Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A194
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: ARRENDAMENTO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
RECURSOS
Nº do Documento: SJ2008021901941
Data do Acordão: 02/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1) As conclusões da alegação de recurso são proposições sintéticas a condensar o desenvolvido no corpo do texto não se podendo limitar a uma mera afirmação da procedência do pedido, antes devendo conter um raciocínio lógico-juridico com as especificações do n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil.
2) O artigo 9.º do R.A.U aplica-se aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992 e não fulmina de nulidade o arrendamento de fracção não licenciado para a finalidade do contrato, antes,e se a falta de licença é da responsabilidade do senhorio, sancionando-o com coima e facultando ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou a realização de obras que, adequando o locado, permitam o licenciamento.
3) A licença a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do RAU é a autorização genérica para o exercício de actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade especifica que se propõe .
4) Estando o prédio licenciado para o exercício de “actividades terciárias”, está cumprido o citado artigo 9.º do RAU se o senhorio o arrenda para instalação de um salão de cabeleireiro, devendo o inquilino obter licenças e alvarás típicas para aquela espécie de prestação de serviços.
5) Sendo declarado nulo o arrendamento de espaço detido e fruído pelo arrendatário deve este, enquanto durar a ocupação, pagar o valor correspondente à utilização da coisa (normalmente equivalente à renda acordada).
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:

“AA – Importação e Exportação, Limitada” intentou acção, com processo ordinário, contra “BB Cabeleireiro Unipessoal, Limitada”, CC e DD.

Pediu a resolução do contrato de subarrendamento celebrado entre a Autora e a Ré sociedade e a condenação desta a restituir o locado, livre e desocupado.

Pediu ainda a condenação das Rés CC e DD a pagarem-lhe a quantia de 4462,50 euros de rendas vencidas, além das vincendas até à restituição.

Alegou nuclearmente ser arrendatária de uma fracção que sublocou à 1.ª Ré para o exercício da actividade de cabeleireiro, manicure e pedicure, pela renda mensal de 750,00 euros, que não lhe vem sendo paga.

A 1.ª Ré contestou alegando, em síntese, ter intentado acção contra a Autora pedindo a suspensão do pagamento das rendas até decisão sobre a obtenção da licença; arguiu a anulabilidade do subarrendamento por inexistência de licença para o exercício da actividade; e pediu a condenação da Ré a indemnizá-la por investimentos feitos e pela perda de clientela.

Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa a acção foi julgada procedente e improcedente a condenação das Rés no pagamento da indemnização, excepto quanto a rendas vencidas de Dezembro de 2004 a Maio de 2005 e desde Novembro de 2005 até à restituição do locado.

Apelou a 1.ª Ré tendo a Relação de Lisboa confirmado o julgado.

Pede, agora, revista assim concluindo as suas alegações:
-Na data da celebração do ajuizado contrato, não existia Licença de Utilização para os fins comerciais pretendidos do espaço em questão, exigida pelo art° 9° do Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n°321/90, de 15 de Outubro (RAU).
-Ora, o n° 1 do art° 9.º do RAU estabelece que só podem ser objecto de arrendamento urbano os edifícios ou suas fracções cuja aptidão para o fim pretendido pelo contrato seja atestado pela licença de utilização, passada pela autoridade municipal competente, mediante vistoria realizada menos de oito anos antes da celebração do contrato.
-Consagra, é certo, o n° 2 do art° 9° do RAU, a possibilidade de, quando as partes aleguem urgência na celebração do contrato, a licença de utilização pode ser substituída por documento comprovativo de a mesma ter sido requerida.
-Ora por um lado, tal estipulação essencial, fixada imperativamente pela Lei para a celebração do contrato, não foi incluída no mesmo, o que determinava a respectiva nulidade.
-Por outro lado, o n° 2 do art° 9° do RAU não derrogou o disposto no art° 8° do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU), o qual se mantém vigente, e que determina a exigência de tal Licença de Utilização, para fins comerciais de um locado, cominando a utilização, nomeadamente para fins comerciais, de um prédio não licenciado, com o despejo sumário dos inquilinos, a ordenar pela Câmara Municipal competente (art° 165°).
-Mesmo que se entenda que tal disposição já não se mantém vigente, o que apenas por dever de patrocínio se admite, sempre se dirá que a Ré nunca poderia correr um risco de continuar a permanecer no locado sem a Licença Municipal.
-Tendo em consideração as divergências de conteúdo do subarrendamento com o contrato de arrendamento, e o facto de não existir Licença de Utilização, entendeu a Ré não existirem condições, quer de ordem negocial, quer de ordem jurídica para a manutenção do ajuizado subarrendamento.
-Ainda relativamente a esta questão sublinha-se o facto de, apesar do ajuizado contrato ter sido celebrado em 2003, apenas em 2004, foi apresentado, na Câmara Municipal de Lisboa, o pedido de vistoria a que alude o n° 1 do art° 9° do RAU, facto que é, por si só, demonstrativo da falta de diligência (que impendia sobre a locadora).
-Tendo em atenção os factos vertidos na petição inicial, verificou-se claramente o incumprimento definitivo, por parte da Autora, do ajuizado contrato.
-Com fundamento no incumprimento verificado, a Ré pediu, em sede de reconvenção, a resolução do subarrendamento.
-Dos factos referidos, julga-se à sociedade, não ser exigível à Ré o pagamento da renda.
-A responsabilidade pela resolução do contrato por parte da Ré, deve-se, conforme se observou, e em exclusivo, à Autora.
-O acórdão recorrido deve ser substituído por outro que julgue a acção improcedente, e procedente o pedido reconvencional.

Não foram oferecidas contra alegações.

As instâncias deram por assente a seguinte matéria de facto:

-A Ré instaurou contra a ora Autora uma acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, que corre os seus termos na 17.ª Vara, 1.ª Secção deste tribunal sob o n° 1912/05 e em que pede a anulação do contrato de arrendamento em causa por impossibilidade legal do objecto, com restituição à aí Autora e aqui Ré de tudo quanto tenha sido prestado, a condenação da aí Ré a indemnizar a Autora por todos os prejuízos causados à ai Autora com a perda de clientela originada pela obrigação de abandonar o locado, indemnização a liquidar em execução de sentença e pelos investimentos pela mesma feitos no locado e a dispensa da Autora de pagar as rendas até decisão final ou até obtenção da licença por parte da aqui Autora e ali Ré, acção que em Novembro de 2005 aguardava o trânsito em julgado da deserção de um recurso, após o que seria aberta conclusão para os fins do art° 508-A ou 508-B do C. P. Civil, encontrando-se nesta data aberta conclusão nesse processo para despacho saneador ou marcação da audiência preliminar.
-Na acção referida em 1 – a ora Autora – ali Ré – foi citada em 26 de Abril de 2005, tendo a acção dado entrada em juízo em 31 de Março de 2005.
-Estes autos deram entrada em juízo em 13 de Abril de 2005, tendo a ora Ré sido citada em 21 de Abril de 2005.
-Por acordo escrito datado de 26 de Fevereiro de 1990 AR e SA declararam ser donos e legítimos possuidores da cave, fracção B do prédio sito na Rua ..., n° 00, em Lisboa e que prometiam dar de arrendamento à ora Autora, contra o pagamento da quantia mensal de Esc. 300.000$00, a referida fracção, pelo prazo de seis meses, renováveis por iguais períodos, contando-se o seu início a partir de 1 de Junho de 1990, locado que se destinava exclusivamente à instalação de escritórios comerciais, lojas de roupa e similares, bem como confecções, serviços de informática, venda e assistência de computadores e prestação de serviços conexos com as actividades referidas, na condição dos restantes moradores não serem incomodados por horários anormais, ruídos ou cheiros impróprios de um prédio de habitação.
-A renda referida em 4 – deveria ser paga na residência de um dos proprietários no primeiro dia útil do mês anterior àquele a que dissesse respeito.
-Nos termos do acordo referido – os promitentes locadores autorizaram a promitente locatária a sublocar parcialmente a fracção em causa para os ramos referidos em 4.
-Por acordo datado de 17 de Julho de 2003 a Autora declarou ser arrendatária do prédio referido – e que subarrendava à primeira Ré – para instalação exclusiva de salão de cabeleireiro, manicure e pedicure, não podendo a Ré dar-lhe outro uso nem sublocá-lo ou ceder a sua posição contratual sem autorização prévia, por escrito, da Autora – as salas 1 e 2 do referido prédio, pelo prazo de seis meses renováveis e contra o pagamento da quantia de 750 Euros mensais, a pagar no primeiro dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que dissesse respeito no domicílio da Autora ou no lugar por esta indicado.
-O acordo referido teve o seu início em 1 de Agosto de 2003
-Na data referida e no mesmo acordo a Ré declarou reconhecer que o locado realizava cabalmente o fim a que se destinava e que não lhe podia dar outro uso nem sublocá-lo ou ceder a sua posição, no todo ou em parte, sem autorização prévia por parte da Autora, por escrito.
-Na data referida e pelo mesmo documento as segunda e terceira Rés declararam assumir, solidariamente com a Ré, a obrigação do fiel cumprimento de todas as cláusulas do referido acordo, seus aditamentos legais e suas renovações até à efectiva restituição do locado, livre e devoluto de pessoas e bens e que as fianças acabadas de prestar subsistiriam ainda que houvesse alteração da renda então fixada e mesmo depois de decorrido o prazo de cinco anos a que se refere o art° 655, n° 2 do C. Civil.
-Na data referida as partes acordaram que a Ré não poderia fazer quaisquer obras de alteração do arrendado sem autorização prévia e por escrito da Autora nem levantar quaisquer benfeitorias pela mesma realizadas, ainda que autorizadamente nem por elas pedir indemnização ou alegar retenção.
-A Ré não pagou a renda vencida em 1 de Dezembro de 2004 nem as que se venceram posteriormente até 13 de Abril de 2005.
-Em 23 de Setembro de 2005 a Ré efectuou um depósito autónomo na Caixa Geral de Depósitos no valor de 6.750 Euros.
-Por carta datada de 12 de Julho de 2003 AR comunicou à Autora, por carta, autorizar a sublocação das salas 1 e 2 do prédio referido para ali ser instalado um salão de cabeleireiro, manicure e pedicure.
-Em data não apurada de 2004 a Ré requereu à Câmara Municipal de Lisboa a emissão de uma licença de utilização específica para poder exercer a sua actividade.
-Até Novembro de 2005 a licença em causa ainda não fora concedida
-O espaço sublocado à Ré beneficia de uma licença de utilização composta de uma ocupação destinada a actividades terciárias com área superior a 100 metros quadrados.
-A Ré, imediatamente após o acordo referido fez no locado as obras que entendeu e começou a exercer a sua actividade, mantendo-se explorar o estabelecimento comercial em causa até hoje.
-A Autora e os promitentes locadores à mesma do espaço nunca se opuseram ao exercício, pela Ré, da sua actividade de cabeleireiro, manicure e pedicure no mesmo espaço.
-Em 12 de Novembro de 2004 deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa um requerimento de AR de licenciamento de obras de alteração / legalização do espaço, ao abrigo do disposto no Dec. Lei n° 370/99 de 18 de Setembro, o qual corre seus termos sob o n° 1 907/EDJJ2004 para licenciamento do espaço para salão de cabeleireiro e clínica de estética.
-Por carta do mandatário da Autora datada de 2 de Dezembro de 2004 foi comunicado ao mandatário da Ré que o proprietário do prédio procedera já em 8 de Novembro de 2004 ao pedido de licenciamento.
-A Ré angariou clientela de cabeleireiro, manicure e pedicure no locado.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo.
1- Objecto do recurso.
2- Licença de utilização.
3- Rendas.
4- Conclusões.
1 – Objecto do Recurso

A ora Recorrente culminou a sua contestação pedindo a anulação do contrato “por impossibilidade legal do objecto” restituindo-se-lhe tudo o que prestou; a condenação da Autora a indemnizá-la pela perda de clientela e “investimentos feitos no locado”; dispensa do pagamento de rendas “até à decisão judicial, ou até à obtenção da respectiva licença.”

Na 2.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa foi declarado resolvido o arrendamento; as Rés condenadas no pagamento de rendas; e julgados improcedentes os pedidos de “declaração de nulidade do contrato de arrendamento e de indemnização à Ré.

Nas conclusões da apelação a Ré afirmou a nulidade do contrato de arrendamento dizendo ser lícito o não pagamento das rendas e culminando pedindo “que julgue procedente o pedido formulado pela Ré.”

A Relação negou provimento ao recurso remetendo para a sentença, nos termos do n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.

Nas conclusões da revista, acima elencadas, a recorrente pede a “resolução do subarrendamento” por “incumprimento definitivo por parte da Autora”, afirma não lhe ser “exigível o pagamento da renda” e a final que se “julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.”

Sendo o objecto do recurso limitado pelas conclusões da alegação, nos termos conjugados dos artigos 684.º, n.ºs 3 e 4 e 690.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, certo é que tais proposições sintéticas não podem consistir na mera afirmação da procedência do pedido da recorrente, antes contendo todo um raciocínio lógico-juridico a contrariar as razões adoptadas no aresto posto em crise, sempre com as especificações do n.º 2 do citado artigo 690.º.

E se a recorrente assim procedeu quanto à invocação da nulidade do contrato e à não obrigação do pagamento de quaisquer quantias, a titulo de rendas, não alinhou quaisquer argumentos para contrariar o julgado no segmento indemnizatório pelos investimentos feitos e pela perda de clientela.

E nem se diga que deveria ser proferida, nesta parte, o despacho aperfeiçoador a que se refere o n.º 4 do artigo 690.º da lei processual.

É que, já na apelação a recorrente deixara aquele ponto sem controvérsia o que convence da sua não impugnação aceitando, assim, o decidido e limitando, tacitamente, e desde então, o âmbito do primeiro recurso.

De outra banda, a afirmação final não reflecte o desenvolvido no corpo da alegação.

Passar-se-ão a conhecer, apenas as questões correctamente suscitadas: nulidade do arrendamento por ausência de licença de utilização; não obrigação de pagamento das rendas vencidas.

2 – Licença de utilização

2.1 – Louvando-se no artigo 9.º do R.A.U. (Decreto-Lei n.º 321/90, de 15 de Outubro) a recorrente pugna pela nulidade do contrato por, aquando da sua celebração não existir “licença de utilização para os fins pretendidos do espaço em questão.”

Invoca, ainda, o artigo 8.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas.

Mas não tem razão.

O artigo 9.º do R.A.U tem, precisamente, a sua origem no artigo 8.º do RGEU (Decreto-Lei n.º 38382 de 7 de Agosto de 1951) e ainda nos artigos 1.º do Decreto-Lei n.º 329/81, de 4 de Dezembro (“Só poderão ser efectuadas escrituras de arrendamento para comércio, indústria ou profissão liberal mediante a apresentação pelo locador de licença camarária donde conste ser essa a finalidade do imóvel ou que autorize a mudança de finalidade, se for outra, ou de certidão emitida pela repartição de finanças competente comprovativa de que foi declarado anteriormente o arrendamento do imóvel com essa finalidade, nos termos do artigo 116.º do Código da Contribuição Predial e do imposto sobre a indústria agrícola.”) e 2.º, n.º1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 13/86 de 23 de Janeiro (este, reportado aos arrendamentos para habitação), e é de aplicar aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992.

A exigência da licença de utilização radica-se na necessidade de obrigar os proprietários dos imóveis (novos, reconstruídos ou alterados) ao cumprimento de todas as normas legais, quer relativas à construção, quer de segurança, salubridade ou estética.

E é obrigatória para qualquer arrendamento, quer habitacional, quer para o exercício de actividade comercial, industrial, de profissão liberal ou de outra actividade, desde que licita, já que, e como nota o Conselheiro Aragão Seia (in “Arrendamento Urbano”, 7.ª ed, 508) “ é um requisito formal do contrato de arrendamento” e “destina-se a salvaguardar a posição jurídica do arrendatário, obviando a que este venha a encontrar-se sujeito a uma medida administrativa de despejo, quando o local arrendado não disponha de funcionalidade adequada ao seu uso.”

Daí que o senhorio só possa outorgar o contrato se detiver uma licença de utilização para o fim pretendido com o arrendamento, com base em vistoria realizada há menos de oito anos.

Essa vistoria poderá ser global – aquando da abertura do edifício – ou parcelar – para cada espaço a arrendar. (cf. Conselheiro Pinto Furtado, in “Manual do Arrendamento Urbano”, 2.ª ed, 338/9).

Mas há sempre que proceder a um “distinguo” entre licença de utilização para o exercício de uma actividade genérica (v.g., habitação, comércio, profissão liberal, etc.) e a licença de utilização para o exercício de qualquer “species” daquele “genus” (lar residencial, farmácia, consultório médico, etc.).

Só a primeira é obrigação do senhorio por se tratar de licenciamento do edifício para necessidades comuns a certo tipo de utilização e conciliá-lo com os direitos dos restantes condóminos (que,e v. g., vêm os espaços comuns frequentados por estranhos) e com a própria estrutura e configuração do edifício e suas acessibilidades.

Já licenças – tantas vezes equivalentes a alvarás – para o exercício de certo ramo (que podem implicar a realização de obras internas, instalações de água e electricidade próprias e definição de áreas de compartimentos) cumprem ao arrendatário que pretende exercer a actividade específica.

Assim decidiu este Supremo Tribunal (Acórdão de 13 de Dezembro de 2007 – 07 A 2766 – desta mesma conferência) ao dizer que “o senhorio tem a obrigação de assegurar o gozo da coisa ao locatário estando este obrigado ao pagamento da renda, como contrapartida, não cumprindo ao locador a obtenção de qualquer licença ou alvará. Se nada tiver sido convencionado em contrário, e tratando-se de arrendamento para exercício de restauração, é ao arrendatário que compete proceder às obras de adaptação, gestão de áreas, instalação de equipamentos e decoração para instalar o seu estabelecimento.”, entendimento que agora melhor se clarifica .

Também o Acórdão de 31 de Março de 2004 – 04 A639 – assim julgou: “o sinalagma que à obrigação (do arrendatário) do pagamento de rendas corresponde é o da prestação (do senhorio) de entregar e assegurar o gozo do locado e não o de obtenção da licença.”. Este aresto foi tirado para arrendamento de pretérito do artigo 9.º do R.A.U. mas já não vigência do artigo 8.º R.G.E.U.

2.2 – Aqui chegados, verifica-se resultar da matéria de facto assente pelas instâncias (resultante de admissão por acordo e do documento de fls. 150) que “o espaço sublocado à Ré beneficia de uma licença de utilização composta de uma ocupação destinada a actividades terciárias com área superior a 100 metros quadrados.

É sabido que o sector terciário da economia compreende todas as actividades relacionadas com o comércio e a prestação de serviços.

Engloba, para além do comércio tradicional, o comércio electrónico (ou informático) e, na prestação de serviços, desde a limpeza ao aconselhamento fiscal, incluindo a prestação de serviços quer a pessoas singulares quer a empresas.

É um sector que não produz bens mas essencial numa sociedade capitalista desenvolvida. Proporciona às pessoas todos os produtos industriais e agrícolas para consumo e ocupação dos tempos de lazer.

Contribui para o PIB de forma muito significativa, chegando aos 90% em certos países (v.g. Bélgica e Luxemburgo). Desenvolve-se, fundamentalmente, nos centros urbanos contribuindo, decisivamente, para o seu desenvolvimento.

Fora de dúvida, pois, que a actividade de cabeleireiro (e conexas, como manicure, pedicure, etc.) se integra no sector terciário.

Daí que o locado estivesse devidamente licenciado para, e na perspectiva de licença geral acima acenada, a instalação da actividade da recorrente.

Mais não cumpria à recorrida na qualidade de locadora.

2.3 – Mas mesmo que assim não se entendesse – o que só por mero raciocínio académico, e “ex abundantia”, se admite- nunca o contrato estaria ferido de nulidade.

É que, a falta de licença de utilização imputável ao senhorio – na vigência do artigo 9.º do R.A.U – sujeitava-o a coima (n.º5) e permitia ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou, em alternativa, a realização de obras que permitam adequar a fracção à finalidade pretendida. (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2006 – P.º 1871/06 e, quanto à mudança de finalidade da fracção, salvo tratando-se de arrendamento habitacional, o Acórdão de 31 de Janeiro de 2007 – 06 A4649 – desta mesma conferência) o que demonstra que o objecto do negócio não seria, neste caso, impedido por norma imperativa por “contra legem” ou “in fraudem legis”.

Improcedem, assim, as razões da recorrente.

3 – Renda

Outrossim, não tem a recorrente razão quando pretende exonerar-se do pagamento das rendas vencidas e vincendas, estas até à restituição do locado.

Por um lado, o contrato não surge viciado de nulidade ou de causa de anulação.

Mas ainda que fosse nulo – o que como acima se disse não se concede – sempre seriam devidas aquelas quantias.

É esta a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal (cf., v.g, e entre muitos, os Acórdãos de 15 de Fevereiro de 2005 – P.º n.º 4401/04-6.ª – e de 6 de Abril de 2006 – 05B4346) que decide que se, na sequência de contrato de arrendamento nulo, se constituiu posse (ou detenção) do arrendado, sem pagamento, mas subsistindo a ocupação do imóvel, é devido o valor correspondente à utilização da coisa (a renda acordada).

Sempre, em consequência, improcederia a argumentação da recorrente.

4 – Conclusões

Pode concluir-se que:
a) As conclusões da alegação de recurso são proposições sintéticas a condensar o desenvolvido no corpo do texto não se podendo limitar a uma mera afirmação da procedência do pedido, antes devendo conter um raciocínio lógico-juridico com as especificações do n.º 2 do artigo 690.º do Código de Processo Civil.
b) O artigo 9.º do R.A.U aplica-se aos arrendamentos celebrados após 1 de Janeiro de 1992 e não fulmina de nulidade o arrendamento de fracção não licenciado para a finalidade do contrato, antes,e se a falta de licença é da responsabilidade do senhorio, sancionando-o com coima e facultando ao arrendatário pedir a resolução do contrato ou a realização de obras que, adequando o locado, permitam o licenciamento.
c) A licença a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do RAU é a autorização genérica para o exercício de actividade inserível no sector económico pertinente, cumprindo ao inquilino a obtenção de licenças ou alvarás para o exercício de actividade especifica que se propõe .
d) Estando o prédio licenciado para o exercício de “actividades terciárias”, está cumprido o citado artigo 9.º do RAU se o senhorio o arrenda para instalação de um salão de cabeleireiro, devendo o inquilino obter licenças e alvarás típicas para aquela espécie de prestação de serviços.
e) Sendo declarado nulo o arrendamento de espaço detido e fruído pelo arrendatário deve este, enquanto durar a ocupação, pagar o valor correspondente à utilização da coisa (normalmente equivalente à renda acordada).

Nos termos expostos, acordam negar a revista.
Custas a cargo da Recorrente.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008

Sebastião Póvoas
Moreira Alves
Alves Velho