Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
995/20.8T8PNF.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PINTO
Descritores: DESPACHO SANEADOR
CONHECIMENTO NO SANEADOR
CASO JULGADO FORMAL
LEGITIMIDADE
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
CABEÇA DE CASAL
ATO DE ADMINISTRAÇÃO
RESTITUIÇÃO
HERANÇA
BEM IMÓVEL
AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
INDEMNIZAÇÃO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 03/07/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I - Da articulação do disposto no n.º 3 do art.º 595.º, do CPC, com os artgs. 620.º, n.º 1 e 628.º desse diploma, podemos concluir que havendo uma decisão proferida em sede de despacho saneador que tenha apreciado em concreto uma excepção dilatória (no caso a ilegitimidade) tal decisão terá força de caso julgado formal, logo que transite.

II – Decorre daí que é fundamental apurar em que momento transita tal decisão, pois que só então se forma o caso julgado formal.

III – A decisão sobre tal excepção dilatória, proferida no despacho saneador, não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.ºs, 1 e 2 do art.º 644.º do CPC, onde se preveem os casos de recurso autónomo, sendo assim passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que ponha termo à causa, no caso, a sentença final.

IV – Dessa forma, a decisão concretamente apreciada sobre a legitimidade do Autor, proferida no despacho saneador, não tinha transitado em julgado quando foi proferido o acórdão recorrido, pois que a oportunidade do Réu se insurgir contra tal decisão apenas surgiu com a apelação da decisão final que pôs termo à causa, sendo certo que nesse momento, nessa oportunidade, a Ré impugnou-a, razão pela qual o acórdão recorrido não estava impedido de a reapreciar.

V – Numa acção em que o cabeça de casal, em representação da herança, pede que seja declarado que a herança é proprietária de um imóvel e que a Ré a reconheça como tal, mas em que não se pede que lhe seja restituída a propriedade do prédio, não tendo sido invocado estar desapossada do mesmo, antes se pretendendo que a Ré cesse as descargas de terras que tem vindo a efectuar nos seus terrenos e reponha a situação que  existia anteriormente à realização das mesmas e ainda seja condenada a indemnizar a herança pelos danos, não nos encontramos perante uma acção de reivindicação, em que se pretenda a restituição à herança dum bem imóvel.

VI – Em tal situação, deparamo-nos perante uma acção que terá sido “construída/edificada” na sua estrutura (pelo que resulta da leitura da petição inicial) na perspectiva de ser reconhecido à herança o direito de propriedade que esta detinha sobre o prédio e, por via disso, poder ser exigido à Ré a cessação da sua actividade ilícita de descargas, pedindo-se igualmente a sua condenação em indemnização pelos prejuízos.

VII – O cabeça de casal que intenta tal acção, nos termos enunciados, em representação da herança, fá-lo como acto de administração ordinária, sendo assim parte legítima na acção.

VIII – Com efeito, terá de se considerar como acto de administração ordinária a tentativa de salvaguarda, em bom estado, dos bens da herança, mormente dos prédios que a compreendem, zelando-se para que não sejam diminuídos na sua qualidade e correlativo valor, sendo por isso lícito que o cabeça de casal pugne no sentido de que cessem as descargas, não consentidas, de terras, e que, correlativamente, formule pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa actuação alegadamente abusiva.

IX – Tendo no recurso de apelação sido suscitadas questões que não foram apreciadas no acórdão da Relação recorrido, por terem ficado prejudicadas pela decisão sobre a ilegitimidade, deverá devolver-se o processo a tal tribunal para que aí sejam então conhecidas, atento o preceituado no art.º 679.º do CPC, que afasta a regra da substituição prevista no art.º 665.º do CPC.

Decisão Texto Integral:
Relator[[1]]: Juiz Conselheiro Sousa Pinto

Adjuntas:

Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza

Juíza Conselheira Fátima Gomes 

                                                   

I. Relatório


AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, propôs contra C..., Lda., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que:

a) se declare que o prédio rústico descrito no artigo 6.º da petição inicial faz parte da herança aberta por óbito de BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) se declare que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente acção, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41o 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que consta do artigo 68º da presente petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial;

c) se condene a Ré a reconhecer, nos seus exactos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) se condene a Ré a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial;

e) se condene a Ré a indemnizar a HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, aqui representada pelo Autor, que é Herdeiro e Cabeça de Casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou aos proprietários, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6.º da presente petição inicial, em quantia não inferior a 80 000 EUR.

. Alegou, para o efeito, que é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, falecido em .../.../1967;

. faz parte da herança um prédio rústico designado por “Mata do ...”;

. em 14/01/2015, os herdeiros celebraram um contrato de comodato com a sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda., através do qual declararam, na qualidade de proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico de vinha identificado no parcelário agrícola, P3, com o n.º ...00, designado como “Vinha do ...”, que ocupa uma parcela de terreno do prédio rústico denominado “Mata do ...”, que é o prédio descrito no artigo 6º da presente petição inicial e parcelas de terreno pertencentes ao prédio rústico denominado “Quinta ...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo 70 e omisso na C. R. P., que cediam em comodato gratuito a referida “Vinha do ...” à referida sociedade;

. a parte do prédio rústico descrito no artigo 6.º, da petição inicial que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ...00, e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos herdeiros;

. no dia 10/01/2020, pelas 16.00 horas, o Autor foi visitar o prédio em causa e constatou que na parte daquele prédio que se encontra ocupada por mata, com cerca de 10 000 m2, estava a ser feita uma descarga não controlada de terra por um camião da empresa da Ré e sem autorização;

. a descarga continuou, tendo sabido que tais operações duravam há mais de uma semana, durante o mês de janeiro de 2020;

. a descarga de terra estava a ser feita sem autorização para o transporte rodoviário de terras de escavação com indicação da procedência e do seu destino final, sem projecto ou controlo técnico, tendo originado a formação de um aterro não consolidado com um talude de cerca de 4 metros de altura, alterando a topografia do terreno, que tem aptidão construtiva à luz do PDM ..., provocando uma situação de instabilidade que, em caso de deslizamento das terras, poderá causar graves danos materiais no prédio vizinho;

. o volume das terras depostas e espalhadas estima-se em cerca de 13 000 m3, o que equivale a aproximadamente 20 000 toneladas.

. foi assim violado o direito de propriedade da herança, o que gerou os prejuízos que fundamentam os pedidos.


A Ré contestou, alegando:

. entre a Ré e a sociedade unipessoal «M..., Lda.», foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui a Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso a meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz, no prédio identificado no artigo 6.º da petição;

. os direitos relativos à herança devem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros em litisconsórcio necessário legal sendo assim o Autor parte ilegítima;

. essa ilegitimidade decorre do facto da relação material controvertida respeitar não apenas ao Autor e ao Réu, mas também aos demais herdeiros, sobretudo DD (irmão do Autor), na qualidade de gerente da empresa;

Pediu a improcedência da acção e a condenação do Autor como litigante de má-fé.


Pronunciou-se o Autor sobre as excepções, mencionando que:

. a parcela de terreno cedida pelos herdeiros à empresa foi a identificada no parcelário agrícola P3 com o nº...00, sendo que foi na parte do prédio rústico descrito no artigo 6º da petição inicial, que não se encontra ocupada pela referida vinha e continuou a estar destinada a pinhal, eucaliptal, que foi descarregada a terra;

. o cabeça de casal tem legitimidade para, relativamente a bens da herança, agir judicialmente na defesa do direito de propriedade perante qualquer violação ou limitação deste, analogamente ao que lhe é permitido fazer, nos termos do disposto no artigo 2089.º, do C. C., para cobrar dívidas activas da herança.


Foi elaborado despacho saneador, onde se julgou improcedente a excepção de ilegitimidade e se fixou o objecto do litígio.

Foi proferida decisão, que julgou totalmente procedente a acção.

Inconformada com tal decisão, a Ré recorreu da mesma, tendo expressamente impugnado a decisão sobre a legitimidade do autor, proferida no despacho saneador.

No tribunal da Relação do Porto apreciou-se a apelação e foi proferido acórdão, de onde consta a seguinte decisão final:

«Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, absolve-se a Ré da instância por falta de legitimidade do Autor – artigos 33.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, d), do C. P. C.»  

Discordando de tal acórdão, veio o Autor recorrer do mesmo para este Supremo Tribunal, através de Revista, tendo apresentado as suas alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

1ª – O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de que ora se recorre julgou procedente o recurso de apelação interposto pela Ré, revogando a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância, por entender que o Autor, Recorrido na Apelação e ora Recorrente, é parte ilegítima na presente acção, assim decidindo pela absolvição da Ré da instância por falta de legitimidade do Autor (nos termos do disposto no nº 1 do artigo 33º e na alínea d) do nº 1 do artigo 278º do CPC), deste modo alterando a decisão que tinha sido proferida pelo Juízo Central Cível ... do Tribunal Judicial da Comarca ... logo no despacho saneador, que não foi objecto de reclamação ou recurso, de julgar improcedente a exceção de ilegitimidade arguida pela Ré na contestação.

2ª - A legitimidade processual das partes é um pressuposto processual que, doutrinalmente, se pode definir como o poder de dirigir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível.

3ª - A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão existe; e terá legitimidade como réu, se ela for a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida.

4ª - Na discussão de questões acerca da legitimidade das partes importa ter presente o disposto no artigo 30º do CPC: aí se dispõe no nº 1 que “O autor é a parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer”; “O interesse em demandar – estabelece o nº 2 – exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha”; O nº 3 do mesmo artigo dispõe, por último, que “Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.

5ª - Neste dispositivo legal estabelece-se o critério de determinação da legitimidade singular e directa, tendo o legislador optado pela tese doutrinária que considera que este pressuposto processual se determina em função da relação material controvertida, tal como esta é delineada pelas afirmações do autor na petição inicial.

6ª - A ilegitimidade é, pois, uma excepção dilatória (artigo 577°, al. e) do CPC), que obsta ao conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância (artigos 576°, nº 2, e 278°, nº 1, alínea d), todos do CPC).

7ª - Nos termos do disposto nos artigos 2079º e 2078º, nºs 1 e 2, do Código Civil, o cabeça de casal tem legitimidade para, relativamente a bens da herança, agir judicialmente na defesa do direito de propriedade perante qualquer violação ou limitação deste, bem como, nos termos do disposto no artigo 2089º, cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente.

8ª - No caso concreto, o autor intentou a acção por si e em representação da herança aberta por óbito de BB, por ser herdeiro e cabeça-se-casal daquela herança.

9ª - Configurando-se a presente acção numa providência destinada a accionar a responsabilidade civil extracontratual pela prática de um acto ilícito imputado à Ré e alegando-se que essa ilicitude resulta da violação do direito de propriedade da Herança sobre um identificado prédio, sem prejuízo de também se encontrar peticionado o reconhecimento daquele direito de propriedade, assim como a condenação da Ré a reconhecer tal direito, o Autor e ora Recorrente é, na qualidade de cabeça de casal da herança, parte legítima nesta ação, tendo interesse em demandar a Ré, não só como herdeiro, mas, sobretudo, para cumprir a obrigação que sobre ele impende de assegurar uma gestão prudente e zelosa do património que se encontra sob a sua administração e evitar a sua deterioração.

10ª – Acontece que o Tribunal de primeira Instância já tinha decidido, em sede de despacho saneador, nos doutos termos que acima foram expostos, que o Autor, na qualidade de cabeça de casal da Herança aberta por óbito de BB, tem efetivamente legitimidade para propor, desacompanhado dos demais herdeiros, a presente ação e uma vez que a Ré não reclamou nem recorreu, em tempo, daquele despacho saneador na parte em que este julgou improcedente a exceção de ilegitimidade por si deduzida na contestação, o referido despacho saneador transitou em julgado.

11ª – Estabelece a alínea a) do nº 1 do artigo 595º do CPC que o despacho saneador se destina, entre outras possibilidades, a conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente e o nº 3 daquele mesmo artigo 595º do CPC, estipula que, neste caso – previsto na alínea a) do nº 1 daquela norma – o despacho saneador constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.

12ª - O caso julgado formal constituído por esta decisão do despacho saneador transitado em julgado obsta, portanto, nos termos do disposto no artigo 595º, nº 3, do Código de Processo Civil, a que, em sede de recurso de apelação da sentença final, se possa alterar o que nele já foi decidido, razão pela qual o Tribunal da Relação do Porto não podia ter invertido aquela douta decisão, ainda que isso lhe tenha sido pedido pela Ré nas suas alegações, como na verdade o fez, sem qualquer relutância e não o referindo sequer expressamente.

13ª - Tendo conhecido de uma questão de que não podia tomar conhecimento, aquele Acórdão é nulo, nos termos do disposto na segunda parte da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi artigo 666º do CPC, nulidade que aqui se deixa arguida para todos os efeitos legais.

14ª - Foi, pois, decidido pelo tribunal de primeira instância, com força de caso julgado formal, que o Autor tem efetivamente legitimidade para propor a presente acção desacompanhado dos demais herdeiros.

15ª - No sentido da formação deste caso julgado formal decidiram dois Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº 08B2707, com o número convencional JSTJ000, em 21-05-2009, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Doutora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº 8060/18.1T8ALM.L1.S1 em 09-12-2021, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Dr.ª Rosa Tching.

16ª – Mais recentemente, em 5 de Julho de 2022, assim decidiu um outro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo nº 2892/16.2T8VIS.C1.S1 e relatado pela Senhora Juíza Conselheira Dr.ª Ana Paula Boularot, esclarecendo que: “decidida a excepção de caso julgado, suscitada pelo Réu, em sede de despacho saneador, pela sua improcedência, a mesma faz caso julgado formal no que tange a essa questão, concretamente apreciada, nos termos do nº 3 e da alínea a) do nº 1 do artigo 595º do CPC, caso não seja impugnada autonomamente de harmonia com o preceituado nos artigos 620º, nº 1 e 628º, este como aquele do mesmo diploma legal”, pelo que, “não tendo havido recurso do despacho saneador, quanto a esse particular, nunca poderia tal questão ser apreciada em sede de recurso de Apelação interposto da decisão final de mérito, por se tratar de res judicata”.

17º - Assim sendo, tendo o despacho saneador decidido a excepção de ilegitimidade invocada pela Ré na contestação julgando-a improcedente e confirmando o Autor como parte legítima para propor a presente acção desacompanhado dos demais herdeiros, aquela decisão, porque não foi impugnada autonomamente, transitou em julgado, pela conjugação do disposto no nº 3 do artigo 595º do CPC com o preceituado nos artigos 620º, nº 1 e 628º do CPC, nos quais se dispõe que “As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo” e “A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação”.

18ª – Sem prescindir do que acima vem alegado quanto ao caso julgado formal que o despacho saneador transitado em julgado consolidou no que respeita à decisão de julgar parte legítima o Autor, o Acórdão recorrido também não merece, salvo o devido respeito, a concordância do ora Recorrente no que respeita à tese nele defendida para dar provimento ao recurso de apelação da sentença interposto pela Ré: de que o Autor, na qualidade de cabeça de casal da Herança indivisa aberta por óbito de BB, não teria legitimidade para propor a presente acção desacompanhado dos restantes herdeiros, nos termos do disposto no artigo 33º do CPC.

19ª - Não é verdade que os direitos relativos à herança devam, no caso da presente acção, ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros em litisconsórcio necessário.

20ª - Nos termos do disposto nos artigos 2079º e 2078º, nºs 1 e 2, do Código Civil, o cabeça de casal tem legitimidade para, relativamente a bens da herança, agir judicialmente na defesa do direito de propriedade perante qualquer violação ou limitação deste.

21ª – E sendo-lhe permitido, nos termos do disposto no artigo 2089º, cobrar dívidas activas da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontaneamente, o Autor também pode intentar uma acção como a que está em causa no presente processo, em que estamos perante uma obrigação civil pecuniariamente traduzida através de uma indemnização por danos, danos esses que são graves e urge reparar para que o bem em causa chegue à partilha num estado de conservação similar ao que tinha quando a herança foi aceite pelos herdeiros (artigo 2050º do Código Civil).

22ª - Como é obrigação do cabeça de casal, sob pena de remoção do cargo e aplicação de demais sanções, administrar a herança com prudência e zelo (artigo 2086º do Código Civil), ele está compelido a reagir em tempo útil contra as violações do direito de propriedade da herança que provoquem prejuízos ao património hereditário e o tornem credor da indemnização respectiva, que decidida a causa se tornará numa dívida activa da herança, que deverá ser espontaneamente paga pelo responsável ou cobrada sem demora para assegurar a reparação daqueles danos, não podendo ignorar-se que a urgência de actuação do cabeça de casal neste caso se justifica até pelo facto da lei prever um prazo curto para a prescrição da responsabilidade civil extracontratual, que é de apenas três anos a contar da prática do facto ilícito (artigo 498º do Código Civil), enquanto o prazo ordinário de prescrição das dívidas é de 20 anos.

23ª – O que aconteceu neste caso foi que a Ré realizou, sem autorização dos herdeiros, num terreno indubitavelmente pertencente à Herança administrada pelo Autor na qualidade de cabeça de casal, um aterro que, para além do mais, não cumpre as boas práticas de engenharia e geotecnia e viola os requisitos técnicos que seriam necessários para a obtenção da estabilidade, pois não tem muro de contenção, nem um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento.

24ª – Daí ser urgente, sob pena da possibilidade de ocorrência de acidentes com consequências graves, reparar a situação criada pela violação e limitação do direito de propriedade, que se traduziu na realização daquele aterro, responsabilizando judicialmente a Ré por aqueles danos.

25ª - A legitimidade do Autor e ora Recorrente, enquanto herdeiro e cabeça de casal, para intentar a presente acção resulta, portanto, da lei, e é apoiada pela jurisprudência dos tribunais superiores, que, por exemplo, num procedimento cautelar especificado de embargo de obra nova, decidiu, em 1 de fevereiro de 1998, num Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo nº 9721202, que “o cabeça de casal tem legitimidade para, relativamente a bens da herança, recorrer ao embargo de obra nova verificados que estejam os respectivos requisitos”.

26ª - Também no Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 7 de maio de 2009 no Processo nº 233/08.1TBPTS.L1-6 se afirma que: “se o artigo 2078º, nº 1 do CC permite a um só dos herdeiros, desacompanhado dos demais, reclamar para a herança a propriedade de um qualquer bem, por maioria de razão lhe permite defendê-lo de qualquer limitação ao direito de propriedade [...]”.

27ª - Não se verifica, pois, na presente acção, qualquer indício de falta de legitimidade do Autor e ora Recorrente, enquanto herdeiro e cabeça de casal da Herança aberta por óbito de BB, não podendo aceitar-se a “visão” dos Meritíssimos Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação do Porto de que a situação não cabe em nenhuma das exceções expressamente previstas que permitem ao cabeça-de-casal agir sozinho, nem a contraditória alusão que estes fazem ao regime análogo da compropriedade, para nela apoiarem a sua afirmação de que o cabeça--de-casal não pode pedir a condenação da Ré em tal indemnização, desacompanhado dos restantes herdeiros.

28ª - Se no regime da compropriedade, o comproprietário pode pedir uma indemnização pelos danos que um terceiro lhe causou no imóvel de que é cotitular (tal como pode pedir a reivindicação do bem) nos termos do disposto no artigo 1405º do Código Civil, ainda que a decisão a proferir incida apenas sobre a sua quota-parte, o mais lógico será concluir que o herdeiro e cabeça de casal da herança também o poderá fazer em relação à universalidade de direito que tem a responsabilidade de administrar.

29ª – A jurisprudência considera perfeitamente admissíveis acções com pedidos cumulativos de reconhecimento do direito de propriedade de bens do acervo hereditário e de indemnização por danos causados, desde que essa indemnização reverta a favor da herança indivisa, não defraudando as expectativas adquiridas pelos herdeiros relativamente aos bens da herança.

30ª - O cabeça-de-casal, também herdeiro, não interveio na presente acção como um comproprietário, que pretende defender exclusivamente os seus direitos; ao contrário, fê-lo na salvaguarda da integridade do acervo hereditário que lhe compete preservar em boas condições, e defendendo os interesses de todos os herdeiros ao pedir a reposição do bem objecto de acto ilícito nas suas condições originais através de uma indemnização pela violação da totalidade dos direitos dos herdeiros, pelo que apesar dos herdeiros não terem ainda propriedade determinada, a decisão terá o seu efeito útil assegurado.

31ª - Nos autos e em sede de julgamento, nunca ninguém manifestou qualquer oposição à legitimidade da posse e propriedade do bem devassado por parte da herança indivisa de que o Autor é herdeiro e cabeça de casal, apenas tendo havido discussão sobre o direito de administrar aquele bem, que a Ré quis demonstrar, sem êxito, que estava atribuído a dois herdeiros por comodato concedido a uma sociedade por eles administrada.

32ª - A interpretação que o Acórdão recorrido faz das normas do Código Civil nesta matéria é, pois, restritiva e meramente literal, não tendo em conta o imprescindível elemento teleológico na interpretação das normas jurídicas, pelo que desprotege os verdadeiros interesses e valores a tutelar pelo direito sucessório neste domínio.

33ª - No que à herança indivisa diz respeito, uma finalidade essencial das normas jurídicas aplicáveis é que o acervo de bens chegue até ao momento da partilha no estado em que o de cujus o deixou ou até ainda mais valorizado, através da obtenção dos seus frutos (artigos 2050º e 2069º do C.C.), mas não pode aceitar-se uma interpretação da lei que facilite a deterioração da herança, pois a defesa do direito constitucional à propriedade (artigo 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa) e dos direitos e expectativas dos herdeiros exige que a lei promova a chegada dos bens que compõem a herança ao momento da partilha nas melhores condições possíveis.

34ª – É ao cabeça de casal que são cometidas pela lei as funções de administração ordinária dos bens do acervo hereditário, em ordem a preservá-los até à partilha, sob pena de ser sujeito a sanções caso não cumpra com zelo e prudência o seu encargo.

35ª - Não lhe são permitidas decisões de administração que ponham em risco os bens da herança, mesmo que sejam muito promissoras - por exemplo transformar um terreno de pinhal em vinha - mas o cabeça de casal tem autonomia para pedir a entrega de bens da herança que deve administrar e usar de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído, mesmo contra algum dos herdeiros.

36ª - Isto é, a lei faz do cabeça de casal o paladino da integridade do acervo hereditário, embora lhe imponha algumas limitações de actuação, pelo que não faz sentido interpretá-la no sentido de vedar ao cabeça de casal a possibilidade de se opor a um acto ilícito de deterioração de bens pertencentes ao acervo hereditário e garantir a reconstituição natural ou indemnização dos danos neles causados.

37ª – A atribuição do cerne das funções do cabeça de casal – a preservação do património hereditário – ao litisconsórcio necessário de todos os herdeiros, contraria, pois, o espírito da lei e a realidade da vida, pois mesmo nos casos em que os herdeiros não são muitos, com muita frequência se cavam entre eles vigorosos litígios, de difícil sanação, que bloqueiam decisões urgentes para evitar a degradação ou delapidação do património hereditário.

38ª – Assim sendo a realidade, não pode considerar-se consentânea com os princípios gerais do direito a interpretação que da lei faz o Acórdão recorrido neste caso, em que ficou patente o envolvimento de dois herdeiros na deposição abusiva de terras feita pela Ré.

39ª - A imposição do litisconsórcio previsto no artigo 2091º poderá assim impossibilitar a defesa e conservação do acervo hereditário nas condições apropriadas à partilha, bem como a salvaguarda dos direitos e expectativas de todos os herdeiros, pois bastará a discordância de um herdeiro para impedir a protecção dos direitos de todos os outros, que assim se verão forçados a aceitar a deterioração da herança por não lhes ser permitido clamar pela reconstituição natural ou indemnização pelos danos causados a um determinado bem da herança, nem sequer através do cabeça de casal, que é quem lhes assegura a administração zelosa da herança e pode ser responsabilizado pelas suas omissões nesta matéria.

40ª - Em apoio desta tese, o já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no Processo nº 8060/18.1T8ALM.L1.S1 em 09-12-2021, assenta no seu sumário que “o cabeça de casal goza, na qualidade de administrador da herança indivisa, de legitimidade activa para exigir de terceiros a entrega de bens da herança, posto que esta exigência constitui, nos termos do artigo 2087.º, nº 1, do Código Civil, um acto de administração e é expressamente consentida pelo disposto no artigo 2088º, nº 1, do mesmo código”.

41ª - Também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Processo nº 03B1412, em 22-05-2003, refere que: “Os poderes normais de administração ordinária do cabeça de casal em relação à herança indivisa abrangem os meios conservatórios do património hereditário [...]” e “Dada a natureza da realidade a que se reportam, as normas relativas à compropriedade são aplicáveis a todas as situações de indivisão, designadamente à herança indivisa, por se tratar de um património autónomo coletivo”.

42ª - Sendo evidente que o que está em causa na presente acção é a conservação de um bem pertencente à Herança Indivisa através da reposição do seu status quo ante por meio da responsabilização civil de quem violou o respectivo direito de propriedade, provocando-lhe ilicitamente danos (a Ré), mediante o pagamento de uma indemnização à herança indivisa, trata-se dum acto de administração que nunca poderá levar a perdas no património hereditário, antes pelo contrário, pelo que é de facto um acto de mera administração,

43ª - Tal e qual como ensinava o Professor Manuel de Andrade, que definia “actos de mera administração” como os que correspondem a uma gestão patrimonial limitada e prudente, sendo proibidos ao mero administrador os grandes voos ou as manobras audaciosas, que podem trazer lucros excepcionais mas também podem levar a perdas catastróficas, mas sendo doutrina pacífica que entra na mera administração tudo quanto diga respeito a prover à conservação dos bens administrados.

44ª - Em síntese, configurando-se a presente acção numa providência judicial destinada a accionar a responsabilidade civil extracontratual pela prática de um acto ilícito imputado à Ré e alegando-se que essa ilicitude resulta da violação do direito de propriedade da Herança sobre um identificado prédio, sem prejuízo de também se encontrar peticionado o reconhecimento daquele direito de propriedade assim como a condenação da Ré a reconhecer tal direito, para assegurar a consistência da causa de pedir, o Autor e ora Recorrente é, na qualidade de cabeça de casal da herança, parte legítima nesta acção, tendo interesse em demandar a Ré, não só como herdeiro que também é, mas, sobretudo, para cumprir a obrigação que sobre ele impende de assegurar uma gestão prudente e zelosa do património que se encontra sob a sua administração.

45ª – Não tanto pelo alegado, como pelo doutamente suprido, deverão V.Exas., Venerandos Senhores Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, julgar o presente recurso de revista totalmente procedente e, em consequência, determinar a revogação do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, substituindo-o por decisão desse Supremo Tribunal que confirme integralmente a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Assim farão V.Exas. a mais perfeita e sã JUSTIÇA.»


O Autor, aqui recorrido, apresentou contra-alegações, nas quais verteu as seguintes conclusões:

«I. No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tirado por unanimidade na 2.ª Secção em 03-05-2018, proferido no processo n.º 305/11.5TBCHV.G1.S1, está sumariado que “De acordo com o disposto no artigo 644º, nºs 1 e 3 do CPC, não há recurso autónomo da decisão que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da excepção dilatória de ilegitimidade, pelo que a parte inconformada com esta decisão só pode apresentar a respectiva impugnação no recurso que venha a ser interposto de algumas das decisões previstas no n.º 1 do citado art. 644º, ou, se não houver recurso da decisão final, em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte, nos termos do nº 4 daquele mesmo artigo”;

II. Neste sentido, conhecendo da falta de legitimidade do Autor, o venerando Tribunal da Relação do Porto vem a julgar procedente o recurso de apelação e, em consequência, absolveu “… a Ré da instância por falta de legitimidade do Autor – artigos 33.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, d), do C. P. C”.;

III. O Autor, aqui recorrente, restringiu o recurso à questão da ofensa de caso julgado, que não se verificou na medida em que estava vedado à ré a possibilidade de interpor recurso autónomo de apelação daquela decisão, devendo, assim, improceder todas as conclusões de recurso aduzidas pelo recorrente, como é de direito e JUSTIÇA.

IV. Em boa verdade nunca a Ré poderia ser condenada a “… indemnizar a HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB …” quando comprovadamente cumpriu, ponto por ponto, o contrato celebrado com o gerente da sociedade M..., Lda., também herdeiro da mesma herança.

V. Ademais, nunca os colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça poderiam dar satisfação ao pedido pelo aqui ora recorrente, confirmando “… integralmente a sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância”;

VI. Outrossim, porquanto a Ré, aqui ora recorrida, no seu recurso de apelação ter apontado três vícios à douta sentença (i) falta de legitimidade do Autor, (ii) nulidade da sentença por contradição insanável entre os fundamentos e a decisão e (iii) erro de julgamento, sempre o Tribunal da Relação do Porto teria de se pronunciar sobre os outros dois vícios, bem como sobre a invocada litigância temerária – que apenas se admite por dever de patrocínio.

NESTES TERMOS E NOS MAIS QUE DOUTAMENTE SERÃO SUPRIDOS, DEVE O PRESENTE RECURSO IMPROCEDER IN TOTUM, DANDO ACOLHIMENTO E SENTIDO À SOLUÇÃO CONSAGRADA NO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO, COMO É DE DIREITO E JUSTIÇA.»


Dado ter sido arguida a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, foi proferido acórdão nos termos do disposto no art.º 617.º, n.º 1, do CPC, o qual considerou insubsistente a nulidade invocada.


II. Da admissibilidade do recurso


O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638.º e 139.º do CPC), foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (artigo 631.º do CPC), encontrando-se as partes devidamente patrocinadas (artigo 40.º do CPC).

  Tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (artigos 639.º do CPC).

  O acórdão impugnado é, pela sua natureza, pelo seu conteúdo, pelo valor da causa e da respectiva sucumbência, recorrível (artigos 629.º e 671.º do CPC).

 Mostra-se, em função do disposto nos artigos 675.º e 676.º do CPC, correctamente fixado o seu modo de subida (nos próprios autos) e o seu efeito (meramente devolutivo).

Pelo que se deixa exposto, o recurso merece conhecimento.


 III. Do objecto de recurso


Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da Recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir são as seguintes:

A - Da nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia (dado ter apreciado de excepção dilatória de que não podia conhecer, por via do caso julgado que já se havia formado na apreciação da legitimidade do autor em sede de despacho saneador).

Na eventual improcedência de tal questão,

B - Da (i)legitimidade do Autor para intentar a presente acção.


IV. Fundamentação


1. De facto

A matéria de facto a considerar na apreciação da presente revista é a que vem das instâncias e que se passa a indicar:

«1. Na Escritura de Habilitação de Herdeiros realizada em 5 de Setembro de 2013 no Cartório Notarial sito à Rua ..., no ..., perante o Notário Dr. HH, exarada a folhas 90 a 92 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº118-A daquele Cartório, fazendo dela parte o Testamento Cerrado do falecido BB, foi declarado, entre outras coisas, o seguinte:

- BB faleceu em .../.../1967, na freguesia ..., concelho ..., onde teve a sua última residência habitual na ...;

- são herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB os quatro filhos da sobrinha do falecido, II, que são: AA, que é o cabeça de casal e ora Autor; CC; DD; e, JJ (cfr. documento n.º 1 junto com a petição inicial que, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

2. O JJ faleceu em .../.../1992, tendo-lhe sucedido como herdeiros a sua mulher e os seus dois filhos:

a) EE;

b) FF; e,

c) GG.

3. Faz parte daquela HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, que se encontra indivisa, o prédio rústico designado por “Mata do ...”, situado na União de Freguesias ... e ... (... e ...), composto por terreno a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, com a área total de 6 hectares, a confrontar de norte e poente com KK e de sul e nascente com Limite da Freguesia, inscrito na matriz predial rústica da referida União de Freguesias ... e ... (... e ...) sob o artigo 1461, com o valor patrimonial tributário de 461,05 €, determinado no ano de 1989, prédio este que estava anteriormente inscrito na matriz predial rústica da Freguesia ... (...) sob o artigo 304 e não se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial.

4. O referido prédio rústico descrito no ponto anterior foi adquirido pelo Autor da Herança, o falecido BB por sucessão hereditária dos seus pais LL e MM e estes dos seus avós NN e OO.

5. O BB instituiu, por testamento, como herdeira do usufruto de todos os bens da herança, excepto do prédio denominado “M...”, a sua sobrinha II.

6. Em 8 de Abril de 2011, a usufrutuária constituiu, como única sócia, a sociedade por quotas unipessoal M..., UNIPESSOAL, Lda., com o Nº de pessoa coletiva ..., cujo objecto social era a viticultura, comércio por grosso de fruta e produtos hortícolas (cfr. documento nº 6 junto com a petição inicial que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).

7. A usufrutuária do prédio rústico descrito em 3, II, faleceu em .../.../2013.

8. Entre a R. e a sociedade unipessoal M..., Lda., através do seu gerente, DD, foi celebrado um contrato verbal de empreitada pelo qual a aqui ora Ré se obrigou a realizar um serviço de terraplanagem, com recurso meios mecânicos, para plantação de vinha e ripagem em cruz.

9. A sociedade por quotas dona da obra fez a fiscalização da mesma e, tendo, no final, mostrado concordância com a obra executada, foi, remetida a respectiva factura para pagamento do preço.

10. O falecido BB e os seus antecessores possuíram sempre o prédio rústico referido em 3 dos factos provados na sua globalidade, isto é, na sua área total de 6 hectares.

11. E fizeram-no durante mais de 20, 30 e 50 anos, visitando aquele prédio e passeando na respectiva mata, plantando nele árvores e abatendo as que iam chegando à sua maturidade em termos de produção de madeira.

12. Mandando os seus caseiros cortar e roçar o mato, que estes utilizavam nas suas actividades agrícolas e pecuárias.

13. E fazendo tudo isto à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que fosse, na firme convicção de que aquele prédio lhes pertencia e com plena consciência de que não causavam prejuízo a ninguém.

13. A partir de .../.../1967, data em que faleceu o autor da Herança, BB, passou a ser a sua sobrinha II a praticar todos os actos de posse acima referidos no prédio rústico identificado em 3 dos factos provados.

14. E praticou aqueles atos de posse durante mais de 20, 30 anos e 40 anos.

15. Visitando aquele prédio rústico e passeando nele.

16. Plantando nele árvores e abatendo as que iam chegando à sua maturidade em termos de produção de madeira.

17. Mandando os seus caseiros cortar e roçar o mato, que estes utilizavam nas suas actividades agrícolas e pecuárias.

18. E fazendo tudo isto à vista de toda a gente.

19. Sem oposição de quem quer que fosse.

20. Na firme convicção de que aquele prédio lhe pertencia como usufrutuária.

21. E com a consciência de que não causava prejuízo a ninguém.

22. No ano de 1990, a usufrutuária, II, mandou plantar uma vinha numa parte do prédio rústico em causa, vinha essa que designou como “Vinha do ...” e foi identificada no parcelário agrícola P3 com o Nº...00, compreendendo cerca de 5 hectares proveniente do terreno do prédio rústico supra descrito e uma parcela de vinha resultante da reformulação da que já existia no prédio rústico denominado “Quinta ...”, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 70 da freguesia ..., concelho ... e não descrito na Conservatória do Registo Predial, que também faz parte da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.

23. Continuou a usufrutuária, II, a ocupar o prédio rústico descrito em 3 dos factos provados em toda a sua extensão.

24. Mandando fresar e cultivar a parcela em que plantou a vinha.

25. E fazendo depois a poda das videiras, sulfatando e colhendo as uvas, logo que a vinha começou a produzir os seus frutos.

27. Em 26 de Maio de 2011, a usufrutuária celebrou um contrato de comodato com a sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda., através do qual cedeu, em comodato gratuito, diversos prédios rústicos àquela sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda., entre os quais o suprarreferido prédio rústico denominado “Quinta ...”, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 70 da freguesia ..., concelho ..., e não descrito na Conservatória do Registo Predial.

28. Desde .../.../2013, AA, CC, DD, EE, FF e GG, vêm possuindo aquele prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados, em toda a sua extensão de 6 hectares, incluindo a parte que está plantada com vinha e a parte florestal, até à presente data.

28. Em 14 de Janeiro de 2015, os herdeiros acima identificados celebraram um contrato de comodato com a sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda., através do qual declararam, na qualidade de proprietários em comum e sem determinação de parte ou direito do prédio rústico de vinha identificado no parcelário agrícola, P3, com o nº...00, que compreende/ocupa parcelas de terreno do prédio rústico denominado “Mata do ...”, que é o prédio descrito em 3 dos factos provados, bem como outras parcelas de terreno pertencente ao prédio rústico denominado “Quinta ...”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo 70 e omisso na Conservatória do Registo Predial, que cediam em comodato gratuito o supra identificado prédio com o P3, com o nº...00, à sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda..

29. O que foi cedido pelos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, em comodato gratuito, à referida sociedade M... DE, foi a mencionada “Vinha do ...”, isto é, a parcela identificada no parcelário agrícola P3 com o n.º ...00.

30. Mas a parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados que não se encontra ocupada pela referida vinha com o número de parcelário ...00, e que corresponde à parte daquele prédio rústico que continua a estar destinada a pinhal, eucaliptal, mato e pastagem, também continua na posse dos Herdeiros da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.

31. Que a continuaram a visitar, passeando na respectiva mata.

32. Mandando cortar árvores e mato, também para limpeza do terreno, em cumprimento das exigências legais e regulamentares que se encontram estabelecidas em matéria de prevenção de incêndios florestais.

33. Fazendo tudo isto à vista de toda a gente.

34. Sem oposição de quem quer que seja.

35. Na firme convicção de que aquele prédio lhes pertence.

36. E com plena consciência de que não causam prejuízo a ninguém.

37. No dia 10 de Janeiro de 2020, pelas 16 horas, o Autor, na sua qualidade cabeça de casal da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB e no exercício das suas competências de administração da herança, foi visitar o prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos assentes.

38. E constatou que, numa área de cerca 10.000,00 metros quadrados de parte daquele prédio que se encontra ocupada por mata estava a ser feita uma descarga não controlada de terra por um camião da empresa de C....

39. A descarga da terra estava a ser feita pela Ré sem autorização nem conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, nem dos herdeiros CC, EE e GG.

40. O Autor deu ordem aos motoristas dos camiões para pararem com a descarga de terra, mas estes continuaram com as descargas e disseram-lhe que cumpriam eles próprios ordens da gerência da empresa para fazer aquele trabalho.

41. Nesse mesmo dia, algum tempo depois, ao passar pela segunda vez no local, o Autor verificou que já estava lá outro camionista da Ré a descarregar terra e constatou que assim continuariam a fazer até terminarem os trabalhos que estavam incumbidos de fazer.

42. Porque não queria aceitar aquela situação, o Autor solicitou a comparência no local de uma patrulha da Guarda Nacional Republicana, que registou a ocorrência, os intervenientes e o desacordo do Autor sobre o que se estava a passar.

43. Os funcionários da Ré que procediam à descarga de terra não apresentaram qualquer documentação relativa a obra de demolição, escavação ou contenção periférica que estavam a realizar no local de origem da terra, designadamente, a permissão para a execução dos trabalhos da Câmara Municipal ....

44. A descarga de terra estava a ser feita sem qualquer autorização para o transporte rodoviário de terras de escavação com indicação da procedência e do seu destino final e sem qualquer projecto ou controlo técnico, tendo já originado a formação de um aterro não consolidado com um talude de cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão, alterando por completo a topografia do terreno (que tem aptidão construtiva à luz do PDM ...) e provocando uma situação de instabilidade que, em caso de deslizamento das terras, poderá causar prejuízos materiais no prédio vizinho.

45. Um aterro é uma deposição de terra ou resíduos feita num local com um determinado objetivo, seja o de modificar a morfologia do terreno, seja o de resolver melhor o problema ambiental ou de estabilidade criado pelo material que está a ser depositado, mas não pode ser realizado de qualquer maneira; e, para salvaguarda de pessoas e bens e do ecossistema deve ser norteado por princípios e “boas práticas” de engenharia geotécnica.

46. Aquele local é naturalmente receptor de águas pluviais de terrenos a cotas superiores e é também a zona terminal de mais de 400 metros de galerias de uma mina de água de nascente que abastece o chamado “lago”, que é um tanque de pedra existente no fundo da vizinha “Vinha do ...”, nas coordenadas coordenadas geográficas de latitude 41º 17' 44.58" N e de longitude 8º 14' 26.53" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth, terreno que também pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, pelo que nele se encontram escavados diversos poços de acesso à mina, para inspeção e limpeza desta.

47. À cota superior, o terreno em causa confronta com a estrada municipal que vai de .../... para ..., embora sendo geralmente mais baixo, antes da deposição abusiva de terras, e à cota inferior confronta com terrenos do Sr. PP (Quinta de C..., Estrada ..., ..., ...), que os vedou com um murete de pedra de 40 cm de altura, encimado por uma rede com cerca 1,5 metros de altura.

48. Tendo continuado as descargas de terra, no dia 12 de Janeiro de 2020, quando o Autor voltou ao local, constatou que o nível do aterro já era o da via municipal e o talude perto do terreno do vizinho confrontante, numa extensão apreciável, já estava entre 1 e 2 metros acima do topo da rede de vedação.

49. No dia 22 de Janeiro de 2020, numa nova visita ao local, o Autor constatou que o aterro continuava a ser aumentado, tendo o talude junto ao vizinho confinante já uma altura de cerca de 4 metros de altura em alguns pontos da sua extensão, com alguma pedras a rolar até ao murete de vedação daquele terreno confinante.

50. O terreno onde a Ré fez a descrita deposição de terras que faz parte do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados e situa-se nas coordenadas geográficas de latitude 41º 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth.

60. Ele corresponde a uma área com mato, com poucos pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho ....

61. A área desse terreno onde foram feitas as descritas descargas, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados, é de cerca de 10.000,00 metros quadrados, confrontando no seu limite Sul, durante uma extensão de cerca de 300 metros, com o prédio do vizinho, Sr. PP, já antes referido, que construiu nele uma vedação com murete de granito encimado por rede com 1,5 metros de altura.

62. Pedras houve que rolaram do talude resultante da descarga de terra feita pela Ré no descrito terreno pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.

63. O aterro resultante da descarga de terra feita pela Ré estendeu-se inicialmente, até finais de janeiro, por mais de 5.500,00 m2, confrontando numa extensão de cerca de 160 metros com o terreno do vizinho Sr. PP, numa parte dela apresentando um talude com mais de 4 metros de altura.

64. A quase totalidade das terras depositadas proveio de escavação realizada a cerca de 630 metros do local, nas coordenadas geográficas de latitude 41° 18' 11.50" N e de longitude 8° 14' 7.91" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth.

65. O terreno de onde provieram a maior parte das terras resultantes de escavação aí realizada e que, posteriormente, foram transportadas e depositadas nos moldes já descritos no prédio rústico pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, pertence ao Sr. QQ.

66. As C..., Lda., foi quem realizou a escavação, o transporte e o espalhamento das terras no aterro e terraplanagem que foi feito no prédio rústico pertencente à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, numa operação que terá decorrido durante um número de dias exacto em concreto não apurado do mês de Janeiro e Fevereiro de 2020.

67. Algumas dessas terras, também, tiveram origem no terreno em frente que foi também objecto de escavação naquele período temporal.

68. O volume estimado, não exacto, das terras depostas e espalhadas é de cerca de 13.000,00 m3, o que equivale a aproximadamente 20.000,00 toneladas.

69. Em consequência da deposição e espalhamento de terras, pelo menos nas suas cotas mais baixas, onde o terreno, antes da descrita intervenção, tinha um nível similar à via de comunicação, o terreno adquiriu uma cota superior à dessa via de comunicação, e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade suave do terreno, formou-se um talude com um declive entre 45º e 60º, o qual em alguns pontos da sua extensão tem uma altura de perto de 4 metros e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão.

70. Uma vez que não foi construído um muro de contenção, a possibilidade de o talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho ficou a ser grande, o que poderá provocar a necessidade de proceder a intervenções, para assegurar a estabilidade não existente, e provocar danos, designadamente no terreno vizinho.

71. Depois de uma semana de chuva nos finais de Janeiro, já houve passagem de terras sobre o murete de separação, pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão, e também se tornou visível a erosão do talude em alguns pontos, detetando-se níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras em zonas por onde as escorrências tiveram um percurso preferencial.

72. Um contributo importante para esta instabilidade resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste.

73. Existem riscos inerentes a um solo artificial não consolidado, nem devidamente protegido.

74. Da área de terreno onde o descrito aterro foi efectuado, 7.425 m2 é classificada como solo urbanizável com valor de mercado bem superior ao que têm outras utilizações atribuídas pelo PDM, por exemplo a de solo agrícola ou de exploração florestal.

75. E o facto de se sacrificar uma orla de terreno entre o limite do aterro e o terreno vizinho, este a cota bem inferior, dificulta a valorização do solo pelo seu valor mais elevado, traduzindo-se numa depreciação deste.

76. Por se encontrar a cota mais elevada, quando se pretender realizar uma construção, vai ser necessário proceder a escavação, transporte e deposição de terras em local permitido, o que são despesas extra para potenciais compradores.

77. Na perspectiva de fundações das construções, é imperativo realizá-las sobre terreno bem consolidado, o que significa atingir pelo menos o nível do solo sobre o qual ocorreu a deposição de terras, ou, em alternativa, realizar assentamento das edificações sobre solo não consolidado, usando soluções construtivas bem mais onerosas.

78. Acresce que a altura de construção permitida é geralmente estabelecida em relação à cota da via, pelo que o aproveitamento do terreno em altura ficou agora mais limitado pelo aumento generalizado do seu nível, isto é, a volumetria da construção é desfavorecida, o que tem impacto no valor do terreno.

79. Numa outra perspectiva de utilização, o facto de se ter alterado a morfologia do terreno para cotas geralmente superiores à via de comunicação também não lhe trouxe nenhuns benefícios, porque originalmente a área era o destino natural do escoamento de águas pluviais que provêm de cotas superiores, dos montes circundantes, fazendo deste terreno zona de recarga do aquífero que se sabe existir no local.

80. É nessa zona que se inicia a galeria subterrânea duma mina que tem o seu final mais de 400 metros abaixo no terreno do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 70, que também pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, e essa galeria para ser mantida limpa precisa de poços abertos ao longo do seu percurso.

81. O facto de se desviarem parte das águas pluviais “naturais” dessa zona alterou a hidrologia do local com empobrecimento mais que provável do aquífero, que viu diminuída em muito as possibilidades de recarga durante os períodos do ano em que chove, e a integridade de alguns dos poços foi violada, tendo sido alterado o nível da embocadura face à envolvente e por ter havido entrada de terras.

82. Ainda que se ponha a hipótese de aproveitar a deposição de terras para efectivar a regularização do terreno com vista a uma futura utilização para plantação de vinha, prolongando a que já existe a cotas mais baixas, sem qualquer descontinuidade, não existe vantagem apreciável em substituir uma espessura de solo com fertilidade já de si não muito elevada, por uma outra de maior espessura, mas de solo mais saibroso, resultante duma escavação.

83. Quer pela qualidade do solo, quer pela sua instabilidade e erosão, que vai prevalecer durante vários anos, mesmo para utilização em viticultura, a deposição de terras que foi feita diminuiu o valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados.

84. A ré realizou os trabalhos descritos supra a pedido da sociedade unipessoal M..., Lda., através do seu gerente, DD, no quadro do contrato referido no ponto 8 dos factos provados, e tendo como contrapartida o respectivo preço acordado para esses trabalhos, sendo que, a pedido daquela sociedade M..., a obra era para ser realizada em parte do prédio identificado no ponto 3 dos factos provados, onde de facto o foi.

85. A ré cobrou aos proprietários dos terrenos escavados o custo do transporte das terras entre aqueles terrenos e o terreno onde as terras foram depositadas, sendo que um dos terrenos escavados fica a uma distância de cerca de 600 metros em relação a este.

86. Esses proprietários pagaram os custos das respectivas escavações.

87. Nem a ré nem os proprietários dos terrenos escavados pagaram qualquer quantia pelo efectuado depósito das terras provenientes das escavações, o que representou para aqueles proprietários uma redução de custos.

87. O preço por hora de transporte em camião estima-se de € 25,00 e o da escavação em cerca de 50 euros, sendo o preço da deposição de resíduos inertes, como os deste tipo de escavação, da ordem dos 5 euros por tonelada.

88. Mesmo considerando os preços de mercado acima estimados, a retirada das terras e a sua entrega em local apropriado deve acarretar despesas não inferiores a 100.000,00 euros.

89. No presente, uma solução de minimização de riscos possível pode ser a da construção dum muro de contenção, encostado ao limite do vizinho, de pedra de elevada volumetria (muro ciclópico), cujo custo é elevado, mas mesmo essa solução tem de ser acompanhada de um sistema de drenagem que evite a acumulação das águas pluviais sobre o terreno e as escoe para longe dele, evitando a sua saturação e os riscos de desabamento, mas esta solução técnica serve apenas para remediar os problemas existentes, não evitando os prejuízos já causados.

90. Ponderando todos os fatores técnicos e económicos, a melhor solução será a da retirada total, ou pelo menos parcial, das terras depositadas, acompanhada da execução de um projecto que contemple as condições necessárias para obter uma inquestionável estabilização das terras num prazo de poucos anos, obra que tem um custo de, pelo menos, 30.000,00.

91. Da actuação da Ré resultou o seguinte: o volume das terras depostas e espalhadas, cujo volume exacto não foi possível determinar, estima-se ser à volta dos 14.000 m3, equivalente a 20.000,00 toneladas; em consequência da deposição, o terreno adquiriu na maior parte da sua extensão uma cota superior à da via de comunicação e no seu limite confinante com o prédio vizinho, em vez de permanecer a concordância e continuidade do terreno, existe agora um talude com um declive entre 45º e 60º, com cerca de 4 metros de altura em alguns dos seus pontos e mais de 3 metros de altura em grande parte da sua extensão; não foi construído um muro de contenção e a possibilidade do talude ruir e haver terras que transitem para o terreno vizinho é grande; já houve passagem de terras sobre o murete de separação pelo menos em duas parcelas ao longo de toda a extensão e também é visível a erosão do talude em alguns pontos, tendo-se detectado níveis de humidade bem superiores ao da saturação das terras; um contributo importante para a instabilidade do aterro resulta de não se ter estabelecido um sistema de drenagem minimamente eficiente para as águas pluviais, que sendo encaminhadas para dentro do aterro provocam a erosão deste e podem provocar o seu encharcamento.

92. A quantia de 100.000,00 euros pode não ser suficiente para reparar a totalidade dos danos já causados no terreno, nem permitiria a reposição da cobertura arbórea e arbustiva, nem a limpeza de galerias.

93. As consequências da deposição de terras feita pela Ré, que acima foram descritas, incluem a diminuição da qualidade do solo, mesmo para utilização em viticultura, a instabilidade que vai prevalecer durante vários anos no terreno em causa, a alteração das condições hidrológicas e de exploração de água no terreno e o sobrecusto de uma eventual construção naquele solo, provocam uma diminuição do valor potencial do terreno e, consequentemente, do prédio rústico descrito no ponto 3 dos factos provados.

94. A parte do prédio rústico descrito em 3 dos factos provados, onde os trabalhos supra descritos fora realizados, ficou desvalorizada em, pelo menos 50%, o que, considerando um valor médio de, pelo menos, 10 euros/m2 para o terreno antes da actuação da Ré, resultará num lucro cessante de pelo menos 10.000 x 10 x 0,5 = 50.000,00 euros.

95. A Ré bem sabia que aquele terreno pertence à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB.

96. Pelo menos a partir de 10/01/2020, a ré passou a saber que o autor, enquanto cabeça-de-casal e herdeiro da referida herança, não estava de acordo com os trabalhos que a ré levava a cabo e supra descritos.

97. Na parcela de terreno onde as obras descritas foram levadas a cabo não se encontra, nem antes nem depois daquelas obras, plantada qualquer vinha.

98. A descarga de terra realizada pela ré nos moldes supra descritos teve o conhecimento de DD e de FF, que são herdeiros da herança aberta por óbito de BB.


E resultaram não provados:

1. A descarga da terra referida nos factos provados tivesse sido feita sem autorização nem conhecimento dos herdeiros DD e FF.

2. Durante o tempo que esteve no local, à espera da chegada da patrulha da GNR, o Autor tivesse registado algumas afirmações e comentários de pessoas que se abeiravam do local, que o informaram que a operação de descarga dos camiões de terra já se verificava há mais de uma semana, durante o mês de janeiro de 2020.

3. O Sr. QQ afirmasse ser também proprietário de um terreno com 1500 m2 de área que fica do outro lado da estrada que confronta com o aterro.

4. No dia 4 de fevereiro de 2020, tivesse sido chamada a GNR nesse dia para verificar a ocorrência e tivesse identificado o Autor, o Sr. QQ e o manobrador da rectroescavadora.

5. Em consequência dos trabalhos descritos nos factos provados, alguns poços tivessem sido soterrados ou mesmo tapados.

6. As terras depositadas nos moldes dados tivessem sido retiradas a 5 metros de profundidade.

7. Em virtude do facto descrito em 86 dos factos provados, a ré tivesse tido uma redução de custos.

8. O transporte referido no ponto 85 dos factos provados tivesse sido gratuito.

9. Em momento anterior a 10/01/2020, a ré soubesse que a área do prédio intervencionada não se encontrava cedida à sociedade M..., UNIPESSOAL, Lda..

10. Em momento anterior a 10/01/2020, a descarga de terra realizada pela ré nos moldes descritos nos factos provados fosse do conhecimento do cabeça de casal da herança, ora Autor, e dos herdeiros CC, EE e GG.


2. De direito


Apreciemos então as questões suscitadas pelo recorrente.

A. Da nulidade do acórdão recorrido, por excesso de pronúncia (dado ter apreciado de excepção dilatória de que não podia conhecer, por via do caso julgado que já se havia formado na apreciação da legitimidade do autor em sede de despacho saneador).


Sustenta o recorrente que o Tribunal da Relação não poderia ter conhecido da questão da legitimidade do autor para intentar a acção, dado que a mesma já tinha sido apreciada em concreto no despacho saneador, pela 1.ª instância, sendo que não tendo tal decisão sido então impugnada, terá recaído sobre a mesma caso julgado formal, que impossibilitaria tal reapreciação por aquele tribunal de recurso. Na medida em que a Relação conheceu da mesma, terá incorrido na nulidade prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC – excesso de pronúncia.

O recorrente invoca para o efeito o disposto nos artgs. 595.º, n.º 1, al. a) e 3, 620.º, n.º 1 e 628.º, todos do CPC e indica 3 acórdãos desta Supremo Tribunal, como sustentando a sua tese de insusceptibilidade de apreciação desta questão, após ter sido conhecida em sede de despacho saneador, por via da autoridade do caso julgado.

Afigura-se-nos que não assiste razão ao recorrente e que as alusões que faz aos acórdãos deste Supremo nem todas se revelam no sentido que indica.

Desde logo, quanto ao acórdão de 21-05-2009, (P.º 08B2707, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), há que ter presente que aí apenas é referido «(…) que está decidido com força de caso julgado formal que a autora tem legitimidade para propor a acção desacompanhada dos demais herdeiros», inexistindo elementos que nos permitam concluir como se formou o caso julgado em causa, sendo por isso abusivo retirar de tal segmento outras conclusões que não sejam a que resulta da indicada afirmação.

No que se refere ao acórdão de 09-12-2021 (P.º 8060/18.1T8ALM.L1.S1, em que foi relatora a Senhora Juíza Conselheira Rosa Tching), dir-se-á que o caso julgado relativo à questão da legitimidade conhecida no despacho saneador, ocorreu por via da inexistência de impugnação do mesmo no recurso de apelação interposto da decisão final para o Tribunal da Relação, momento em que o deveria ter sido. Na realidade, decorre da fundamentação do acórdão do Supremo que a questão do caso julgado só foi suscitada no âmbito da revista. Daí que se tenha concluído que tal despacho já havia transitado anteriormente.

Por último, no que concerne ao acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2022, (P.º n.º 2892/16.2T8VIS.C1.S1, relatado pela Senhora Juíza Conselheira Ana Paula Boularot), sempre se dirá que também não se pôs aí de parte haver a oportunidade de se recorrer de apelação de tal despacho, o que na realidade não terá ocorrido, pelo que se entendeu verificar-se o caso julgado daquela decisão proferida no saneador.

Vejamos o que se nos oferece dizer sobre esta questão quanto ao regime estabelecido no actual quadro legal.

O art.º 595.º, n.º 1, al. a) do CPC estipula que o juiz deverá conhecer (entre outras) das excepções dilatórias suscitadas pelas partes ou de que deva apreciar oficiosamente, face aos elementos que os autos lhe forneçam, sendo que o seu n.º 3, refere que esse despacho «constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas.»

Consubstanciando o que esse n.º 3 do art.º 595.º consagra, temos, por um lado, o art.º 620.º, n.º 1 do CPC, que nos dá a noção de caso julgado formal, ao referir que «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo»; e, por outro, o art.º 628.º que nos diz que «A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.»  

Da articulação destes preceitos legais, podemos concluir que havendo uma decisão proferida em sede de despacho saneador que tenha apreciado em concreto  uma excepção dilatória, tal decisão terá força de caso julgado formal, logo que transite.

Desta forma, assume relevância o saber-se quando é que tais decisões transitam em julgado, ou seja, quando é que se tornam insusceptíveis de recurso ordinário ou de reclamação.

Para se apurar a resposta a tal questão teremos de recorrer ao que dispõe o art.º 644.º do CPC, que estabelece quais as decisões a que cabe apelação autónoma e quais as que apenas «podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto das decisões previstas no n.º 1.» (n.ºs 1 e 3 desse preceito legal), concatenado com os prazos para recorrer, previstos no art.º 638.º do CPC, pois que será da conjugação destes dois artigos que se apurará quando transita em julgado a decisão proferida.

Tendo presentes estes dados genéricos, centremo-nos agora no caso concreto.

No saneador, foi apreciada em concreto a questão da legitimidade do Autor, tendo sido decidido que o Autor era parte legítima na acção.

Tal decisão foi então notificado às partes, sendo que ulteriormente, após ter sido proferida sentença condenatória da Ré, veio esta recorrer da mesma, sendo que uma das questões que então foi colocada nas suas alegações, que a mesma impugnou, foi precisamente a sua discordância com o decidido no despacho saneador, quanto à questão da legitimidade do Autor.

Ora, a decisão sobre tal excepção dilatória, constante do saneador, era passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que pôs termo à causa, posto que não se enquadrava em nenhuma das situações previstas nos n.ºs, 1 e 2 do art.º 644.º do CPC, onde se preveem os casos de recurso autónomo.

A ser assim, como se entende que é, a decisão concretamente apreciada sobre a legitimidade do Autor, proferida no despacho saneador, não tinha transitado em julgado (e não transitou ainda) quando foi proferido o acórdão recorrido, pois que a oportunidade do Réu se insurgir contra tal decisão apenas surgiu com a apelação da decisão final que pôs termo à causa, sendo certo que nesse momento, nessa oportunidade, a Ré impugnou-          -a, razão pela qual o acórdão recorrido não estava impedido de a reapreciar.

Neste mesmo sentido, veja-se também o decidido (entre outros[[2]]) no acórdão deste Supremo de 03-05-2018[[3]], onde se pode ler:

«(…). No dizer de Abrantes Geraldes[[4]], este artigo distingue as decisões sujeitas a recurso imediato [as previstas nas alíneas a) e b) do nº 1 e no seu nº 2] daquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior, ou seja, daquelas que apenas podem ser impugnadas juntamente com o recurso que venha a ser interposto de algumas das decisões previstas no n.º 1 (máxime da decisão final ou do despacho saneador com o conteúdo previsto na al. b) do nº1) ou, se este não existir (por não ser admissível ou por não ter sido apresentado), em recurso único a interpor depois de a mesma transitar em julgado, desde que a impugnação tenha interesse autónomo para a parte (nº4).

Daí ter-se por certo que, nos termos do disposto nos nºs 1 e 3 deste art. 644º, não há recurso autónomo da decisão que, ao abrigo do disposto no art. 595º, nº 1, al. a) do CPC, conheceu da exceção dilatória de ilegitimidade. (…).»

Enfatizando o que vimos de dizer, assume relevância o que é ainda referido por Abrantes Geraldes na seguinte passagem do seu “Recursos em Processo Civil”[[5]]:

«437 – Discorda-se da solução defendida no acórdão da Relação de Lisboa de 02-02-11, 19641/09, www.dgsi.pt, que admitiu a interposição antecipada de recurso de decisão interlocutória, sendo mais razoável a solução inversa, como defende Nuno Pissarra, em O Direito, ano 144.º, vol. II, p. 264.

Naturalmente que não encontra qualquer apoio legal a solução defendida por Pinto Furtado, em Recursos em Processo Civil, p. 63, ao considerar que “se a parte não interpõe logo recurso de uma decisão interlocutória inominada, para alegar com o recurso final”, manifestaria a vontade de não recorrer, pelo simples motivo de que o regime legal não admite a interposição de recurso de apelação autónomo de tais decisões, nem foi prevista a possibilidade de recorrer em dois tempos, isto é, interpor recurso e aguardar pela ocasião oportuna para apresentar as alegações.»

Na realidade as últimas reformas ao processo civil, em concreto no que concerne aos recursos, não preveem esse mecanismo de imediata manifestação das partes quanto às decisões interlocutórias de que não cabe apelação imediata e de que discordam e que pretenderão impugnar. Não o prevendo a lei, não poderemos nós aplica-lo, pese embora se considere que poderia contribuir para uma maior clarificação do processado e transparência das partes quanto ao normal desenrolar da causa, sabendo-se desde logo quais os pontos e decisões que poderiam vir a ser questionados a final. Certo é que não foi essa a opção do legislador.

Aqui chegados, e face ao que se deixou já exposto em confronto com a realidade vivenciada nos autos, há que concluir que a decisão proferida no despacho saneador, sobre a legitimidade do Autor para intentar a presente acção não tinha transitado em julgado, tendo sido impugnada na apelação da decisão final, razão pela qual era lícito ao Tribunal da Relação conhecer dela, reapreciando tal questão, não havendo assim que falar em violação do caso julgado formal por parte dessa instância de recurso.

A ser assim, como é, obviamente se dirá que não se regista a arguida nulidade por excesso de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.

Improcede assim esta questão.


B. Da (i)legitimidade do Autor para intentar a presente acção


No acórdão recorrido sustentou-se, em síntese, que não se verificando, no caso, uma situação enquadrável na previsão dos artgs. 2078.º, 2087.º, 2088.º e 2089.º, do CC, “ex vi” do estatuído no art.º 2091.º do CC, os direitos relativos à herança só poderiam ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros, razão pela qual absolveu a Ré da instância.

Diferentemente, defendeu-se na 1.ª instância e agora no recurso de revista que a acção intentada, visaria a salvaguarda dos bens da herança e que, nessa medida, se enquadraria dentro dos poderes de administração do cabeça de casal (art.º 279.º do CPC).

Para a apreciação desta questão importará primeiramente atentarmos na natureza da acção com que nos deparamos.

Como é sabido, toda a acção pressupõe uma determinada relação jurídica a ser disciplinada pelo direito, sendo delineada pelos sujeitos, pelo pedido e pela causa de pedir (art.º 552.º, n.º 1 do CPC).

No que concerne aos sujeitos, estes corresponderão às pessoas entre as quais se verifica o litígio ou o conflito de interesses; o pedido corresponderá à providência que se pretende ver declarada pelo tribunal, sendo que a causa de pedir traduzirá o acto ou facto jurídico de que emerge o direito que o autor se propõe fazer valer.

No nosso ordenamento processual civil, atento o disposto nos artgs. 552.º, n.º 1, al. d) e 581.º, n.º 4 do CPC, consagra-se a teoria da substanciação, ou seja, impõe-se a alegação dos factos que integram a causa de pedir e fundamentam o pedido.

No caso dos presentes autos, o Autor, formulou os seguintes pedidos:

«a) Deve ser declarado que o prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial faz parte da HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, pertencendo, em propriedade plena, aos herdeiros AA, que é o cabeça de casal da herança e ora Autor, CC, DD, EE, FF e GG, em comum e sem determinação de parte ou direito;

b) Deve ser declarado que o terreno onde a Ré fez a deposição abusiva de terra que está em causa na presente acção, composto por área com mato, pinheiros e eucaliptos de pequeno porte, que confronta a Norte com a via municipal de ligação entre as freguesias de ..., ... e ... do concelho ..., que se situa nas coordenadas geográficas de latitude 41º 17' 59.15" N e de longitude 8º 14' 28.77" O, no sistema WSG84, usado pela aplicação Google Earth e se encontra representado na fotografia aérea daquela aplicação que  consta do artigo 68º da presente petição inicial, parte do qual é assinalado com um contorno a linha amarela, faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial;

c) Deve a Ré ser condenada e reconhecer, nos seus exatos termos, o direito de propriedade descrito nas alíneas a) e b) do presente pedido;

d) Deve a Ré ser condenada a cessar definitivamente toda e qualquer deposição de terras e qualquer outro resíduo de construção, demolição ou escavação no terreno referido na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial;

e) Deve a Ré ser condenada a indemnizar a HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB, aqui representada pelo Autor, que é Herdeiro e Cabeça de Casal, pelos danos patrimoniais presentes e futuros que causou aos proprietários, a título de dano emergente e de lucro cessante, com a deposição ilícita de terra no terreno descrito na alínea b) do presente pedido, que faz parte integrante do prédio rústico descrito no artigo 6º da presente petição inicial, em quantia não inferior a 80 000,00 € (oitenta mil euros).

f) E deve a Ré ser condenada nas custas, incluindo as de parte, e no mais que for de lei.»

Ora, perante estes pedidos (designadamente dos constantes das alíneas a) a c)) poderíamos à partida entender que nos encontraríamos perante uma acção de reivindicação.

Porém uma análise mais atenta dos mesmos e a necessária concatenação deles com a causa de pedir que que lhes serve de substracto leva-nos a conclusão distinta.

Com efeito, nos termos do disposto no art.º 1311.º do CC, pode o proprietário  « … exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence.» (assim se caracterizando a acção de reivindicação)

Como se refere no acórdão deste STJ de 10-09-2020[[6]], «[o] perfil da acção de reivindicação afere-se, por um lado, pela causa petendi que, em acções desta natureza, decorre do facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do demandante, e nele radicar, o domínio da coisa reivindicada, e, por outro lado, pelas pretensões jurídicas deduzidas, quais sejam, o do reconhecimento do direito de propriedade e o da restituição da coisa por outro - neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, in, Código Civil anotado, volume III, página 100.»

Ora, se assim é, e volvendo ao caso em apreço nesta nossa acção, verifica-se que tanto pelo pedido formulado - em que a Autora não visa que lhe seja restituída a propriedade do prédio, apenas seja declarado que a herança é proprietária do mesmo e que tal seja reconhecido pela Ré –, como pela factualidade que alega integrante da causa de pedir – não invoca estar desapossada do mesmo, antes pretendendo que a Ré cesse as descargas de terras que tem vindo a efectuar em tais terrenos e reponha a situação que  existia anteriormente à realização das mesmas e ainda seja condenada a indemnizar a herança pelos danos[[7]] -, somos levados a concluir que não nos encontramos perante uma acção de reivindicação, em que se pretenda a restituição à herança dum bem imóvel.

Na realidade, o que se constata é que a acção terá sido “construída/edificada” na sua estrutura (pelo que resulta da leitura da petição inicial) na perspectiva de ser reconhecido à herança o direito de propriedade que esta detinha sobre o prédio e, por via disso, poder ser exigido à Ré a cessação da sua actividade ilícita de descargas, pedindo-se igualmente a sua condenação em indemnização pelos prejuízos.   

Sendo este o contexto da acção, importará agora apreciar se, face a tal, teria o cabeça de casal, em representação da herança, legitimidade para intentar tal acção.

A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, cabe ao cabeça de casal (art.º 2079.º do CC), e compete-lhe, pois, os poderes normais de mera administração, isto é, utilizar todos os meios conservatórios em relação ao património hereditário.

Importa, porém, verificar qual é o âmbito legal dos actos de administração do património hereditário por parte do cabeça de casal da herança indivisa.

A actuação do cabeça de casal deverá estar contida nos poderes (e correlativos deveres) de administração ordinária que a lei atribui ao cabeça-de-casal, enquanto administrador da herança, sendo o que resulta dos artgs. 2079.º, 2089.º, 2090.º e 2091.º do CC.

A tal propósito, Capelo de Sousa [[8]] traça da seguinte forma o perímetro da actuação do cabeça de casal:

«A este respeito, parece-nos que os poderes de administração do cabeça-de-casal se balizam entre os poderes do curador da herança jacente (art.º 2048.º), no limite inferior, e os poderes do administrador dos bens comuns do casal (artgs. 1678.º a 1682.º), no limite superior. Na verdade, o cabeça-de-casal detém mais poderes-deveres de administração do que o curador da herança jacente (pois as suas atribuições não se limitam, a nosso ver, a evitar a perda ou deterioração dos bens da herança, mas desde logo a fazê-los frutificar), porém goza de menos poderes do que o administrador de bens comuns do casal que usufrui de maiores faculdades de alienação (art.º 1682.º, n.º 1 e 2) e que não tem de prestar contas da sua administração (art.º 1681.º).»

Aceitando-se como razoáveis tais balizas de actuação por parte do cabeça-de-casal na sua função de administração da herança, sempre se acrescentará, como factor caracterizador dos limites dessa função e até a título indicativo, o seguinte segmento do acórdão deste STJ de 21-05-2009 [[9]]:

«Tomando como critério de identificação dos actos de administração ordinária (por contraposição, em primeiro lugar, com os actos de disposição e, em segundo lugar, com os actos de administração extraordinária) a sua natureza e a finalidade que visam preencher, poder-se-á afirmar que o “replantio de áreas ardidas” de um terreno, pelo menos se não houver substituição relevante das espécies plantadas, assim deve ser considerado.

Com efeito, tratar-se-á fundamentalmente de repor a situação anterior e, portanto, de um acto de conservação do património.

No limite, também se poderia enquadrar nesse âmbito a substituição, num pomar cuja finalidade não fosse alterada, das árvores envelhecidas, não obstante se tratar de um acto já mais próximo das benfeitorias úteis, por implicar o melhoramento do património.

No entanto, a verdade é que é incorrecto considerar a natureza e a finalidade do acto a praticar sem o avaliar no contexto do património a que respeita (assim, Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, 4ª ed., Lisboa, 2007, pág. 590 e segs., e doutrina ali exposta).[[10]]

Na verdade, aquele replantio ou esta substituição podem envolver investimentos e encargos de grande peso, por relação com esse património. Como observa Carvalho Fernandes, aliás fazendo apelo a Manuel de Andrade (Teoria Geral da relação Jurídica, II, Coimbra, 1987, pág. 63), é decisivo saber, por exemplo, se tais operações se financiam com os rendimentos do património ou se “se torna necessário, para o efeito, atingir o capital” (Teoria Geral do Direito Civil cit., II, pág.594).»

Ora, tendo presentes estes elementos, e revertendo ao nosso processo e a tudo o que sobre o mesmo já foi referido, há que concluir que a acção intentada pelo cabeça de casal em representação da herança se mostra abrangida pelos seus poderes de administração, posto que se terá de considerar como acto de administração ordinária a tentativa de salvaguarda, em bom estado, dos bens da herança, mormente dos prédios que a compreendem, zelando-se para que não sejam diminuídos na sua qualidade e correlativo valor, sendo por isso lícito que o cabeça de casal pugne no sentido de que cessem as descargas, não consentidas, de terras, e que, correlativamente, formule pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa actuação alegadamente abusiva.

Lembre-se que compete ao cabeça de casal prestar contas sobre a sua administração (art.º 2093.º do CC), sendo que um deficiente exercício da função, designadamente se não administrar o património hereditário com prudência e zelo ou se revelar incompetência para o exercício do cargo, poderá fazer com que possa ser removido, sem prejuízo das demais sanções que no caso couberem (art.º 2086.º do CC), pelo que há que valorizar a actuação desenvolvida, que não se descortina que tivesse de ser exercida por todos os herdeiros e que se configura em benefício da herança.

No acórdão deste STJ de 09-12-2021 [[11]], num caso com algumas semelhanças com o aqui em discussão, referiu-se:

«De qualquer modo sempre se dirá que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o cerne do litígio a dirimir nos presentes autos não corresponde a uma ação de reivindicação, mas, antes, ao exercício de um direito de reaver do comodatário um bem, cujo direito de propriedade não é sequer questionado.

E sendo assim, inexistem quaisquer dúvidas sobre a legitimidade activa do autor para, na qualidade de administrador de herança indivisa, exigir de terceiros a entrega de bens da herança, posto que esta exigência constitui, nos termos do art. 2087, nº 1, do Código Civil, um acto de administração e é expressamente consentida pelo disposto no art. 2088º, nº 1, do mesmo código.»      

Na presente acção, tal como nessa, entendemos inexistirem dúvidas sobre a legitimidade activa do autor, para, na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa, formular os pedidos que formulou na presente acção desacompanhado de todos os demais herdeiros, dado encontrarmo-nos perante um acto de administração nos termos do disposto nos artgs. 2087.º, n.º 1 do CC.

Desta forma, há que revogar o acórdão recorrido que tinha julgado o Autor parte ilegítima e absolvido a Ré da instância, antes se decidindo que aquele é parte legítima na acção, como se decidira no despacho saneador na 1.ª instância.

Sucede que a Ré, recorrente das decisões proferidas na 1.ª instância, viu o Tribunal da Relação julgar procedente o recurso incidente sobre o despacho saneador sobre a questão da legitimidade activa e, por via dessa circunstância, ficar prejudicada a apreciação das demais questões colocadas na apelação, designadamente as que se prendiam com a sentença final, onde expressamente se suscitaram as questões da nulidade da sentença derivada da contradição entre a fundamentação e a decisão e a da alteração da matéria de facto e as consequências dessa reapreciação.

Ora, de acordo com o preceituado no art.º 679.º do CPC, a regra da substituição não opera na revista, pois que o estatuído no art.º 665.º do CPC apresenta-se como uma das excepções no que concerne à aplicabilidade a este recurso das disposições relativas ao julgamento da apelação.

Neste mesmo sentido, vejam-se Abrantes Geraldes[[12]] e, por exemplo, Acs. do STJ de 28-09-2015, Proc. 852/12.1TBPTM-A.E1.S1, Rel. Pinto de Almeida, e de 04-04-2017, Proc. nº 5371/15.1T8OAZ.P1.S1, Rel. Fonseca Ramos, publicados em www.dgsi.pt,  bem como a fundamentação do AUJ nº 11/15, Rel. Lopes do Rego, datado de 02-07-2015 e publicado no Diário da República n.º 183/2015, Série I, de 18-09-2015, aí se referindo, entre o mais, que:

«Face ao estatuído na parte final do art.º 679.º do CPC, não é aplicável no recurso de revista a regra da substituição ao tribunal recorrido prevista, para o recurso de apelação, no art.º 665.º, não podendo, deste modo, o STJ – não apenas, como sempre sucedeu (cfr. art.º 684.º), suprir a nulidade de omissão de pronúncia cometida pela Relação – mas também apreciar, pela primeira vez, questões que as instâncias deixaram de apreciar, por as terem por prejudicadas pela solução dada ao litígio.

[…]

Sucede que o novo CPC, no art. 679.º, tomou expressa posição sobre esta problemática, passando a prever e regular, para este efeito, em termos idênticos e indistintos, as situações em que existe efectiva nulidade por omissão de pronúncia (decorrente de o tribunal a quo ter indevidamente omitido a apreciação de certa questão relevante) – n.º 1 do art.º 665.º - e de mera (e legítima) não pronúncia sobre questões, anteriormente suscitadas no processo, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio – n.º 2 do art.º 665.º do CPC em vigor.»

Pelo que se deixa dito, impõe-se, assim, que os autos voltem ao Tribunal da Relação para conhecimento das ditas questões, que ficaram prejudicadas pela solução dada ao litígio.


Sumário a que alude o n.º 7 do art.º 663.º do CPC

I - Da articulação do disposto no n.º 3 do art.º 595.º, do CPC, com os artgs. 620.º, n.º 1 e 628.º desse diploma, podemos concluir que havendo uma decisão proferida em sede de despacho saneador que tenha apreciado em concreto uma excepção dilatória (no caso a ilegitimidade) tal decisão terá força de caso julgado formal, logo que transite.

II – Decorre daí que é fundamental apurar em que momento transita tal decisão, pois que só então se forma o caso julgado formal.

III – A decisão sobre tal excepção dilatória, proferida no despacho saneador, não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos n.ºs, 1 e 2 do art.º 644.º do CPC, onde se preveem os casos de recurso autónomo, sendo assim passível de ser impugnada no recurso a interpor da decisão que ponha termo à causa, no caso, a sentença final.

IV – Dessa forma, a decisão concretamente apreciada sobre a legitimidade do Autor, proferida no despacho saneador, não tinha transitado em julgado quando foi proferido o acórdão recorrido, pois que a oportunidade do Réu se insurgir contra tal decisão apenas surgiu com a apelação da decisão final que pôs termo à causa, sendo certo que nesse momento, nessa oportunidade, a Ré impugnou-a, razão pela qual o acórdão recorrido não estava impedido de a reapreciar.

V – Numa acção em que o cabeça de casal, em representação da herança, pede que seja declarado que a herança é proprietária de um imóvel e que a Ré a reconheça como tal, mas em que não se pede que lhe seja restituída a propriedade do prédio, não tendo sido invocado estar desapossada do mesmo, antes se pretendendo que a Ré cesse as descargas de terras que tem vindo a efectuar nos seus terrenos e reponha a situação que  existia anteriormente à realização das mesmas e ainda seja condenada a indemnizar a herança pelos danos, não nos encontramos perante uma acção de reivindicação, em que se pretenda a restituição à herança dum bem imóvel.

VI – Em tal situação, deparamo-nos perante uma acção que terá sido “construída/edificada” na sua estrutura (pelo que resulta da leitura da petição inicial) na perspectiva de ser reconhecido à herança o direito de propriedade que esta detinha sobre o prédio e, por via disso, poder ser exigido à Ré a cessação da sua actividade ilícita de descargas, pedindo-se igualmente a sua condenação em indemnização pelos prejuízos.

VII – O cabeça de casal que intenta tal acção, nos termos enunciados, em representação da herança, fá-lo como acto de administração ordinária, sendo assim parte legítima na acção.

VIII – Com efeito, terá de se considerar como acto de administração ordinária a tentativa de salvaguarda, em bom estado, dos bens da herança, mormente dos prédios que a compreendem, zelando-se para que não sejam diminuídos na sua qualidade e correlativo valor, sendo por isso lícito que o cabeça de casal pugne no sentido de que cessem as descargas, não consentidas, de terras, e que, correlativamente, formule pedido de indemnização pelos prejuízos decorrentes dessa actuação alegadamente abusiva.

IX – Tendo no recurso de apelação sido suscitadas questões que não foram apreciadas no acórdão da Relação recorrido, por terem ficado prejudicadas pela decisão sobre a ilegitimidade, deverá devolver-se o processo a tal tribunal para que aí sejam então conhecidas, atento o preceituado no art.º 679.º do CPC, que afasta a regra da substituição prevista no art.º 665.º do CPC.


V. Decisão

Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida, julgando-se a revista procedente e, nessa medida, entende-se ser o Autor da acção parte legítima na mesma.

Determina-se, por outro lado, a baixa dos autos à Relação, para o conhecimento, se possível pelos mesmos Exm.ºs Juízes Desembargadores, das questões que ficaram prejudicadas pela solução dada ao pleito (conforme assinalado no ponto anterior), decidindo-se, depois, em conformidade com o que se mostra adquirido no presente acórdão e com o que resultar do que está ainda por dirimir.

Custas do recurso pela Ré.


Lisboa, 07-03-2023


José Maria Sousa Pinto (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

Fátima Gomes

_____

[1] O relator adopta a escrita anterior ao A.O..
[2] Acórdãos do STJ de 10-11-2022 (P.º 9748/20.2YIPRT.L1.S1, Relator, Rijo Ferreira) e de 09-12-2021 (P.º 8060/18.1T8ALM.L1.S1, Relatora Rosa Tching).
[3] P.º 305/11.5TBCHV.G1.S1, Relatora, Rosa  Tching
[4] In, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017- 4ª edição, Almedina, pág. 189
[5] Nota de rodapé 435 da pág. 259 - 7.ª edição, Almedina.
[6] Processo 3379/18.4T8LRS.L1.S1, Relator, Oliveira Abreu, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/196322/
[7] De que é exemplo bem ilustrativo o que é referido no art.º 99.º da petição inicial: «Justifica-se, por conseguinte, a propositura da presente ação, pedindo a cessação definitiva das descargas de terra feitas pela Ré, a reposição do terreno na sua anterior morfologia dentro das limitações técnicas e económicas acima alegadas, e uma indemnização pelos danos insuscetíveis de reconstituição natural que foram provocados à HERANÇA ABERTA POR ÓBITO DE BB pelos atos de violação do direito de propriedade desta que foram praticados pela Ré»
[8] In “Lições de Direito das Sucessões”, Volume III, 3ª Edição, 2002, Coimbra Editora, pág. 54.
[9] Processo 08B2707, relatora Maria dos Prazres Beleza, disponível em www.dgsi.pt
[10] Sublinhado nosso.
[11] Processo 8060/18.1T8ALM.L1.S1, relatora, Rosa Tching, disponível em https://jurisprudencia.pt/acordao/204511/
[12] “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, Almedina, Coimbra, 2022, pp. 497-499 e 507-508