Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
073798
Nº Convencional: JSTJ00004311
Relator: JORGE VASCONCELOS
Descritores: CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECIFICA
TRADIÇÃO DA COISA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ198912190737981
Data do Acordão: 12/19/1989
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR IS 1989/02/23, PÁG. 768 A 770 - BMJ Nº 392 ANO 1989 PÁG. 139
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CIV - DIR OBG.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 410 ARTIGO 442 N2 ARTIGO 830 N1.
DL 236/80 DE 1980/07/18.
CPC67 ARTIGO 766 N3.
DL 379/86 DE 1986/11/11.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC72691 DE 1985/07/16
ACÓRDÃO STJ DE 1983/01/06 IN BMJ N323 PAG356.
Sumário :
No dominio dos artigos 442, n. 2, e 830, n. 1 do Codigo Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto -Lei n. 236/80, de 18 de Julho, o direito a execução especifica não depende de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa para o promitente comprador.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenaria, no Supremo Tribunal de Justiça:

A recorre para o Tribunal pleno do Acordão de 16 de Julho de 1985, proferido no recurso de revista n. 72 691 da 1 Secção, com fundamento na existencia de oposição, quanto a mesma questão fundamental de direito e no dominio da mesma legislação, entre a decisão ali tomada e a do Acordão de 6 de Janeiro de 1983, publicado no Boletim do Ministerio da Justiça, n. 323, a pagina 356, este transitado em julgado.
Enquanto no acordão recorrido se decide, no dominio dos artigos 410, 442 e 830 do Codigo Civil, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, que o promitente comprador pode requerer execução especifica independentemente de tradição da coisa objecto do contrato, pelo contrario, no acordão-fundamento, e no dominio da mesma legislação, toma-se decisão oposta, afirmando-se que o promitente comprador não pode requerer execução especifica do contrato se não houver tradição da coisa.
Em sua alegação conclui a recorrente por dizer que, tal como se decide no acordão-fundamento de 6 de Janeiro de 1983, do preambulo e do texto do Decreto-Lei n. 236/80 e do contexto do ordenamento juridico em que esta inserido resulta ser possivel a execução especifica apenas quando o objecto de contrato-promessa haja sido transmitido para o promitente comprador.
Contrariamente, sustentam os recorridos que a execução especifica do contrato-promessa e possivel, verificados os demais requisitos, independentemente de ter havido ou não tradição da coisa.
O representante do Ministerio Publico neste Tribunal emitiu parecer no sentido de que deve confirmar-se a decisão recorrida e solucionar-se o conflito de jurisprudencia, lavrando-se assento, com a seguinte formulação:
Nos termos do artigo 442, n. 2, do Codigo Civil, na redacção dada pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, o direito a execução especifica e independente da circunstancia de ter ou não havido a tradição.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
I - Segundo o disposto no artigo 766, n. 3, do Codigo de Processo Civil, importa proceder a nova analise do pressuposto base do presente recurso - existencia de dois acordãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça cujas soluções, relativamente a mesma questão fundamental de direito e no dominio da mesma legislação, se encontram em oposição -, ja que o reconhecimento da existencia de oposição efectuado no acordão preliminar a folhas 26 não impede que o Tribunal pleno, ao apreciar o recurso, decida em sentido contrario.
Para que esteja perante a mesma questão fundamental de direito nos dois acordãos em oposição tem de ocorrer uma dupla identidade, isto e, tem de se verificar uma situação de facto identica nos seus elementos essenciais e a sua subsunção as mesmas normas ou principios juridicos que no intervalo da publicação daqueles acordãos não tenham sofrido qualquer modificação legislativa que interfira na solução da questão de direito controvertida.
Ora, proposta acção contra a agora recorrente, A, com base em incumprimento culposo de contrato-promessa de compra e venda de imovel urbano, na qual os autores formulam o pedido de prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial da faltosa promitente vendedora (a recorrente), logo no despacho saneador foi a acção julgada procedente e condenada a re no pedido, decisão esta que foi confirmada na Relação e neste Supremo Tribunal, por se entender que a execução especifica não esta dependente, no dominio dos artigos 410, 442 e 830 do Codigo Civil, com a redação que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, de tradição do objecto do contrato.
No referido aresto se afirma que, no dominio das disposições legais citadas, com a redacção que lhes foi introduzida, "a execução especifica e, como ja era, admissivel em relação a todos os contratos-promessa, eliminando-se agora a presunção do n. 2 do artigo 442, na sua antiga redação. Na verdade, a actual redacção do artigo 830, n. 1, mostra que a execução especifica se pode dar "em qualquer caso", a menos que a isso se oponha a natureza da obrigação, restrição que ja existia e que bem se compreende...E, se o artigo 442, n. 2, fala em tradição da coisa objecto do contrato -promessa, isso visa criar uma nova alternativa para o caso de incumprimento do contrato por parte do promitente vendedor. Neste caso, como expressamente ai se diz, o promitente comprador pode optar pela execução especifica ou pelo valor da coisa ao tempo do incumprimento."
Pelo contrario, decide-se no citado Acordão de 6 de Janeiro de 1983, proferido tambem no dominio da mesma legislação, que "ao promitente comprador e vedado formular o pedido de execução especifica do contrato se não houver tradição da coisa, requisito que se considera indispensavel para aplicação da segunda alternativa que se contem no artigo 442, n. 2, do Codigo Civil".
Do referido se conclui que, no dominio dos artigos 410, 442 e 830 do Codigo Civil, com a redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, e em situações de facto identicas (contrato -promessa de compra e venda de imovel urbano), o Supremo Tribunal de Justiça proferiu soluções opostas nos dois mencionados acordãos, no recorrido decidindo que a execução especifica e possivel independentemente de haver ou não tradição da coisa e no fundamento decidindo que a execução especifica so e possivel havendo tradição da coisa para o promitente comprador.
II - Tendo-se concluido pela existencia da oposição entre os dois aludidos acordãos, cabe, de seguida, solucionar o conflito de jurisprudencia.
No regime anterior ao actual Codigo Civil, do incumprimento de contrato-promessa decorria como sanção a simples indemnização pelos danos causados, ressarciamento este que, havendo sinal, consistia na sua perda ou na restituição em dobro, conforme o incumprimento fosse imputado, respectivamente, ao promitente comprador ou ao promitente vendedor.
Com a entrada em vigor do Codigo Civil de 1966 foi inovado um regime juridico que permite a realização coactiva da prestação, regime que, para o contrato -promessa, se define como execução especifica da obrigação de emitir uma declaração de vontade. Como não se mostra possivel a condenação de uma pessoa a conformar-se a uma conduta com esse conteudo, estabelece-se no artigo 830 do Codigo Civil que, havendo incumprimento da promessa, pode a outra parte obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso sempre que a isso se não oponha a natureza da obrigação assumida.
Com as alterações introduzidas nos artigos 442, n. 2, e 830, n. 1, do Codigo Civil pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, surgiu a tese, adoptada no acordão -fundamento, na sequencia da doutrinação, que se não perfilha, de Antunes Varela, in Direito das Obrigações, volume I, e Revista de Legislação e de Jurisprudencia, 117, pagina 183, nota 2, e de Meneses Cordeiro, in Boletim do Ministerio da Justiça, n. 306 segundo a qual, com essa nova redacção, para a hipotese de ter havido tradição da coisa, se veio aditar a solução classica da perda do sinal ou da sua restituição em dobro o direito de se exigir do promitente faltoso o valor da coisa no momento do incumprimento ou, em alternativa, a execução especifica.
Porem, tal posição e contraria tanto a letra da lei como a exigencia da tutela dos interesses envolvidos no contrato-promessa.
Por um lado, são bem precisos os comandos definidos nas citadas disposições legais: no artigo 442, n. 2, ao afirmar-se que, se o incumprimento do contrato for devido ao promitente vendedor, tem o promitente comprador o direito de exigir o dobro do que houver prestado ou, tendo havido tradição da coisa, o valor que esta tiver ao tempo do incumprimento ou, em alternativa, o direito de requerer a execução especifica, nos termos do artigo 830, e no artigo 830, ao afirmar-se que, havendo incumprimento da promessa, pode a outra parte, em qualquer caso e desde que a isso se não oponha a obrigação assumida, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso.
Dai se conclui que, não havendo tradição da coisa, não se pode exigir indemnização com base no seu valor ao tempo do incumprimento, mas ja, quanto a execução especifica, resulta, em articulação com o disposto no artigo 830, n. 1, que ela pode ser exercida em alternativa aquele pedido de indemnização, independentemente de ter havido tradição da coisa.
Por outro lado, tambem a razão de ser da lei converge no mesmo sentido, face as exigencias da vida economica real, sobretudo a desvalorização da moeda, para tutela dos interesses dos promitentes compradores, em relação aos quais o sinal em dobro não compensaria os eventuais prejuizos sofridos.
Afigura-se contraditoria a tese do acordão-fundamento, na medida em que, admitindo a execução especifica apenas na hipotese de tradição da coisa, tal posição acaba por beneficiar os que desfrutam de uma situação ja por si vantajosa, com detrimento daqueles que, sem usufruir a coisa, ficaram, entretanto, sem a disponibilidade da quantia entregue como sinal.
Acresce que a nova redacção dada as citadas disposições legais pelo Decreto-Lei n. 379/86, de 11 de Novembro, independentemente da sua natureza interpretativa, veio consagrar a tese constante do acordão recorrido, alias na sequencia da jurisprudencia que tem vindo a afirmar-se neste Supremo Tribunal e da doutrina que, maioritariamente, se tem pronunciado a seu favor.
III - Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se o acordão recorrido, e formula-se o seguinte assento:
No dominio dos artigos 442, n. 2, e 830, n. 1, do Codigo Civil, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n. 236/80, de 18 de Julho, o direito a execução especifica não depende de ter havido tradição da coisa objecto do contrato-promessa para o promitente comprador.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Dezembro de 1989

Jorge Vasconcelos - Lopes de Melo - Sousa Macedo - Pinto Ferreira - Brochado Brandão - Castro Mendes - Maia Gonçalves - Baltazar Coelho - Ferreira Dias - Joaquim de Carvalho - Cabral de Andrade - Gama Prazeres - Meneres Pimentel - Villa Nova - Almeida Ribeiro - Julio Santos - Manso Preto - Gama Vieira - Alcides de Almeida - Soares Tome - Salviano de Sousa - Joaquim Gonçalves - Cesario Dias Alves - Cura Mariano - Jose Calejo - Jose Domingues - Solana Viana - Eliseu Figueira Mario Afonso - Barbosa de Almeida - Mendes Pinto - Ferreira da Silva - Vasco Tinoco - Jose Saraiva - Barros de Sequeiros.