Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P768
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
JOVEM DELINQUENTE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
MEDIDA DA PENA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/23/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática: DIR PENAL * DIR PROC PENAL
Sumário : 1 – A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é indicada pelo legislador como critério a atender na aplicação da atenuação especial, no regime de jovem delinquente, como se deve igualmente apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes
2 – Pois a afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei.
3 – Se moldura penal abstracta prevista para o crime em causa permite uma sanção justa e se o Tribunal entende adequada a suspensão da execução da pena de prisão infligida, que tem a natureza de pena substitutiva, não tem que ponderar a atenuação especial da pena para jovem delinquente que visa a pena de prisão.

4 - O art. 50.º do C. Penal consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.

5 - O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, em que assenta este instituto, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido.

Decisão Texto Integral:
1.

O Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa (proc. n.º 484/97.2SSLSB.1 –1ª. Secção) decidiu, por acórdão de 20.12.2005, além do mais:

Condenar o arguido GPF, pela prática, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 25º., al. a) do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência ao art. 21º., nº. 1 e à tabela anexa I-C, do mesmo diploma legal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão e declarar extinto, por prescrição, o procedimento contra-ordenacional previsto no art. 124º., nºs. 1 e 3 do Código da Estrada – D.L. nº. 114/94, de 03.05, vigente à data da prática dos factos.
Inconformado, recorre o arguido para este Supremo Tribunal de Justiça, requerendo alegações escritas, pedindo que se suspenda a execução da pena de prisão, sujeitando-a a um regime de prova acompanhado pelo IRS; e/ou se atenue especialmente a pena aplicada por via do regime especial para jovens.

Para tanto, conclui na sua motivação:

1 - O recorrente discorda da pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada.

2 - O recorrente entende, que a pena de prisão lhe deveria ter sido suspensa na sua execução.

3 - As penas de prisão de curta duração prejudicam seriamente a integração social do arguido.

4 - Acresce que, ao pô-lo em contacto durante um período curto com o ambiente da prisão, a função de segurança face à comunidade fica prejudicada.

5 - A pena privativa de liberdade deve ser a ultima ratio.

6 - O arguido confessou a prática dos factos e mostra-se arrependido.

7 - O arguido revelou auto-censura.

8 - A prisão não vai preparar o recorrente para o futuro e dessa forma integrá-lo na sociedade.

9 - O arguido goza de apoio familiar e será pai em breve.

10 - No caso concreto a suspensão da execução da pena de prisão servirá as finalidades da punição.

11 - Esta punição deve ter um sentido pedagógico e ressocializador.

12 - Este objectivo alcança-se com um regime de prova e a sujeição do recorrente a uma plano individual de readaptação social acompanhado pelo IRS, que de certa forma também acautela a prevenção geral.

13 - Sempre se dirá, que deveria ter o recorrente beneficiado do regime especial para jovens.

14 - O grau de ilicitude dos factos é diminuto e o recorrente demonstra condições extrínsecas e intrínsecas que permitem a atenuação especial da pena, pois daqui resultam vantagens para reinserção social do recorrente.

15- Pelo que a pena deve ser reduzida ao mínimo legal - art. 73°, n.º 1, al. b), do CP.

Violaram-se as seguintes disposições: Artigos 400, 50°, 53° 700, 71° e 730, todos do Código Penal, DL n° 401/82.

Respondeu o Ministério Público, que sustentou a decisão recorrida quanto à medida da pena, mas opinou pela suspensão da sua execução, admitindo que com acompanhamento do regime de prova.

Distribuídos os autos neste Supremo Tribunal de Justiça, teve vista o Ministério Público.

Assinalado o respectivo prazo, foram produzidas alegações escritas, em que o recorrente reafirmou a posição assumida em sede de motivação, louvando-se na resposta do Ministério Público e o Ministério Público neste Supremo Tribunal de Justiça concluiu:

1º - Não existindo razões para no caso do recorrente fazer accionar o regime penal especial do Dec.-Lei n.º 401/82 de 23.09 (art.º 4.º) visto o seu comportamento à data e posteriormente aos factos não ser de molde a fazer crer que da atenuação especial da pena podem advir sérias vantagens para a sua reinserção social,

2º - Atendendo, porém, ao condicionalismo exógeno aos factos – tal seja o reportado à primaridade e juventude do agente aquando daqueles (18 anos de idade) e ao largo lapso de tempo no entretanto eles decorrido (quase nove anos) – relutância alguma se experimentaria se a pena imposta ao arguido viesse a sofrer alguma redução e se quedasse no limite mínimo da respectiva moldura abstracta,

3.º - E que na correspondente execução fosse a mesma pena suspensa (quiçá, pelo período de três anos), ainda que acompanhada do regime de prova (art.ºs 50.ºe 53.º do Código Penal).

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre conhecer e decidir.

2.1.

E conhecendo.

Como se viu, o recorrente impugna a medida da pena de prisão efectiva.

E fá-lo em dois planos:

— Atenuação especial da pena, por virtude do regime de jovem delinquente, com redução ao mínimo da respectiva moldura;

— Suspensão da execução com aplicação do regime de prova.

Vejamos se lhe assiste razão, começando por reter a factualidade apurada.

A) Factos Provados:

Da instrução e discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

1 - No dia 12 de Maio de 1997, pelas 15h30, no Largo da Bola, Alto da Cova da Moura, na Buraca, o arguido, acompanhado de EJGF, encontrava-se dentro do interior do veículo automóvel de matrícula RJ-09-40, conduzido por si.
2 - O acompanhante do arguido, EJGF tinha em seu poder um saco de plástico contendo um produto vegetal prensado, com o peso bruto de 33,10 gramas.
3 - No interior do veículo encontrava-se um pedaço de um produto vegetal prensado com o peso bruto de 40 gramas, que pertencia ao arguido, e ainda os objectos descritos a fls. 138 e 139 dos presentes autos.
4 - Tais produtos eram de “Cannabis Sativa L”, vulgarmente conhecido por “haxixe”, com o peso líquido total de 70,918 gramas.
5 - O arguido tinha na sua posse a quantia de Esc. 10.000$00; um fio em ouro, no valor de Esc. 26.400$00; uma medalha em ouro no valor de Esc. 22.000$00 e uma pulseira em ouro no valor de Esc.: 24.400$00.
6 - O arguido conhecia a natureza e as características estupefacientes do produto que detinha.
7 - Destinava-o em parte à cedência a terceiros mediante contrapartida económica de valor não apurado e noutra parte ao seu consumo pessoal.
8 - A quantidade de produto estupefaciente que o arguido detinha na sua posse dava para um consumo médio de 15 a 20 dias.
9 - Sabia que a detenção e venda de “haxixe” não era permitida.
10 - Agiu deliberada, livre e conscientemente.
11 - O arguido conduziu o veículo automóvel, de matrícula RJ-09-40, da marca Alfa Romeo, não sendo titular de carta de condução ou de outro documento que o habilitasse a conduzir aquele veículo, sabendo que tal conduta lhe estava vedada por lei.
12 - O arguido, à data dos factos, fumava “haxixe” e tinha 18 anos de idade.
13 - O arguido há cinco anos que não consome produtos estupefacientes.
14 - O veículo automóvel que lhe fora apreendido pertencia ao seu tio.
15 - O arguido é solteiro.
16 - Esteve a viver em França nos últimos 8 anos, ou seja, de Maio/Junho de 1997, regressando a Portugal no corrente ano.
17 - Em França deixou uma companheira e um filho de 6 anos de idade.
18 -Em Portugal, o arguido vivia com os pais, numa casa camarária.
19 - Antes de ser preso, exerceu a profissão de servente da construção civil e auferia 350 a 450 euros.
20 - A sua namorada está grávida de 6 meses.
21 - O arguido confessou parcialmente os factos.
22 - Possui de habilitações literárias o 7º. Ano de escolaridade.
23 - Mostra-se arrependido.
24 - O desenvolvimento pessoal do arguido parece acusar défices, sendo pobre o seu aproveitamento escolar e fraca a sua inserção laboral, revelando traços de imaturidade.
25 - O arguido foi condenado por sentença proferida em 29.03.2001, pelo Tribunal Correccional de Nanterre – 18 CH, em França, na pena de 4 (quatro) anos de prisão, e interdição de entrada no território francês pelo período de 5 anos, pela prática de crimes de roubo com violência e posse de armas.
B) Factos Não Provados:

Da douta Acusação não se logrou provar os seguintes factos que:

1. A cedência a terceiros do produto que o arguido detinha era feita de comum acordo com Emanuel Furtado.

2. A quantia em dinheiro e os objectos apreendidos detidos pelo arguido fora obtida em anteriores transacções de produtos de idêntica natureza.

3. O arguido servia-se do veículo referido para guardar e transportar os produtos na actividade de cedência dos produtos arguidos tivessem sido surpreendidos no interior do veículo.

Não se provaram quaisquer outros factos susceptíveis de influir na decisão da causa.

2.2.

Invoca o recorrente o carácter penalizante das curtas penas de prisão, a confissão, o arrependimento, a revelação de auto-censura, a circunstância de gozar de apoio familiar e ser pai em breve.

Sugere que a suspensão da execução da pena de prisão servirá as finalidades da punição, se acompanhada de regime de prova, devendo ser aplicado o regime especial para jovens, face ao diminuto grau de ilicitude dos factos e a vantagem que, para a sua reinserção social, daí resultará, com a consequente redução da pena.

Escreveu-se na decisão recorrida:

«Feita a subsunção legal cabe agora determinar a medida da pena e a espécie de pena aplicável ao caso concreto:

O crime em causa é punido com prisão de 1(um) a 5 (cinco) anos.

À data dos factos, o arguido tinha 18 anos de idade, pelo que deveria ser aplicado o Regime Especial para Jovens, previsto no Decreto-Lei Nº. 401/82, de 23.09.

No entanto, o arguido, embora jovem, já possui antecedentes criminais, por crimes de natureza violenta, sem qualquer suporte laboral estável, grande imaturidade e ligação ao consumo de estupefacientes e naturalmente ao tráfico dos mesmos, pelo que é de afastar tal regime especial, uma vez que do mesmo não resultarão, desde já, vantagens para a reinserção social do arguido.»

Merecerá censura a opção pela não atenuação especial da pena, nos termos daquele regime especial?

Dispõe o art. 4.º do DL n.º 401/82, que, se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos art.ºs 73.º e 74.º do Código Penal (referência que deve ser tida em relação aos art.ºs 72.º e 73.º do Código Penal na versão de 1995), quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
E deve o tribunal ter presente o pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal:
«As medidas propostas não afastam a aplicação – como ultima ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a dois anos.»
A gravidade do crime cometido, patente na medida da pena aplicável, é, pois, indicada pelo legislador como critério a atender. E assim o foi entendido por este Supremo Tribunal, designadamente em relação aos crimes de homicídio negligente com culpa grave, homicídio e roubo (cfr. os Acs do STJ de 18-10-1989, proc. n.º 40279 e de 20-12-1989, AJ n.º 4, BMJ n.º 392 pág 263. Em sentido diverso, mas com um recorte especial da matéria de facto o Ac. do STJ de 16-01-1990, BMJ n.º 393, pág. 269).
A afirmação de ausência de automatismo na aplicação da atenuação especial aos jovens delinquentes significa que o tribunal só se socorrerá dela quando tiver «sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado», na terminologia da lei.
Haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do crime e os seus motivos determinantes (cfr. o Ac. do STJ de 19-10-1994, proc. n.º 47022).
Não é de aplicar o regime dos jovens delinquentes ao arguido, que à data da prática dos factos tinha menos de 21 anos de idade, quando do conjunto dos actos por ele praticados e a sua gravidade desaconselham, em absoluto, a aplicação desse regime, por se não mostrar passível de prognose favorável à sua reinserção social (cfr. o Ac. do STJ de 8-1-1998, proc. n.º 1077/97).
Esse prognóstico favorável à ressocialização a radica, como se viu, na valoração, em cada caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes.
E compreende-se este rigorismo: a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, que terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do C. Penal, preceitos estes, que embora inseridos em perspectiva diversa, constituem apoio subsidiário daquele regime (Ac. do STJ de 24-6-99, proc. n.º 498/99).
No caso sujeito, o Tribunal recorrido debruçou-se expressamente sobre esta questão, nos termos já referidos, ponderando que entretanto o recorrente foi condenado no estrangeiro por crimes de natureza violenta, não tem suporte laboral estável, e revela imaturidade e ligação ao consumo de estupefacientes e naturalmente ao tráfico dos mesmos.

Por outro lado, deve ser ponderada a idade actual do recorrente, pois já decorreu um longo período sobre a prática dos factos e a consideração de que a moldura penal abstracta em causa, com o seu limite mínimo (1 ano de prisão), permite encontrar, sem recurso à atenuação especial uma pena adequada, à idade e circunstâncias actuais do arguido.

Entendeu este Tribunal no Ac. de 16-6-05 (proc. n.º 2104/05-5, com o mesmo Relator) que «se o Tribunal entende adequada a suspensão da execução da pena de prisão infligida, que tem a natureza de pena substitutiva, não tem que ponderar a atenuação especial da pena para jovem delinquente que visa a pena de prisão», elemento que como se verá, é no caso relevante.

Não merece, assim, censura a decisão da instância quanto a tal atenuação especial.
E quanto à medida concreta da pena?

De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se (também) numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o da determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Numa primeira operação de determinação da medida da pena: a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
Em síntese pode dizer-se que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando o limite da culpa.

Isto posto, vejamos o que se escreve, na decisão recorrida, sobre a medida da pena:

«A finalidade visada primordialmente pela pena há-de ser a tutela necessária dos bens jurídicos, ou seja, o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

Tendo o direito penal uma função exclusiva de preservação de bens jurídicos, as finalidades das penas serão sempre de carácter preventivo.

Tal resulta igualmente do art. 40º., nº. 1 do Código Penal ao afirmar-se que a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Estatui o art. 71º. nº. 1 do Código Penal que “a determinação da medida da pena…é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

No fundo, esclarece Anabela Miranda Rodrigues, “o processo de medida concreta da pena é um puro derivado da posição tomada pelo ordenamento jurídico em matéria de sentido, limites e finalidades da aplicação da pena” (anotação ao Ac. do STJ de 21/03/90, RPCC,2, 1991).

Assim, por referência ao art. 40º. nº. 1 do citado diploma legal, a determinação da medida concreta da pena de prisão deve ser feita em função das exigências de prevenção geral e especial da situação concreta.

Neste caso, as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, atento o flagelo da droga que afecta milhares e milhares de pessoas, especialmente jovens, o que justifica uma necessidade de afirmação da norma violada.

O art. 71º., nº. 1 do citado diploma legal preceitua, em conjugação com o disposto no art. 40º. nº. 2 do mesmo diploma, que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências decorrentes dos fins de prevenção especial, ligadas à reinserção social do arguido e as exigências decorrentes da prevenção geral, prevenindo a prática de futuros crimes e a protecção de bens jurídicos.

Na determinação da medida concreta da pena, conforme o disposto no nº. 2 do art. 71º., o Tribunal deverá considerar, dentro dos limites mínimo e máximo abstractamente definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o agente, por forma a proporcionar uma dupla função à pena a aplicar: por um lado, a mesma tem de ser justa e adequada ao caso concreto; por outro lado, tem de ser suficiente para desmotivar a generalidade das pessoas de seguirem ou enveredarem por comportamentos criminosos semelhantes.

E nessa perspectiva relevam para o caso em apreço: o grau de ilicitude dos factos, o qual se apresenta elevado, atenta a gravidade e natureza do crime de tráfico de estupefacientes, em causa; a intensidade do dolo - o arguido agiu, com dolo, na modalidade de dolo directo – art. 14º., nº. 1 do Código Penal – uma vez que o arguido sabia que a sua conduta não era permitida; a circunstância de o arguido ter confessado parcialmente os factos constantes da acusação; quanto aos fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime – apurou-se que a motivação por detrás da actuação do arguido se deveu, entre outros, à sua situação de consumidor de estupefacientes, factor ambivalente pela justificação que apresenta mas também pela culpa acrescida e especiais necessidades em sede de prevenção; as condições pessoais e a situação económica do arguido – o arguido encontra-se actualmente preso preventivamente, mas anteriormente tinha trabalho precário; a conduta anterior ao facto e a posterior a este –o arguido possui um antecedente criminal, em crime de diferente e gravosa natureza; ao nível das exigências de prevenção geral – importa levar em consideração a repercussão social dos factos, uma vez que estamos perante um crime que contende directamente com os princípios e valores da sociedade, reflectindo-se nas relações sócio-económicas, permitindo lucros fáceis e alheios à própria sociedade; ao nível das exigências de prevenção especial – importa realçar que os factos foram praticados em 1997 e que segundo o C.R.C. do arguido o mesmo terá estado em estabelecimento prisional, em cumprimento de pena, em França, nos últimos quatro anos; quanto à culpa, traduzida na capacidade pessoal do arguido se auto-determinar e pautar a sua conduta de acordo com a ordem jurídica e ter consciência da ilicitude do facto que voluntariamente praticou ter-se-á que considerar elevada.

A culpa do agente fixa a moldura da punição, cuja medida concreta será ainda ajustada às exigências dos fins de prevenção e da ponderação de todos estes elementos supra referidos.

Assim, tudo ponderado, pela prática do crime em causa entende o Tribunal Colectivo adequada e suficiente a pena de 1 (um) ano e 10 (dez) meses de prisão.»

Lembre-se que o recorrente foi condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão no quadro de uma moldura penal de 1 a 5 anos de prisão.

Deve acentuar-se, de entre os factos provados, que tinha 18 anos à data dos factos, fumava “haxixe”, mas fez cinco anos que não consome produtos estupefacientes, confessou parcialmente e mostrou-se arrependido. Não tinha nesse tempo, antecedentes criminais. Deixou em França, onde viveu os últimos 8 anos e onde foi condenado, uma companheira e um filho de 6 anos de idade e a sua namorada está grávida.
Já não vive numa barraca, como acontecia ao tempo dos factos, mas numa casa camarária.
A esta luz, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa claramente dentro da sub–moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto que se salientaram.
Mas as circunstâncias que se acentuaram permitem que se fixe a pena mais junto do limite mínimo da respectiva moldura: 1 ano e 2 meses de prisão.
Esta medida impõe que se considere expressamente a possibilidade de substituição pela pena de suspensão da execução.
Dispõe o art. 50.°, n.º 1, do C. Penal:
"O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição" (sublinhado agora).
Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o juiz tem o dever de suspender a execução da pena: esta é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico (cfr. Ac. do STJ, de 27.6.96; Acs do STJ, IV , 2, 204).
Para este efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição (cfr. Ac. do STJ de 11.5.95, proc. n.º 4777/3ª).
Este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido (cfr. Acs do STJ, de 17.9.97, proc. n.º 423/97-3 e de 29.3.01, proc. n.º 261/01-5).
Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena "deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime" (Ac. do STJ, proc. n.º 1092/01-5).
"O tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa" (Leal-Henriques e Simas Santos, Código Penal, em anotação ao art.º 50.°, sublinhado agora).
Em síntese, deve reter-se que a suspensão da execução da pena se insere num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização, libertando-a, na medida do possível, de limites formais, de modo a com ele cobrir uma apreciável gama de infracções puníveis com pena de prisão.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter nas sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime.
São os seguintes os elementos a atender nesse juízo de prognose:
- a personalidade do réu;
- as suas condições de vida;
- a conduta anterior e posterior ao facto punível; e
- as circunstâncias do facto punível.
Devem atender-se a todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do réu, atendendo somente às razões da prevenção especial. E sendo essa conclusão favorável, o tribunal decidirá se a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para satisfazer as finalidades da punição, caso em que fixará o período de suspensão (Ac. do STJ de 21-11-2002, proc. n.º 3172/02-5, com o mesmo Relator)
Os elementos que se acentuaram e que estiveram na base da decidida diminuição da pena, designadamente a confissão, o arrependimento, o tempo decorrido, mais de 9 anos, o abandono do consumo de haxixe que esteve na base do crime cometido, o iniciar de uma nova vida em Portugal depois de uma acidentada ausência de 8 anos, uma nova família e uma habitação adequada, levam a que, no limite, se considere que se pode fazer o juízo de prognose social favorável a que se aludiu, desde que acompanhado de regime de prova que apoie o arguido, por um período de 3 anos, que se reputa necessário para o efeito.
Assim, decide-se suspender aquela pena por 3 anos, com aplicação do regime de prova.
3.
Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Lisboa 23 de Março de 2006
Simas Santos (Relator)
Santos Carvalho
Costa Mortágua