Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S1687
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: PRÉMIO DE ASSIDUIDADE
GREVE
ACORDO DE EMPRESA
METROPOLITANO DE LISBOA
Nº do Documento: SJ200903040016874
Data do Acordão: 03/04/2009
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR Iª SÉRIE, 65,02-04-2009,P.2073-2079.
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :

1. As ausências ao trabalho resultantes de adesão à greve lícita não são consideradas faltas, para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª do Acordo de Empresa celebrado entre o Metropolitano de Lisboa, E. P., e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 13, 1.ª série, de 8 de Abril de 2002.

2. Sendo de presumir que as partes outorgantes do AE souberam exprimir o seu pensamento em termos adequados e, não podendo elas ignorar o sentido jurídico-laboral da palavra falta, dada a natureza normativa do AE, não seria razoável que tivessem utilizado esse termo, naquela cláusula, com sentido diverso.

3. Por outro lado, os outorgantes do AE também não podiam ignorar que, nos termos da Lei da Greve, as ausências ao trabalho, quando motivadas por adesão à greve lícita, não são consideradas como faltas ao serviço, pelo facto de os contratos de trabalho dos trabalhadores grevistas se encontrarem suspensos e essa suspensão os liberar do cumprimento do dever de assiduidade.

4. Neste contexto, as ausências ao trabalho por motivo de adesão à greve lícita nunca poderiam ser consideradas como faltas, para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª, o que explica, naturalmente, que as mesmas não tenham sido referidas no elenco das situações previstas no n.º 4 da referida cláusula, que os outorgantes do AE consideraram como irrelevantes, para efeito da atribuição do prémio de assiduidade.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
O Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Colectivos do Distrito de Lisboa veio, ao abrigo do disposto no art.º 183.º e seguintes do CPT, intentar, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção, para interpretação da Cláusula 27.ª (“Prémio de assiduidade”) do Acordo de Empresa celebrado entre o Metropolitano de Lisboa, E. P., e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 13, I Série, de 8 de Abril de 2002, cujo teor é o seguinte:
“1 - Aos trabalhadores abrangidos por este acordo é atribuído um prémio cujo valor mensal é de € 51,50.
2 - Tem direito ao prémio referido no número anterior o trabalhador que, no decurso do mês respectivo, não exceder cinco horas de faltas.
3 - O prémio é pago juntamente com o salário do mês seguinte àquele a que respeita.
4 - Para efeitos de aplicação do disposto nos n.os 1 e 2, não integram o conceito de falta as seguintes situações:
a) Férias;
b) As necessárias para cumprimento de obrigações legais;
c) As motivadas por consulta, tratamento ou exame médico, por indicação da medicina ao serviço da empresa;
d) Formação profissional, interna ou externa, por indicação da empresa;
e) As requeridas pelo exercício de funções de dirigente e delegado sindical, membro da comissão de trabalhadores e das subcomissões de trabalhadores;
f) As dadas pelos eleitos locais ao abrigo do crédito legal de horas e dispensas destinadas ao desempenho das suas funções;
g) As dadas pelos candidatos a deputados à Assembleia de República, a órgãos das autarquias locais e pelos membros das mesas eleitorais;
h) Luto;
i) Aniversário natalício do trabalhador;
j) Doação de sangue;
k) As dadas por motivo de amamentação e aleitação;
l) As dadas por motivo de acidente de trabalho;
m) As dadas ao abrigo do Estatuto do Trabalhador-Estudante.”

Alegando que o Metropolitano de Lisboa, E. P., vem a entender que as ausências verificadas por motivo de adesão à greve devem ser consideradas faltas, para efeito da atribuição do prémio de assiduidade, por se tratar de uma situação não elencada no n.º 4 da cláusula em questão e que essa interpretação é errada e ilegal, o autor veio pedir que a cláusula 27.ª fosse interpretada no sentido de que as ausências dadas por motivo de greve eram irrelevantes para a atribuição do prémio de assiduidade.

Mais concretamente, pediu que a cláusula fosse interpretada “no sentido de que a falta de menção expressa da situação de ausências dos trabalhadores por motivo de greve como uma situação geradora da perda do direito à atribuição do prémio de assiduidade significa que essas ausências não devem ser consideradas para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade previsto nos n.ºs 1 e 2 da Cláusula e que a falta de menção expressa da situação de ausência por motivo de greve nas alíneas do n.º 4 da Cláusula deve ser interpretada no sentido de que essas ausências não estão mencionadas porque, não integrando o conceito de falta, não carecem de ser excluídas desse conceito, pelo que, para que pudessem estar incluídas, no mínimo, sempre a Cláusula teria de o dizer expressamente”.

E, em prol da sua tese, alegou, em resumo, o seguinte:
- o “Metropolitano de Lisboa” só assumiu aquela interpretação relativamente à greve efectuada no dia 10 de Dezembro de 2002, já que, antes disso, e desde a entrada em vigor da aludida cláusula, em 1999, nunca tinha considerado as ausências por motivo de greve como faltas ao serviço e, como tal, nunca as tinha contabilizado para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade, apesar de se terem realizado inúmeras greves;
- tal como o “Metropolitano de Lisboa” a entendia, reconhecia e interpretava, a Cláusula 27.ª não pretende integrar a adesão à greve no conceito de faltas para efeitos da atribuição do mencionado prémio nem é esse o motivo por que a situação de greve não se encontra expressamente elencada nas alíneas do n.º 4;
- com efeito, a referida Cláusula não tinha que prever expressamente a situação de greve, dado que, durante a greve, o contrato de trabalho dos trabalhadores a ela aderentes se suspende, não sendo correcto, por isso, falar-se em faltas;
- e mais incorrecto seria, ainda, falar-se em absentismo, em virtude do exercício do direito de greve estar constitucionalmente consagrado;
- para serem consideradas faltas, a Cláusula 27.ª teria de o dizer expressamente;
- não o fazendo, não pode deixar de se entender e interpretar como estando excluídas do conceito de faltas;
- a tal não obsta o facto das “férias”estarem previstas e elencadas no n.º 4 da Cláusula, como não integrando o conceito de falta, uma vez que tal menção não era necessária para que as férias não fossem consideradas faltas, pois, se assim não fosse, as ausências verificadas nos dias feriados, nos dias de descanso semanal e nos dias de descanso compensatório teriam de ser consideradas faltas para efeitos da aplicação dos n.os 1 e 2 da Cláusula 27.ª;
- nem se diga que as partes outorgantes do Acordo de Empresa, ao não elencar expressamente a greve no n.º 4 da Cláusula, o fizeram por pretenderem incluir as respectivas ausências no conceito de falta, para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade, quando, inclusivamente, excluíram desse conceito situações como as ausências requeridas para o exercício de funções de dirigente e delegado sindical, membro da Comissão de Trabalhadores e das Subcomissões de Trabalhadores e a ausência no dia de aniversário natalício do trabalhador;
- na verdade, uma tal interpretação em nada se coadunaria com os objectivos que se pretenderam atingir com a instituição do prémio de assiduidade previsto na Cláusula 27.ª, dado que, com vista à diminuição da taxa de absentismo, se admitiria, por um lado, um conjunto lato de situações como não integrando o conceito de faltas e, por outro lado, se consideraria o exercício do direito à greve, constitucionalmente consagrado, como integrando tal conceito;
- a ser assim, o que se visaria não seria a diminuição da taxa de absentismo, mas sim a limitação do exercício do direito de greve, o que constituiria uma violação intolerável desse direito, na medida em que consubstanciaria uma forma de pressão ilícita sobre os trabalhadores, coagindo-os a não aderirem à greve, ou restringindo esse direito apenas a cinco horas mensais, o que sempre seria ilegal por violação do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, actualmente, do art.º 603.º do Código do Trabalho;
- de resto, a interpretação do art.º 10.º da Lei n.º 65/77, segundo a qual não constitui coacção, prejuízo ou discriminação o não pagamento do prémio de assiduidade, com fundamento na ausência verificada por adesão à greve, sempre seria inconstitucional, por violação dos art.os 13.º, 18.º e 57.º da Constituição da República Portuguesa;
- da mesma forma, por violação dos mesmos normativos constitucionais, seria inconstitucional a interpretação do art.º 10.º da Lei n.º 65/77, no sentido de integrar a ausência por motivo do exercício do direito de greve no conceito de faltas.

Todos os outorgantes do Acordo de Empresa em questão foram citados, para alegarem e apresentarem os seus meios de prova, nos termos do art.º 184.º do CPT, mas só o Metropolitano de Lisboa, E. P., o STTM – Sindicato dos Trabalhadores de Tracção do Metropolitano e o SITRA – Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes Rodoviários e Afins usaram dessa faculdade.

O STTM e o SITRA aderiram à tese perfilhada pelo sindicato autor, mas o Metropolitano de Lisboa excepcionou a impropriedade do meio processual utilizado pelo autor e sustentou a improcedência da acção.

Mais concretamente, o Metropolitano de Lisboa alegou o seguinte:
- as acções previstas nos artigos 183.º a 186.º do CPT respeitam à anulação e interpretação de cláusulas de convenções colectivas de trabalho;
- interpretar significa determinar o sentido com que hão-de valer as declarações contidas numa norma, se valerem;
- o autor apenas pretende esclarecer se, face ao teor da Cláusula 27.ª, as ausências dos trabalhadores por motivo de greve são, ou não, uma situação geradora da perda do direito ao prémio de assiduidade nela previsto;
- não é possível requerer-se a interpretação da citada cláusula pelo facto do Metropolitano de Lisboa entender que aquelas ausências são consideradas faltas para efeito da atribuição do dito prémio, pois o facto de o Metropolitano de Lisboa aplicar a referida cláusula não é motivo suficiente para requerer a sua interpretação, uma vez que não está em causa qualquer divergência sobre o conteúdo da mesma;
- na verdade, o que é solicitado ao tribunal é que este decida, independentemente do disposto na cláusula, que o prémio de assiduidade seja atribuído a trabalhadores que adiram a greve, sob pena de se limitar o exercício do direito à greve;
- suscitando-se dúvidas sobre a legalidade do teor da cláusula, o que se devia requerer era que o tribunal declarasse a ilicitude da mesma;
- assim, o meio processual a que o autor recorreu não é o próprio (art.º 183.º, n.º 4, a contrario, do CPT), o que configura uma excepção dilatória (art.º 493.º, n.º 2, do CPC) que obsta a que o tribunal conheça do mérito da causa;
- as convenções colectivas obrigam as entidades que as subscrevem nos termos, e apenas nos termos, em que se quiseram obrigar;
- na cláusula 27.ª do AE, as partes outorgantes do AE não incluíram expressamente a greve no elenco das ausências que permitiam a percepção do prémio de assiduidade;
- e, atendendo ao seu conteúdo fechado, expressamente acordaram, a contrario sensu, que o período de greve é contabilizado no número de horas definido no n.º 2 da cláusula 27.ª, isto é, faltando, por motivo de adesão à greve, em períodos superiores a cinco hora, não há direito à percepção do prémio de assiduidade;
- uma outra interpretação, em sentido diferente, violaria o direito constitucional da contratação colectiva;
- a interpretação perfilhada não implica a violação de qualquer direito dos trabalhadores, uma vez que nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 65/77 (Lei da Greve), a greve suspende, no que diz respeito aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição;
- a atribuição do prémio de assiduidade é definida pela assiduidade e depende da prestação efectiva de trabalho, salvo as situações taxativamente enumeradas na cláusula 27.ª do AE;
- pela adesão à greve não há prestação de trabalho e, correspondentemente, não há lugar ao pagamento da retribuição, de toda a espécie de retribuição que esteja dependente e que seja calculada em função de determinada ou determinadas unidades de tempo de trabalho efectivo, ou para o efeito equiparado como tal;
- as unidades de tempo de suspensão do trabalho por efeito da greve, não excepcionadas na cláusula 27.ª, são ausências a contabilizar para efeito da atribuição do prémio de assiduidade;
- as cinco horas de faltas referidas na cláusula 27.ª são efectivamente cinco horas de ausência, não contando aquelas ausências, faltas ou não, que a própria cláusula expressa e exclusivamente prevê;
- a formulação da cláusula é bem clara e as palavras que integram o seu enunciado linguístico são tão explícitas e categóricas que não podem exprimir mais do que um só pensamento;
- o sentido natural e directo do texto da cláusula colide com o resultado interpretativo preconizado pelo autor, sendo que este não tem o mínimo de correspondência verbal no texto da cláusula, não podendo, por isso, também, ser acolhido;
- se, eventualmente, em outras greves foi atribuído o prémio de assiduidade, tal não sucedeu por se ter um entendimento diferente da cláusula, mas sim por outros motivos.

Realizado o julgamento e decidida a matéria de facto, foi proferida sentença julgando a acção improcedente, com o fundamento de que a cláusula 27.ª não permite que dela se extraia a interpretação pretendida pelo autor, uma vez que a não alusão à greve tanto pode ser interpretada num sentido como noutro (ser considerada falta, ou não, para efeito da atribuição do prémio de assiduidade), sendo que o verdadeiro fundamento da falta de referência expressa à greve no n.º 4 da cláusula se pode extrair da própria natureza e dos efeitos da greve, uma vez que, de acordo com o art.º 7.º, n.º 1, da Lei n.º 65/77, de 26/8, a greve suspende as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição, desvinculando os trabalhadores do dever de assiduidade, daí decorrendo que, se o trabalhador aderente à greve deixa de ter direito à retribuição no período correspondente, por maioria de razão não pode pretender ter acesso a um prémio que visa justamente compensar a sua assiduidade, não tendo, por isso, a cláusula 27.ª de dizer expressamente que as ausências por adesão à greve são faltas, com a consequente perda do direito ao prémio, por tal ser despiciendo, acrescendo que não se verifica qualquer inconstitucionalidade, dado que, como decorre da lei, não há obrigatoriedade de pagamento da retribuição, nem qualquer violação do direito à greve, uma vez que os trabalhadores já sabem que, nesse período, não terão direito a retribuição e, por maioria de razão, ao prémio de assiduidade.

O autor recorreu da sentença e fê-lo com relativo sucesso, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por maioria, julgar parcialmente procedente o recurso, declarando que a cláusula deve ser interpretada “no sentido de que a falta de menção expressa da situação de ausências dos trabalhadores por motivo de greve como uma situação geradora da perda do direito à atribuição do prémio de assiduidade significa, apenas, que essas ausências não estão consideradas na referida cláusula, para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade previsto nos n.os 1 e 2 dessa Cláusula”.

E tal decisão assentou na seguinte fundamentação:
- resulta, com clareza, do teor da cláusula 27.ª que a atribuição do prémio de assiduidade está dependente do facto de os trabalhadores não excederem, no mês a que respeita o prémio, cinco horas de faltas, estando excluídas desse regime as faltas elencadas no n.º 4;
- sendo a falta, na terminologia legal, a ausência do trabalhador no local de trabalho durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito, com a mesma não se confunde a ausência do trabalhador motivada pelo exercício do direito de greve, uma vez que esta é um direito fundamental dos trabalhadores, não sendo, por isso, a ausência ao serviço motivada pelo exercício desse direito compaginável com o regime de faltas;
- as faltas pressupõem a violação do dever de assiduidade e o exercício do direito à greve em nada interfere com esse dever, dado que a greve suspende, no que diz respeito aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente, o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os do dever de assiduidade;
- ora, estando desvinculado desse dever, o trabalhador que aderiu à greve não falta ao trabalho, pois só falta quem tem o dever de estar presente e não está;
- a cláusula, cujo sentido e alcance se procura esclarecer, estabelece um prémio de assiduidade para o trabalhador que, no decurso do mês respectivo, não exceder cinco horas de falta;
- daí resulta que a não atribuição do prémio está intimamente relacionada com a existência de faltas ao serviço;
- ora, uma vez que o trabalhador que adere a uma greve lícita não viola o dever de assiduidade, não cometendo, por isso, qualquer falta, não pode estar excluído do referido prémio;
- o normativo que determina a exclusão da atribuição do prémio por faltas (o n.º 2 da cláusula 27.ª) é, pois, inócuo, neutro, em relação à atribuição desse prémio ao trabalhador que, no exercício do seu direito legal e constitucional, adere a uma greve lícita;
- o facto do n.º 4 da cláusula não fazer qualquer referência aos períodos de greve apenas inculca no sentido de que as partes não sentiram necessidade de expressamente se lhe[s] referir por tais períodos nunca poderem ser considerados como faltas e, por isso, não estarem abrangidos pelo n.º 2 da mesma cláusula”;
- não olvidamos que o referido prémio pode revestir a natureza de retribuição, sendo que, por via da suspensão do contrato de trabalho durante a greve, o trabalhador não tem direito à retribuição, mas essa retribuição só não é devida durante o período em que a greve, a que o trabalhador aderiu, decorreu;
- assim sendo, não vemos qualquer obstáculo a que também o prémio de assiduidade, na medida em que é considerado retribuição, seja reduzido na proporção do tempo de greve, não por força do estabelecido na cláusula 27.ª, mas por força dos efeitos da greve;
- ficam, deste modo, equilibrados os direitos e deveres de prestação de trabalho e contraprestação da retribuição resultantes do contrato sinalagmático e, ao mesmo tempo, salvaguardado o princípio constitucional da proporcionalidade, o qual poderia estar em causa se, ao exercício de um direito de natureza constitucional durante meia dúzia de horas, se fizesse corresponder uma sanção que atingisse a totalidade do complemento salarial equivalente a um mês.

Inconformado com o acórdão da Relação, o Metropolitano de Lisboa, E. P., interpôs recurso de revista, resumindo a respectiva alegação nas seguintes conclusões:
1.ª - O douto acórdão recorrido, por não se ter apoiado na letra do texto da cláusula 27.ª do AE, interpretou incorrectamente o art.º 9.º do Código Civil, pois:
a) Nos termos daquela cláusula é atribuído um prémio de assiduidade cujo valor mensal é de 51,50 € (n.º 1); tem direito ao prémio referido no número anterior, o trabalhador que, no decurso do mês respectivo, não exceder cinco horas de falta (n.º 2); para efeitos de aplicação do disposto nos números 1 e 2, não integram o conceito de falta, as seguintes situações (…) (n.º 4).
b) O douto acórdão recorrido, face ao seu teor, considerou que: o trabalhador que adere a uma greve não "falta" ao trabalho; a não atribuição do prémio está relacionada com a existência de faltas; o trabalhador que adere a uma greve, não falta, logo não está excluído do prémio; o n.º 4 da cláusula 27.ª é "inócuo" e neutro relativamente à atribuição do prémio ao trabalhador que adere à greve; a não inclusão da greve no n.º 4 é porque era redundante, daí que as partes não sentiram necessidade de a referir, porque, em circunstância alguma, não pode ser considerada falta e, logo estar abrangida pelo n.º 2 da mesma cláusula.
c) A não atribuição do prémio não está relacionada com a existência de faltas, tanto que o n.º 4 da mesma cláusula, especifica as situações que – e exclusivamente para efeitos de aplicação do disposto nos números 1 e 2 – não são consideradas faltas.
d) Tendo as partes outorgantes do AE tido o cuidado, para um bom entendimento dos trabalhadores destinatários do prémio de assiduidade, de explicitar o sentido, que valeria para elas, do conceito de "faltas" inscrito no n.º 2.
e) Para as partes outorgantes, o sentido que vale, para este efeito, de "falta", é aquele que foi, explícita e categoricamente, contemplado na citada cláusula, e não outro.
f) Tanto que incluíram as férias, porque a generalidade dos trabalhadores da recorrente não pode gozar o seu período de férias seguido, antes, é dividido por pequenos períodos ao longo de todo o ano.
g) E não incluíram os dias feriados e fins-de-semana, porque não são ausências ao trabalho – e o n.º 4 contempla situações de ausência ao trabalho – e porque, como a generalidade dos trabalhadores da recorrente presta o seu trabalho normalmente em dias feriados e fins-de-semana, não era possível incluir os feriados e fins-de-semana como situações de ausência ao trabalho, sem perda de prémio, porque nesses dias muitos dos trabalhadores prestam normalmente o seu trabalho.
2.ª - Conclui-se, pois, pelo carácter taxativo da enumeração constante do n.º 4 da cláusula 27.ª do AE, como situações de ausência ao trabalho – apenas aquelas com exclusão de quaisquer outras ­que não são contabilizadas como "faltas" para a não atribuição do prémio de desempenho.
3.ª - A interpretação definida no douto acórdão recorrido, por não ter na norma um mínimo de correspondência verbal, não é possível, pois colide com o sentido natural e directo do seu texto.
4.ª - Apesar da recorrente só ter pago o prémio de assiduidade (nunca após Maio de 2000) em casos extraordinários e por motivos gestionários, e depois de resolvido o conflito subjacente à greve, os trabalhadores que aderiram às greves e, por isso, não receberam o prémio de assiduidade, nunca reclamaram sobre esse não pagamento, nem colocaram a questão em Tribunal, nem nunca foi sentida a necessidade de constituir a comissão paritária, prevista no AE (cláusula 4.ª), para interpretar a mesma cláusula.
5.ª - Estes elementos, de carácter histórico, acompanham, sem qualquer dúvida, a apreensão do sentido literal da norma, e que coincide com a vontade real das partes, clara e inequivocamente demonstrada no texto da cláusula, no sentido de que os períodos de ausência por greve são contabilizados para o cômputo das cinco horas que impede a atribuição do prémio de assiduidade.
6.ª - Pela adesão à greve não há, nessa medida, prestação de trabalho e, correspectivamente, não há lugar ao pagamento da retribuição: de toda a espécie de retribuição que esteja dependente e seja calculada em função de determinada ou determinadas unidades de tempo de trabalho efectivo, como é o caso do prémio de assiduidade (não excepcionado na cláusula da atribuição do prémio).
7.ª - Daí que, como a suspensão do pagamento de toda a espécie de retribuição decorre da própria lei – artigo 7.º/1 da Lei 65/77, de 26/08 e artigo 597.º/1 do Código do Trabalho – a cláusula 27.ª não diz, nem tem que dizer expressamente, que as ausências por adesão à greve são faltas, com a consequente perda do direito ao prémio, por tal ser despiciendo.
8.ª - Tanto assim é que as situações elencadas no n.º 4 da cláusula 27.ª, e com excepção das férias, porque tal é legalmente imperativo, são todas consideradas como situações ou "faltas" que "não determinam a perda ou prejuízo de quaisquer direitos ou regalias do trabalhador, nomeadamente a retribuição" (Anexo V – Manual de procedimentos sobre faltas e ausências – ao AE, fls. 558 a 562 do BTE junto com a p.i. vd. n.º 2 do artigo 2.º).
9.ª - Concluindo-se, assim, que, em consonância com o espírito ou unidade do próprio AE, as partes instituíram o prémio de assiduidade para os trabalhadores que, nesse mês, não excedessem cinco horas de "falta", não contando para essas cinco horas situações de ausência que, segundo a Lei, de forma imperativa, não determinam perda de retribuição (férias), ou que, segundo o AE, também não determinam perda de retribuição.
10.ª - À mesma conclusão se chega, interpretando a cláusula 27.ª num quadro lógico com as demais disposições legais, nomeadamente as que respeitam a institutos e figuras afins, como é o caso das "faltas" dadas pelos dirigentes sindicais que ultrapassem o crédito de dias legal, [em que] é também excluída a concessão, nomeadamente do prémio de assiduidade.
11.ª - Assim, e em conclusão, tendo em conta a intenção dos declarantes, o teor verbal da cláusula 27.ª, o sentido que um declaratário normal pode dela deduzir, os elementos carácter histórico que acompanham a apreensão do sentido literal da norma, a razão de ser da norma e o fim visado pelas partes nas soluções que se têm em vista, a sua relação lógica com as demais disposições legais, nomeadamente as que respeitam a institutos e figuras afins, o sentido do disposto no art.º 237.º do Cód. Civil leva a considerar que os períodos de greve, excluídos do n.º 4, são contabilizados para o cômputo das horas de não prestação de trabalho que determinam a não atribuição do prémio de assiduidade.
12.ª - Interpretação essa que é a única que se coaduna com o equilíbrio dos direitos (e deveres) de prestação (de trabalho) e contraprestação (da retribuição) resultantes do contrato sinalagmático, e, ao mesmo tempo, salvaguarda o princípio constitucional da proporcionalidade.
13.ª - A interpretação que é feita pelo tribunal recorrido da cláusula 27.ª viola os n.os 3 e 4 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa, porque as partes outorgantes expressamente não incluíram a "greve" no elenco das situações de ausência que permitem a percepção do prémio de assiduidade, e que agora o acórdão recorrido entende que deve ser incluído.
14.ª - A interpretação que é feita pelo Tribunal recorrido da cláusula 27.ª viola os princípios constitucionais da igualdade (art.º 13.º) e do “trabalho igual salário igual”, na medida em que altera a regra de atribuição do prémio de assiduidade em função de determinadas unidades de tempo de trabalho efectivo: remunerando igualmente quem presta trabalho em diferente quantidade e produtividade.
15.ª - De acordo com as regras e princípios legais de interpretação e dos princípios constitucionais aplicáveis, deve julgar-se que, face ao teor da cláusula 27.ª do AE, apenas não integram o conceito de "falta", para efeito de atribuição do prémio de assiduidade, as situações elencadas no seu n.º 4, com exclusão de quaisquer outras, nomeadamente os períodos de greve.

Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e, em consequência, como decidiu a primeira instância, decidir-se que, de acordo com as regras legais de interpretação e dos princípios constitucionais aplicáveis, deve julgar-se que, face ao teor da cláusula 27.ª do AE, apenas não integram o conceito de "falta", para efeito de atribuição do prémio de assiduidade, as situações elencadas no seu n.º 4, com exclusão de quaisquer outras, nomeadamente os períodos de greve.

O autor e os demais intervenientes não contra-alegaram e, neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se pelo não provimento do recurso, em “parecer” que mereceu resposta discordante da ré.

Colhidos os vistos dos juízes adjuntos e inscritos os autos em tabela, decidiu-se que os mesmos deviam ir a vistos dos demais juízes da secção, por força do disposto no art.º 732-A, n.º 1, do CPC, subsidiariamente aplicável ex vi art.º 1.º, n.º 2, alínea a) do CPT, uma vez que, nos termos do art.º 186.º do Código de Processo do Trabalho, o presente acórdão terá o valor do proferido em julgamento ampliado de revista, em processo civil.

Corridos os restantes vistos, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos que, sem qualquer impugnação, vêm dados como provados desde a 1.ª instância são os seguintes:
1. Relativamente à greve que se efectuou no dia 10 de Dezembro de 2002, o Metropolitano de Lisboa, E.P., não pagou aos seus trabalhadores que aderiram à greve o prémio de assiduidade, mas procedeu à posterior reposição do respectivo montante através do pagamento pelo centro cultural e desportivo de um prémio especial, por depósito bancário.
2. O prémio de assiduidade foi criado em 1999 pelo Metropolitano de Lisboa, E.P..
3. Realizaram-se greves nos dias 20, 22 e 24 de Setembro de 1999, 6, 8 e 28 de Outubro de 1999, 26 e 27 de Janeiro de 2000, 28 de Março de 2000, 11 e 18 de Abril de 2000 e 3, 9 e 16 de Maio de 2000.
4. Relativamente às greves do ano de 2000 e relativamente aos trabalhadores que aderiram às mesmas, o Metropolitano de Lisboa, E.P., só pagou o prémio de assiduidade quanto à greve de Maio desse ano.
5. Relativamente a algumas greves, em casos extraordinários e depois de resolvido o conflito subjacente à greve, o Conselho de Gerência do Metropolitano de Lisboa, E.P., decidiu atribuir aos seus trabalhadores que aderiram a essas greves o prémio de assiduidade, por motivos gestionários, o que nunca mais sucedeu depois de 2002.

3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso abraça as seguintes questões:
- Saber se é de acolher a interpretação dada pela Relação à cláusula 27.ª do Acordo de Empresa (AE) celebrado entre o Metropolitano de Lisboa, E. P., e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 13, de 8 de Abril de 2002;
- e, na hipótese afirmativa, saber se essa interpretação viola o disposto no art.º 56.º, n.os 3 e 4 (direito de contratação colectiva) e no art.º 13.º (princípio da igualdade na vertente de trabalho igual, salário igual) da Constituição da República Portuguesa.

3.1 Da interpretação da cláusula 27.ª
Como decorre do texto da cláusula 27.ª acima já transcrita, o Metropolitano de Lisboa, E. P., e as organizações sindicais que subscreveram o AE em que a mesma se insere acordaram na atribuição de um prémio, que denominaram de prémio de assiduidade, no valor mensal de € 51,50, aos trabalhadores abrangidos pelo AE (n.º 1 da cláusula) que, no decurso do respectivo mês, não dessem mais de cinco horas de faltas (n.º 2 da cláusula), sendo que, para efeitos da atribuição do prémio, não eram tidas como faltas as verificadas nas situações previstas no n.º 4 da cláusula.

A questão que o Sindicato autor veio colocar, na presente acção, foi a de saber se as ausências por motivo de greve devem ser consideradas, ou não, como faltas, para efeito do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª, uma vez que não fazem parte do elenco das situações previstas no n.º 4.

Já vimos qual é a posição do Sindicato autor e dos dois Sindicatos que apresentaram alegações. E também já vimos qual é o entendimento do Metropolitano de Lisboa, E.P., e qual foi a interpretação perfilhada nas instâncias.

O autor defende a tese de que as ausências por greve não deviam ter qualquer relevo, para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade, apesar de não constarem da lista de situações referidas no n.º 4 da cláusula 27.ª, com o fundamento de que não são faltas, dado que, durante a greve, o trabalhador não está vinculado ao dever de assiduidade, o que implicaria, para serem consideradas como tal, que a cláusula 27.ª o dissesse expressamente.

Nas instâncias entendeu-se que tais ausências não são realmente faltas, devido à suspensão do dever de assiduidade durante a greve e que a sua não inclusão no n.º 4 da cláusula 27.ª se ficou a dever precisamente a esse facto, perante o qual as partes outorgantes do AE não terão sentido a necessidade de expressamente fazer referência aos períodos de greve, por não estarem estes abrangidos pelo n.º 2 da cláusula em questão.

Por outras palavras, as instâncias decidiram que as ausências ao trabalho por motivo de greve não devem ser contabilizadas para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª (acabando, implicitamente, por dar razão aos autores, nesta parte), mas também decidiram que as mesmas não eram de todo irrelevantes para a atribuição do prémio de assiduidade, ficando o pagamento deste sujeito ao regime jurídico da greve, nos termos do qual o trabalhador não tem direito à retribuição.

Todavia, neste particular do pagamento do prémio de assiduidade durante o período de greve, as instâncias divergiram:
- na 1.ª instância entendeu-se, pelo menos implicitamente, que a adesão à greve implicava o não pagamento da totalidade do prémio de assiduidade do respectivo mês;
- na Relação entendeu-se que as ausências por motivo de greve só determinavam a redução do prémio na proporção do tempo de greve.

No recurso de revista, o réu Metropolitano insiste na tese de que todas as ausências ao trabalho contam para efeitos do n.º 2 da cláusula 27.ª, excepto as que estão taxativamente previstas no seu n.º 4.

Vejamos.

Como é sabido, as convenções colectivas de trabalho – que são uma das fontes do direito do trabalho (art.º 12.º, n.º 1, da LCT e art.º 1.º do Código do Trabalho) – contêm disposições de conteúdo obrigacional, que vinculam apenas as partes que as subscreveram, e disposições de conteúdo regulamentar ou normativo que visam regular as relações laborais a que as mesmas são aplicáveis.

E, segundo a melhor doutrina, na interpretação da parte obrigacional deve atender-se ao disposto no art.º 236.º e seguintes do Código Civil e, na parte regulativa, deve recorrer-se ao disposto no art.º 9.º do C.C., uma vez que, nesta parte, produzem efeitos em relação a terceiros, aproximando-se, por isso, da lei, embora desta se distingam, por não emanarem unilateralmente do poder central ou regional, provindo, antes, de negociações entre sujeitos privados.
Ora, face ao disposto no art.º 9.º do C.C., a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (n.º 1), sendo que não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 2) e que, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3).

E, tendo presentes os critérios estabelecidos no art.º 9.º, não podemos deixar de presumir que as partes outorgantes do instrumento de regulamentação colectiva a que pertence a cláusula agora objecto de interpretação souberam exprimir o seu pensamento, a sua vontade, em termos adequados, o que vale por dizer, que não podiam ignorar o sentido jurídico da palavra falta e que, ao usarem esse termo, na cláusula 27.ª do AE, o fizeram com esse sentido, pois não seria razoável que assim não fosse, dada a natureza normativa do AE.

Nos termos do art.º 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 874/76, de 28 de Dezembro (em vigor à data da celebração do AE), “falta é a ausência do trabalhador durante o período normal de trabalho a que está obrigado”, e, como deste conceito decorre, a falta ao trabalho corresponde a uma violação do dever de assiduidade e este importa, naturalmente, que o trabalhador esteja obrigado a prestar a sua actividade no período em questão.

Sucede, porém, que um dos efeitos da greve é a suspensão das relações emergentes do contrato de trabalho dos trabalhadores que a ela aderirem, nomeadamente no que toca ao direito à retribuição, aos deveres de subordinação e assiduidade.

O art.º 7.º da Lei da Greve (a Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, em vigor à data da celebração do AE), cuja epígrafe é precisamente “Efeitos da greve”, era claro e inequívoco a esse propósito, ao estipular, no seu n.º 1, que “a greve suspende, no que respeita aos trabalhadores que a ela aderirem, as relações emergentes do contrato de trabalho, nomeadamente o direito à retribuição e, em consequência, desvincula-os dos deveres de subordinação e assiduidade”.

Os outorgantes do AE não podiam ignorar o normativo referido e, consequentemente, não podiam ignorar que as ausências ao trabalho, quando motivadas por adesão à greve lícita, não podiam ser consideradas legalmente como faltas ao serviço, pelo facto de os contratos de trabalho dos trabalhadores grevistas se encontrarem suspensos e dessa suspensão os liberar do cumprimento do dever de assiduidade.

E, neste contexto, é óbvio que as ausências ao trabalho por motivo de adesão à greve nunca poderiam ser consideradas como faltas, para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª, o que explica, naturalmente, que não tenham sido referidas no elenco de faltas previsto no n.º 4 da referida cláusula, que os outorgantes do AE consideraram como irrelevantes, para efeito da atribuição do prémio de assiduidade.

Como bem se diz no acórdão recorrido, “o facto de o n.º 4 da referida cláusula não fazer qualquer referência aos períodos de greve apenas inculca no sentido de que as partes não sentiram necessidade de expressamente se lhe referir por tais períodos nunca poderem ser considerados como faltas e, por isso, não estarem abrangidos pelo n.º 2 da mesma cláusula”.

É certo que o dever de assiduidade também não existe durante as férias e que estas fazem parte do referido elenco, mas tal inclusão não é argumento suficientemente forte, para se concluir que os outorgantes do AE usaram o termo faltas com um sentido diferente do legal.

Acresce que os outorgantes do AE também não podiam ignorar que o direito à greve é um direito fundamental, constitucionalmente reconhecido (art.º 57.º da CRP); que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas; que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; e que as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (art.º 18.º da CRP).

E, do mesmo modo, não podiam desconhecer que os instrumentos de regulamentação colectiva também não podem “limitar o exercício dos direitos fundamentais constitucionalmente garantidos” (art.º 6.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29/12, em vigor à data em que o AE foi celebrado).

E, finalmente, também não podiam olvidar que a cláusula 27.ª do AE, quando interpretada no sentido de que as ausências dadas ao trabalho motivadas por adesão à greve deviam ser consideradas faltas para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade, se traduziria numa restrição substancial do direito à greve.

Dentro dos condicionalismos referidos, se a intenção das partes outorgantes do AE tivesse sido a de considerar relevante, para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª, a não comparência ao serviço por motivo de adesão à greve, seria lógico que tivessem expressado essa sua vontade recorrendo a uma linguagem mais precisa e clara do que aquela que utilizaram.

Não o tendo feito, temos de concluir que a não comparência ao trabalho devido à adesão à greve não foi tida por elas como relevante, para efeitos da atribuição do prémio de assiduidade, o que implica a improcedência do recurso, nesta parte, sem que isso signifique que os termos da interpretação perfilhada pela Relação sejam inteiramente de manter.

3.2 Da alegada violação do disposto nos artigos 56.º, n.os 3 e 4 (direito de contratação colectiva) da CRP
Nos termos do art.º 56.º, n.os 3 e 4, da CRP, “[c]ompete às associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, o qual é garantido nos termos da lei” (n.º 3) e “[a] lei estabelece as regras respeitantes à legitimidade para a celebração das convenções colectivas de trabalho bem como à eficácia das respectivas normas” (n.º 4).

Segundo o recorrente, a interpretação supra perfilhada acerca da cláusula 27.ª atentaria contra o direito constitucional de negociação colectiva previsto no n.º 3 do referido art.º 56.º da CRP, direito esse inclui o da implementação e regulamentação do prémio de assiduidade.

Todavia, não se vislumbra que tal violação seja sequer configurável, uma vez que, tendo-se concluído que a interpretação perfilhada era a que correspondia à vontade das partes, respeitado fica o direito de contratação colectiva, pois, como é bem de ver, a interpretação das cláusulas das convenções colectivas em nada interfere com o aludido direito, uma vez que se trata de uma tarefa que só pode ser realizada depois daquele direito ter sido exercido.

3.3 Da alegada violação do art.º 13.º da CRP
Segundo o recorrente, o acórdão recorrido acolheu entendimento de que a greve deve ser incluída no n.º 4 da cláusula 27.ª, isto é, veio afirmar que os trabalhadores que adiram à greve, por período superior a cinco horas por mês, devem receber o prémio de assiduidade tal qual aqueles trabalhadores que prestaram trabalho sem qualquer ausência. Ora, acrescenta o recorrente, não se pode remunerar da mesma forma os trabalhadores que têm maior assiduidade e, logo, maior produtividade, sendo que esta é a ratio do prémio de assiduidade, e aqueles que têm menor assiduidade e, logo, menor produtividade. A interpretação do acórdão, ao alterar a forma de atribuição do prémio, sem ter em conta as unidades de tempo de trabalho efectivo, viola os princípios constitucionais da igualdade e do “trabalho igual, salário igual”.

Não vemos que a interpretação dada à cláusula 27.ª viole o princípio da igualdade, na sua vertente de “trabalho igual, salário igual”, a única aqui configurável.

Na verdade, como da cláusula 27.ª resulta, o prémio de assiduidade visa desincentivar as faltas ao trabalho e não premiar, directamente, a maior ou menor produtividade do trabalhador. O critério da sua atribuição prende-se apenas com o cumprimento do dever de assiduidade por parte do trabalhador. Ora, se o dever de assiduidade do trabalhador que adere à greve está suspenso durante o período de greve, não é possível afirmar-se, com esse fundamento, que esse trabalhador foi menos assíduo do que aquele que não aderiu à greve, o que afasta a desigualdade de tratamento.

A Relação teceu algumas considerações relativamente à questão de saber se o trabalhador que adere à greve tem direito ao prémio de assiduidade por inteiro, uma vez que a greve também suspende o direito à retribuição, expressando o entendimento de que tal prémio poderia ser reduzido na proporção do período de greve, para salvaguardar o princípio da proporcionalidade, mas que tal redução não resultaria do disposto na cláusula 27.ª, mas sim da natureza retributiva do prémio e dos efeitos da greve, no que toca ao direito à retribuição que fica suspenso durante a greve.

Todavia, na decisão recorrida nada foi decidido a esse respeito, nem tinha que ser, uma vez que nenhum pedido tinha sido formulado nesse sentido.

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar improcedente o recurso e interpretar da seguinte forma a cláusula 27.ª no que toca às ausências ao trabalho dadas por motivo de adesão à greve:
As ausências ao trabalho resultantes de adesão à greve lícita não são consideradas faltas, para efeitos do disposto no n.º 2 da cláusula 27.ª do Acordo de Empresa celebrado entre o Metropolitano de Lisboa, E. P., e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e Urbanos e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 13, 1.ª série, de 8 de Abril de 2002.

Custas pela recorrente/ré, nas instâncias e no Supremo.

Transitado em julgado, providencie-se pela publicação do acórdão no Diário da República e no Boletim do Trabalho e Emprego, nos termos do art.º 186.º do CPT.

Lisboa, 4 de Março de 2009

Sousa Peixoto (Relator)

Sousa Grandão

Pinto Hespanhol

Vasques Dinis

Bravo Serra

Mário Pereira