Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SEBASTIÃO PÓVOAS | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO LICENÇA DE UTILIZAÇÃO RECURSOS | ||
Nº do Documento: | SJ2008021901941 | ||
Data do Acordão: | 02/19/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Sumário : | 1) As conclusões da alegação de recurso são proposições sintéticas a condensar o desenvolvido no corpo do texto não se podendo limitar a uma mera afirmação da procedência do pedido, antes devendo conter um raciocínio lógico-juridico com as especificações do n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil. 2) O artigo 9.º do R.A.U aplica-se aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992 e não fulmina de nulidade o arrendamento de fracção não licenciado para a finalidade do contrato, antes,e se a falta de licença é da responsabilidade do senhorio, sancionando-o com coima e facultando ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou a realização de obras que, adequando o locado, permitam o licenciamento. 3) A licença a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do RAU é a autorização genérica para o exercício de actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade especifica que se propõe . 4) Estando o prédio licenciado para o exercício de “actividades terciárias”, está cumprido o citado artigo 9.º do RAU se o senhorio o arrenda para instalação de um salão de cabeleireiro, devendo o inquilino obter licenças e alvarás típicas para aquela espécie de prestação de serviços. 5) Sendo declarado nulo o arrendamento de espaço detido e fruído pelo arrendatário deve este, enquanto durar a ocupação, pagar o valor correspondente à utilização da coisa (normalmente equivalente à renda acordada). | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: “AA – Importação e Exportação, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB Cabeleireiro Unipessoal, Limitada”, CC e DD. Pediu a resolução do contrato de subarrendamento celebrado entre a Autora e a Ré sociedade e a condenação desta a restituir o locado, livre e desocupado. Pediu ainda a condenação das Rés CC e DD a pagarem-lhe a quantia de 4462,50 euros de rendas vencidas, além das vincendas até à restituição. Alegou nuclearmente ser arrendatária de uma fracção que sublocou à 1.ª Ré para o exercício da actividade de cabeleireiro, manicure e pedicure, pela renda mensal de 750,00 euros, que não lhe vem sendo paga. A 1.ª Ré contestou alegando, em síntese, ter intentado acção contra a Autora pedindo a suspensão do pagamento das rendas até decisão sobre a obtenção da licença; arguiu a anulabilidade do subarrendamento por inexistência de licença para o exercício da actividade; e pediu a condenação da Ré a indemnizá-la por investimentos feitos e pela perda de clientela. Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente e improcedente a condenação das Rés no pagamento da indemnização, excepto quanto a rendas vencidas de Dezembro de 2004 a Maio de 2005 e desde Novembro de 2005 até à restituição do locado. Apelou a 1.ª Ré tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado. Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações: Não foram oferecidas contra alegações. As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto: -A Ré instaurou contra a ora Autora uma acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que corre os seus termos na 17.ª Vara, 1.ª Secção deste tribunal sob o n° 1912/05 e em que pede a anulação do contrato de arrendamento em causa por impossibilidade legal do objecto, com restituição à aí Autora e aqui Ré de tudo quanto tenha sido prestado, a condenação da aí Ré a indemnizar a Autora por todos os prejuízos causados à ai Autora com a perda de clientela originada pela obrigação de abandonar o locado, indemnização a liquidar em execução de sentença e pelos investimentos pela mesma feitos no locado e a dispensa da Autora de pagar as rendas até decisão final ou até obtenção da licença por parte da aqui Autora e ali Ré, acção que em Novembro de 2005 aguardava o trânsito em julgado da deserção de um recurso, após o que seria aberta conclusão para os fins do art° 508-A ou 508-B do C. P. Civil, encontrando-se nesta data aberta conclusão nesse processo para despacho saneador ou marcação da audiência preliminar. Foram colhidos os vistos. Conhecendo. A ora Recorrente culminou a sua contestação pedindo a anulação do contrato “por impossibilidade legal do objecto” restituindo-se-lhe tudo o que prestou; a condenação da Autora a indemnizá-la pela perda de clientela e “investimentos feitos no locado”; dispensa do pagamento de rendas “até à decisão judicial, ou até à obtenção da respectiva licença.” Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa foi declarado resolvido o arrendamento; as Rés condenadas no pagamento de rendas; e julgados improcedentes os pedidos de “declaração de nulidade do contrato de arrendamento e de indemnização à Ré. Nas conclusões da apelação a Ré afirmou a nulidade do contrato de arrendamento dizendo ser lícito o não pagamento das rendas e culminando pedindo “que julgue procedente o pedido formulado pela Ré.” A Relação negou provimento ao recurso remetendo para a sentença, nos termos do n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil. Nas conclusões da revista, acima elencadas, a recorrente pede a “resolução do subarrendamento” por “incumprimento definitivo por parte da Autora”, afirma não lhe ser “exigível o pagamento da renda” e a final que se “julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.” Sendo o objecto do recurso limitado pelas conclusões da alegação, nos termos conjugados dos artigos 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, certo é que tais proposições sintéticas não podem consistir na mera afirmação da procedência do pedido da recorrente, antes contendo todo um raciocínio lógico-juridico a contrariar as razões adoptadas no aresto posto em crise, sempre com as especificações do n.º 2 do citado artigo 690.º. E se a recorrente assim procedeu quanto à invocação da nulidade do contrato e à não obrigação do pagamento de quaisquer quantias, a titulo de rendas, não alinhou quaisquer argumentos para contrariar o julgado no segmento indemnizatório pelos investimentos feitos e pela perda de clientela. E nem se diga que deveria ser proferida, nesta parte, o despacho aperfeiçoador a que se refere o n.º 4 do artigo 690.º da lei processual. É que, já na apelação a recorrente deixara aquele ponto sem controvérsia o que convence da sua não impugnação aceitando, assim, o decidido e limitando, tacitamente, e desde então, o âmbito do primeiro recurso. De outra banda, a afirmação final não reflecte o desenvolvido no corpo da alegação. Passar-se-ão a conhecer, apenas as questões correctamente suscitadas: nulidade do arrendamento por ausência de licença de utilização; não obrigação de pagamento das rendas vencidas. 2 – Licença de utilização 2.1 – Louvando-se no artigo 9.º do R.A.U. (Decreto-Lei n.º 321/90, de 15 de Outubro) a recorrente pugna pela nulidade do contrato por, aquando da sua celebração não existir “licença de utilização para os fins pretendidos do espaço em questão.” Invoca, ainda, o artigo 8.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas. Mas não tem razão. O artigo 9.º do R.A.U tem, precisamente, a sua origem no artigo 8.º do RGEU (Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951) e ainda nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 329/81, de 4 de Dezembro (“Só poderão ser efectuadas escrituras de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal mediante a apresentação pelo locador de licença camarária donde conste ser essa a finalidade do imóvel ou que autorize a mudança de finalidade, se for outra, ou de certidão emitida pela repartição de finanças competente comprovativa de que foi declarado anteriormente o arrendamento do imóvel com essa finalidade, nos termos do artigo 116.º do Código da Contribuição Predial e do imposto sobre a indústria agrícola.”) e 2.º, n.º1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 13/86 de 23 de Janeiro (este, reportado aos arrendamentos para habitação), e é de aplicar aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992. A exigência da licença de utilização radica-se na necessidade de obrigar os proprietários dos imóveis (novos, reconstruídos ou alterados) ao cumprimento de todas as normas legais, quer relativas à construção, quer de segurança, salubridade ou estética. E é obrigatória para qualquer arrendamento, quer habitacional, quer para o exercício de actividade comercial, industrial, de profissão liberal ou de outra actividade, desde que licita, já que, e como nota o Conselheiro Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, 7.ª ed, 508) “ é um requisito formal do contrato de arrendamento” e “destina-se a salvaguardar a posição jurídica do arrendatário, obviando a que este venha a encontrar-se sujeito a uma medida administrativa de despejo, quando o local arrendado não disponha de funcionalidade adequada ao seu uso.” Daí que o senhorio só possa outorgar o contrato se detiver uma licença de utilização para o fim pretendido com o arrendamento, com base em vistoria realizada há menos de oito anos. Essa vistoria poderá ser global – aquando da abertura do edifício – ou parcelar – para cada espaço a arrendar. (cf. Conselheiro Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, 2.ª ed, 338/9). Mas há sempre que proceder a um “distinguo” entre licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica (v.g., habitação, comércio, profissão liberal, etc.) e a licença de utilização para o exercício de qualquer “species” daquele “genus” (lar residencial, farmácia, consultório médico, etc.). Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos (que,e v. g., vêm os espaços comuns frequentados por estranhos) e com a própria estrutura e configuração do edifício e suas acessibilidades. Já licenças – tantas vezes equivalentes a alvarás – para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e electricidade próprias e definição de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a actividade específica. Assim decidiu este Supremo Tribunal (Acórdão de 13 de Dezembro de 2007 – 07 A 2766 – desta mesma conferência) ao dizer que “o senhorio tem a obrigação de assegurar o gozo da coisa ao locatário estando este obrigado ao pagamento da renda, como contrapartida, não cumprindo ao locador a obtenção de qualquer licença ou alvará. Se nada tiver sido convencionado em contrário, e tratando-se de arrendamento para exercício de restauração, é ao arrendatário que compete proceder às obras de adaptação, gestão de áreas, instalação de equipamentos e decoração para instalar o seu estabelecimento.”, entendimento que agora melhor se clarifica . Também o Acórdão de 31 de Março de 2004 – 04 A639 – assim julgou: “o sinalagma que à obrigação (do arrendatário) do pagamento de rendas corresponde é o da prestação (do senhorio) de entregar e assegurar o gozo do locado e não o de obtenção da licença.”. Este aresto foi tirado para arrendamento de pretérito do artigo 9.º do R.A.U. mas já não vigência do artigo 8.º R.G.E.U. 2.2 – Aqui chegados, verifica-se resultar da matéria de facto assente pelas instâncias (resultante de admissão por acordo e do documento de fls. 150) que “o espaço sublocado à Ré beneficia de uma licença de utilização composta de uma ocupação destinada a actividades terciárias com área superior a 100 metros quadrados. É sabido que o sector terciário da economia compreende todas as actividades relacionadas com o comércio e a prestação de serviços. Engloba, para além do comércio tradicional, o comércio electrónico (ou informático) e, na prestação de serviços, desde a limpeza ao aconselhamento fiscal, incluindo a prestação de serviços quer a pessoas singulares quer a empresas. É um sector que não produz bens mas essencial numa sociedade capitalista desenvolvida. Proporciona às pessoas todos os produtos industriais e agrícolas para consumo e ocupação dos tempos de lazer. Contribui para o PIB de forma muito significativa, chegando aos 90% em certos países (v.g. Bélgica e Luxemburgo). Desenvolve-se, fundamentalmente, nos centros urbanos contribuindo, decisivamente, para o seu desenvolvimento. Fora de dúvida, pois, que a actividade de cabeleireiro (e conexas, como manicure, pedicure, etc.) se integra no sector terciário. Daí que o locado estivesse devidamente licenciado para, e na perspectiva de licença geral acima acenada, a instalação da actividade da recorrente. Mais não cumpria à recorrida na qualidade de locadora. 2.3 – Mas mesmo que assim não se entendesse – o que só por mero raciocínio académico, e “ex abundantia”, se admite- nunca o contrato estaria ferido de nulidade. É que, a falta de licença de utilização imputável ao senhorio – na vigência do artigo 9.º do R.A.U – sujeitava-o a coima (n.º5) e permitia ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou, em alternativa, a realização de obras que permitam adequar a fracção à finalidade pretendida. (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006 – P.º 1871/06 e, quanto à mudança de finalidade da fracção, salvo tratando-se de arrendamento habitacional, o Acórdão de 31 de Janeiro de 2007 – 06 A4649 – desta mesma conferência) o que demonstra que o objecto do negócio não seria, neste caso, impedido por norma imperativa por “contra legem” ou “in fraudem legis”. Improcedem, assim, as razões da recorrente. 3 – Renda Outrossim, não tem a recorrente razão quando pretende exonerar-se do pagamento das rendas vencidas e vincendas, estas até à restituição do locado. Por um lado, o contrato não surge viciado de nulidade ou de causa de anulação. Mas ainda que fosse nulo – o que como acima se disse não se concede – sempre seriam devidas aquelas quantias. É esta a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal (cf., v.g, e entre muitos, os Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2005 – P.º n.º 4401/04-6.ª – e de 6 de Abril de 2006 – 05B4346) que decide que se, na sequência de contrato de arrendamento nulo, se constituiu posse (ou detenção) do arrendado, sem pagamento, mas subsistindo a ocupação do imóvel, é devido o valor correspondente à utilização da coisa (a renda acordada). Sempre, em consequência, improcederia a argumentação da recorrente. 4 – Conclusões Pode concluir-se que: Nos termos expostos, acordam negar a revista. Sebastião Póvoas |