Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8972/06.5TBBRG.G1. S1.
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: ADVOGADO
RESPONSABILIDADE CIVIL
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 05/29/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS AMBAS AS REVISTAS
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS/ NEGÓCIO JURÍDICO/ ACTOS JURÍDICOS/ PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - RECURSOS
Doutrina: - Antunes Varela, in Das Obrigações Em Geral, I vol. 2ª ed., pág. 736.
- Armando Braga, “Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”, pág. 125.
- Carneiro da Frada, Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso.
- Júlio Gomes, Direito e Justiça, XIX, 2002, II.
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, pág.1103.
- Rute Pedro na Responsabilidade Civil do Médico, págs. 179, 232.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º A 238.º, 295.º, 349.º, 351.º, 396.º, 496.º, 563.º, 564.º, N.º2,
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 678.º, 722.º, N.ºS1 E 2, 732º-A E 732º-B, 734.º, N.º1 AL. A), 754.º, N.ºS2 E 3,
ESTATUTO DOS ADVOGADOS: - ARTIGO 83.º, N.º1 AL. C)
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 16-12-1993, C.J. STJ, I, III, PÁG. 181.
-DE 13-01-2005, PROCESSO N.º 4477/04.
-DE 26-10-2010, PROCESSO N.º1410/04.OTVSB.L1.S1
-DE 29-04-2010, PROCESSO Nº 2622/07.OTBPNF.P1.S1
Sumário :

I - Os danos futuros só são indemnizáveis quando forem previsíveis.

II- A doutrina da perda de chance ou de oportunidade, em geral, não tem apoio na nossa lei civil.

III - Os danos decorrentes de uma conduta negligente de um advogado no desempenho de um mandato forense ou no exercício de apoio judiciário concedido a uma parte processual, para serem ressarcíveis exigem que se prove que sem essa conduta negligente os lesados teriam uma vantagem ou evitariam uma desvantagem que se consubstancia nos danos peticionados.

Decisão Texto Integral:

*

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, na Vara Mista de Braga, em 22-11-2006, contra BB pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 406.899,91, acrescida de juros contados desde a citação.

Alega, em síntese, que no ano de 2000, contactou o réu para que a representasse como advogado, numa acção que pretendia propor contra a “M... – Empreendimentos Turísticos, Lda.”, por danos causados por esta à exploração do “C...”, propriedade da “F...A...A..., Lda.”, sociedade que desde o falecimento do marido, ocorrido a 23.3.1995, passou a gerir.

O réu, além de só ter proposto a acção a 11.1.2002, fê-lo em nome da ora autora, ao invés de o fazer em nome da “F...A...A..., Lda.”, o que fez com que a ré arguisse a sua falta de personalidade e capacidade jurídica e judiciárias. O Tribunal proferiu despacho a convidar ao esclarecimento da situação, repetidamente, mas o réu nada fez, e ainda faltou à audiência preliminar agendada, o que determinou que, a 6.1.2003,  fosse proferida decisão a absolver a “M...” da instância. O réu interpôs recurso da decisão, o qual admitido a 24.1.2003, ficou deserto por falta de alegações, do que só teve conhecimento um ano depois.

Igualmente o réu não deduziu atempadamente oposição à injunção contra si instaurada pela “O...”, que correu termos com o n.º 166342003 na Secretaria Geral de Injunções do Porto, onde, na execução que se lhe seguiu, vieram a ser penhorados os únicos bens móveis que lhe restavam.

Em consequência do descrito, sofreu danos não patrimoniais por se sentir enganada durante anos, dado que confiava no trabalho e na palavra do réu.

Além destes, sofreu ainda elevados prejuízos materiais, já que na qualidade de sócia-gerente da “F...A...A..., Lda” foi lesada no montante do pedido formulado naquela acção, além de ter acabado por perder todos os seus bens, inclusive a sua casa de habitação, o que lhe causou um prejuízo de euros 60.000,00.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação de fls. 67 a 78, defendendo-se por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou que a autora é parte ilegítima já que foi declarada falida no processo n.º 845/2002, do 3.º juízo cível de Braga, pelo que quem devia estar em juízo era o respectivo liquidatário e ainda porque quem sofreu os alegados prejuízos, relativamente à acção 40/02 foi a F...A...A..., Lda. Igualmente invocou ser parte ilegítima, porquanto a autora não lhe outorgou qualquer procuração com poderes de representação, tendo sido nomeado seu patrono.

Mais alegou:

- Inexiste culpa já que as opções que tomou sempre foram as que julgou processualmente adequadas, sendo que faltou à audiência preliminar por estar impedido noutra diligência judicial, o que comunicou ao Tribunal;

- Relativamente ao recurso que desertou, não alegou depois de analisar a questão e ter entendido que nada serviria avançar por a autora não ter negado ter deixado de liquidar as rendas e a energia eléctrica devidas à aludida “M...”;

- A autora não invocou quaisquer prejuízos ressarcíveis, já que a proceder a acção contra a “M...” o montante fixado seria pago à sociedade;

- Quanto aos danos decorrentes da falência da “F...A...A..., Lda.”, esta deveu-se à falta de pagamento de rendas do imóvel onde o estabelecimento estava instalado, bem como à circunstância da autora não ter pago as custas da acção n.º 74/1998, do 1.º Juízo do Tribunal de Círculo de Braga, na qual foi decretado o despejo, onde decaiu, o que determinou a propositura de uma execução contra a aludida sociedade;

- Quanto à injunção, a dedução de oposição nada adiantaria já que a aqui autora nunca negou o débito à “O...”, negando-se a fazer qualquer acordo por não ter dinheiro;

- A perda da casa e de outros bens são imputáveis à própria autora, que não soube gerir a sociedade e a sua própria vida pessoal;

- Inexiste qualquer nexo de causalidade entre a perda da acção 40/2002 ou o prosseguimento da injunção e os alegados prejuízos, já que não foi imputada ao réu qualquer erro ou falha enquanto advogado no âmbito desses processos que os determinasse;

- Finalmente, a perda da casa e os prejuízos decorrentes da falência não podem ser imputados ao réu já que não foi a actividade deste enquanto seu Advogado que os determinou.

Conclui pela improcedência da acção e peticionou a condenação da advogada da autora e desta como litigantes de má-fé.

Deduziu incidente de intervenção acessória provocada da “... Companhia de Seguros, S.A”, invocando ter transferido para esta o risco eventualmente decorrente das responsabilidades que lhe possam ser imputadas no exercício da sua profissão, através das apólices n.º 54946654 e ....

A A. replicou, mantendo o alegado e esclarecendo que foi o réu, enquanto advogado, que minutou a petição da acção n.º 40/2002, sendo certo que não discutiu com ele quem ali devia figurar ou não como autor, até porque não tem conhecimentos jurídicos para tal; quanto à falta de pagamento de rendas, embora seja verdade que houve atrasos as mesmas foram pagas, além do mais foi o próprio réu quem participou criminalmente contra a “M...” por existirem sucessivos cortes de energia eléctrica, nomeadamente quando existiam festas, bem como cobrança de electricidade a preços acima do tabelado; por fim, quanto à injunção alega que não se entende a afirmação de que a oposição não surtiria efeito se foi ele que a deduziu, sempre afirmando à autora que estava tudo resolvido.

A fls. 145 foi proferido despacho a admitir a intervenção da chamada, ordenando-se a sua citação.

A ..., SA. contestou a fls. 157 e 158, alegando, em síntese, que o contrato de seguro de responsabilidade civil celebrado e titulado pela apólice RC54946654 foi anulado a 10.2.2004, por falta de pagamento do prémio, pelo que a responsabilidade do réu só esteve para si transferida entre 10.10.1996 a 10.2.2004. Já o contrato titulado pela apólice ... foi celebrado com efeitos a partir de 22.6.2005, pelo que não estava em vigor à data dos factos descritos nos autos.

A A. replicou a fls. 178 e 179, impugnando a matéria relativa à anulação e vigências dos contratos de seguro referidos pela chamada.

Por despacho foi o R. absolvido da instância por se ter entendido que a A. carecia de capacidade judiciária para estar por si só em juízo.

A A. interpôs recurso deste despacho que foi revogado por acórdão do Tribunal desta Relação de 4.12.2008.

Foi proferido despacho-saneador, onde se conheceu da excepção de legitimidade da autora e do réu, julgando-se ambos partes legítimas, e procedeu-se à fixação da matéria assente e à elaboração da base instrutória (fls. 306 a 315).

O R. veio a fls. 317 e ss requerer que o Tribunal se pronunciasse sobre a legitimidade da autora, declarada falida a 30.9.2002, para propor a presente acção tendo em vista o exercício de direitos conexos com a acção n.º 40/2002 e reclamar por omissão da selecção de factos assentes e da base instrutória. 

Por despacho a 6.7.2009,l a fls. 455 e 456, foi indeferida a reclamação.

O réu requereu a fls. 459 a rectificação do que denominou um “lapso manifesto” do despacho saneador, reiterando o pedido de apreciação da legitimidade da autora.

O Tribunal decidiu, a fls. 471 a 473, aditar à matéria assente a alínea N), relativa à declaração de falência da A. e  indeferiu o demais requerido.

Desse despacho o R. interpôs recurso de agravo, a fls. 475,  o qual foi admitido por despacho de 23.11.2009, a fls  492, tendo sido julgado com a apelação da sentença final no sentido da negação de provimento ao mesmo.

Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e  respondeu-se à base instrutória, não tendo sido apresentadas reclamações.

Em seguida foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora € 10.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento e decidiu não condenar qualquer das partes ou os seus mandatários como litigantes de má-fé.

Inconformados a autora, o réu e a interveniente interpuseram recurso de apelação, recursos estes que vieram a ser julgados improcedentes pela Relação de Guimarães.

Mais uma vez inconformados autora e réu vieram interpor as presentes revistas tendo oportunamente apresentado as suas alegações, a que respondeu a interveniente.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

Como é  sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Processo Civil, na redacção anterior ao Decreto-lei nº 303/2007 de 24/08, aqui aplicável, atenta a data da instauração da presente acção e o disposto nos arts. 11º e 12º do mesmo decreto-lei, redacção essa a que se referirão todas as disposições a citar sem indicação de origem – o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.

Mas antes de iniciar a apreciação de cada uma das revistas, há que especificar a matéria de facto que a Relação deu por provada e que é a seguinte:

1. No ano de 2000 a Autora AA contactou o Réu BB, na qualidade de advogado, a quem expôs o seguinte: “Desde o falecimento do seu marido, F...A...A..., que ocorreu em 23 de Março de 1995 assumiu a gerência da sociedade por quotas de que era titular «F...A...A..., Lda.», que tinha por objecto a exploração da discoteca e snack-bar denominada «C...» sita na Praceta D. João XXI, cujas instalações eram propriedade da «M... - Empreendimentos Turísticos, Lda.», com quem a «F...A...A..., Lda.» tinha, desde o ano de 1984, um contrato de arrendamento. A cave onde funcionava o estabelecimento não possuía a instalação necessária para o fornecimento de energia e a «M...», desde a celebração do contrato de arrendamento, fornecia a partir das suas instalações, a energia para o «C...», mediante preço por si estipulado. No ano de 1999, sem que nada o fizesse prever, a «M... - Empreendimentos Turísticos, Lda.» quando estavam a decorrer festas no «C...» cortava o fornecimento de energia, causando à «F...A...A..., Lda.» prejuízos elevadíssimos. Em Fevereiro de 2000 procedeu-se ao trespasse do estabelecimento e a sociedade «F...A...A..., Lda.» foi declarada em estado de falência.”.

2. No Processo n.º 40/2002 que correu termos no Tribunal Judicial de Braga, na Vara com Competência Mista, na contestação apresentada a «M...» defendeu-se, invocando a excepção de ilegitimidade activa da Autora conforme consignado nos art. 1º a 10º do articulado contestação, que consta da certidão junta a fls. 132 e se dá aqui por reproduzida para todos os efeitos legais.

3. No Processo n.º 40/2002, em 29.04.2002 foi proferido o despacho que convidou a Autora a aperfeiçoar o articulado petição, quanto à qualidade em que a tinha intervenção na acção, conforme cópia junta a fls. 15, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

4. No Processo n.º 40/2002, em 06.01.2003 foi proferido despacho que julgou procedente a excepção de ilegitimidade da Autora para os termos da acção, absolvendo a Ré da instância, conforme cópia do despacho junta a fls. 16, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais.

5. O recurso foi admitido por despacho de 24.01.2003, conforme cópia de fls. 19.

6. Em 24.02.2003 foi proferido despacho que julgou deserto o recurso, por falta de alegações, conforme cópia de fls. 21.

7. A Autora prescindiu dos serviços do Réu e solicitou-lhe a entrega de todos os documentos que tinha em seu poder.

8. Por Escritura Pública celebrada em 07.02.2000 a sociedade «F...A...A..., Lda.» procedeu ao trespasse do estabelecimento comercial, pelo preço de Esc.: 27 500 000$00 (vinte sete milhões e quinhentos mil escudos), conforme documento junto a fls. 81 (doc. nº 3 da contestação).

9. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ... transferiu a responsabilidade civil por danos causados no exercício da sua actividade profissional de Advogado para a “Companhia de Seguros ... Companhia de Seguros, S.A.” até ao limite de € 49 879,79, por ano, com uma franquia de € 997,60 sobre o valor da indemnização a cargo do segurado.

10. O contrato de seguro, a que se alude em 9. foi celebrado com efeitos a partir de 10 de Outubro de 1996 e foi anulado em 10 de Fevereiro de 2004, por falta de pagamento do respectivo prémio por parte do segurado.

11. Por contrato de seguro titulado pela apólice nº ... BB transferiu a responsabilidade civil por danos causados no exercício da sua actividade profissional de Advogado para a “Companhia de Seguros ... Companhia de Seguros, S.A.” até ao limite de € 250 000,00.

12. O contrato de seguro a que se alude em 11. foi celebrado com efeito a partir de 22 de Junho de 2005. (alíneas A) a M) da matéria já assente no despacho saneador)

13. Por sentença proferida a 30 de Setembro de 2002, transitada em julgado a 21 de Junho de 2002, foi declarada a falência de AA, viúva, com domicílio na Rua .., no processo n.º 845/2002, do 3.º Juízo cível de Braga. (alínea N) da matéria assente aditada por despacho proferido a 24.9.2009)

14. A Autora comunicou ao Réu que pretendia intentar uma acção contra a «M...», no sentido de indemnizar a sociedade da qual era sócia-gerente pelos prejuízos causados.

15. A Autora diligenciou várias vezes junto do Réu, no sentido do Réu instaurar a acção.

16. A Autora tomou conhecimento dos factos a que se alude em 3. a 6. cerca de um ano depois, através do Réu.

17. Depois de questionar constantemente o Réu sobre a data de julgamento.

18. A Autora tomou conhecimento ao consultar os documentos entregues pelo Réu, que no Procedimento de Injunção com o nº 16634/2003 a oposição deduzida foi rejeitada por ser extemporânea.

19. A Autora para evitar a penhora de bens móveis celebrou com a O... um acordo de pagamento da quantia de € 1.777,48 (mil setecentos e setenta e sete euros e quarenta e oito cêntimos) em prestações.

20. O Réu disse à Autora que resolvia a questão da O....

21. A Autora vivia em casa própria.

22. A casa onde vivia foi objecto de venda para pagamento das dívidas da sociedade «F...A...A..., Lda.».

23. Passou a viver em casa arrendada.

24. Contando com o apoio da “B...” (respostas aos quesitos formulados sob os arts. 1.º a 11.º da base instrutória).

25. A Autora quando confrontada pelo Réu com a injunção, nunca negou o débito(resposta ao quesito formulado sob o art. 18.º da base instrutória)

26. A Autora confiava no trabalho do Réu, como advogado, no sentido que tudo faria para defender da melhor forma os seus interesses e direitos.

27. Sentiu-se enganada durante anos.

28. O Réu comunicava à Autora que tudo estava a ser tratado da melhor forma e até resolvido.

29. A Autora sentiu e sente um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento (resposta aos quesitos formulados sob os arts. 20.º a 23.º da base instrutória).

30. Com a privação da casa sofreu um prejuízo do € 60 000,00 (sessenta mil euros) (resposta ao quesito 24.º).

31. O R. foi nomeado patrono da A. pela Ordem de Advogados, o que lhe foi comunicado por ofício de 26.07.2001, na sequência do pedido de apoio judiciário formulado pela A. em 03.07.2001 e que foi deferido na modalidade de pagamento de honorários a patrono escolhido, dispensa de pagamento de taxa de justiça e dispensa total do pagamento dos demais encargos do processo.

32. Foi na qualidade de patrono da A. nomeado nos termos definidos em 31 que o R. subscreveu a petição inicial da acção 40/02 e interveio nos demais termos desses autos.

33. No processo de injunção intentado pela O... Telecomunicações, S.A. contra a aqui A., o  R. subscreveu a oposição e protestou juntar procuração.

34. A M... intentou contra a F...A...A..., Lda. duas acções de despejo que correram termos sob os nºs 74/98 e 75/99 no Tribunal Judicial de Braga, onde invocou a falta de pagamento de rendas e na acção 74/98 invocou também a falta de pagamento da energia eléctrica que lhe fornecia.

35. Em Fevereiro de 2004, a F...A...A..., Lda. participou criminalmente contra M... Empreendimentos Turísticos, Lda., imputando-lhe a prática de um crime contra a economia.

36. O R. juntou procuração passada pela A. conferindo-lhe poderes forenses gerais.

37. Por despacho de 6 de Outubro de 2005 foi determinado o arquivamento dos autos por se encontrar prescrito o procedimento criminal.

       

Vejamos agora cada uma das revista a começar pela do réu que foi a primeira a ser interposta, seguindo-se a apreciação da revista da autora.

I. Revista do réu.

Este recorrente nas suas alegações formulou conclusões que mesmo depois da aceitação do convite para o seu aperfeiçoamento, não observa a concisão necessária pelo que aquelas não serão aqui transcritas.

Das mesmas se deduz que aquele para conhecer neste recurso levanta as seguintes questões:

a) Deve ser revogado o despacho de fls. 472 que indeferiu o requerimento de fls. 459,  declarando-se a autora parte ilegítima ?

b) Nenhuma matéria de facto provada demonstra a conexão causal entre qualquer conduta do réu e os danos morais que a autora sofreu ?

A esta alegação não foi oferecida resposta.

Vejamos.

a) Esta primeira questão não pode ser aqui apreciada por tal ser legalmente vedado, tal como já apontámos no despacho liminar de convite ao aperfeiçoamento das conclusões.

Com efeito, está em causa a impugnação de uma decisão interlocutória proferida na 1ª instância e que foi objecto de recurso de agravo a que a Relação negou provimento. Logo esta decisão é insusceptível de ser impugnada no recurso de revista.

É que o art. 722º, nº 1 estipula que no recurso de revista o recorrente pode alegar, além da violação da lei substantiva, a violação de lei do processo, quando desta for admissível o recurso de agravo, nos termos do nº 2 do art. 754º, de modo a interpor do mesmo acórdão um único recurso.

E o art. 754º, nº 2 veda a admissão de recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância, salvo se estiver em oposição com outro proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 732º-A e 732º-B, jurisprudência com ele conforme.

Nos termos do nº 3 do art. 754º, também se admite este tipo de recurso nos casos previstos no nº 2 – violação de regras de competência internacional, em razão da matéria ou da hierarquia ou ofensa de caso julgado – e no nº 3 – decisão relativas ao valor da causa -, ambos do art. 678º e, ainda, no caso da previsão da al. a) do nº 1 do art. 734º- decisão que ponha termo ao processo.

Ora tendo a decisão impugnada versado matéria processual – legitimidade da autora -, não pode ser aqui impugnada a respectiva decisão da Relação que versou decisão sobre a lei do processo proferida na 1ª instância, por se não verificar nenhuma das excepções apontadas à regra do disposto no nº 2 do art. 754º.

Logo, não pode ser aqui conhecida desta questão.

b) Nesta segunda questão defende o recorrente que se não provaram factos bastantes para preencher o nexo de causalidade entre a conduta do réu e os danos morais sofridos pela autora.

As instâncias entenderam que o réu é responsável pelos danos não patrimoniais que a autora sofreu decorrente da conduta do réu.

Sendo este advogado, o fundamento do pedido baseia-se numa actividade do réu, quer como advogado nomeado à autora pela Ordem dos Advogados no âmbito do Instituto do Apoio Judiciário, num caso, quer como advogado contratado pela autora, noutros processos.

As instâncias divergem quanto à natureza jurídica deste tipo de responsabilidade civil, no tocante à conduta do réu exercida no âmbito da nomeação oficiosa de patrono.

Porém, quer se trate de responsabilidade civil contratual quer revista a natureza de responsabilidade extracontratual, o regime legal é o mesmo no tocante à exigência de verificação do nexo de causalidade, aqui em causa.

Por isso, como o recorrente apenas impugna a verificação deste pressuposto da responsabilidade civil, desnecessário é averiguar da natureza contratual ou extracontratual da responsabilidade civil do réu.

Há apenas de averiguar se o nexo de causalidade se verifica, requisito este que é comum aos dois tipos de responsabilidade civil referidos, como dissemos já.   

Este requisito pode ter várias interpretações, tendo corrido rios de tinta na doutrina sobre o verdadeiro alcance daquele.

Tal como ensina o Prof. A. Varela, in Das Obrigações Em Geral, I vol. 2ª ed., pág. 736, “a experiência da vida e a simples reflexão do jurista sobre a realidade das coisas ensinam que no processo causal conducente a qualquer dano, como na verificação de qualquer outro facto, concorrem no geral múltiplas circunstâncias”.

E acrescenta aquele mestre “daí que os autores procurem distinguir, no acervo de circunstâncias que concorrem para a produção do dano, entre aquelas sem cujo concurso o dano se não teria verificado e as outras, que também contribuíram para o mesmo evento, mas cuja falta não teria obstado à sua verificação “.

Para determinar quais as causas cuja verificação podem condicionar juridicamente a reparação do dano surgiram várias teorias, nomeadamente, a teoria da condição sine qua non – ou da equivalência das condições - e a teoria da causalidade adequada.

A primeira considerava causa relevante toda a condição sem a qual o efeito se não teria verificado, teoria cuja adopção levaria a considerar condutas como causas de danos que repugnaria ao sentimento comum de justiça, como seja o exemplo de escola citado pelo mesmo autor, de o taxista ter-se atrasado ao acordado com o cliente que, por esse atraso, tomou outro comboio que veio a descarrilar e a provocar a morte do citado cliente.

A teoria da causalidade adequada apontava para a selecção, entre as várias condições de certo evento danoso, as que legitimam a imposição, ao respectivo autor, da obrigação de indemnização.

Segundo esta impunha-se a obrigação de indemnizar o dano sofrido por outrém, ao autor de um facto que tenha sido, no caso concreto, condição ( s. q. n. ) do dano e, além disso, que, em abstracto ou em geral ( ex ante ), o facto seja causa adequada do dano.
Assim tornava-se necessário que o facto fosse condição necessária do dano, mas que o fosse também suficiente para esse dano se verificar.

É isto que resulta do disposto no art. 563º do Cód. Civil ao referir que a obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
O acórdão recorrido fez uma análise detalhada e acertada sobre a verificação deste pressuposto legal de que depende a procedência do pedido em causa que passamos a transcrever:

“Face aos factos apurados, dúvidas não há que o R. incumpriu os deveres constantes do artº 83º do Estatuto da Ordem dos Advogados. O incumprimento dos deveres deontológicos faz incorrer o lesante em responsabilidade contratual. Dispõe a alíneas c) do nº 1 do artº 83º do EOA que nas relações com o cliente constituem deveres do advogado:

c) Dar ao cliente a sua opinião conscienciosa sobre o merecimento do direito ou pretensão que este invoca, assim como prestar sempre que lhe for pedido, informação sobre o andamento das questões que lhe forem confiadas;

Apurou-se que o R. apenas deu conhecimento à A. de que o R. na acção 40/02 tinha sido absolvido da instância por ilegitimidade da A. e que tendo sido interposto recurso deste despacho, o mesmo foi julgado deserto, cerca de um ano após a ocorrência destes factos e só depois da A. o questionar insistentemente sobre a data para julgamento. Relativamente à injunção, o R. nem sequer deu conhecimento à A. de que a oposição que tinha deduzido, tinha sido julgada extemporânea. A A. só se veio a aperceber destes factos quando consultou os documentos que o R. lhe entregou. Violou assim o R., manifestamente, o dever de informar a sua cliente. O R., não desconhecendo o malogro da posição da A., nada lhe comunicou.

E se relativamente aos prejuízos causados por violação da alínea d) do nº 1 do artº 83º do EAO não se provou o nexo de causalidade entre a acção e o prejuízo, o mesmo já não se verifica relativamente aos danos não patrimoniais causados pela violação da alínea c) do nº 1 do artº 83º do Estatuto.

É certo que como a apelante companhia de Seguros refere, no ponto 29 não consta  que, em consequência da conduta do R., a A. sentiu grande sofrimento, angústia e grande constrangimento. Mas que esse sofrimento, angústia e constrangimento decorrem da conduta do R. é inequívoco face aos factos que antecedem o artigo 29 e que descrevem a sua conduta negligente e enganadora.  A A. confiava no trabalho do R. como advogado, no sentido de que tudo faria para defender da melhor forma os seus interesses, confiando que tudo corria a seu favor,  uma vez que este lhe dizia que tudo estava tratado da melhor forma e até resolvido. Ora, quando tomou conhecimento da sorte da acção ordinária e da rejeição da oposição, tendo só sabido desta segunda situação, pela consulta dos documentos que o R. lhe entregou, sentiu um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento, sentimentos que aliás são compreensíveis e qualquer pessoa em princípio os sentiria, se colocada naquele lugar.

Não têm razão os apelantes quando defendem que o facto de se não ter responsabilizado o R. por danos patrimoniais teria como consequência a sua não responsabilização pelos danos não patrimoniais. Neste caso verifica-se nexo de causalidade entre a violação reiterada de deveres deontológicos  e o sofrimento, angústia e constrangimento da A.”

Daqui e em síntese resulta apurado que a conduta do recorrente, no exercício do contrato de mandato ou no desempenho das obrigações legais decorrentes da sua nomeação oficiosa em apoio judiciário à autora violou o disposto na al. 83º, nº 1 al. c) do Estatuto dos Advogados então vigente.

E esta violação foi causa dos danos não patrimoniais causados à autora referidos nos factos acima apontados sob os números 26, 27, 28 e 29 – tendo confiado no trabalho do recorrente, sentir-se enganada durante anos, e sentindo um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento.

Parece pretender o recorrente deduzir da circunstância de não estar provado directa ou expressamente que os danos morais sofridos pela autora resultaram da conduta do recorrente, a não verificação do apontado nexo de causalidade.

Ora provaram-se os actos em que o recorrente violou as apontadas obrigações profissionais, no tocante ao dever de informação com verdade sobre o exercício do contrato de mandato ou das obrigações legais decorrentes da nomeação oficiosa pela Ordem dos Advogados do recorrente – cfr. factos 3 a 6, 16, 17, 18 e  28º. 

E também se provou que a autora confiava no trabalho do recorrente – facto nº 26 – e se sentiu enganada durante anos, que o réu lhe comunicava que tudo estava a ser tratado da melhor forma e até resolvido, que a autora sentiu um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento.

Daqui interpretaram as instâncias que estes estados de alma da autora se deveram à referida conduta do recorrente. E é isto o que resulta da interpretação dos factos, nos termos dos arts. 236º a 238º do Cód. Civil, aplicável por força do disposto no art. 295º deste código.

Mas se dúvidas houvesse, tínhamos, então, de aceitar que as instâncias usaram do disposto nos arts. 349º e 351º do Cód. Civil para inferir dos factos efectiva e expressamente provados o facto de a apontada conduta do recorrente ter determinado os danos da autora.

E este entendimento é insusceptível de ser censurado aqui, atento o disposto no art. 722º, nº 2, e nos arts. 351º e 396º do Cód. Civil.

Soçobra, deste modo, este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

II. Revista da autora.

Esta nas suas alegações formulou conclusões que pecavam excessivamente pela ausência de concisão e até de clareza.

Por isso, se convidou a mesma a formular conclusões nos termos legais.

Apesar do convite para as sintetizar e as precisar, a recorrente veio formular conclusões em que a concisão continua ainda ausente.

Assim, e daquilo que se consegue entender das mesmas conclusões parece-nos que a recorrente para conhecer neste recurso levanta apenas duas questões:

a) A perda da chance ou da oportunidade constitui um dano indemnizável em casos de violação por advogado dos deveres decorrentes de contrato de mandato judicial ou decorrentes da nomeação de patrono em apoio judiciário, independentemente da prova de efectivos danos futuros ?

b) A indemnização concedida pelos danos não patrimoniais deve ser fixada no montante pedido na petição inicial ?


Apenas respondeu a seguradora interveniente Império-Bonança defendendo a improcedência deste recurso.

Vejamos.

a) O pedido de indemnização formulado pela autora relativamente aos danos que a conduta do réu lhe causou com o incumprimento dos deveres profissionais como advogado no exercício de um contrato de mandato forense em que a autora é mandante e o réu é mandatário e, ainda, no exercício, por parte do mesmo réu, do encargo legal de defender a autora em tribunal, no âmbito do instituto do apoio judiciário, foi julgado procedente, em parte, no tocante aos danos não patrimoniais peticionados, e foi julgado totalmente improcedente no tocante aos danos patrimoniais.

Esta improcedência na sentença de 1ª instância baseou-se na ausência de prova de que os peticionados danos tenham nexo de causalidade bastante na conduta do réu. Para chegar aqui a sentença rejeitou a aplicação ao caso da nova doutrina da perda de chance ou de oportunidade.

Por outras palavras, a douta sentença entendeu que da conduta negligente do réu não resulta, em termos de nexo de causalidade, os danos patrimoniais futuros que a autora peticionou, por estes se mostrarem incertos, eventuais ou hipotéticos e, por isso, não se poderem considerar previsíveis, como exige o disposto no nº 564º, nº 2 do Cód. Civil.  

Por seu lado, o acórdão recorrido afastando também a aplicação da nova doutrina da perda de chance ou de oportunidade também concluiu que os danos peticionados, revestindo a natureza de danos futuros não se mostram previsíveis, confirmando a improcedência daquela parte do pedido de indemnização.

Vem agora a recorrente para atacar a conclusão de que os danos peticionados sendo futuros, não revestem a natureza de previsíveis exigida no art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, defender a aplicação da doutrina da perda de chance ou de oportunidade que entende que os danos decorrentes dessa perda são presentes e logo indemnizáveis.

Temos de concordar com as instâncias quanto ao afastamento da doutrina da perda de chance ou de oportunidade.

Esta doutrina surgiu na França nos anos sessenta do século XX e não tem sido acolhida por grande parte da nossa doutrina e pela jurisprudência deste Supremo Tribunal.

Assim, o douto acórdão desta mesma secção, relatada pelo Conselheiro Azevedo Ramos, em 26-10-2010, no processo 1410/04.OTVSB.L1:S1. tratou a questão com grande desenvolvimento e acerto pelo que o iremos seguir de muito perto na exposição da matéria.

Assim, Armando Braga, citado no referido acórdão, escreve no seu “Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”,  pág. 125.”: O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda da probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura.

Considera-se que a chance de obter um acréscimo é um bem jurídico digno de tutela.

A vantagem em causa que poderia surgir no futuro deve ser aferida em termos de probabilidade.

O dano de perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida ( estatisticamente comprovável ) e não ao benefício esperado.

O dano da perda de chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança, e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.

É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem ( perdida ) que será decisivo para a determinação da indemnização.”

Também Carneiro da Frada ( Direito Civil , Responsabilidade Civil, Método do Caso ), trata a questão, nos seguintes termos:

“Um exemplo de dano é conhecido por “perda de chance”, praticamente por desbravar entre nós. Entre as suas áreas de relevância encontra-se a da responsabilidade médica: se o atraso de um diagnóstico diminui em 40% as possibilidades de cura do doente, quid iuris?
Já fora deste âmbito, como resolver também o caso de exclusão de um sujeito a um concurso, privando-o da hipótese de o ganhar ?

Uma das formas de resolver este género de problemas é a de considerar a perda de oportunidade como dano em si, como que antecipando o prejuízo relevante em relação ao dano ( apenas hipotético, v.g. ausência de cura, perda de  concurso, do malograr das negociações por outros motivos ), para cuja ocorrência se não pode asseverar um nexo de causalidade causal suficiente.

Mas então tem de se considerar que a mera possibilidade de uma pessoa se curar, apresentar-se a um concurso ou negociar um contrato consubstancia um bem jurídico tutelável.

Se, no plano contratual, a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes ( que erigiram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato), no campo delitual esse caminho é bem mais difícil de trilhar...

Ainda assim surgem problemas, agora na quantificação do dano, para o qual um juízo de probabilidade se afigura indispensável.

Derradeiramente, não podendo ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados ( art. 563º, nº 3 do CC) .“

Aquele acórdão mencionado também transcreve Rute Pedro na Responsabilidade Civil do Médico, pág. 179 que diz o seguinte:

“ A perda de chance, enquanto tal, está ausente do nosso direito. Em Portugal, poucos são os autores que se referem à noção de perda de chance e, quando o fazem, dedicam-lhe uma atenção lateral e pouco desenvolvida.

Pode, porém, entender-se que paira nas entrelinhas de decisões judiciais portuguesas, estando subjacente a algumas delas em que os tribunais expendem um raciocínio semelhante ao que subjaz a esta teoria, sem, contudo, no entanto, se lhe referirem” ( pág. 232).

Também Júlio Gomes ( Direito e Justiça, XIX; 2002, II ) , refere, em jeito de conclusão:

“ Afigura-se, pois, que a mera perda de uma chance não terá, em geral, entre nós, virtualidades para fundamentar uma pretensão indemnizatória...

Na medida em que a doutrina da perda de chance seja invocada para introduzir uma noção da causalidade probabilística, parece-nos que a mesma deverá ser rejeitada entre nós, ao menos de iure condito...
Admitimos, no entanto, um espaço ou dimensão residual da perda de chance no direito português vigente: referimo-nos a situações pontuais, tais como a situação em que ocorre a perda de um bilhete de lotaria, ou em que se é ilicitamente afastado de um concurso ou de um fase posterior de um concurso. Trata-se de situações em que a chance já se densificou o suficiente para, sem se cair no arbítrio do juiz, se poder falar no que Tony Weir apelidou de uma quase propriedade, de um bem”.

E finalmente, aquele acórdão ainda cita Paulo Mota Pinto ( Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, 1103, nota de pé de página ):

Não parece que exista para já, entre nós, base jurídico-positiva para apoiar a indemnização de perda de chance.

Antes parece mais fácil percorrer o caminho de inversão do ónus da prova, da causalidade e do dano, com posterior redução da indemnização, designadamente por aplicação do art. 494º do Código Civil, do que fundamentar a aceitação da perda de chance como tipo autónomo de dano, por criação autónoma do direito para a qual faltam apoios...”

Com base nestes ensinamentos, entendeu aquele acórdão que vimos a transcrever:

“ Face à posição da doutrina que ficou exposta, entendemos que a perda de chance em sentido jurídico não releva, no caso em apreciação, por contrariar o princípio da certeza dos danos e as regras da causalidade adequada.

Com efeito, perante os factos provados, a falta de instauração da acção de impugnação do despedimento colectivo não se trata de uma situação em que a chance já esteja suficientemente densificada, para, sem se cair no arbítrio do tribunal, se poder falar numa quase propriedade ou num bem digno de tutela. Acresce que a obrigação de indemnização, só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – art. 563º do C.C.”

Também o notável acórdão deste Supremo Tribunal de 29-04-2010, proferido no processo nº 2622/07.OTBPNF.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas refere:

“ Na perda de chance, ou de oportunidade, verificou-se uma situação omissiva que, a não ter ocorrido, poderia razoavelmente propiciar ao lesado uma situação jurídica vantajosa. Trata-se de imaginar ou prever a situação que ocorreria sem o desvio fortuito não podendo constituir um dano presente ( imediato ou mediato ) nem um dano futuro ( por ser eventual ou hipotético só relevando se provado que o lesado obteria o direito não fora a chance perdida. Se um recurso não foi alegado, e em consequência  ficou deserto, não pode afirmar-se ter havido dano de perda de oportunidade, pois não é demonstrada a causalidade já que o resultado do recurso é sempre aleatório por depender das opções jurídicas, doutrinárias e jurisprudenciais dos julgadores chamados a reapreciar a causa.”

Daqui resulta que a doutrina da perda de chance ou de oportunidade não tem apoio na lei portuguesa, nomeadamente, no art. 563º do Cód. Civil que exige a prova de que os danos a indemnizar são apenas os que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Por isso, no caso em apreço, a falta de alegação no recurso interposto na acção nº 40/2002 acima referida não podia, sem mais, indiciar que se esse recurso fosse alegado, dali resultaria qualquer vantagem para a autora.

É óbvio que nessa acção a autora directamente nunca poderia ter qualquer vantagem, como a ali peticionada, pois a causa de pedir era o incumprimento por parte da ali ré M... Empreendimentos Turísticos, Lda. do contrato de arrendamento de que aquela demandada era locadora e em que era arrendatária a sociedade F...A...A..., Lda. e de que a autora era simples sócia gerente.

Por um lado a haver um direito de indemnização por incumprimento contratual era a referida sociedade F...A...A..., Lda. a ser dele titular e não a aqui autora.

Por outro lado também a referida locadora havia demandado a referida Sociedade F...A...A..., Lda, pedindo o despejo por falta de pagamento das rendas e do fornecimento da energia eléctrica.

Daqui que o sucesso da acção nº 40/2002 nunca poderia ser considerado ter uma forte probabilidade de ocorrer.

De igual modo, no tocante às demais acções em causa – injunção e processo criminal –, tal como doutamente expôs o acórdão recorrido que se dá por reproduzido nesse segmento, não há elementos de facto para que se conclua pela forte probabilidade de a recorrente poder ganhá-las, se a conduta do recorrido tivesse sido observadora das regras legais acima apontadas, como decorrentes do exercício da sua actividade forense. 

Em conclusão diremos:

Os danos patrimoniais aqui peticionados são danos futuros de verificação incerta, eventual ou hipotética.

Desta forma, se não pode considerar que esses danos sejam indemnizáveis ao abrigo do disposto no nº 2 do art. 564º do Cód. Civil.

A doutrina da perda de chance não tem, em geral, apoio na nossa lei civil que exige a certeza dos danos indemnizáveis e a existência de nexo de causalidade entre eles e a conduta do lesante.

Apenas quando se prove que o lesado obteria, com forte probabilidade, o direito não fora a chance perdida, se pode fundamentar uma indemnização pelos respectivos danos.

Improcede, desta forma, este fundamento do recurso.

b) Finalmente resta apreciar a questão do montante fixado para indemnizar os danos não patrimoniais dever ser aumentado para o montante peticionado de € 20 000,00.

Também aqui a recorrente não tem razão.

Tal como é pacificamente entendido, a reparação dos danos não patrimoniais, não visa uma reparação directa dos danos sofridos, porque estes são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro.

Com o ressarcimento da referida classe de danos, visa-se viabilizar  um lenitivo ao lesado, já que tirar-lhe o mal que lhe foi causado não é possível.

Trata-se de pagar a dor com prazer, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando aquelas dores, desgostos, contrariedades com o prazer derivado da satisfação das necessidades referidas.

De acordo com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, há a considerar a indemnização ou compensação, como constituindo um lenitivo para os danos suportados, não devendo ser miserabilista – cfr. ac. de 16-12-93, C.J. STJ, I, III, pág. 181.

Segundo o art. 496º nº 3 do Cód. Civil manda aplicar a equidade e atender ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.

A equidade traduz-se na observância das regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, dos parâmetros de justiça relativa e dos critérios de obtenção de resultados uniformes.

Por outro lado a compensação pelos danos não patrimoniais para responder actualizadamente ao comando do art. 496º citado e constituir verdadeiramente uma possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados.

Tem, porém, de medir-se por um padrão objectivo, segundo as circunstâncias do caso concreto e evitar-se o padrão subjectivo, sempre distorcido das verdadeiras realidades a considerar, devendo o montante da indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Por outro lado, há que ponderar entre as demais circunstâncias do caso, o valor do dinheiro na data a que se reportar a fixação daquela indemnização, o que terá de ser considerado nomeadamente para efeito da data a partir da qual se vencem juros de mora também peticionados.

Citando o douto ac. de 13-01-2005 deste Supremo Tribunal, proferido no recurso nº 4477/04 –7ª secção e relatado pelo Cons. Salvador da Costa, diremos, em síntese, que na determinação do quantum da compensação por danos não patrimoniais deve atender-se à culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, à flutuação do valor da moeda e à gravidade do dano, tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico por ele experimentado, sob o critério objectivo da equidade, envolvente da justa medida das coisas, com exclusão da influência da subjectividade inerente a particular sensibilidade.

Ora no caso em apreço os factos provados com interesse para a fixação desta indemnização e que integram os danos não patrimoniais sofridos pela autora são os seguintes:

- A autora confiava no trabalho do réu, como advogado, no sentido que tudo faria para defender da melhor forma os seus interesses e direitos, sentiu-se enganada durante anos pois o réu comunicava-lhe que tudo estava a ser tratado da melhor forma e até resolvido. A autora sentiu e sente um grande sofrimento, uma grande angústia e um grande constrangimento.

Estes factos estão em conjugação com os factos acima dados por provados sob os números 3, 4, 5, 6, 15, 16, 17, 18 e 20, que integram a violação pelo recorrido das suas obrigações profissionais.

Por outro lado, a data a que se refere o valor do dinheiro é o de Dezembro de 2006, data da citação e a que se refere o início da contagem dos juros de mora aqui pedidos e concedidos.

A culpa do recorrido é acentuada e a condição económica da autora e a do recorrente são desconhecidas.

Em face de tudo o exposto e os valores atribuídos em outros casos com contornos fácticos análogos aos dos autos, pensamos que o valor fixado nas instâncias não pode ser considerado exíguo.

Por isso tem de improceder este fundamento do recurso e com ele toda a revista.

Pelo exposto, negam-se as revistas pedidas.

Custas pelas revistas a cargo dos respectivos recorrentes – art. 446º. 

29-05-2012

João Moreira Camilo ( Relator )

António da Fonseca Ramos

José Salazar Casanova