Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
228/22.2T8GMR-A.G1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: CONCLUSÕES
ÓNUS DE CONCLUIR
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ANULAÇÃO DE ACÓRDÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 05/09/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
I. A reprodução nas conclusões da motivação do recurso não consubstancia o vício da falta de conclusões, a impor a imediata rejeição, mas antes o vício da deficiência, a justificar o convite ao aperfeiçoamento.

II. Tendo a apelante formulado 30 conclusões no recurso de apelação e na consequência do convite ao aperfeiçoamento reduzido para 23, ainda que correspondam a conclusões anteriores, não deve ser rejeitado o recurso se as questões são perfeitamente inteligíveis.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1.- A Autora – AA -instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra o Réu – BB

Alegando, em resumo, que ambos viveram, entre si, em união de facto e que a Autora é comproprietária de metade de todo o património que adquiriram durante a união de facto, pediu:

“a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. e Réu viveram em situação análoga à dos cônjuges, em regime de união de facto, por um período de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência;

b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor;

c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veículos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possível uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito;

d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes,

e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.”


2.O Réu contestou e defendeu-se com a excepção da ineptidão da petição inicial.


3.- Por saneador-sentença de 6/10/2021, decidiu-se:

“Nestes termos, julga-se parcialmente procedente a exceção de ineptidão alegada e, em consequência, julga-se inepta a ação no que se reporta aos pedidos formulados em b) a e), da petição inicial, por falta de causa de pedir e contradição entre a causa de pedir e os pedidos (cfr. artigos 193.º/2,a) e b), 576º/2 e 577º/b), do CPCiv).

As custas com referência aos pedidos formulados em b) a e), acima contabilizados são da responsabilidade da Autora, em face do seu decaimento (cfr. artigo 527º/1/2, do CPCiv).

Registe e notifique.”


4.- A Autora recorreu de apelação, juntando as respectivas alegações, com as seguintes conclusões:

“1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao declarar, sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, o que configura uma nulidade.

2º) O Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, de forma inesperada, resolveu proferir sentença/saneador nos autos, sem mais, no que concerne aos pedidos b) a e) da petição inicial. Sem ouvir sequer qualquer tipo de prova e diga-se de novo, salvo o devido respeito, sem fundamento e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento.

3º) Na sua petição inicial a Recorrente peticionou o seguinte, nas referidas alineas a)a e).

a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. e Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um período de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência;

b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor;

c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veículos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possível uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito;

d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes,

e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.

4º) In casú o Mmo. Juiz a quo, refere na sua sentença/saneador que “(…) entende-se que se verificam as mesmas deficiências que lhe foram apontadas nas anteriores decisões (pese embora o afastamento do recurso á compropriedade) (…)”, ou seja o Mmo. Juiz a quo, sem sequer consultar os demais processos integralmente, conforme confessa, começa logo por referir que o atual processo apresenta os mesmos problemas dos anteriores, mas reconhece nesta primeira fase que foi afastado o recurso á compropriedade.

5º) Logo no início até refere e bem que a pretensão da Autora é a de que seja reconhecida como titular do direito ao enriquecimento sem causa correspondente a metade do valor dos bens adquiridos durante esse período temporal, salvo os que já se encontravam de facto em compropriedade nomeadamente os indicados nos artigos 8º, 16º, 24º e 34º (artigo que o Mmo. Juiz a quo omitiu no seu despacho saneador) e 41º todos da petição inicial, porque esses imóveis são de facto de ambos encontrando-se registados e tendo sido adquiridos em compropriedade, uma vez que ambos estiveram presentes e intervieram no ato aquisitivo, bastando para tanto verificar os documentos juntos com a petição inicial.

6º) No entanto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, limita-se a invocar a existência de contradições, mas nunca sequer convidou a A., a aperfeiçoar a sua petição inicial, nem a esclarecer o que pretendia dizer com tal referencia á compropriedade, apesar de bem alegar que a mesma a afastou nos demais imóveis, o que configura uma nulidade.

7º) Os poderes de atuação do juiz previstos nos citados preceitos inscrevem-se claramente no âmbito do dever de gestão processual, consagrado no art. 6º do CPC, o qual, no seu nº 1 dispõe que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do impulso processual especialmente imposto por lei às partes dirigir ativamente o processo (…) promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação (…)”.

8º) Sobre esta matéria referem CC / DD: “O convite ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada é agora uma incumbência do juiz, isto é, um seu dever. A intenção do legislador é clara: a ação ou a exceção não podem naufragar por insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada. (…)

O juízo de manifesta improcedência continua a poder ser formulado; todavia, deve ele assentar numa estrutura narrativa suficiente e precisa apresentada pelo autor. O mesmo se diga dos fundamentos da defesa. Por exemplo, se o réu confirma os factos articulados pelo autor, limitando-se a invocar uma difficultas praestandi – e os factos que a revelam -, a matéria alegada é insuficiente para a obtenção do efeito pretendido, mas não estamos perante uma insuficiência de alegação. (…) O aperfeiçoamento da exposição dos factos articulados não se destina a prestar um serviço público de proteção da parte carenciada de assistência (judiciária), face a eventuais limitações do seu patrocínio forense. Não está aqui em causa garantir a igualdade substancial entre as partes (art. 4º) ou a equidade processual (em sentido estrito). O interesse perseguido pela lei e pelo órgão jurisdicional é aqui o interesse último do processo: a justa composição do litígio (arts. 6º, nº 1, 7º, nº 1, 411º). A exposição factual imperfeita permite uma decisão correta, suportando a parte as consequências da sua incapacidade de narração. Todavia, se a justiça pública existe para que aquele fim seja alcançado, então não se deve bastar com decisões apenas formalmente corretas, quando possa ir mais além. (…) O relato da relação material controvertida apresentado pela parte é suficiente quando é consequente, isto é, quando permite um raciocínio silogístico que leve à conclusão que apresenta - a condenação no pedido ou a procedência da exceção.

9º) O Juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a apresentar um relato de onde resulte a procedência da ação, como que sugerindo a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma.

10º) O Juiz está, sim, na posição do leitor - jurista, é certo - que, perante a descrição de um acontecimento, deteta uma lacuna, um salto na crónica. Esta falha narrativa pode ser patente, quando não permite compreender a concreta tessitura da relação material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta estar completa, mas outros fatores levem o leitor jurista a concluir o contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.”

11º) O dever de cooperação que é imposto ao tribunal tem de ser “levado a sério”: ou esse dever é exercido com a finalidade que está subjacente à sua consagração na lei ou então não passa de um dever cujo incumprimento não tem qualquer consequência – o que, naturalmente, não se pode admitir.

12º) Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ, factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse convite seria um acto inútil.

13º) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado.

14º) Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.

15º) Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.

16º) Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência.

17º) Se assim é, então não pode concordar-se com a afirmação de que “o vício está a montante, na omissão do despacho, que não a jusante, no conhecimento do que poderia ter sido suprido caso tal omitido despacho tivesse sido proferido…e correspondido.” Como se procurou elucidar, a omissão do despacho de aperfeiçoamento não constitui, em si mesma, um vício processual: o vício que pode decorrer daquela omissão é apenas circunstancial, dado que só ocorre se a deficiência do articulado for utilizado como fundamento da decisão do tribunal. É por isto que não parece desacertado concluir que a omissão do despacho de aperfeiçoamento se traduz num excesso (circunstancial) de pronúncia: sem o proferimento desse despacho, o tribunal não pode considerar improcedente o pedido da parte com base na deficiência do seu articulado (cf. RL 6/5/2014 (1978/12....)). Em contrapartida, tendo proferido despacho de aperfeiçoamento, o tribunal está em condições de considerar improcedente o pedido formulado pela parte com fundamento nas deficiências do seu articulado.

18º) Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte.

19º) Cremos que as duas posições manifestadas não estão muito distantes, na medida em que coincidem no essencial: a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, conduz à nulidade da decisão final da causa motivada pela deficiência da causa de pedir.

20º) Não obstante, parece-nos que a posição manifestada pelo Ilustre Professor não resolve a questão decorrente da necessidade de, verificada a nulidade, o processo “retroceder” à fase de articulados. É que, se bem vemos as coisas, a nulidade da sentença tem como consequência a anulação do julgamento (de facto e/ou de direito), mas não tem a virtualidade de fazer recuar a marcha do processo até momento anterior à fase do julgamento.

21º) Já a solução adotada pelos Tribunais Superiores, à qual aderimos, ao situar a nulidade no momento subsequente à fase dos articulados, ou seja à fase da gestão processual, tem a virtualidade de reconduzir naturalmente o processo ao momento da prolação do despacho pré-saneador a que alude o art. 590º co CPC.

22º) Dito isto, regressando ao caso que nos ocupa, diremos que como já se deu conta, a sentença recorrida considerou por um lado que a Recorrente afastou a compropriedade e veio pelo enriquecimento sem causa, mas ainda assim omite esses factos aquisitivos, quer da aquisição derivada, quer da aquisição originária, quanto ás sociedades e quanto ao seu património, mais manifestando ser insuficiente a matéria factual alegada para o levantamento da personalidade colectiva das sociedades, sendo que foi identificado o património e foi feita a descrição das motivações ilegítimas para cada uma dessas operações levando a uma descapitalização das mesmas e a uma mistura de patrimónios, tendo as sociedades sido usadas para contornar obrigações legais, nomeadamente com a Recorrente e com terceiros e encobrir negócios em que o único beneficiado foi exclusivamente o Réu.

23º) Salvo o devido respeito, discordamos do entendimento do Mmo. Juiz a quo, pois na verdade, do que já expusemos, resulta que em nosso entender, a ora Recorrente não foi totalmente omissa quanto aos factos relevantes para a sua verificação fizeram-no nos arts. 1º a 84º da petição inicial e nos artigos 1º a 37º do requerimento de resposta á contestação, mas que salvo o devido respeito, não foram devidamente valorados pelo Mmo. Juiz a quo.

24º) Não se trata, pois de uma absoluta omissão de alegação, mas de uma alegação deficiente, eivada de juízos conclusivos e generalidades, carecedora de concretização factual. Ora, como bem esclarecem CC/DD, este é um forte sinal de alegação insuficiente, e constitui o campo de eleição do convite ao aperfeiçoamento.

25º) Por ser assim, como é, findos os articulados, deveria o Mmo Juíz a quo ter usado o poder-dever de convidar a ora Recorrente a completar a factualidade alegada no requerimento inicial, com vista à referida concretização factual que, como já referimos, se alcançaria mediante a alegação de factos concretos tendentes a concretizar os pontos supra melhor identificados.

26º) Tais esclarecimentos permitiriam suprir as deficiências de alegação e evitar a improcedência da acção por falta de alegação de factos suficientes.

27º) A omissão do referido dever funcional de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial constitui um desvio à regular tramitação do processo, e teve influência direta no desfecho da causa, pelo que configura nulidade, nos termos do art. 195º, nº 1, 2ª parte do CPC.

28º) Tal nulidade de decisão ocorre pois por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer, sendo que a mesma só poderia ter sido evitada se, antes do proferimento da decisão, tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado - vide Teixeira de Sousa, “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, pág. 8.

29º) Nesta conformidade, e em consequência, cumpre anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo praticar o ato omitido, proferindo despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos já expostos.

30º) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 6º, 7º, 411º, 195º, 590º e 615º todos do Código de Processo Civil.”


5.- Na Relação, por despacho de 6/10/2022, decidiu-se:

“a) indefere-se o pedido de rejeição do recurso feito pelo recorrido nas contra-alegações, por não existir falta absoluta de formulação de conclusões;

b) convida-se a recorrente a, no prazo de 5 dias, apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso.

 Acedendo a recorrente ao convite, pode o recorrido responder nos termos do art. 639º, nº 4, do CPC.

 Notifique”


Consta da fundamentação:

(…)

“Todavia, lendo o recurso verifica-se que as 30 conclusões apresentadas, analisadas materialmente ou do ponto de vista substancial, não revestem a natureza de conclusões. Na verdade, confrontando as conclusões com a motivação do recurso verifica-se que as mesmas coincidem na quase totalidade, sendo as conclusões uma reprodução quase integral do que consta da motivação do recurso, não contendo as conclusões qualquer proposição sintética decorrente do que se expôs e considerou ao longo da alegação que permita delimitar e individualizar o objeto do recurso e identificar as questões que devem ser apreciadas pelo tribunal ad quem.

Deste modo, as conclusões apresentadas não cumprem a finalidade a que se destinam - delimitar e individualizar o objeto do recurso - e, como tal, têm que ser consideradas deficientes ou complexas, situação que se enquadra na previsão do art. 639º, nº 3, do CPC, e impõe a prolação de convite ao respetivo aperfeiçoamento.”


6.- A Autora juntou novas alegações, com as seguintes conclusões:

“1º) Salvo melhor opinião e o devido respeito, não andou bem o Mmo. Juiz a quo, ao declarar, sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, o que configura uma nulidade.

2º) O Mmo. Juiz a quo, salvo o devido respeito, de forma inesperada, resolveu proferir sentença/saneador nos autos, sem mais, no que concerne aos pedidos b) a e) da petição inicial. Sem ouvir sequer qualquer tipo de prova e diga-se de novo, salvo o devido respeito, sem fundamento e sem qualquer convite ao aperfeiçoamento.

3º) Na sua petição inicial a Recorrente peticionou o seguinte, nas referidas alineas a) a e).

a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. e Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um periodo de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência;

b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituídas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituído, aumentado, construído e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor;

c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veiculos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possivel uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veículos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito;

d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de sentença o apuramento do valor final desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes,

e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento.


4º) In casú o Mmo. Juiz a quo, refere na sua sentença/saneador que “(…) entende-se que se verificam as mesmas deficiências que lhe foram apontadas nas anteriores decisões (pese embora o afastamento do recurso á compropriedade) (…)”, ou seja o Mmo. Juiz a quo, sem sequer consultar os demais processos integralmente, conforme confessa, começa logo por referir que o atual processo apresenta os mesmos problemas dos anteriores, mas reconhece nesta primeira fase que foi afastado o recurso á compropriedade.

5º) Logo no início até refere e bem que a pretensão da Autora é a de que seja reconhecida como titular do direito ao enriquecimento sem causa correspondente a metade do valor dos bens adquiridos durante esse período temporal, salvo os que já se encontravam de facto em compropriedade nomeadamente os indicados nos artigos 8º, 16º, 24º e 34º (artigo que o Mmo. Juiz a quo omitiu no seu despacho saneador) e 41º todos da petição inicial, porque esses imóveis são de facto de ambos encontrando-se registados e tendo sido adquiridos em compropriedade, uma vez que ambos estiveram presentes e intervieram no ato aquisitivo, bastando para tanto verificar os documentos juntos com a petição inicial.

6º) No entanto, salvo o devido respeito, o Mmo. Juiz a quo, limita-se a invocar a existência de contradições, mas nunca sequer convidou a A., a aperfeiçoar a sua petição inicial, nem a esclarecer o que pretendia dizer com tal referencia á compropriedade, apesar de bem alegar que a mesma a afastou nos demais imóveis, o que configura uma nulidade.

7º) O Juiz não está aqui na posição de julgador, justificando a sua intervenção na inconcludência do relato apresentado. Não lhe cabe convidar a parte a apresentar um relato de onde resulte a procedência da ação, como que sugerindo a apresentação de uma história melhor ou a invenção de uma.

8º) O Juiz está, sim, na posição do leitor - jurista, é certo - que, perante a descrição narrativa pode ser patente, quando não permite compreender a concreta tessitura da relação material controvertida, mas também pode ser latente, quando a história aparenta estar completa, mas outros fatores levem o leitor jurista a concluir o contrário. A utilização de conceitos de direito ou conclusivos nos articulados, mais do que ser um problema de imprecisão na exposição dos factos, é um fator que permite ao leitor perceber que a história compreende algo mais do que aquilo que foi factualmente narrado. É um dos mais fortes indícios da insuficiência (latente) da articulação dos factos.”

9º) Segundo o disposto no art. 590.º, n.º 2, al. b), e 3, nCPC, incumbe ao juiz providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, dirigindo o correspondente convite à parte. O juiz não tem, em todo e qualquer caso, de dirigir à parte o convite ao aperfeiçoamento do articulado. O acórdão em análise demonstra-o claramente: se, mesmo que se fosse formulado um convite ao autor para aperfeiçoar a sua petição inicial, a acção haveria de improceder, não pela falta de esclarecimento de um facto constitutivo, mas pela falta de um facto constitutivo integrante da causa de pedir, é claro que não tem sentido dirigir esse convite. Mesmo que houvesse convite e mesmo que o autor tivesse correspondido a esse convite, ainda assim continuavam a faltar, na opinião do STJ, factos essenciais para possibilitar a procedência da causa, pelo que sempre esse convite seria um acto inútil.

10º) O que o tribunal não pode é deixar de dirigir o convite ao aperfeiçoamento do articulado e, mais tarde (no despacho saneador ou na sentença final), considerar o pedido da parte improcedente precisamente pela falta do facto que a parte poderia ter alegado se tivesse sido convidada a aperfeiçoar o seu articulado.

11º) Admitir o contrário seria desconsiderar por completo o dever de cooperação do tribunal: afinal, mesmo que este dever não tivesse sido cumprido, o tribunal poderia decidir como se tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.

12º) Resta concluir que, se o tribunal não convidar a parte a aperfeiçoar o seu articulado e, na decisão da causa, considerar improcedente o pedido da parte pela falta do facto que a parte poderia ter invocado se lhe tivesse sido dirigido um convite ao aperfeiçoamento, se verifica uma nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), nCPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer. Esta nulidade só pode ser evitada se, antes do proferimento da decisão, for dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado.

13º) Dito de outro modo: a nulidade resultante da omissão do despacho de aperfeiçoamento só se verifica se, na apreciação do pedido da parte, for dada relevância à deficiência do articulado, ou seja, se o pedido formulado pela parte for julgado improcedente precisamente com fundamento naquela deficiência.

14º) Em suma: a omissão do despacho de aperfeiçoamento não origina, em si mesma, uma nulidade processual, mas antes uma nulidade da decisão se (e apenas se) a deficiência do articulado constituir o fundamento utilizado pelo tribunal para julgar improcedente o pedido formulado pela parte.

15º) Cremos que as duas posições manifestadas não estão muito distantes, na medida em que coincidem no essencial: a omissão do dever de formular convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, conduz à nulidade da decisão final da causa motivada pela deficiência da causa de pedir.

16º) Dito isto, regressando ao caso que nos ocupa, diremos que como já se deu conta, a sentença recorrida considerou por um lado que a Recorrente afastou a compropriedade e veio pelo enriquecimento sem causa, mas ainda assim omite esses factos aquisitivos, quer da aquisição derivada, quer da aquisição originária, quanto ás sociedades e quanto ao seu património, mais manifestando ser insuficiente a matéria factual alegada para o levantamento da personalidade colectiva das sociedades, sendo que foi identificado o património e foi feita a descrição das motivações ilegítimas para cada uma dessas operações levando a uma descapitalização das mesmas e a uma mistura de patrimónios, tendo as sociedades sido usadas para contornar obrigações legais, nomeadamente com a Recorrente e com terceiros e encobrir negócios em que o único beneficiado foi exclusivamente o Réu.

17º) Salvo o devido respeito, discordamos do entendimento do Mmo. Juiz a quo, pois na verdade, do que já expusemos, resulta que em nosso entender, a ora Recorrente não foi totalmente omissa quanto aos factos relevantes para a sua verificação fizeram-no nos arts. 1º a 84º da petição inicial e nos artigos 1º a 37º do requerimento de resposta á contestação, mas que salvo o devido respeito, não foram devidamente valorados pelo Mmo. Juiz a quo.

18º) Não se trata, pois de uma absoluta omissão de alegação, mas de uma alegação deficiente, eivada de juízos conclusivos e generalidades, carecedora de concretização factual. Ora, como bem esclarecem CC/DD, este é um forte sinal de alegação insuficiente, e constitui o campo de eleição do convite ao aperfeiçoamento.

19º) Por ser assim, como é, findos os articulados, deveria o Mmo Juíz a quo ter usado o poder-dever de convidar a ora Recorrente a completar a factualidade alegada no requerimento inicial, com vista à referida concretização factual que, como já referimos, se alcançaria mediante a alegação de factos concretos tendentes a concretizar os pontos supra melhor identificados.

20º) A omissão do referido dever funcional de proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento do requerimento inicial constitui um desvio à regular tramitação do processo, e teve influência direta no desfecho da causa, pelo que configura nulidade, nos termos do art. 195º, nº 1, 2ª parte do CPC.

21º) Tal nulidade de decisão ocorre pois por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1,al. d) do CPC): o tribunal conhece de matéria que, perante a omissão do dever de cooperação, não pode conhecer, sendo que a mesma só poderia ter sido evitada se, antes do proferimento da decisão, tivesse sido dirigido à parte um convite ao aperfeiçoamento do articulado - vide Teixeira de Sousa, “Omissão do dever de cooperação do Tribunal: que consequências”, pág. 8.

22º) Nesta conformidade, e em consequência, cumpre anular a decisão recorrida, devendo o Tribunal a quo praticar o ato omitido, proferindo despacho de convite ao aperfeiçoamento, nos termos já expostos.

23º) A Douta sentença violou o disposto nos artigos 6º, 7º, 411º, 195º, 590º e 615ºtodos do Código de Processo Civil.”


7.- O recorrido apresentou resposta na qual pede que o recurso não seja conhecido ou, a sê-lo, que seja julgado improcedente, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1 – Mesmo depois do convite ao aperfeiçoamento efectuado nestes autos por esta Veneranda Relação, o recorrente continua teimosamente a não cumprir o ónus a que está adstrito relativamente a apresentar conclusão sintéticas, tendo-se limitado a suprimir as conclusões (das alegações iniciais) números 7, 8, 11, 17, 20, 21 e 26, sem alterar o que quer que seja nas restantes 23 extensas conclusões.

2 - Compulsadas as novas alegações de recurso do recorrente verifica-se que:- as mesmas são compostas pelo total 13 páginas, que, a partir da 8ª página, dizem respeito dizem respeito às conclusões;- a recorrente concluiu as suas alegações de recurso com 23 extensas conclusões;- tais conclusões correspondem quase “ipsis verbis” (incluindo a côr) ao alegado nas motivações de recurso.

3 – As conclusões da recorrente incluem (ilicitamente) transcrições de doutrina (vd.conclusões números 7 e 8), consubstanciando o uso indevido (e processualmente vedado) deum copy-paste do corpo das alegações e à repetição mecânica dos mesmos pseudo- argumentos.

4 - Esta opção da recorrente equivale a falta de alegações, que conduz ao não conhecimento do recurso, considerando adicionalmente a advertência expressa no Douto Despacho de fls se a recorrente não desse, como não deu, cumprimento ao doutamente ordenado.

5 – A p.i. está insanavelmente afectada por uma manifesta e indiscutível ausência de alegação de factos susceptíveis de consubstanciar os requisitos essenciais para a apreciação e procedência dos pedidos das alíneas b) a e).

6 – Conforme Douta e Vasta Jurisprudência na matéria supra-citada, a ausência de factos alegados determina o não prosseguimento do processo que, a ocorrer (prosseguimento), constituiria um acto inútil, proibido pelo art. 130 CPC.

7 – O convite ao aperfeiçoamento não se destina a suprir a aridez factual e a absoluta falta de coerência e de lógica que caracterizam o comportamento e a opção processual da recorrente.

8 – Conforme Douta e Vasta Jurisprudência na matéria, o dever de convite ao aperfeiçoamento não tende à recuperação de petições ineptas.

9 - Importa recapitular o processado havido até à prolacção da Douta Sentença recorrida e trazer ao conhecimento desta Veneranda Relação que a presente acção é a quarta que a recorrente intenta com os mesmos objectivos e pseudo-argumentos e a mesma causa de pedir (ou falta dela), conforme supra-transcrito e conforme os documentos juntos com a contestação apresentada nestes autos.

10 - E, apesar de ser a quarta vez que a recorrente vem a Juízo, esta ainda pretende que o Tribunal lhe conceda nova oportunidade para «refazer» ou «aperfeiçoar» a quarta petição inicial que apresentou em Juízo, sendo relevante destacar que nenhuma das restantes três petições iniciais logrou sequer ultrapassar a fase da prolacção de despacho saneador, tal e tamanha era (e continua a ser) a sua aridez factual.

11 - A Douta Sentença recorrida (e bem) não faz mais do que as anteriores sentenças (e bem) fizeram e com as quais a recorrente se conformou, não tendo recorrido de nenhuma das Doutas Sentenças lapidares proferidas nos mencionados três anteriores processos.

12 – Nos presentes autos, a recorrente continua teimosamente a reincidir nas mesmas opções, e nas mesmas (insanáveis) insuficiências e deficiências, que já levaram os anteriores processos ao insucesso, confundindo conceitos, institutos jurídicos, titularidades de activos, misturando o que não pode ser misturado, aludindo a entidades que não são sujeitos processuais nos presentes autos e fazendo uso de um arrazoado em que, apesar de muito esforço, não é possível encontrar fundamentos factuais que permitam sequer ao Tribunal seleccionar os temas da prova, nem sequer sendo merecedora de qualquer convite ao aperfeiçoamento, sendo evidente e indiscutível que nada há a aperfeiçoar, porque nada pode ser aperfeiçoado.

13 - O aperfeiçoamento previsto na Lei destina-se apenas a permitir que um sujeito processual complemente o que já alegou e nunca a permitir que um sujeito processual possa refazer integralmente o seu articulado e aduza factos essenciais e imprescindíveis que nunca foram alegados, para além das evidentes incompatibilidade e inviabilidade efectivas do que a recorrente (falsamente) alega.”


7. – A Relação, por depacho de 24/10/2022, decidiu-se:

“Face ao exposto, porque a recorrente, nas novas conclusões que apresentou, não eliminou o vício existente nas conclusões anteriores, não constituindo as conclusões proposições sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, nos termos do art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, e em conjugação com o constante do despacho de 6.10.2022, o qual não se considera cumprido, decide-se não se conhecer do objeto do recurso.”


8.- A Autora/Apelante reclamou para a conferência e a Relação, por acórdão de-30/11/2022 indeferiu a reclamação e manteve o despacho reclamado


9. - A Autora recorreu de revista, com fundamento no art.671 nº2 b) CPC, e com relevo para a revista, ( as conclusões de 1 a 23 não interessam para o presente recurso )concluiu em resumo:

1)Apesar de ter interposto recurso de apelação, o mérito não foi conhecido pela Relação com fundamento na falta de apresentação de conclusões, apesar de nas novas conclusões apresentadas ter sido retirado tudo o que era transcrição de artigos, doutrina e jurisprudência, alegando-se assim o não cumprimento do convite ao aperfeiçoamento e a impossibilidade de ser proferido novo despacho a re-analisar se o vicio ocorre ou não.

2)No entanto, salvo o devido respeito, que é desde logo manifesto, impunha-se a admissão do recurso tanto mais que se produziram alegações, quer antes, quer após o gentil convite ao aperfeiçoamento que foi realizado.

3)Salvo o devido respeito a Recorrente cumpriu com o que lhe foi solicitado pois não apresentou, mesmo após o convite realizado, como conclusões arrazoadas longas e confusas em que se não discriminam com facilidade as questões invocadas.

4)No caso, a Recorrente reduziu a complexidade e a inteligibilidade das alegações, julgando estar a fazer o melhor e que o recurso seria assim aceite uma vez que se encontram em causa pedidos pertinentes que a mesma pretendia ver julgada na presente acção.

5)De facto quando a Recorrente apresentou novas conclusões, fê-lo sem o manifesto objectivo de desrespeitar a forma legal de concluir de forma sintética, e por entender que as mesmas são minimamente compreensíveis e, embora com prevalência do fundo sobre a forma, não deixam de constituir um enquadramento sintético das questões postas ao tribunal de recurso para resolver, mencionando quais os supostos erros cometidos na decisão recorrida e as razões porque devem ser solucionadas em determinado sentido.

6) Apresentou ainda os fundamentos por que se pretende obter a sua alteração ou revogação, tudo em termos minimamente aceitáveis que formalmente viabilizem o seu conhecimento. Estando ainda a Recorrente convicta que o ónus da conclusão sintética, imposto na parte final do nº 1 do art. 685.°-A, deve ser interpretado com moderação, importando mais ver em tal imposição uma recomendação de boa técnica processual, do que um comando rigoroso e rígido, a aplicar com severidade e sem contemplações.

7)O convite, feito à Recorrente, teve como objecto a síntese das conclusões, e, por isso, só a falta de cumprimento deste convite poderia legitimar o não conhecimento do recurso. Salvo o devido respeito, o Tribunal apenas poderia não tomar conhecimento do recurso, se a Recorrente não tivesse sintetizado as conclusões, o que no caso em apreço não aconteceu. O Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, ao proceder da forma como o fez, não conheceu da matéria do recurso, já que a rejeitou por razões meramente formais, omitindo a pronúncia sobre questão de que deveria conhecer e incorreu na nulidade a que reportam o art. 668° do CPC.

8)A Recorrente procedeu a duas estirpes de especificações: uma relativa às normas que entende terem sido violadas, mal interpretadas ou erroneamente aplicadas (artigo 685°-A n° 2) e outra que lhe impõe a menção concreta dos pontos de facto e dos meios probatórios a considerar em sede de recurso (artigo 685°-B n° 1). Não se limitando a uma completa impugnação genérica e global da decisão de facto, manifestando genérica discordância com a decisão da 1ª instância. A formulação de conclusões, consoante a extensão e a complexidade do litígio em apreço, pode ser mais ou menos longa. Nalguns casos, a copiosidade dos factos impõe, forçosamente, um maior número de conclusões.

9)Daí que para aferir da razoabilidade da extensão das conclusões não deva ter-se em consideração apenas o número de artigos ou de páginas que as contêm. A Recorrente pretendeu fazer uma correcta identificação dos respectivos pontos em crise, censurando os fundamentos, e apontando quais os que deveriam ter sido considerados. A Recorrente, admite ter-se excedido na quantidade, e recebeu de bom grado o convite do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Relator, e conseguiu, em concreto, redução efectiva de texto. Assim, é de realçar que, com uma densidade idêntica de caracteres, com os mesmos tipos de letra, com o mesmo espaço de entrelinhas, e todas as folhas com as mesmas margens laterais, superiores e inferiores, nas novas conclusões, relativamente às conclusões iniciais apresentadas, houve redução notória de 30 para 23 conclusões.

10)Depreende-se das novas conclusões, que são suficientemente entendíveis as razões da discordância da sentença, sendo possível delimitar as questões que a Recorrente levanta. Acresce que, as questões levantadas no recurso e levadas às conclusões são muitas e variadas e, algumas delas, complexas, pelo que não tem razão de ser exigir uma síntese mais resumida do que aquela que foi feita. Do exposto resulta que as conclusões apresentadas satisfazem minimamente a sua finalidade, ou seja, dar a conhecer de forma sintética (ainda que complexa quando as questões também o sejam) as razões jurídicas que estão na base da interposição do recurso e quais as questões que pretende ver reapreciadas. Salvo o devido respeito, não se pode considerar que o não conhecimento do recurso "representa um impedimento de acesso à Justiça, de todo inconstitucional", por violação do direito ao recurso, pois que a Recorrente considera que cumpriu com os requisitos essenciais impostos por lei, reduzindo drasticamente o número das novas conclusões (relativamente às conclusões inicialmente apresentadas), e colocando as questões que queria que fossem apreciadas e conhecidas pelo tribunal.

11)Por outro lado, afigura-se que a cominação de não conhecimento do recurso, constante do 685°-A n° 3, do CPC não está coligada à satisfação do convite ao aperfeiçoamento, mas sim à própria existência de conclusões deficientes obscuras ou complexas.

12)Pelo que nestes termos e por estarem preenchidos todos os requisitos plasmados nos artigo 671º e 672º nº 2 ambos do Código de Processo Civil, deverá este Venerando Tribunal, resolver o presente conflito de jurisprudência no seguinte sentido, de forma a que se considere que a reprodução nas conclusões do recurso da respectiva motivação não equivale a uma situação de alegações com falta de conclusões inexistindo por isso fundamento para a imediata rejeição do recurso nos termos do disposto na alínea b) do nº 2 do artigo 641º do Código de Processo Civil devendo o Acórdão que recusou o conhecimento da apelação ser revogado e substituído por outro, que admita a apelação devendo a mesma seguir os seus ulteriores termos, ou quando assim assim não se entenda, que julgue a apelação procedente e anule o despacho saneador proferido que sem mais e nomeadamente sem ouvir qualquer prova, que julgou inepta no que concerne aos pedidos b) a e) a petição inicial, uma vez que a mesma não possui, salvo o devido respeito, qualquer ineptidão, devendo ter anteriormente formulado um convite ao aperfeiçoamento, o que não foi feito e foi decisivo na decisão da causa, configurando uma nulidade e como tal seja tal convite formulado, ou admitidos os pedidos b) a e) da petição inicial, seguindo-se os ulteriores termos processuais.


10. – O Réu contra-alegou suscitando a questão prévia da inadmissibilidade da revista porque não há contradição de jurisprudência



II – FUNDAMENTAÇÃO



2.1.- Da admissibilidade e objecto do recurso


A revista é admissível ao brigo do art.671 nº1 CPC, visto que a expressão “termo ao processo” deve ser interpretado segundo a teologia da norma, abarcando, assim, não apenas os casos de absolvição da instância, mas também aqueles que extingam a instância por outros meios, impedindo a apreciação de mérito ( cf Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 6ª ed., pág.400 e segs.)

Deste modo, “Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC” ( cf., por ex., Ac STJ de 9/6/2016 ( proc nº 6617/07), em www dgsi.pt).

A questão submetida a recurso, delimitado pelas conclusões, consiste em saber se há fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação por irregularidade nas conclusões.


2.2. – Do mérito da revista


A reprodução nas conclusões da motivação é, conforme orientação prevalecente no Supremo, não como falta de conclusões, a impor a imediata rejeição, mas como deficiência, a justificar o convite ao aperfeiçoamento ( cf., por ex., Ac STJ de 7/11/2019 ( proc nº 3113/17), Ac STJ de 13/12/2022 ( proc nº 952/21), em www dgsi.pt ).

Nesta medida, foi proferido despacho de aperfeiçoamento, sob a cominação do não conhecimento do recurso.

A Apelante correspondeu e apresentou novas conclusões, e em vez das 30 conclusões anteriores, reduziu-as para 23 conclusões.

A questão que se coloca é a de saber se, mesmo assim, o recurso deve ser rejeitado.

A Relação justificou a rejeição dizendo, em resumo:

Do que se acaba de expor conclui-se que é de manter a decisão de não conhecimento do objeto do recurso por a recorrente nas novas conclusões que apresentou, não ter eliminado o vício existente nas conclusões anteriores, não constituindo as conclusões proposições sintéticas dos fundamentos pelos quais pediu a revogação da decisão, nos termos do art. 639º, nºs 1 e 3, do CPC, e em conjugação com o constante do despacho de 6.10.2022, o qual não se considera cumprido”.

É verdade que a Apelante não prima pela capacidade de síntese nas conclusões do recurso, mas importa indagar se as questões colocadas são perfeitamente inteligíveis, de modo a delimitar o objecto do recurso e o poder de cognição do Tribunal.

Como se realça no Ac STJ de 19/10/2017 ( proc nº 1577/14), em www dgsi, - “Vem, desde há muito, sendo cimentado na jurisprudência deste STJ o entendimento segundo o qual só em casos extremos a deficiente reformulação das conclusões, após convite dirigido pelo relator à parte, deve dar lugar ao não conhecimento do recurso. Introduzindo o recorrente, após convite formulado para o efeito, uma significativa redução do número e conteúdo das conclusões, e sendo facilmente apreensível, embora ainda longe da perfeição, a linha de raciocínio seguida, não há motivo para deixar de conhecer o recurso”.

Isto, porque, como se afirma no Ac STJ de 18/2/2021 ( proc nº 8625/18), em www dgsi- “ O não conhecimento do recurso, deve ser usado com parcimónia e moderação, devendo ser utilizado, tão só, quando não for de todo possível, ou for muito difícil, determinar as questões submetidas à apreciação do tribunal superior ou ainda quando a síntese ordenada se não faça de todo”.

Também no Ac STJ de 28/10/2021 ( proc nº 8975/17), em www dgsi  - “só em casos extremos em que de todo em todo não se consiga vislumbrar qualquer conteúdo útil na alegações e/ou conclusões se deve lançar mão da rejeição do recurso, cabendo ao tribunal, nos demais casos, delimitar o âmbito do recurso em função do que, em face da decisão recorrida e do conteúdo da alegação e suas conclusões, ainda que deficientes, depreende serem as questões relevantes, sem embargo, porém, do respeito pelo contraditório. Esse abaixamento do grau de exigência no critério de aferição do cumprimento do ónus de alegação e conclusão implica, no entanto, que os recorrentes fiquem destituídos de legitimidade para contestar posteriormente o resultado da especificação levada a cabo pelo tribunal.”

Neste contexto, sendo de adoptar este critério de orientação, baseado numa interpretação pro actione, verifica-se serem inteligíveis as três as questões que emergem das conclusões:

1.- Saber se petição inicial quanto aos pedidos formulados de a) a e) é inepta ou apenas deficiente;

2.- Saber se deveria o tribunal da 1ª instância ter proferido despacho de aperfeiçoamento, por força do art.590 nº2 b) e 3 CPC;

3.- Saber se, não tendo sido proferido despacho de aperfeiçoamento, o saneador-sentença é nulo por excesso de pronúncia, nos termos do art.615 nº1 d) CPC.

Por isso, impõe-se a revogação do acórdão recorrido, devendo a Relação conhecer da apelação.




III – DECISÃO



Pelo exposto, decidem:


1)


Julgar procedente a revista e revogar o acórdão recorrido, determinando-se que a Relação conheça do recurso de apelação.

2)


Condenar o Recorrido nas custas.


Lisboa, 9 de Maio de 2023.


Jorge Arcanjo (Relator)

Isaías Pádua

Manuel Aguiar Pereira