presente acta, que depois de lida vai por ele ser assinada e por mim que a subscrevi.”.
2. O direito

Em causa no recurso está a apreciação da validade das deliberações tomadas em assembleia geral ordinária da Ré[1] reunida, em primeira convocação, em 12 de Julho de 2016, com fundamento na (in)existência do quórum necessário[2] para a sua aprovação, de acordo com o estabelecido no pacto social.

Resulta provado que na referida assembleia estiverem presentes ou representados os accionistas da Ré detentores de 99,975% do capital social, tendo as deliberações sido aprovadas pelos accionistas detentores de 70% do capital social com o voto contra do Autor

Em sentido contrário ao da sentença, que concluiu pela invalidade das deliberações por não terem sido aprovadas pela maioria exigida pelo artigo 11.º, do pacto social na sua redacção inicial (75% dos votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital), o tribunal a quo considerou-as validamente aprovadas em consonância com a (nova) maioria estabelecida no citado artigo 11.º, do pacto social, alterado na assembleia extraordinária Ré de 16-06-2015[3].

A dissonância do sentido decisório por parte das instâncias prende-se com o posicionamento que cada uma delas assumiu na apreciação que fizeram relativamente ao sentido atribuído (negativo ou positivo) da deliberação tomada em assembleia geral da Ré de 16-06-2015 quanto à da alteração do artigo 11.º, do pacto social.

Enquanto a sentença partiu do pressuposto de que o artigo 11.º do pacto social não havia sido (validamente) alterado na assembleia extraordinária da Ré de 16-06-2015, o acórdão recorrido teve subjacente a validade dessa alteração concluindo, por isso, que as deliberações tomadas na assembleia de 11-07-2016 tinham sido aprovadas pela maioria prevista no pacto social.

A decisão recorrida encontra-se sustentada na seguinte ordem de argumentos:
ü carece de força vinculativa a declaração do Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Ré de 16-06-2015 de que a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social era de considerar reprovada;
ü assume natureza imperativa o n.º3 do artigo 383.º do CSC, no sentido de se encontrar vedada a possibilidade de ser estabelecido no pacto social das sociedades um quórum constitutivo mínimo para a assembleia em segunda reunião;
ü assumem igualmente natureza imperativa as normas constantes dos n.ºs 3 e 4 do artigo 386.º do CSC, para as deliberações reportadas às matérias específicas indicadas pelo legislador no n.º2 do artigo 383.º;
ü a maioria exigida no primitivo artigo 11.º do pacto social (significando que a validade de qualquer deliberação tomada em assembleia geral está dependente da presença ou representação de accionistas que detenham mais de 75% do capital social) viola o n.º3 do artigo 383.º do CSC; como tal, mostra-se ferida de nulidade, não podendo servir de referência à validade das deliberações tomadas em assembleia reunida em segunda convocação;
ü a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social da Ré (passando a exigir que as deliberações sociais sejam tomadas nos termos do artigo 386.º, do CSC, por maioria de votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado) cumprindo os critérios da maioria previstos nos n.ºs 3 e 4 do artigo 386.º do CSC, mostra-se válida;
ü é válida a aprovação das deliberações tomadas em assembleia geral da Ré de 11-07-2016 (por accionistas detentores de 70% do capital social), atento o novo critério de maioria validamente estabelecido.

Apoiado em parecer do Professor Pedro Maia (junto com as alegações da revista[4]), o Autor insurge-se contra o entendimento sufragado no acórdão recorrido defendendo a invalidade das deliberações sociais tomadas em assembleia geral da Ré de 11-07-2016 por violarem o pacto social. Alicerça-se em raciocínio que resumidamente se expõe sob as seguintes premissas:
ð a força do elemento literal não deixa dúvida quanto ao sentido da natureza dispositiva da norma constante do artigo 386.º, do CSC, pelo que nada impede que seja estabelecida em pacto social uma maioria mais exigente das previstas nos n.º3 e 4 do referido preceito;
ð  o único limite legal ao pacto social reporta-se ao quórum deliberativo mínimo exigido pelo n.º3 do artigo 386.º do CSC (não inferior a 2/3);
ð constitui atribuição legal do presidente da mesa de assembleia geral de uma sociedade o apuramento e a proclamação do resultado de cada votação;
ð proclamada como negativa uma deliberação votada, independentemente da legalidade da mesma, ter-se-á por consolidada se não for objecto de impugnação;
ð tendo o presidente da mesa da assembleia geral da Ré de 15-06-2015 exarado em acta a rejeição da deliberação (relativamente à proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social) só esta deliberação se formou (de rejeição da proposta) e, não tendo a mesma sido objecto de impugnação, mantém-se válida (ou encontrar-se-ia convalidada, caso fosse inválida);
ð não é de aplicar o n.º4 do artigo 386.º do CSC, nas situações em que os estatutos fixem um quórum acrescido;
ð entendimento diverso levaria à própria subversão do espírito do artigo 386.º, n.º4, do CSC, permitindo que em 2ª convocatória fosse aprovada uma deliberação que aquela percentagem de capital nunca lograria aprovar em 1ª convocatória.

1. Da validade da alteração do artigo 11.º do pacto social da Ré

Em presença dos entendimentos em confronto a apreciação da pretensão do Autor passa, necessariamente, pela questão do sentido a atribuir (negativo ou positivo) da deliberação tomada em assembleia geral da Ré de 16-06-2015 quanto à da alteração do artigo 11.º, do pacto social, a qual impõe reflexão quer sobre a própria validade da estipulação inicial do citado artigo 11.º, quer sobre a competência e poderes do presidente da mesa da assembleia geral.

Conforme acima salientado, a discordância das instâncias quanto ao desfecho da acção assenta no posicionamento assumido por cada uma quanto ao sentido da deliberação tomada em assembleia geral da Ré relativa à alteração do artigo 11.º do respectivo pacto social, uma vez que a resposta dada a esta questão constitui o alicerce de aferição da (i)legalidade das deliberações tomadas em 11 de Julho de 2016.

         Na tese do Autor, sublinhe-se, as deliberações sociais da Ré tomadas na Assembleia Geral de 11 de Julho de 2016[5], aprovadas por maioria dos votos emitidos presentes correspondentes a 70% do capital social, violam o artigo 11.º do pacto social (exigindo que as deliberações sociais sejam tomadas por maioria superior a 75% de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital), preceito que em seu entender não foi alterado pela deliberação de 16 de Junho de 2015 realizada em assembleia geral extraordinária da Ré.

         Conforme decorre das alegações de recurso e, bem assim, do parecer elaborado pelo Professor Pedro Maia que se encontra junto aos autos, o Autor alicerça a sua tese na subsistência da deliberação de 16-06-2015 tal como ela foi proclamada pelo Presidente da Mesa (deliberação negativa da proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social da Ré) por a mesma não ter sido judicialmente impugnada.

Por sua vez o acórdão recorrido, conforme já referido, arreigou a respectiva decisão no sentido positivo da referida deliberação, tomando posição quanto a duas questões que de modo algum se apresentam incontroversas:

1ª - valor (decisório) da declaração do presidente da mesa da assembleia geral da Ré de 16 de Junho de 2015 de que a proposta de alteração ao artigo 11.º do pacto social fora rejeitada.

         2ª - validade da estipulação inicial do artigo 11.º do pacto social e natureza imperativa das disposições ínsitas nos artigos 383.º, n.º3 e 386.º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código das Sociedades Comerciais (CSC).

         Vejamos.

2. Do valor (decisório) da declaração de rejeição da proposta por parte do presidente da mesa da assembleia geral da Ré de 16-06-2015

         Relativamente a esta questão o acórdão, ao invés da sentença[6], considerou carecer de valor decisório a declaração de rejeição do presidente da mesa da assembleia geral da Ré quanto à proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social.

         Referiu a tal respeito:

- “(…) é de reconhecer razão à recorrente quando alega que não tem força vinculativa a declaração do Presidente da Mesa da Assembleia Geral, na assembleia de 16 de Junho de 2015, de que a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social era de considerar reprovada a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social.

Não ignorando este tribunal a controvérsia sobre a questão do valor da proclamação do presidente da mesa da assembleia geral sobre o sentido da votação das propostas (controvérsia de que já dava conta Vasco da Gama Lobo Xavier, antes da vigência do actual Código das Sociedades Comerciais, em Anulação de Deliberações Social e Deliberações Conexas, Atlântida Editora, páginas 321 a 330, nota 72, e de que dá conta Pinto Furtado, já no domínio do presente Código, em Deliberações dos Sócios, Almedina, páginas 141 a 149), a verdade é que não se encontra nas disposições Código das Sociedades Comerciais sobre deliberações dos sócios (artigos 53.º a 63.º) e sobre deliberações dos accionistas (artigos 373.º a 388.º), qualquer norma de onde resulte que a declaração do presidente da mesa da assembleia sobre a aprovação ou rejeição das propostas tem valor decisório, no sentido de que a proposta votada em assembleia considera-se aprovada ou rejeitada em função da declaração de aprovação ou rejeição efectuada pelo presidente da mesa da assembleia geral.

De resto, tal valor decisório em matéria de alteração do contrato de sociedade seria manifestamente incompatível com o disposto no n.º 1 do artigo 85.º do CSC, na parte em que dispõe que a alteração do contrato de sociedade (no caso seria alteração por modificação de uma das suas cláusulas) só pode ser deliberada pelos sócios, salvo quando a lei permita atribuir cumulativamente essa competência a algum outro órgão. Se, em regra, só os sócios é que podem deliberar, não se compreenderia que o resultado do seu voto pudesse ser alterado por erro, voluntário ou involuntário, do presidente da mesa da assembleia geral.        

Assim, como observa Pinto Furtado na obra supra citada, página 148, “havendo discrepância entre resultado e proclamação, é sempre ele que prevalece, desde que válida e rigorosamente estabelecido, persistindo de tal guisa incólume a deliberação real”.”.

         Contrapõe o Recorrente defendendo que a deliberação que se formou foi a proclamada pelo presidente da mesa pois que, independentemente da sua validade intrínseca, a mesma não foi impugnada em tempo[7].

Considera ainda o Autor, infirmando o entendimento do acórdão recorrido, que não ocorre qualquer incompatibilidade entre o disposto no artigo 85.º, n.º1, do CSC (nos termos do qual os estatutos só podem ser alterados pelos sócios), uma vez que o presidente da mesa não teve qualquer intervenção na votação tendo-se limitado a contar os votos e a proclamar a deliberação.

Vejamos.

         A questão insere-se numa outra mais vasta reportada à própria natureza da figura do presidente da mesa da assembleia geral de sociedade anónima e dos poderes que lhe assistem.

         Prescreve o n.º1 do artigo 374.º, do CSC, que a mesa da assembleia geral é constituída, pelo menos, por um presidente e um secretário. Esta composição, porém, não permite concluir que a competência atribuída à figura do presidente da mesa seja de natureza colegial.

         Na verdade, não obstante decorra do referido preceito que a actuação do presidente da mesa é assistida por, pelo menos, um secretário[8], não há dúvida de que a competência que a lei atribui à figura se caracteriza por uma óptica pessoal e autónoma face à própria mesa com importância crucial enquanto presença de condução da assembleia geral e de conciliação de interesses no decorrer da mesma, estando-lhe cometidas competências próprias (poderes funcionais[9]), essencialmente de natureza procedimental[10], que não se confinam ao período da reunião da assembleia geral[11].

         Se estes aspectos não oferecem dúvidas, a questão da natureza jurídica da figura não tem merecido resposta unívoca sendo encarada na doutrina sob várias perspectivas: como um órgão autónomo da sociedade e centro autónomo dotado de poderes próprios, enquanto mero órgão da assembleia, isto é, provido de poderes delegados pelos accionistas, ou apenas como exercício de um cargo[12].

A importância do posicionamento a assumir quanto à natureza jurídica da figura do presidente da mesa da assembleia marca a solução a dar às questões relacionadas com o regime jurídico aplicável aos actos por ele praticados e ao controle que pode ser exercido pela própria assembleia sobre a sua actuação, bem como quanto ao regime de responsabilidade civil aplicável pelo exercício da sua actividade face à violação dos deveres a que se encontra adstrito.

O entendimento preponderante que vem sendo defendido, norteado por um princípio de tutela das minorias (defesa dos direitos e interesses dos accionistas minoritários), é o de considerar o presidente da mesa da assembleia enquanto centro autónomo de poderes funcionais e de competências próprias atribuídas por lei[13]. Como tal, sem prejuízo de os sócios poderem reagir contra decisões ilícitas do presidente da mesa[14] relativamente às denominadas decisões vinculadas (a actuação do presidente é imposta por lei ou pelos estatutos),[15] a assembleia não poderá, em princípio, interferir em matérias que são da competência do presidente, não poderá deliberar sobre tais matérias, nem revogar ou modificar decisões do presidente sobre as mesmas[16]/[17].  

Na esfera dos poderes do presidente da mesa relativos ao funcionamento da assembleia e elaboração da respectiva acta incluem-se os referentes ao procedimento (em todas as respectivas fases) de votação de propostas: processo de emissão e recolha de votos, o seu escrutínio (contagem e sentido dos votos) e a proclamação do resultado da deliberação formada.

A proclamação do resultado pelo presidente da mesa da assembleia constitui uma declaração que tem por objecto específico dar formalmente a conhecer o resultado da votação e, expressamente, se a proposta fez ou não vencimento[18].

A problemática sobre o valor/efeito desta declaração, ainda que não dissociada da referente à natureza jurídica da figura do presidente da mesa da assembleia geral, não pode ser alheada da finalidade que lhe é inerente. Assim, enquanto acto[19] que se destina a firmar a certeza do resultado do escrutínio consubstancia uma declaração de conhecimento[20] que não se limitará a dar notícia ao colégio da acertação do escrutínio, não será apenas participativa, mas terá ainda em vista, pela sua estrutura e função, imprimir maior certeza e evitar contestações em relação ao resultado obtido, constituindo pois, verdadeiramente, uma certificação[21].

Independentemente da opção doutrinal a assumir quanto à natureza essencial (ou não) [22] da proclamação, encarando-a apenas na sua eficácia certificativa (acrescentar certeza à “acertação” do escrutínio), há uma realidade a que se não pode deixar de dar relevância e que se prende com a circunstância da mesma constituir um elemento de divulgação do resultado do escrutínio; nesse sentido, coloca-se o problema das consequências decorrentes da discrepância entre o resultado e a proclamação uma vez que ela redunda na forma como a deliberação se manifesta [23].

Quando ocorram divergências ou desacertos entre a proclamação do resultado e a realidade fáctica ou jurídica (erro, falsidade, desacerto na aplicação do direito ou qualquer vício que possa inquinar a proclamação), ainda que não seja de lhe atribuir natureza essencial[24], perante a situação de aparente resultado que transparece da proclamação, consideramos por adequado o entendimento que defende que a proclamação só deixará de ter valor decisório quando não constitua a expressão da aparência da deliberação tomada[25] o que só ocorre quando na própria assembleia geral tenham surgido dúvidas susceptíveis de determinar incerteza acerca do resultado do procedimento deliberativo. Nestes casos, como salienta Lucas Coelho, não resulta, ostensiva ou aparentemente, da proclamação, que a deliberação haja sido aquela que o presidente proclamou. E será nessa medida possível recorrer à acção de simples apreciação para acertamento da deliberação, visto que da respectiva decisão já não poderá derivar, atentas as dúvidas logo manifestadas na assembleia, qualquer lesão insuportável da certeza jurídica.[26]

Nesta ordem de ideias, no alcance do valor (e efeitos) a atribuir à declaração de rejeição da proposta de alteração dos estatutos da Ré proferida pelo presidente da mesa da assembleia geral de 15-06-2015 não podem deixar de ser tidas em conta as circunstâncias fácticas que se encontram evidenciadas no processo.

Nessa análise resulta da acta da referida assembleia (fls. 40/41) que o sentido da votação proclamado pelo presidente da mesa (reprovação da proposta de deliberação de alteração dos estatutos) foi objecto de desacordo por parte dos accionistas presentes (que representavam mais de 2/3 dos votos emitidos e que fizeram consignar em acta as razões da sua discordância defendendo dever ser aprovada a proposta de alteração dos estatutos). De realçar que a divergência quanto ao sentido a retirar da votação reflectiu-se no facto de ter sido levado ao próprio registo a alteração dos estatutos em conformidade com o sentido de aprovação da deliberação em causa.

Por conseguinte, em consequência das dúvidas manifestadas pelos presentes na assembleia geral da Ré de 15-06-2015 (quanto à aprovação/rejeição das propostas apresentadas ao escrutínio), independentemente de não ter sido instaurada qualquer acção[27] visando debelar a incerteza acerca do resultado do procedimento deliberativo, a proclamação levada a cabo não assume valor confirmativo/decisório pois que não constituiu a expressão da aparência da deliberação efectivamente tomada.

Com efeito, na análise a efectuar na apreciação que neste âmbito se impõe, não é possível alhear a especificidade que a situação dos autos evidencia atenta a circunstância da declaração (de rejeição da proposta) do presidente da mesa se encontrar em desarmonia com a vontade efectiva do colégio que legalmente se impunha[28], acrescendo o facto de ter sido levada a registo a alteração dos estatutos, ou seja, em termos de evidenciar a aprovação da deliberação, isto é, de sentido contrário à aludida proclamação.

A declaração (de rejeição) do presidente da mesa encontra-se pois em desarmonia com a realidade, designadamente a registral, pelo que não autoriza a que se afirme que tenha sido essa a deliberação efectivamente tomada.

         Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações.

3. Da (in)validade da estipulação inicial do artigo 11.º do pacto social e a natureza imperativa das disposições ínsitas nos artigos 383.º, n.º3 e 386.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CSC

         Na sequência do já referenciado, o entendimento do acórdão recorrido quanto à (in)validade do artigo 11.º inicial do pacto social da Ré radicou no facto da maioria nele estabelecida (superior a 75% de votos favoráveis) ter por referência a totalidade do capital social colidindo com a natureza imperativa do n.º3 do artigo 383.º, do CSC, pois que a maioria (deliberativa) estatutária pressupunha a presença/representação na assembleia de mais de 75% do capital social, redundando no desrespeito da norma (imperativa) ínsita no citado artigo 383.º, n.º3, que estatui que em segunda convocação a assembleia pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital por eles representado.

E se é certo que para o tribunal a quo as maiorias aludidas nos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 386.º do CSC, poderão ser alteradas pelos estatutos sociais em termos de estabelecerem percentagens mais elevadas das legalmente consignadas[29], defendeu, porém, a imperatividade da norma no que toca ao critério (base de referência) da maioria legal estabelecida, encontrando-se por isso vedada a possibilidade de os contratos sociais introduzirem um novo requisito/critério fora dessa base.

Sem tocar na questão da conflitualidade da cláusula (inicial) estatutária com o artigo 383.º, n.º3, do CSC, o Autor alicerça o recurso defendendo que as normas constantes dos n.ºs 1, 3 e 4 do artigo 386.º do CSC, configuram natureza dispositiva podendo os estatutos sociais prever maiorias mais exigentes, como acontece com o inicial artigo 11.º, que por isso e segundo o Recorrente, não é violador de qualquer preceito imperativo.

Nas contra alegações a Ré intensifica o posicionamento do tribunal a quo introduzindo um reforço de limitação na natureza dispositiva do artigo 386.º, do CSC: impedir quer a criação de um sistema de unanimidade na aprovação das deliberações sociais, quer a derrogação da imposição prescrita no n.º 3 do artigo 383.º do CSC. 

Segundo a Recorrida e no que se reporta à questão da inviabilidade legal de unanimidade na aprovação das deliberações, a cláusula estatutária de 75% do capital social para aprovação das deliberações sociais faz cair no regime da unanimidade a aprovação de qualquer deliberação tendo em conta a forma como se encontra dividido o capital social da Ré [69,95% para dois accionistas, DD (34,95%) e EE (35%), 29,975% para o Autor e 0,05% para FF – n.ºs 4 e 5 dos factos provados].

Relativamente à compaginação da estipulação de quóruns deliberativos estatutários com a imperatividade da regra ínsita no artigo 383.º, n.º3, do CSC, defende que não deverá ser admitida qualquer cláusula que, ao abrigo do artigo 386.º, estipule um quórum deliberativo apto a produzir aqueles mesmos resultados a que o artigo 383.º, n.º3, pretende olvidar, dando como exemplo a cláusula que imponha determinado quórum deliberativo em função do capital social, que apenas poderá ser válida para as assembleias gerais de 1ª convocação.

Como os autos evidenciam, a interpretação dos artigos 383.º e 386.º, do CSC, especialmente no que se reporta ao campo de acção da autonomia estatutária na estipulação de regras de fixação dos quóruns constitutivo e deliberativo, não reúne consenso na doutrina, sobretudo quanto às normas que no seu teor não contemplam, expressamente, a possibilidade de o quórum nelas previsto poder ser afastado estatutariamente.

3.1 Da interpretação dos artigos 383.º e 386.º, do CSC

Na procura do melhor posicionamento, considerando que estão em causa normativos centrais em matéria de deliberações sociais das sociedades anónimas, importa ter em conta as opções estruturais do legislador neste âmbito que constituem características próprias do modelo nacional:

- relevância atribuída à facilitação do processo deliberativo impedindo que o absentismo dos sócios bloqueie o funcionamento da Assembleia Geral[30];

- conveniência em incrementar o consenso deliberativo fazendo aprovar a deliberação por uma parte significativa do capital social em nome da defesa da eficiência e harmonia da vida societária.

O posicionamento por que optar deverá, por isso e necessariamente, situar-se no melhor ponto de equilíbrio entre estes dois determinantes propósitos.
O enquadramento normativo a abordar, demarcado pelos parâmetros do tema a decidir- validade da deliberação que incidiu sobre a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social da Ré –, impõe que a posição jurídica a assumir se cinja a matérias sujeitas ao regime especial deliberativo (que correspondem, grosso modo, às então denominadas assembleias extraordinárias[31]) pois que a proposta de alteração da cláusula 11.º apresentada na assembleia geral (doravante AG) de 16-06-2015 consubstancia uma modificação do contrato social por se reportar à alteração de cláusula ínsita no contrato social quando da constituição da Ré, sociedade anónima.
Por conseguinte, caberá observar o preceituado nos n.ºs 2 e 3 do artigo 383.º do CSC (referente ao quórum constitutivo) e nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 386.º. do mesmo Código (versando sobre o quórum deliberativo).

3.2 O artigo 383.º, do CSC – quórum constitutivo
Relativamente à disciplina que rege o requisito de constituição da AG em assuntos específicos[32] (também enquanto pressuposto da sua capacidade deliberativa) – quórum constitutivo – ao invés do que acontece com as AG ordinárias (cuja regra geral é a da inexistência de quórum constitutivo quando se realize em primeira convocação)[33], a lei prevê, em primeira convocação, um quórum especial mínimo[34] que se traduz na necessidade de estarem presentes ou representados sócios que sejam titulares de uma fracção do capital social pré-definida, fixada em 1/3 - artigo 383.º, n.º2, do CSC (Para que a assembleia geral possa deliberar, em primeira convocação, sobre a alteração do contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução da sociedade ou outros assuntos para os quais a lei exija maioria qualificada, sem a especificar, devem estar presentes ou representados accionistas que detenham, pelo menos, acções correspondentes a um terço do capital social.).
Embora o texto da norma não contenha, de modo expresso, a possibilidade do quórum previsto poder ser afastado estatutariamente, considerando que o quociente estipulado (1/3 do capital social) se configura num nível de exigência particularmente reduzido,[35] merece acolhimento entender que os estatutos podem elevá-lo, havendo quem defenda ainda a viabilidade da autonomia estatutária prever a própria exigência da totalidade do capital[36].  
Relativamente às AG em segunda convocação, preceitua o n.º3 do citado artigo 383.º do CSC que a assembleia pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital por eles representado.
Partilhamos do entendimento dos que consideram que se está perante uma disposição imperativa que não pode ser derrogada pelos estatutos[37], porquanto visa promover a facilidade deliberativa em assembleia geral (ordinária e extraordinária) de segunda convocação, assegurando, desse modo, a viabilidade efectiva de deliberar perante bloqueios deliberativos passíveis de paralisação da sociedade.

3.3 Do quórum constitutivo indirecto
A consagração de um quórum constitutivo pode, contudo, ser estabelecida de um modo indirecto através da previsão (legal ou estatutária) de uma maioria qualificada (quórum deliberativo) em função do capital social (e não reportada aos votos emitidos) pois que, nesses casos, ocorre uma exigência, ainda que indirecta, de comparência de uma parcela de capital para a formação da maioria deliberativa.
A possibilidade de os estatutos preverem maiorias deliberativas superiores às legalmente prescritas decorre do disposto no n.º1 do artigo 386.º do CSC - A assembleia geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, salvo disposição diversa da lei ou do contrato –, que consagra a regra da maioria simples dos votos emitidos.
Questão controversa é pois a de saber se essa autonomia estatutária poderá ser utilizada para indirectamente estabelecer um quórum constitutivo, como acontece nas situações em que a maioria deliberativa é estabelecida em função do capital social.
A resposta a dar a esta problemática prende-se com o posicionamento a assumir quanto à natureza e alcance de aplicação do artigo 383.º, n.º3, do CSC (entendê-la como norma imperativa ou passível de admitir derrogação estatutária e de aplicação apenas às AG ordinárias ou também às extraordinárias[38]).
De acordo com o entendimento que consideramos por adequado, a fixação de um quórum deliberativo tendo por critério o capital social apenas se mostra inaplicável nas AG (ordinárias ou extraordinárias) de segunda convocação por força da imperatividade da citada norma (artigo 383.º, n.º 3).

3.4 O artigo 386.º, do CSC – quórum deliberativo
         Na sequência do já afirmado, sufragamos o entendimento que viabiliza a possibilidade de os estatutos sociais preverem maiorias deliberativas superiores às legalmente prescritas, atento o que resulta prescrito no n.º1 do artigo 386.º do CSC.
Na verdade, não obstante o preceito consignar nos seus n.ºs 2, 3 e 4, desvios à regra enunciada no n.º1 - deliberações sobre a designação de titulares de órgãos sociais e deliberações sobre algum dos assuntos referidos no n.º2 do artigo 383.º (neste caso, exigindo uma maioria de 2/3 dos votos emitidos em primeira e segunda convocação, permitindo porém que, neste último caso, verificando-se um quórum constitutivo de pelo menos ½ do capital social, bastará a maioria simples do votos emitidos -n.º4) – trata-se da fixação de valores mínimos que a autonomia estatutária terá de preservar, sendo legítimo o aumento de qualquer das referidas maiorias (n.ºs 2, 3 e 4)[39].
        

3.5 A (in)validade do artigo 11.º (redacção inicial) do pacto social da Ré

         Sem fazer alusão às deliberações a que era aplicável (tomadas em AG ordinária, em AG extraordinária, de primeira ou de segunda convocação), o artigo 11.º (inicial) do pacto social da Ré ao estipular que As deliberações sociais são tomadas por maioria superior a setenta e cinco por cento de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capitaln.º 6 dos factos provados – afere a maioria deliberativa por referência ao capital social.

Na sequência do entendimento que temos por melhor adequado, permitindo a lei a estipulação de maiorias qualificadas mais exigentes, a referida cláusula não colide com o artigo 386.º, do CSC.

Todavia, uma vez que de acordo com a referida cláusula 11.º a validade de qualquer deliberação tomada em assembleia geral (independentemente da matéria a decidir) estava necessariamente dependente da presença ou representação de accionistas que detivessem mais de 75% do capital social[40], coloca-se a questão da sua compatibilidade com o n.º3 do artigo 383.º CSC, por forma a saber se a mesma pode ser aplicada nas AG de segunda convocação.

Com efeito, dado que a maioria deliberativa estipulada é determinada por referência ao capital social, a situação reconduz-se à previsão indirecta de quórum constitutivo.

Assim sendo, considerando o entendimento assumido relativamente à natureza imperativa do artigo 383.º, n.º3, do CSC (regime que não pode ser afastado), impõe-se concluir que o conteúdo da referida cláusula ofende norma imperativa; como tal, não pode constituir referência à aprovação das deliberações tomadas em assembleia geral (ordinária ou extraordinária) reunida em segunda convocação (cfr. artigos 294.º, do Código Civil e 56.º, n.º1, alínea d), do CSC).

3.6 Da (in)validade da alteração do artigo 11.º, do pacto social ocorrida na assembleia extraordinária da Ré de 16-06-2015 

Resulta dos factos apurados (n.º7) que, em 16-06-2015, a Ré reuniu-se em assembleia geral extraordinária, segunda convocatória, para deliberar sobre a alteração de várias cláusulas do pacto social, entre elas a do artigo 11.º no sentido de passar a ser estabelecido que as deliberações sociais sejam tomadas nos termos do artigo 386.º, do Código das Sociedades Comerciais, por maioria de votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado.

Não oferece dúvida de que, neste enquadramento, estando em causa assembleia geral da Ré de segunda convocatória, o critério deliberativo previsto pelo artigo 11.º estatutário, na sua redacção inicial, não podia servir de base de aferição na aprovação da proposta de alteração do pacto social pois que o seu conteúdo derroga a norma imperativa ínsita no artigo 383.º, n.º3, do CSC.

Assim, impondo-se, neste âmbito, apreciar da validade da alteração do artigo 11.º do pacto social objecto da deliberação formada na referida assembleia de 15-06-2015, não sendo de aplicar o critério deliberativo estatutário, mas o que resulta da normatividade ínsita nos artigos 383.º, n.º3 e 386.º, n.ºs 3 e 4, do CSC, há que concluir no sentido de se mostrar validamente aprovada a proposta de alteração do artigo 11.º, do pacto social, porquanto cumpriu o critério da maioria deliberativa de 2/3 dos votos emitidos fixada na lei (estavam presentes na referida assembleia 99,97% do capital social, tendo a proposta de alteração do referido artigo 11.º do pacto social obtido os votos favoráveis dos accionistas EE, FF e DD com voto desfavorável do accionista AA - n.º 7 dos factos provados).

Consequentemente, verificando-se que a proposta de alteração do artigo 11.º do pacto social prevendo que “as deliberações sociais são tomadas nos termos previstos no artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais, por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado”, foi aprovada de acordo com o critério legal que se lhe impunha aplicável, passou a ser esta maioria deliberativa relevante na aprovação das propostas submetidas em assembleias gerais da Ré, designadamente as apresentadas na assembleia de 11-07-2016, objecto de impugnação na presente acção.

Nestes termos, tal como concluído na decisão recorrida, atento o critério de maioria deliberativa a ter em conta a partir de 16-06-2015, é válida a aprovação das deliberações tomadas em assembleia geral da Ré de 11-07-2016.

Improcedem, assim, as conclusões da revista.

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista confirmando-se o acórdão recorrido ainda que por fundamento não de todo coincidente.
Custas pelo Autor.


Lisboa, 19 de Setembro de 2019

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

_______________________
[1] Com a seguinte ordem de trabalhos:
1.Deliberar sobre o relatório de gestão e contas do exercício da sociedade findo em 31 de Dezembro de 2015;
2.Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados da sociedade relativos ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2015;
3.Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade relativamente ao exercício findo em 31 de Dezembro de 2015;
4.Deliberar sobre outros assuntos de interesse para a sociedade. 
[2] Por não ter sido aprovada por maioria superior a 75% de votos favoráveis correspondentes à totalidade do capital, nos termos do artigo 11.º do pacto social. 
[3] Com o seguinte teor: “As deliberações sociais são tomadas nos termos previstos no artigo 386.º do Código das Sociedades Comerciais, por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado.”.
[4] Parecer igualmente junto em Providência Cautelar n.º 2411/15.8T8LRA.C1
[5] Tais deliberações foram aprovadas com base na alteração válida e legal do artigo 11.º dos estatutos.
[6] Partindo do pressuposto de que os resultados das deliberações da assembleia geral não podem ficar à mercê das interpretações que qualquer accionista faça dos estatutos, considerou que a única forma de colocar em causa o resultado alcançado pela proclamação feita pelo presidente da mesa era a impugnação judicial da deliberação.
[7] Ainda que anulável a deliberação produz efeitos enquanto não for anulada por decisão judicial.
[8] E eventualmente um vice-presidente.
[9] Pedro Maia fala em competências próprias e permanentes no funcionamento interno da sociedade, - O PRESIDENTE DAS ASSEMBLEIAS DOS SÓCIOS, Problemas do Direito das Sociedades, IDET – Instituto de Direito das Empresas e do Trabalho, 2022, Almedina, p. 423.
[10] Fundamentalmente o sua função é a de gerir a assembleia (na sua preparação e na sua condução), ou seja, cabe-lhe a tarefa de organizar o colectivo de sócios – cfr. Raquel Cardoso Nunes, “A Responsabilidade Civil do Presidente da Mesa da Assembleia Geral das Sociedades Anónimas”, Outubro de 2013, acessível através de https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/14912/1/TESE%20FINAL.pdf
[11] As funções do presidente da mesa ultrapassam o âmbito da assembleia propriamente dita pois que, nos termos da lei compete-lhe convocar a assembleia (artigos 377.º, nº1 e 375.º do CSC), escolher a data e hora da reunião (artigo 375.º, do CSC), o respectivo local (artigo 377.º, nº 6, do CSC), bem como redigir a ordem de trabalhos, respeitando a solicitação que lhe foi feita. Nas assembleias estão-lhe cometidas entre outras as seguintes funções: zelar pelo regular e ordenado decurso da mesma, decidir sobre a inclusão de assuntos na ordem do dia (artigo 378.º, n.º2, do CSC), autorizar a presença de pessoas estranhas (artigo 379.º, nº 6, do CSC), aferir a legitimidade do accionista e legitimidade para aceder à assembleia (artigos 380.º, 381.º e 382.º, do CSC), suspender os trabalhos (artigo 387.º, do CSC), redigir e assinar a acta (artigo 388.º, do CSC).
[12] Cfr. Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume iv, 2ª edição, Almedina, pp. 34-36. 
[13] Cfr. nesse sentido Paulo de Tarso Domingues, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume iv, 2ª edição, Almedina, p.35; Pedro Maia, obra citada, pp. 422-425.
[14] Accionar meios tendentes à sua destituição com justa causa, responsabilizá-lo (civil e penalmente) pelos prejuízos causados com o seu comportamento ilícito, bem como impugnar as deliberações para as quais tenha concorrido eventual actuação ilegal por parte do mesmo.
[15] Relativamente às “decisões discricionárias” (do âmbito da discricionariedade do presidente, particularmente as chamadas “medidas de ordem” como sejam as advertências, restrição, proibição ou retirada do uso da palavra, exclusão da assembleia) já o poder do presidente não é soberano pelo que os sócios que discordem das decisões tomadas pelo presidente poderão solicitar à assembleia geral que se pronuncie sobre as mesmas, ficando o presidente obrigado a observar o que pela coletividade dos sócios for deliberado - Paulo de Tarso Domingues, obra citada, p.36.
[16]Paulo de Tarso Domingues, obra citada, p.35.
[17] Em sentido contrário Brito Correia (Direito Comercial, 3.º volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1992, p. 54 e ss) defendendo que os sócios que discordem das decisões do presidente poderão solicitar à assembleia geral que se manifeste sobre as mesmas, devendo o presidente acatar o que for deliberado pelos sócios – citado por Paulo de Tarso Domingues, obra citada, p.35, nt 33.
[18] Pinto Furtado, Deliberações de Sociedades Comerciais, Almedina, p. 432.
[19] Que para uns (inspirados na doutrina e jurisprudência alemãs) é elemento constitutivo da deliberação, ou seja, para que o processo de formação da deliberação se considere encerrado mostra-se indispensável para que a deliberação se torne juridicamente existente a proclamação pelo presidente do apuramento do resultado da votação; para outros é entendida como acto exterior à deliberação.
[20] Cfr. Pinto Furtado, obra citada, p. 436.
[21] Pinto Furtado, obra citada, p.p436-437.
[22] Enquanto requisito impreterível ou como simples naturale negotii, ou seja, afectando ou não a validade e eficácia da deliberação.
[23] Eduardo de Melo Lucas Coelho, Direito de Votos dos accionistas nas Assembleias Gerais das Sociedades Anónimas, 1987, Rei dos Livros, p. 125-127
[24] Como defende Pinto Furtado (obra citada, p. 437) de iure constituto, inexiste base legal que aponte para posição diversa da que considera que a proclamação apenas assume natureza de declaração de conhecimento não essencial cabendo-lhe um papel de mera certificação. Com efeito, a proclamação do resultado não consta do elenco das menções da acta enumeradas no artigo 63.º, n.º2, do CSC, sendo que a sua falta igualmente não figura quer entre as nulidades formais do artigo 56.º, n.º1, do mesmo código, quer das anulabilidades do artigo 58.º.
[25] Nos casos em que ainda que munida de qualquer vício a proclamação constitui expressão da aparência da deliberação tomada caberá reagir pela impugnação contenciosa da deliberação tal como transparece da proclamação.
[26] Obra citada, p. 127.
[27] A acção anulatória face às características do caso não se configurava adequada.
[28] De acordo com o que resulta dos votos emitidos e levando em conta tratar-se de assembleia extraordinária da Ré em segunda convocação e o regime imperativo previsto no artigo 383.º, n.º3, do CSC.
[29] Não podendo o pacto social estabelecer um quórum inferior ao legalmente previsto. 
[30] As Assembleias Gerais (AG) constituem o centro de decisões das sociedades; daí o cuidado de bem delimitar os obstáculos formais que as possam paralisar.
[31] Contrapondo-se às matérias da vida corrente das sociedades decididas nas assembleias gerais ordinárias, nomenclaturas que com a entrada em vigor do CSC de 1986 foram abandonadas.
[32] As então denominadas AG extraordinárias em que a consagração de quórum constitutivo pretende garantir a representatividade dos sócios em decisões relativamente a assuntos de maior relevância. 
[33] O legislador no artigo 383.º, n.º1, do CSC absteve-se de impor qualquer quórum constitutivo, deixando à autonomia dos sócios a decisão sobre a representatividade nas decisões, sendo que, igualmente, nada prescreveu quanto à existência de limites quantitativos de quórum que os estatutos deveriam respeitar.
A doutrina mostra-se dividida quanto à existência de um limiar máximo que o quociente não pode ultrapassar. Há quem admita que o quórum previsto estatutariamente possa assumir qualquer valor, inclusive a unanimidade (o risco de paralisação da sociedade mostra-se ultrapassado com a dispensa de quórum em segunda convocação), entendem outros, por sua vez, que o quórum estatutário terá de se situar abaixo do limite 1/3 do capital social por forma a impedir que o quórum da AG ordinária seja tão ou mais exigente que o da AG extraordinária.
Estamos com os que defendem que a lei não quis neste âmbito estabelecer limites à autonomia estatutária e, nessa medida, não se encontra razão sustentável (à luz dos propósitos essenciais da lei supra aludidos) para a solução de um limite inultrapassável compaginado com o quociente legal para as AG extraordinárias. 
[34] No sentido de que tal quórum não poderá ser diminuído pelos sócios, pelo que nesse sentido a fixação legal desse quórum especial é imperativa.
[35] Armando Manuel Triunfante, “A tutela das minorias nas sociedades anónimas - Quórum de constituição e maiorias deliberativas”, p. 411.
[36] JORGE HENRIQUE DA CRUZ PINTO FURTADO, Deliberações de sociedades comerciais, Almedina, Coimbra, 2005, p. 209. Para Armando Triunfante, apenas seria pensável tal situação nas chamadas sociedades fechadas, constituídas por poucos sócios, contudo, considera o autor que face ao carácter genérico do regime legal (aplicável, portanto, a várias estruturas de corporações), temos fundadas dúvidas sore a legitimidade da mesma, obra citada, pp. 412,413.   
[37] Cfr. artigo 446.º, n.º1, do CSC onde se permite a previsão estatutária de requisitos adicionais . Esta previsão legal expressa reforça o entendimento da impossibilidade de derrogação nos restantes casos.
[38] Com esta amplitude cfr. LUÍS BRITO CORREIA, Direito Comercial, Vol. III – deliberações dos sócios, AAFDL, Lisboa, 1989, p. 87 e ANTÓNIO DE ARRUDA FERRER CORREIA/VASCO DA GAMA LOBO XAVIER, «A exigência estatutária de quórum nas assembleias gerais de segunda convocação e o art. 184.º do Código Comercial», Separata da Revista de Direito das Empresas e do Trabalho (RDES), XIV, [s. n.], Coimbra, 1968, pp. 9-11.
[39] Para Armando Triunfante estão em causa quocientes deliberativos não passíveis de ser alterados pelos estatutos (diminuídos ou aumentados) quer em primeira convocação, quer em segunda sob pena de “ser irremediavelmente comprometido um dos valores que o legislador português teve em especial atenção – a facilidade deliberativa”, obra citada, pp. 421, 432.
[40] No caso, impunha-se a presença do Autor e dos accionistas Carlos Caetano e Jorge Caetano (cfr. n.ºs 4 e 5 dos factos provados).