Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SIMAS SANTOS | ||
Descritores: | TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE JOVEM DELINQUENTE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA MEDIDA DA PENA | ||
Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 03/23/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Área Temática: | DIR PENAL * DIR PROC PENAL | ||
Sumário : | 1 – A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é indicada pelo legislador como critério a atender na aplicação da atenuação especial, no regime de jovem delinquente, como se deve igualmente apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes 2 – Pois a afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei. 3 – Se moldura penal abstracta prevista para o crime em causa permite uma sanção justa e se o Tribunal entende adequada a suspensão da execução da pena de prisão infligida, que tem a natureza de pena substitutiva, não tem que ponderar a atenuação especial da pena para jovem delinquente que visa a pena de prisão. 4 - O art. 50.º do C. Penal consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos. 5 - O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, em que assenta este instituto, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido. | ||
Decisão Texto Integral: | 1. O Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 484/97.2SSLSB.1 –1ª. Secção) decidiu, por acórdão de 20.12.2005, além do mais: Condenar o arguido GPF, pela prática, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 25º., al. a) do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência ao art. 21º., nº. 1 e à tabela anexa I-C, do mesmo diploma legal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão e declarar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional previsto no art. 124º., nºs. 1 e 3 do Código da Estrada – D.L. nº. 114/94, de 03.05, vigente à data da prática dos factos. Para tanto, conclui na sua motivação: 1 - O recorrente discorda da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada. 2 - O recorrente entende, que a pena de prisão lhe deveria ter sido suspensa na sua execução. 3 - As penas de prisão de curta duração prejudicam seriamente a integração social do arguido. 4 - Acresce que, ao pô-lo em contacto durante um período curto com o ambiente da prisão, a função de segurança face à comunidade fica prejudicada. 5 - A pena privativa de liberdade deve ser a ultima ratio. 6 - O arguido confessou a prática dos factos e mostra-se arrependido. 7 - O arguido revelou auto-censura. 8 - A prisão não vai preparar o recorrente para o futuro e dessa forma integrá-lo na sociedade. 9 - O arguido goza de apoio familiar e será pai em breve. 10 - No caso concreto a suspensão da execução da pena de prisão servirá as finalidades da punição. 11 - Esta punição deve ter um sentido pedagógico e ressocializador. 12 - Este objectivo alcança-se com um regime de prova e a sujeição do recorrente a uma plano individual de readaptação social acompanhado pelo IRS, que de certa forma também acautela a prevenção geral. 13 - Sempre se dirá, que deveria ter o recorrente beneficiado do regime especial para jovens. 14 - O grau de ilicitude dos factos é diminuto e o recorrente demonstra condições extrínsecas e intrínsecas que permitem a atenuação especial da pena, pois daqui resultam vantagens para reinserção social do recorrente. 15- Pelo que a pena deve ser reduzida ao mínimo legal - art. 73°, n.º 1, al. b), do CP. Violaram-se as seguintes disposições: Artigos 400, 50°, 53° 700, 71° e 730, todos do Código Penal, DL n° 401/82. Respondeu o Ministério Público, que sustentou a decisão recorrida quanto à medida da pena, mas opinou pela suspensão da sua execução, admitindo que com acompanhamento do regime de prova. Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público. Assinalado o respectivo prazo, foram produzidas alegações escritas, em que o recorrente reafirmou a posição assumida em sede de motivação, louvando-se na resposta do Ministério Público e o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça concluiu: 1º - Não existindo razões para no caso do recorrente fazer accionar o regime penal especial do Dec.-Lei n.º 401/82 de 23.09 (art.º 4.º) visto o seu comportamento à data e posteriormente aos factos não ser de molde a fazer crer que da atenuação especial da pena podem advir sérias vantagens para a sua reinserção social, 2º - Atendendo, porém, ao condicionalismo exógeno aos factos – tal seja o reportado à primaridade e juventude do agente aquando daqueles (18 anos de idade) e ao largo lapso de tempo no entretanto eles decorrido (quase nove anos) – relutância alguma se experimentaria se a pena imposta ao arguido viesse a sofrer alguma redução e se quedasse no limite mínimo da respectiva moldura abstracta, 3.º - E que na correspondente execução fosse a mesma pena suspensa (quiçá, pelo período de três anos), ainda que acompanhada do regime de prova (art.ºs 50.ºe 53.º do Código Penal). Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir. 2.1. E conhecendo. Como se viu, o recorrente impugna a medida da pena de prisão efectiva. E fá-lo em dois planos: — Atenuação especial da pena, por virtude do regime de jovem delinquente, com redução ao mínimo da respectiva moldura; — Suspensão da execução com aplicação do regime de prova. Vejamos se lhe assiste razão, começando por reter a factualidade apurada. A) Factos Provados: Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1 - No dia 12 de Maio de 1997, pelas 15h30, no Largo da Bola, Alto da Cova da Moura, na Buraca, o arguido, acompanhado de EJGF, encontrava-se dentro do interior do veículo automóvel de matrícula RJ-09-40, conduzido por si. Da douta Acusação não se logrou provar os seguintes factos que: 1. A cedência a terceiros do produto que o arguido detinha era feita de comum acordo com Emanuel Furtado. 2. A quantia em dinheiro e os objectos apreendidos detidos pelo arguido fora obtida em anteriores transacções de produtos de idêntica natureza. 3. O arguido servia-se do veículo referido para guardar e transportar os produtos na actividade de cedência dos produtos arguidos tivessem sido surpreendidos no interior do veículo. Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa. 2.2. Invoca o recorrente o carácter penalizante das curtas penas de prisão, a confissão, o arrependimento, a revelação de auto-censura, a circunstância de gozar de apoio familiar e ser pai em breve. Sugere que a suspensão da execução da pena de prisão servirá as finalidades da punição, se acompanhada de regime de prova, devendo ser aplicado o regime especial para jovens, face ao diminuto grau de ilicitude dos factos e a vantagem que, para a sua reinserção social, daí resultará, com a consequente redução da pena. Escreveu-se na decisão recorrida: «Feita a subsunção legal cabe agora determinar a medida da pena e a espécie de pena aplicável ao caso concreto: O crime em causa é punido com prisão de 1(um) a 5 (cinco) anos. À data dos factos, o arguido tinha 18 anos de idade, pelo que deveria ser aplicado o Regime Especial para Jovens, previsto no Decreto-Lei Nº. 401/82, de 23.09. No entanto, o arguido, embora jovem, já possui antecedentes criminais, por crimes de natureza violenta, sem qualquer suporte laboral estável, grande imaturidade e ligação ao consumo de estupefacientes e naturalmente ao tráfico dos mesmos, pelo que é de afastar tal regime especial, uma vez que do mesmo não resultarão, desde já, vantagens para a reinserção social do arguido.» Merecerá censura a opção pela não atenuação especial da pena, nos termos daquele regime especial? Dispõe o art. 4.º do DL n.º 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos art.ºs 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado. Por outro lado, deve ser ponderada a idade actual do recorrente, pois já decorreu um longo período sobre a prática dos factos e a consideração de que a moldura penal abstracta em causa, com o seu limite mínimo (1 ano de prisão), permite encontrar, sem recurso à atenuação especial uma pena adequada, à idade e circunstâncias actuais do arguido. Entendeu este Tribunal no Ac. de 16-6-05 (proc. n.º 2104/05-5, com o mesmo Relator) que «se o Tribunal entende adequada a suspensão da execução da pena de prisão infligida, que tem a natureza de pena substitutiva, não tem que ponderar a atenuação especial da pena para jovem delinquente que visa a pena de prisão», elemento que como se verá, é no caso relevante. Não merece, assim, censura a decisão da instância quanto a tal atenuação especial. De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se (também) numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena. Isto posto, vejamos o que se escreve, na decisão recorrida, sobre a medida da pena: «A finalidade visada primordialmente pela pena há-de ser a tutela necessária dos bens jurídicos, ou seja, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo. Tal resulta igualmente do art. 40º., nº. 1 do Código Penal ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estatui o art. 71º. nº. 1 do Código Penal que “a determinação da medida da pena…é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. No fundo, esclarece Anabela Miranda Rodrigues, “o processo de medida concreta da pena é um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação da pena” (anotação ao Ac. do STJ de 21/03/90, RPCC,2, 1991). Assim, por referência ao art. 40º. nº. 1 do citado diploma legal, a determinação da medida concreta da pena de prisão deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial da situação concreta. Neste caso, as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, atento o flagelo da droga que afecta milhares e milhares de pessoas, especialmente jovens, o que justifica uma necessidade de afirmação da norma violada. O art. 71º., nº. 1 do citado diploma legal preceitua, em conjugação com o disposto no art. 40º. nº. 2 do mesmo diploma, que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências decorrentes dos fins de prevenção especial, ligadas à reinserção social do arguido e as exigências decorrentes da prevenção geral, prevenindo a prática de futuros crimes e a protecção de bens jurídicos. Na determinação da medida concreta da pena, conforme o disposto no nº. 2 do art. 71º., o Tribunal deverá considerar, dentro dos limites mínimo e máximo abstractamente definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o agente, por forma a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto; por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos criminosos semelhantes. E nessa perspectiva relevam para o caso em apreço: o grau de ilicitude dos factos, o qual se apresenta elevado, atenta a gravidade e natureza do crime de tráfico de estupefacientes, em causa; a intensidade do dolo - o arguido agiu, com dolo, na modalidade de dolo directo – art. 14º., nº. 1 do Código Penal – uma vez que o arguido sabia que a sua conduta não era permitida; a circunstância de o arguido ter confessado parcialmente os factos constantes da acusação; quanto aos fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime – apurou-se que a motivação por detrás da actuação do arguido se deveu, entre outros, à sua situação de consumidor de estupefacientes, factor ambivalente pela justificação que apresenta mas também pela culpa acrescida e especiais necessidades em sede de prevenção; as condições pessoais e a situação económica do arguido – o arguido encontra-se actualmente preso preventivamente, mas anteriormente tinha trabalho precário; a conduta anterior ao facto e a posterior a este –o arguido possui um antecedente criminal, em crime de diferente e gravosa natureza; ao nível das exigências de prevenção geral – importa levar em consideração a repercussão social dos factos, uma vez que estamos perante um crime que contende directamente com os princípios e valores da sociedade, reflectindo-se nas relações sócio-económicas, permitindo lucros fáceis e alheios à própria sociedade; ao nível das exigências de prevenção especial – importa realçar que os factos foram praticados em 1997 e que segundo o C.R.C. do arguido o mesmo terá estado em estabelecimento prisional, em cumprimento de pena, em França, nos últimos quatro anos; quanto à culpa, traduzida na capacidade pessoal do arguido se auto-determinar e pautar a sua conduta de acordo com a ordem jurídica e ter consciência da ilicitude do facto que voluntariamente praticou ter-se-á que considerar elevada. A culpa do agente fixa a moldura da punição, cuja medida concreta será ainda ajustada às exigências dos fins de prevenção e da ponderação de todos estes elementos supra referidos. Assim, tudo ponderado, pela prática do crime em causa entende o Tribunal Colectivo adequada e suficiente a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.» Lembre-se que o recorrente foi condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão no quadro de uma moldura penal de 1 a 5 anos de prisão. Deve acentuar-se, de entre os factos provados, que tinha 18 anos à data dos factos, fumava “haxixe”, mas fez cinco anos que não consome produtos estupefacientes, confessou parcialmente e mostrou-se arrependido. Não tinha nesse tempo, antecedentes criminais. Deixou em França, onde viveu os últimos 8 anos e onde foi condenado, uma companheira e um filho de 6 anos de idade e a sua namorada está grávida. |