Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8552/18.2TSSTB.E1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES BELEZA
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
RESTITUIÇÃO DO SINAL
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
ERRO DE JULGAMENTO
AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
CONTRA-ALEGAÇÕES
Data do Acordão: 07/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Sumário :
I. Considerar que um contrato-promessa se mantém, mas determinar a devolução do sinal prestado, equivale a alterar o conteúdo do contrato, pois subsistiria um contrato-promessa sem sinal, o que não corresponderia ao que as partes celebraram.

II. Acresce essa solução eliminaria a função penitencial do sinal, seja essa função entendida como “compulsória” da celebração do contrato prometido, seja também ou antes compreendida como uma fixação antecipada da indemnização por incumprimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou uma acção contra BB, CC, DD e E..., Ldª., pedindo a sua condenação

“a) A reconhecer que o autor detém a posse do imóvel desde a data da celebração do contrato em 01 de junho de 2018, tendo direito à sua retenção até à resolução definitiva do contrato prometido;

b) – A reconhecer ao autor o direito de retenção nos termos da al. f) do n.º 2 do artigo 755º do Código Civil, desde a data da tradição do imóvel, em 01de junho de 2018 até ser ressarcido do crédito emergente do incumprimento definitivo do contrato e imputável aos réus;”

Pediu ainda que fosse declarado que “o negócio entre os réus e o autor para aquisição” dos prédios identificados nos autos “era simulado por parte dos réus que o sabiam impossível e mesmo assim, contornado a legalidade do negócio o tentaram realizar, simulando uma realidade que não existia” (c),

e a condenação dos réus

“d) A reconhecer que o contrato alegado se encontra resolvido desde a data do seu incumprimento, ou melhor desde que os réus souberam que o autor já tinha conhecimento do engano, ou seja na data de 24 de outubro, quando interpela à entrega do sinal, se não houver condições para outorgar a escritura; ou, pelo menos desde a data de 05 de novembro de 2018 em que o autor interpela, pela segunda vez, os réus à devolução do sinal data em que se tornou impossível o cumprimento do contrato prometido;

e) A pagarem ao autor a quantia de € 190.000,00 (cento e noventa mil euros) a título de devolução do sinal em dobro;

f) A reconhecer que se encontram os quatro (4) réus obrigados ao pagamento de juros vencidos, sobre o valor do sinal em dobro, desde a data em que tornaram impossível a celebração do contrato prometido;

g) A pagar ao autor juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal supletiva até efetivo e integral pagamento”.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado um contrato-promessa com os réus, cujo cumprimento “de forma legal e real” estes bem sabiam que era impossível, que pagou sinal e que lhe foi entregue o prédio, gozando do direito de retenção como garantia do pagamento em dobro do sinal prestado.

Os réus contestaram, por impugnação e por excepção, requereram a intervenção principal de Seguradoras Unidas, S.A. e, em reconvenção, pediram que se declarasse resolvido o contrato-promessa, por incumprimento do autor, devendo o tribunal declarar o sinal perdido a favor da primeira ré. Pediram ainda a condenação do autor como litigante de má fé.

O autor apresentou réplica.

Também contestou a interveniente Seguradoras Unidas, S.A., “na qualidade de seguradora da mediadora 4.ª ré”.


A acção e a reconvenção foram julgadas improcedentes, pela sentença de fls. 283. O tribunal considerou não ter ocorrido “incumprimento definitivo do contrato-promessa pela R., sendo possível concretizar a venda do imóvel e outorgar a escritura sem apresentação de licença de utilização”, o que prejudica “a apreciação do reconhecimento ao A. do direito de retenção”; não ter havido tradição do imóvel, mas apenas “a permissão dada  pela R. de acesso à propriedade”, nos termos definidos no contrato-promessa; que não estava provado “que os RR. tenham agido em conluio e no intuito de o enganar, não incidindo sobre os mesmos qualquer dever de indemnizar o A., nem resultando provada qualquer factualidade que indicie a simulação do contrato promessa, que foi efectivamente celebrado entre A. e 1ª R. sendo válido e eficaz, e nessa medida permitindo que se aprecie o fundamento invocado pelo A. para sua resolução, que seja, o incumprimento definitivo por parte da R.”.

A interveniente foi absolvida do pedido, “atendendo a que não resultou apurada qualquer factualidade imputável à actuação da R. E..., Ldª”.

O pedido reconvencional foi julgado improcedente por não haver “qualquer situação nos autos que permita concluir pela existência de incumprimento definitivo do contrato-promessa imputável ao A. Significa tal que não existe fundamento para a R./Reconvinte resolver o contrato-promessa e fazer seu o sinal prestado”.

Também improcedeu o pedido de condenação do autor como litigante de má fé.

Pelo acórdão do Tribunal da Relação ... de fls. 404 foi concedido provimento parcial à apelação do autor, sendo a 1.ª ré, BB, condenada a devolver ao autor o sinal, em singelo: “(…) Não vemos, pois, que exista impossibilidade de cumprimento imputável aos RR., a qualquer deles.

Tudo o mais que é exposto nas alegações são argumentos que assentam sempre na impossibilidade de celebrar o contrato definitivo.

Tanto basta, face ao pedido em recurso, para o julgar improcedente.

O A. tinha pedido que os RR. fossem condenados pagar-lhe a quantia de €190.000,00 (cento e noventa mil euros) a título de devolução do sinal em dobro.

Por seu turno, os RR. pediram, em reconvenção, que fosse declarado o incumprimento do contrato promessa de compra e venda imputável ao A. com perda de sinal a favor da 1.ª R. A sentença julgou ambos os pedidos improcedentes: por um lado, não condenou na devolução do sinal em dobro nem na perda, pelo A., do sinal.

Mas o sinal foi passado (n.º 23 e n.º 24 da exposição da matéria de facto).

Não tendo sido nenhum dos referidos pedidos sido julgado procedente, temos que o desenlace lógico seria a condenação da 1.ª R. na devolução do sinal em singelo. É isto que resulta da decisão recorrida pois que por que razão ficaria a R. com o sinal entregue?

Uma vez que quem pede o mais também pede o menos, não vemos que haja, na condenação no pagamento do sinal em singelo, qualquer excesso de pronúncia.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso do A..

Condena-se a 1. R. BB a devolver ao A. o sinal em singelo.”


2. BB, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça.

Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

“1 – Submetida à apreciação do Tribunal ação na qual o Autor, na sua qualidade de Promitente-Comprador peticiona que seja resolvido o Contrato Promessa de Compra e Venda, por incumprimento definitivo e culposo, da Promitente Vendedora, a qual mereceu Contestação / Reconvenção em que a Promitente Vendedora, peticiona que seja declarado resolvido o Contrato, com perda de sinal a seu favor, por incumprimento definitivo e culposo do Autor, sendo que o pedido e o pedido reconvencional foram declarados improcedentes, tal determina que o Contrato Promessa de Compra e Venda entre ambos celebrado mantém-se plenamente válido e em vigor. 

2 – Sendo a relação contratual entre ambos (Promitente Vendedora/Promitente Comprador) uma convenção mediante a qual a Promitente Vendedora se obrigou a vender ao Promitente Comprador um prédio misto, onde foi prestado um sinal, aquele tem natureza sancionatória, beneficiando a promitente vendedora do mesmo, em caso de incumprimento culposo e definitivo do Promitente-comprador, ou em caso contrário o aspeto sancionatório será da Promitente Vendedora que terá de restituir o sinal em dobro.

3 - A resolução pode ser accionada quando um contraente deixe, definitiva e culposamente, de cumprir a prestação a que estava adstrito – cfr. artigos 798.º e 801.º, n.º 2 do Código Civil, e apenas nessa ocasião se determinará, de acordo com o causador do incumprimento, o regime sancionatório em face do sinal prestado.

4 - Não pode o Tribunal determinar a restituição do sinal prestado no âmbito de um contrato promessa de compra e venda, que nessa mesma decisão se declara em face das improcedências dos pedidos, se mantêm válido e em vigor, porque está a alterar as condições contratuais estabelecidas livremente entre as partes, retirando a garantia sancionatória do bom cumprimento.

5 - Nenhuma das partes dirigiu esse pedido ao Tribunal da Relação pelo que ao decidir dessa forma excede os poderes de apreciação, para além de criar uma contradição.

6 – Tem-se por nula a decisão proferida que exceda o pedido dirigido ao tribunal em que nela se aprecie questões que oficiosamente não lhe são permitidas apreciar, tanto mais que no caso criaram enorme contradição entre a manutenção do contrato e a retirada do efeito de cláusulas contratuais relacionadas com o sinal.

7 – Ocorre, assim, violação da lei substantiva, por ofensa a disposições legais, nomeadamente dos Artºs 442 nº 1 e violação da Lei adjectiva por ofensa às disposições conjugadas do Artº 615º nº 1 alínea c) e e), tornando a decisão proferida nula.

Termos em que se requer a V.Exas Egrégios Juízes Conselheiros que revoguem a douta decisão proferida pelo Tribunal da Relação ... no segmento que determina a restituição do sinal em singelo pela Promitente Vendedora ao Promitente Comprador, mantendo o mais ali decidido.”


O autor contra-alegou, defendendo a manutenção do acórdão recorrido. Em seu entender, “não assiste qualquer razão à 1.ª R., aqui Recorrente, porquanto (I.) o contrato promessa de compra e venda está resolvido e (II.) o Acórdão recorrido bem julgou ao abrigo do princípio quem pede o mais, também pede o menos.”

O Tribunal da Relação ... proferiu acórdão negando a rectificação entretanto requerida pelo autor (com o objectivo de haver condenação no pagamento de juros) e sustentando não ocorrer a nulidade arguida: “Uma vez que quem pede o mais também pede o menos, não vemos que haja, na condenação no pagamento do sinal em singelo, qualquer excesso de pronúncia. Não há aqui conhecimento de questões de que o tribunal não pudesse conhecer. Com efeito, o problema jurídico era o do incumprimento (se existia e a quem seria imputável) e este problema foi analisado; ou seja, o tribunal manteve-se nos estritos limites dos seus poderes de cognição. Por outro lado, o facto de nenhuma das partes ter pedido a condenação da devolução do sinal em singelo não impede o tribunal de assim decidir pois que sempre esta condenação se situaria dentro do pedido formulado.”


3. Vem provado o seguinte:

«1- O R. DD mostrou a pedido do A. autor três ... na zona de ..., mas nenhuma delas tinha as características ideais e completas para o projecto do A.;

2 - O R. DD e o A. deslocaram-se à zona do “EE”, onde viram uma quintinha com cerca de 5000 m2, moradia de rés-do-chão, com um anexo destinado a adega.

3 - O local não tinha muita vegetação como se pretendia pelo que foi rejeitado;

4 - O R. DD deu a conhecer que tinha angariado uma outra quintinha com casa com cerca de 180 m2, garagem e piscina, com cerca de 9.000 m2 de área;

4 - Tendo acompanhado o R. visitaram ambos o imóvel que, pese embora reunisse as características pretendidas o Autor, porque não queria adquirir um imóvel muito longe do centro de ..., foi rejeitado;

5 - O autor referiu ao R. ..., ... réu, após saírem de uma visita a uma propriedade na zona que a propriedade por não ter estrema com a estrada não o interessava;

6 - Na sequência do que o R. DD disse ao autor que tinha o local perfeito para ele e que só precisava de verificar se ainda estava disponível.

7 - Foi então que reuniram com o 2º réu o Sr. CC que lhe mostrou a quinta que tem estrema com a estrada nacional, e que agradou ao A.;

8 - (...) parecendo-lhe ser o sítio ideal para o autor aí poder instalar o seu projecto de turismo;

10 - O Autor viu o terreno e as características que o imóvel reunia;

11 - Até este momento o negócio tinha por objeto o prédio com as edificações, a vender por 450.000,00€ (Quatrocentos e Cinquenta Mil Euros);

12 - Cerca de 10 a 15 dias após a visita ao prédio o A. de novo contactou com o R. para realizar nova visita e no local declarou que pretendendo ter mais área e querendo um espaço maior foi por ele proposto adquirir em conjunto o prédio da Ré, confinante àquele com cerca de 8150 m2, tendo o preço por esta parcela sido estabelecido em 100.000,00 (cem mil euros);

13 - Na ocasião, o autor alvitrou que a área de entrada lhe pareceu pequena e foi suscitada a questão de garantir uma entrada para o prédio mais ampla para a via principal, tendo o A. interesse em que a mesma tivesse mais largura.

14 - E desde logo o 2º e o 3º réus informaram que poderiam proceder à aquisição de uma parcela de terreno de um prédio vizinho, que anexariam a um dos prédios da quinta que confina com aquele, por forma a ficar, a quinta, com uma frente para a estrada principal, com cerca de quarenta e oito metros lineares;

15 - Nessa visita o autor verificou que existiam construções na quinta, das quais lhe disseram que estavam legalizadas;

16 - A 1ª Ré tinha adquirido, através de escritura pública outorgada a 20/12/2011 no Cartório a cargo da Notária FF, em Quinta ... - ... a fls 114 do Lv 87, o prédio com as edificações com dispensa de licença de utilização por ser anterior a 31 de Julho de 1951;

17 - Da certidão de teor da descrição e inscrições em vigor do prédio descrito sob a descrição nº ...03 da Freguesia ..., resulta a aquisição do “prédio misto” pela Ré BB, à sociedade V..., Unipessoal, Ldª ;

18 - Da certidão de teor da descrição e inscrições em vigor consta que, a aquisição do prédio rústico com a descrição ...19, resultou de compra venda por negociação particular em processo de insolvência, à massa insolvente do 2º Réu;

19 - O 2º réu, o Sr. CC vivia e vive, na quinta há mais de trinta anos e deu a sua palavra em como estava tudo legalizado;

20 - No local existem seis construções em alvenaria e o autor achou que era o local ideal, perto da ..., rodeado de árvores e a confrontar com a estada nacional, desde que fizessem a aquisição da parcela de terreno ao vizinho confinante.

21 - Acordado o preço, avançaram para a assinatura do contrato promessa de compra e venda, cuja outorga ocorreu em 01 de junho de 2018;

22 - Mediante um projecto de contrato facultado ao Autor, pelo R. DD, e documentação dos imóveis, foi elaborado o contrato promessa com as condições negociais estabelecidas pelas partes;

23 - No contrato promessa de compra e venda foi estipulado o preço de 550.000€ (quinhentos e cinquenta mil euros) com o valor de 95.000€ (noventa e cinco mil euros) a título de sinal sendo o restante do preço, o valor do remanescente no valor de 455.000€ (quatrocentos e cinquenta e cinco mil euros);

24 - O valor do sinal foi pago parte em dinheiro, (10.0006) dez mil euros, a cujo valor foi dada quitação no contrato promessa de compra e venda, e dois cheques: um no valor de (65.0006) sessenta e cinco mil euros e outro no valor de (20.0006);

25 - Este último cheque de 20.0006 tinha como destino a compra do linguete de terreno do prédio confinante, que o 2.º e 3.º RR. garantiram que iria ser adquirido em prazo;

26 - Foi estipulado na cláusula quarta do contrato que «A promitente vendedora compromete-se a proceder à aquisição de uma parcela de terreno do prédio vizinho pelo valor de vinte mil euros, valor este que já está integrado no valor final da venda, e a anexar ao prédio rústico, artigo 108 da secção D, da qual é proprietária, e de forma a ficar c/ uma frente para a estrada principal de 48 m lineares, o mesmo segue uma linha recta até a parte superior da propriedade, até a realização da escritura.»;

27 - Da cláusula primeira do contrato promessa consta que «A promitente vendedora é proprietária e legítima possuidora dos seguintes prédios: a) Prédio urbano com o artigo matricial ...17 c/ área total coberta de 448,73 m2 destinado a habitação e anexos, estando o mesmo isento de licença de utilização por ser anteriormente a 31 de julho de 1951, implantado no interior do prédio rústico com o artigo matricial ...08 secção (D), com a área de 7 628,13 m2, sito na ..., em ..., ..., da União das Freguesias ... (... e ...), Concelho e Distrito ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.° 4056/20...»; (...)

28 - «b) Prédio rústico com o artigo matricial ...69 secção C com a área de 8.150 m2, sito em Quinta ..., ..., da União das Freguesias ... /São Lourenço e ...), Concelho e Distrito ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 3024/20....»;

29 - Anexo ao contrato promessa foram juntas as cópias dos cartões de cidadão da 1º ré, proprietária dos imóveis, um mapa com a delimitação total da quinta e a cópia dos cheques entregues para pagamento do sinal e adiantamento de pagamento;

30 - Da clausula quinta do contrato promessa consta «A escritura de compra e venda do prédio objecto do contrato será celebrada logo após ter toda a documentação em ordem por parte da promitente vendedora, tendo como prazo máximo de 60 dias a contar da data do presente contrato.»;

31 - Aquando da assinatura do contrato promessa o autor conheceu a 1ª ré que se apresentou como proprietária dos imóveis, tendo o 2º réu, CC respondido que a quinta estava em nome da irmã, D. BB, mas era a mesma coisa;

32 - O A. após leitura do contrato celebrado reparou que o preço estava errado, era indicado, na cláusula terceira o valor em números de 570.000€, apesar de o valor por extenso estar bem escrito, «(quinhentos e cinquenta mil euros)» e questionados o Sr. CC e o Sr. ..., ... réus, foi-lhe dito que o que o que estava por extenso é que era certo e não valia a pena estar a incomodar a D. BB para assinar novo contrato;

33 - Na data da assinatura do contrato promessa de compra e venda, conforme resulta da clausula nona foi entregue ao autor, «uma chave do portão principal da quinta e a chave de uma casa anexa já por ambos identificada para este poder residir e utilizar de acordo com as suas conveniências, mantendo a promitente vendedora a ocupação, posse e controlo de toda a propriedade tal como exerce actualmente.»;

34 - Da cláusula décima consta que «Para os devidos efeitos, declaram ambos os Outorgantes, que o negócio subjacente a este contrato, foi mediado pela empresa E..., Ldª. licença número 8691 AM, a qual na referida qualidade também é parte interessada no mesmo.»;

35 - Aquando da assinatura do contrato foi dado ao autor uma cópia da caderneta predial do artigo 2517, datada de 17 de julho de 2017, que tinha o artigo urbano inserto e onde constam seis imóveis urbanos;

36 - E, uma cópia da caderneta predial do artigo 108 secção D datada também de 17 de julho de 2017, de onde constavam construções de alvenaria, como anteriores a 1951 e por isso dispensadas da apresentação de licença de construção;

37 - Pela 1ªR e seu irmão, 2º Réu foi negociado com o prédio confinante a aquisição de cerca de 1542 m2

38 - O autor começou a visitar, amiúde o local e falava com o 2º réu, o Sr. CC, que reside na quinta, sobre a aprovação por parte do parque natural;

39 - Aquando dos vários contactos havidos o Autor demonstrou necessidade de ir visitar o local, acompanhado de terceiros, e também mostrou interesse em ter acesso ao local e foi-lhe entregue uma chave de acesso à quinta e a uma das construções existentes;

40 - Esse convívio de grande aproximação levava a que o Autor se apresentasse em casa do R. CC para lanchar ou tomar refeição em conjunto;

41 - Começou a mostrar afeto pelos filhos menores e a fazer-lhes ofertas;

42 - A Promitente Vendedora procedeu ao levantamento topográfico dos dois prédios que são de sua propriedade: a parcela a desanexar e a parcela restante do prédio confinante de forma a englobar num só prédio o conjunto dos 2 de sua propriedade e a parcela a desanexar dos confinante e a integrar na sua propriedade;

43 - A escritura foi agendada para o dia 16 Agosto de 2018, sendo que o Promitente-comprador comunicou a cedência da sua posição contratual a uma sociedade comercial de nome G... UNIPESSOAL, LDA.;

44 - Em final de Julho de 2018 o Autor deu ao Réu DD a indicação para realizar a escritura dos 2 lotes, dando a indicação de que a aquisição seria efetuada por uma sociedade;

45 - O Autor indicou a sociedade comercial, constituída no dia 31 de Julho de 2018, com a firma G... UNIPESSOAL, LDA, Pessoa Coletiva e matricula nº ...13, e com o código de acesso à certidão permanente com o nº 2508-1265-2486;

46 - A sede da sociedade comercial fica na Rua ..., nº 19ª, tendo o capital social de 500.000,00 euros e dispondo a sociedade apenas de um sócio e gerente que é o Autor, AA;

47 - A Promitente Vendedora aceitou a alteração da posição do Promitente-Comprador para a sociedade;

48 - Resulta do teor da minuta da escritura que os dados facultados à Srª Notária para realizar a escritura eram da sociedade que se identificava na qualidade de compradora.

49 - No mesmo dia foi ainda remetido para o R. DD um email no qual se diz “Esqueceu-se de referir o seguinte: Em princípio as escrituras -vão ser feitas com isenção de IMI - para eventual revenda, pedia mantivessem isso presente. Agradeço. AA.”;

50 - O autor, que visitava a quinta, um dia questionou diretamente o 3º réu, o Sr. DD sobre o parque natural e como era a situação;

51 - Este respondeu que os dois, o 2º e o 3º réus, já se conheciam há mais de trinta anos que tinham construído muitos prédios na zona e que não haveria problema quanto ao parque natural e à legalização;

52 - Foi marcada uma reunião com a Sr.ª Advogada, Dr.ª GG, em meados de Agosto, indicada como especialista no parque natural;

53 - Foi mantida uma primeira reunião com a Dra. GG em meados de Agosto, que teve lugar no escritório da 4ª R. , por conveniência da Dra. GG que reside em ... e se encontrava de férias;

54 - Para além das questões do contrato: eventual preferência dos confinantes; destaque para arredondamento de estremas, foi falado a possibilidade de se alterar o uso e daí a informação respeitante à aplicação das regras do RGEU, RJUE, Plano Diretivo Municipal e sua remissão e regulamentação do Parque natural da ...;

55 - Pela Dra GG foi referido que naquele terreno em termos de turismo somente se poderia exercer actividade de Alojamento Local;

56 - As explicações foram dadas na presença do 3º Réu;

57 - Foi abordada a questão da preferência dos confinantes e a possibilidade deles renunciarem ao direito;

58 - A mudança de uso implica que todas as edificações se apresentem como legais e foi explicado que tratando-se de uma propriedade rústica fora do perímetro urbano o licenciamento só começou a ser exigido em 1972;

59 - Até essa data todas as construções não carecem de título de utilização e são consideradas legais, devendo ser apresentada prova desse facto mediante a identificação em fotografia aérea de 1967, data do último levantamento fotográfico aéreo antes de 1972 e caso as construções não fossem claramente visíveis ainda o Regulamento Municipal de Urbanização ... permite outro meio de prova, nomeadamente testemunhal;

60 - Mais foi explicado que a regra de obrigação da existência de licença de utilização após 1951, não é absoluta para todos os Concelhos nem para o mesmo concelho e que tinha a ver com a localização do imóvel e a data da deliberação que impunha a aplicação do RGEU a todo o Concelho;

61 - Mediante estas explicações e atendendo ao facto que nem todas as edificações estavam afetas a habitação mas sim, igualmente, a outro fim (arrecadação) não seria garantido que a curto prazo obtivesse a autorização de mudança de uso;

62 - E como nas fotografias aéreas de 1967 não eram visíveis as construções, foi pedida nova reunião pelo A. à Dra. GG, a qual veio a explicar que não havendo levantamento fotográfico entre 1967 e 1972, poderia nesse período ter ocorrido edificação tendo sido sugerido que junto de pessoas mais velhas residentes ou conhecedoras da zona fosse indagada a pré-existência da construção

63 - O Autor, marcou nova reunião com a Dra. GG, na qual o 3º Réu não esteve presente;

64 - Na sequência do que a Dra. GG informou de que no futuro sobre aquela questão nada mais poderia colaborar ou aconselhar uma vez que considerava existir interesses conflituantes, em face de algum desentendimento entre as partes.

65 - O A. dirigiu ao R. DD e à Dra. GG mail, datado de, 20 de Agosto de 2018, de onde consta «Boa tarde Dra. e Sr. HH a reunião de ontem Com todos aqueles papeis até me esqueceu de ouvir a opinião da Dra. sobre as hipóteses de anulação do contrato - recebendo em singelo ou em dobro o sinal Se for esta a nossa opção final eu só pretendo receber em singelo Pense também nesta hipótese - para analisarmos em 10 minutos com a outra da fotografia e legalização Continuo a pensar que este negócio - é … Muito trabalhoso - propriedade muito degradada - arvoredo não tratado há muitos anos … Demorado ---Muita legislação negativa em cima de mim … … Em ambiente quezilento … CC - Parque Natural … Leis muito recentes Se for esta a opção temos que arranjar 1 bom caminho - talvez o bloqueio do meu acesso à casa sem qualquer explicação Para o sr. DD talvez haja 1 mínimo de inconvenientes -já me comprometi com ele … que quando receber os 95.000 pagar-lhe 15.000 Pelo seu envolvimento e despesas Agradeço -tenham paciência- AA»;

66 - O autor começou a ficar com dúvidas ao comparar a fotografia de 1967 entregue pela Dra. GG e a caderneta predial que lhe tinham entregue, na data da assinatura do contrato, de onde constavam construções de alvenaria, como anteriores a 1951 e começou a achar que iam existir problemas com a outorga da escritura.

67 - O A. na sequência da reunião com a Dra. GG, enviou mail, datado de 20 de Agosto de 2018, para II dirigido ao R. CC, a D. BB e ao R. DD referindo que após leitura do «documento da conservatória sobre as áreas e lá consta -1 r/c para habitação com 4 divisões E - 5 anexos para arrecadação ...Repare são anexos Com a indicação das áreas de cada 1 No meu entender o Sr. CC nunca vai conseguir fazer a escritura tal como acordado porque as áreas não coincidem E trata-se de Área de Reserva Natural sujeita a verificação rigorosa, Reparem eu pretendo dar o uso de turismo de habitação - que tem que ser licenciado pela Câmara e Parque Natural Quando a fiscalização do parque for chamada - mandarão demolir metade do que lá se encontra O Sr. CC tem conseguido manter aquilo assim-sem problemas- porque pura e simplesmente não dá uso À quinta Aliás uma vez a fiscalização do Parque foi à porta -a D. BB disse-lhes que o Sr. CC não estava e que só com ordem do Tribunal os poderia deixar entrar - por causa da construção do ano de 1951 Esta situação obriga naturalmente a uma validação das áreas antes da escritura e verificação pelo Parque Natural porque eles têm Que validar e aprovar os pedidos que vem a seguir e que obrigam a que esteja tudo legal (...) Eu não pretendo fazer qualquer uso abusivo Do que quer que seja mas tão somente a devolução em singelo do valor de 95.000,00 dado como sinal no contrato promessa de compra e venda. Assim deverão entregar ao Mediador Sr. Silva aquela importância - 95.000,00- até 6ª feira desta semana»;

68 - Os réus mantiveram a sua palavra de que, com a ajuda da técnica especialista, Dr.ª GG e com o facto de as construções serem anteriores a 1951 era possível a aprovação;

69-  Após reunião, com a Dr.ª GG remeteu um email, datado de 10 de Setembro de 2018, e duas fotografias, constando do email «Aqui está a fotografia aérea de 1967. Está de difícil leitura mas ajuda. Conseguem fazer a sobreposição? E visualizar as casas? Ou ver quais as que ficam de fora? Preciso que assinalem as construções que ficam de fora pois ainda tenho o recurso da junta de freguesia uma vez que entre 1967 e 1970 não existe mais nenhuma fotografia … Cumprimentos»;

70 - O autor dirigiu-se à GNR, onde foi informado que o ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas se situava dentro do porto de ...;

71 - O autor, dirigiu-se ao ICNF, tendo agendado uma reunião para expor o seu projecto e perceber da viabilidade e prazos de legalização;

72 - Finda a reunião e como conclusão foi-lhe dito que o seu projecto era muito bonito, mas não podia ser feito naquele local, na quinta, pois esta está no parque natural e o projecto só seria aprovado fora do parque natural, não sendo autorizada mais nenhuma construção dentro daquele espaço;

73 - Então o A foi à quinta falar com o 2º réu, o Sr. CC, mas chegado ao local tinham mudado a fechadura do portão e não pode entrar no local;

74 - O autor ainda visitou a quinta com um arquiteto, o Arq. JJ e com os construtores, o Sr. KK e o Sr. LL e acordou, com o 2º réu, o Sr. CC uma ida do topógrafo à quinta para efetuar a medição das áreas e fazer o levantamento topográfico, mas não conseguiu agendar tal ida;

75 - O A. dirigiu-se à câmara municipal e não havia registo de nenhuma das construções a que a caderneta fazia referência;

76 - O autor foi às finanças tentar perceber a caderneta e nomeadamente as inscrições que aí constam referentes ao prédio ...17 que tem seis anexos inscritos como anteriores a 1951 e para sua surpresa dizem-lhe que o ano de inscrição na matriz não pode ser por simples declaração e dão ao autor uma caderneta atualizada do artigo 2517; onde consta como ano de inscrição na matriz 1990 e as áreas são divergentes entre a conservatória e a autoridade tributária;

77- No departamento de urbanismo da câmara municipal fornecem ao autor cópias dos mapas da zona e não existe cadastro de nenhumas construções;

78 - O autor foi ao centro de informação aeroespacial do exército, e obteve três fotografias de cobertura aérea de 1947, 1958 e 1967;

79 - O A. remete mail ao R. CC e a II, em 13 de outubro de 2018, de onde consta «Agradeço a visita que fizemos à vossa propriedade - Quinta feira dia 11 cerca das 12 horas - O arquitecto JJ -E os construtores Sr. KK e LL Para observarem as vivendas e anexos e verem quais as hipóteses de reconstrução para o objectivo que pretendo A reunião correu bem e o arquitecto JJ sugeriu presencialmente a nós os 2, CC e eu e concordamos a custos meus mandar 1 topógrafo para localizar as casa e propriedade a fim de o Arquitecto JJ poder Apresentar soluções O CC concordou e eu fiquei de marcar a ida do topógrafo e acompanhar Liguei ao CC na 6ª feira cerca das 13horas - voltei a mandar mensagem cerca das 18h e não obtive qualquer resposta (...) Fico a aguardar que me ligue para eu combinar a ida aí do topógrafo »;

80 - O A. solicita a documentação para a escritura e questiona da compra da faixa de terreno e sua anexação;

81 - O A requer a marcação da escritura por cartas registadas com aviso de recepção em 24 de outubro de 2018 remetidas à 1ª R. e ao 3.º R;

82 - Nessas missivas o autor fez constar «Estava prevista no seu clausulado a marcação da respectiva escritura pelo Vendedor num prazo de 60 dias, portanto até dia 1 de Agosto de 2018, no entanto constata-se, que à data de hoje tal não ocorreu e já decorreram quase 150 dias. Na semana de 8 a 12 de Outubro passada, o Senhor DD, da imobiliária E..., Ldª também a parte interessada neste mesmo contrato promessa, disse pessoalmente ao Signatário ter tudo pronto para efectuar a escritura de desanexação do linguete de 1.524 metros que seria depois anexado à propriedade da vendedora, para com tudo limpo — claro – e aceite — se fazer um única escritura definitiva. Mas tal não ocorreu, voltou o mesmo promotor imobiliário a reafirmar tal intenção para a semana seguinte 15 a 19 de Outubro, o que não veio, de novo, a ocorrer. (…) queria, no entanto tranquilizar todas as situações e posso assegurara a V. Exa. Que caso haja alguma dificuldade no destaque a anexação acima referida, eu poderei prescindir de tal procedimento, não o considerando de modo nenhum essencial nem essencial para a execução normal do nosso acordo principal e respectiva escritura de compra e venda. Deste modo V. Exa. Poderá optar por ignorar tal procedimento, estando eu disponível para assinar já amanhã uma redução do nosso contrato promessa, devendo V. Exa devolver-me o cheque anexo de 20.000,00 euros ou equivalente que recebeu em separado ao valor do sinal exclusivamente para a aquisição e anexação do respectivo linguete. É importante salvaguardar que, em nenhum caso, nem sob qualquer pretexto, o problema do linguete, nunca poderá ser utilizado, a nenhum título, para justificar o adiamento da escritura, nos 10 dias adicionais aqui indicados ou concedidos, qualquer que seja a solução que venha a ser encontrada para o linguete (…);

83 - (…) solicito a V.Exa. a marcação da escritura, tal como previsto no nosso contrato promessa de compra e venda, concedendo um prazo adicional de dez (10) dias consecutivos, após a data da recepção desta carta, findo os quais, considero o contrato, definitivamente incumprido, ao décimo primeiro (11.º) dia após a recepção, solicitando a devolução do sinal entregue apenas em singelo, por
respeito pela pessoa, pela idade e situação de saúde do senhor CC
Ferreira, irmão de V. Exa. E tem sido a única pessoa que conduziu sempre todas as negociações.»;

84 - Nesta carta, o autor relata que não encontrou a inscrição na matriz  como anterior a 1951  que  consultou o  cadastro  e  que  as construções são posteriores e que é necessária a licença de utilização do imóvel urbano para a escritura e solicita que dois (2) dias antes da escritura quer ter os documentos em seu poder, sendo que ter os documentos da escritura na sua posse, nesse prazo, é condição essencial para a marcação da escritura;

85 - Alerta ainda, o autor, que não tendo os documentos na sua posse, para os poder analisar, é acto inútil a sua marcação;

86 - O A. enviou a carta registada para a morada da 4ª ré, em nome do 3º e da 4º ré, que foi recebida;

87 - E, enviou carta registada com aviso de recepção para a 1ª ré, proprietária registada dos imóveis objecto do contrato e que foi devolvida no correio;

88 - Apesar de devolvida a carta enviada à 1ª ré, o autor recebeu, um email, do 3º réu, Sr. DD, na data de 31 de outubro, referindo que é enviado a pedido da proprietária;

89 - Nesse email datado de 31 de outubro segue, em anexo, carta datada de 28 de outubro, assinada pela 1º ré, informando da marcação da escritura no cartório notarial ..., em ...;

90 - Nessa carta consta «Na sequência da sua carta enviada para o Mediador imobiliário tomei boa nota que perdeu o interesse na compra da parcela para acerto de estremas prevista no contrato promessa de compra e venda.»;

91 - Nessa carta é solicitado o pagamento dos impostos, nomeadamente, o imposto de selo e o IMT para os imóveis objecto do contrato e com redução do preço estabelecido para a aquisição da parcela, que não tinha sido adquirida;

92 - Os RR. não enviaram ao A. os documentos, tal como tinha solicitado na sua carta;

93 - O autor volta a solicitar a documentação e solicita que, sendo feriado no dia seguinte que é o dia antes da escritura se é possível a mesma ser reagendada para a terça ou quarta-feira da semana seguinte;

94 - O 3.º R. respondeu através de mail datado de 01 de novembro de 2018, pelas 17:54, anexando uma carta assinada pela 1º ré;

95 - A 1ª R. por carta refere que «todos os documentos necessários à celebração da escritura de compra e venda estão na posse da notária, estando a minuta da escritura já pronta para ser assinada amanhã. E conforme tudo o que foi previsto no contrato promessa de compra e venda e não há mais nenhum documento que seja exigido para que seja cumprido o mesmo.»;

96 - A 1ª R. por carta refere que «Voltamos a informar que a escritura está marcada para amanhã, pelas 15.30 no Cartório Notarial ... em .... Caso não compareça entendemos que existe incumprimento definitivo do contrato promessa com todas as consequências previstas no mesmo.»;

97 - (...) refere, ainda que «Qualquer ajuda que necessite mesmo depois da escritura estamos disponíveis para colaborar consigo.»;

98 - O autor em resposta envia email ao 3º réu, datado de dia 31 de Outubro de 2018, pelas 20h06, solicitando mais uma vez, a cópia da documentação de suporte para a escritura que está agendada para o dia seguinte;

99 - Nesse mesmo email o autor faz referência à chamadas anónimas que recebia no seu telefone;

100 - II enviou ao A. mail datado de 31 de Outubro de 2018, 21.46 referindo que «eu não tenho nada a ver com qualquer chamada que o senhor possa estar a receber eu agradeço que o senhor não volte a incomodar com esse assunto relativamente com esse negócio (...);

101 - A mandatária do autor, solicita à Sr.ª Notária, Dr. MM, dia 01 de novembro, pelas 20:26, dia feriado, que lhe sejam enviados os documentos de suporte da escritura;

102 - Mais, informa, no mesmo email, que o autor poderá levantar a cópia da documentação no cartório durante o período da manhã cerca das 10:30/11:00;

103 - A Sr.º Notária por email datado de 02 de Novembro de 2018, 10:03 refere que «A documentação referente aos imóveis objecto da escritura mencionada encontra-se de facto em poder deste Cartório Notarial. No entanto não nos foi dada qualquer indicação de que os Srs. Compradores seriam representados por mandatário na escritura em causa, tendo-nos sido dada a informação de que os mesmos compareceriam pessoalmente no acto da escritura. Uma vez que o Cartório apenas pode facultar documentação de escrituras ainda não realizadas aos próprios intervenientes agradecemos o envio da procuração emitida a favor da Dra. para que nos seja possível efectuar o envio da procuração emitida a favor da Dra. para que nos seja possível efectuar o envio da documentação solicitada por esta via. Em alternativa os intervenientes poderão sempre optar por se deslocar junto do cartório, por forma a obter as cópias da documentação pretendida.»;

104 - Mais refere a Sra. Notaria no mail que «Desde já informamos, no entanto, que apenas um dos imoveis objecto da escritura é um prédio misto (composto por uma parte urbana e outra parte rústica) sendo o outro imóvel um prédio rustico pelo que o mesmo não possui, nem pode possuir, licença de utilização. No que respeita ao imóvel misto, a parte urbana do mesmo também não possui licença de utilização em virtude de o mesmo ser anterior a 1951 (conforme consta da caderneta predial do mesmo).»;

105 - A mandatária do autor junta a procuração forense e informa que o comprador irá levantar os documentos ao próprio notário para conferência dos mesmos;

106 - Mais, refere no mail enviado «sou a informar que, conforme cópia da matriz que anexo, o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...17, objecto da escritura de venda marcada para hoje, foi inscrito na matriz em 1990 pelo que, salvo melhor opinião, será necessária a licença de utilização para este prédio.» mais referindo «parecem-me não estar reunidas as condições legais para que tal acto tenha lugar durante o dia de hoje.»;

107 - O A. dirigiu-se ao Cartório Notarial e foram-lhe entregues uma minuta de escritura, onde se refere na parte final dos documentos exibidos e sob a al. «a) Caderneta predial do imóvel do serviço de finanças de ... - dois, obtida via internet no dia 09-08-2018, da qual verifiquei os elementos matriciais indicados e que a parte urbana do imóvel descrito na al. b) foi inscrita na matriz predial anteriormente à entrada em vigor do Decreto-lei número 38 382, de 07 de agosto de 1951, motivo pelo qual está isento da exibição de licença de utilização;»;

108 - E, entregaram ao autor a cópia da caderneta predial onde consta a referência, no campo titulado de descrição do prédio - “prédio construído anteriormente a 31 de julho de 1951 (Proc. Reclamação adm. ...00) -esta inscrição está frente à alínea referente ao anexo para arrecadação com três divisões e a área de 94,75 m2;

109 - No campo «Dados de avaliação» consta «Ano de inscrição na matriz 1990»;

110 - O autor informou a sua mandatária dos documentos que lhe foram entregues e a sua mandatária dirigiu à Sr.ª Notária mail datado de 02 de Novembro, 12:33 referindo que «a caderneta predial que entregou ao meu constituinte, por engano, com toda a certeza, pois outra situação não quero alvitrar, não está atualizada, como sabe para o acto notarial é necessário juntar cópia actualizada da matriz» e que se aguardava até as 14:00 pela entrega da documentação atualizada para a outorga da escritura. Mais, se refere na comunicação que não queremos atuar contra a lei e muito menos cometer atos ilegais»;

111 - Na mesma missiva informava a mandatária do A. que já tinham na posse o cheque bancário para outorga da escritura;

112 - A Sr.ª Notária responde por mail indicando que «as cadernetas prediais têm a validade de um ano pelo que as cadernetas entregues ao seu constituinte estão perfeitamente válidas»;

113 - A mandatária dos autores respondeu, por mail datado de 02.11.2018, 13:26 referindo que não iriam comparecer à escritura por não estarem reunidas as condições legais por não poderem «assinar uma escritura com um documento que sabemos não corresponder à verdade dos factos e estar desactualizado, não quanto à sua data, como muito bem diz, mas quanto ao seu conteúdo»;

114 - Em resposta do que a Sra. Notária enviou mail datado de 02.11.2018, 13:39 referindo que «deverá comunicar a não outorga da escritura pelo seu constituinte à parte que procedeu à sua marcação e solicitar aos mesmos toda a documentação que considere ser necessária.»;

115 - O autor enviou, via email para o 3º réu, Sr. DD, a missiva que depois endereçou a todos os intervenientes, solicitando a devolução do sinal em singelo;

116 - O autor enviou carta registada aos intervenientes, datada de 05 de Novembro de 2018 para que lhe devolvessem o sinal, mesmo que em singelo, colocando um ponto final na situação;

117 - A missiva é dirigida à 1º ré, D. BB, e seguiu via correio registado com aviso de recepção, no dia 05 de novembro de 2018 e foi devolvida no correio;

118 - Na mesma data e apesar de ter seguido cópia via email, seguiu carta registada com aviso de recepção, para o 3º réu, o Sr. DD, mas também ela devolvida via correio;

119 - Uma vez que a missiva da 1º ré veio devolvida e apesar de ter enviado cópia simples, o autor depositou, uma carta no receptáculo do correio da morada da 1º ré, para que não houvesse dúvidas da sua recepção;

120 - A sociedade Ré, E..., Ldª, Pessoa Coletiva e Matricula nº ...63, tem por objeto social: Mediação Imobiliária;

121 - Tem como gerente DD, obrigando-se com a assinatura de qualquer um dos gerentes;

122 - Nessa qualidade está inscrito no IMPIC - Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção com a licença número 8691, emitida em 21/9/2009;

123 - À data de Novembro de 2018, vigorava a apólice n.º ...94, do ramo de “Responsabilidade ...” no âmbito da qual a 4.ª Ré “E..., Ldª.” transferiu para a Interveniente ora contestante o risco inerente à sua responsabilidade civil decorrente do incumprimento das normas previstas na Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, dentro do âmbito e limite contratualmente fixados.;

124 - Naquela data, a Seguradora Interveniente garantia “até ao limite do capital fixado nas Condições Particulares, as indemnizações que possam legalmente recair sobre o Segurado, por responsabilidade civil resultante dos danos patrimoniais que sejam causados aos clientes decorrentes exclusivamente de acções, omissões ou incumprimento das obrigações do Segurado na exercício profissional da actividade de mediação imobiliária, conforme definido na legislação em vigor” (Cláusula 3.ª das Condições Gerais da apólice;

125 - Nos termos do contrato de seguro de responsabilidade civil, a Seguradora constituiu-se na obrigação de indemnizar os supra aludidos terceiros, na sequência da por si averiguada participação de sinistro (ou potencial sinistro) apresentada atempadamente pelo seu Segurado e meramente na proporção do capital seguro em caso de coexistência de seguros (Condições Particulares da apólice e Cláusulas 10.ª, 14.ª, 19.ª, 22.ª e 23.ª, alínea a) do n.º 1, das Condições Gerais da apólice);

126 - O Capital seguro encontra-se fixado, por sinistro e anuidade, de 250.000,00€ e mediante o pagamento pelo mesmo Segurado da franquia de 10% do valor indemnizável, pelo valor mínimo de 500,00€ (Condições Particulares e Cláusulas 19.ª a 22.ª das Condições Gerais);

127 - Não foi efectuada participação de sinistro junto da seguradora.»


5. Tendo em conta que são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o objecto do recurso (n.º 4 do artigo 635.º do Código Civil), está em causa apenas saber se é ou não possível considerar que o contrato-promessa “se mantém válido e em vigor” e, simultaneamente, “o tribunal determinar a restituição do sinal prestado” , – solução que, no entender da recorrente, descaracteriza a função do sinal no seu carácter penitencial e altera as condições do contrato – se o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronúncia, além de contraditório, por assim decidir.

A recorrida sustenta que o contrato-promessa se encontra resolvido e, portanto, que o sinal deve ser devolvido a quem o prestou; e que não ocorre qualquer nulidade do acórdão recorrido.


6. Não se interpreta a arguição de nulidade por excesso de pronúncia, invocada pela recorrente, no sentido de se estar apenas a comparar o pedido de restituição do sinal em dobro com a condenação na restituição em singelo, determinada pelo Tribunal da Relação. Se assim fosse, seria claramente infundada essa arguição, porque a condenação estaria contida no pedido: não o excedia, nem qualitativa, nem quantitativamente. Tratar-se-ia de nulidade por violação dos limites do pedido –al.e) do n.º 1 do artigo 615.º, e não por excesso de pronúncia (al. d) do mesmo n.º 1).

No recurso de apelação, o Autor, então recorrente, insistiu em ter ocorrido incumprimento do contrato imputável aos réus e na devolução do sinal em dobro, ao abrigo no disposto no contrato e no artigo 442.º do Código Civil.

A Relação tinha assim poderes para conhecer desse pedido; e julgou não ser fundada a atribuição aos réus da impossibilidade de cumprimento: «Não vemos, pois, que exista impossibilidade de cumprimento imputável aos RR., a qualquer deles. Tudo o mais que é exposto nas alegações são argumentos que assentam sempre na impossibilidade de celebrar o contrato definitivo. Tanto basta, face ao pedido em recurso, para o julgar improcedente.»

Entende-se que a recorrente está a invocar excesso de pronúncia por a Relação ter determinado a restituição do sinal em singelo sem que a correspondente questão lhe haja sido colocada; todavia, mais do que uma nulidade, considera-se que essa determinação envolve um erro de julgamento – como, aliás, resulta da afirmação da recorrente de que o acórdão recorrido “descaracterizou a função do sinal”, uma vez que determinou a sua restituição em singelo apesar de a sentença ter considerado “válido e em vigor” o contrato promessa: “(…) a manutenção da validade e eficácia do contrato foi subvertida quando o Tribunal em excesso de pronúncia e criando contradição entre a manutenção do contrato, retirando a expressão sancionatória, ordenou a restituição do sinal” (alegações de recurso).

Vejamos.

7. A sentença não afirmou expressamente que o contrato-promessa se mantinha; todavia, ao julgar improcedentes os pedidos de resolução, quer do autor, quer da ré, agora recorrente, por entender não estar demonstrado, nem o incumprimento definitivo, nem a perda de interesse por parte de nenhum dos contraentes, nem um comportamento que expressa ou tacitamente revelasse intenção de não cumprir, deixou intocada a subsistência do contrato; aliás, só essa subsistência é compatível com a fundamentação aduzida para a improcedência dos pedidos.

A Relação, no entanto, decidiu de forma diferente, e, por esse motivo, julgou parcialmente procedente a apelação. Directamente, julgando o recurso interposto pelo autor, apenas considerou não estar assente nenhuma “impossibilidade de cumprimento imputável aos RR”, e, portanto,  que, “face ao pedido em recurso”, tanto bastava “para o julgar improcedente”; quando julgou parcialmente procedente a apelação, decidiu assim em esclarecimento da “decisão que foi tomada na 1.ª instância”, porque “o sinal foi passado”: “Não tendo sido nenhum dos (…) pedidos julgado procedente, temos que o desenlace lógico seria a condenação da 1.ª R. na devolução do sinal em singelo”.

Ora, ao ter concedido provimento parcial à apelação, o acórdão recorrido não se limitou, na verdade, a esclarecer a sentença: das suas palavras resulta que a decisão de julgar improcedentes os pedidos de resolução deve ter o desenlace lógico da condenação na devolução do sinal em singelo.

No entanto, também não julgou resolvido ou de qualquer outra forma extinto o contrato-promessa; assim sendo, tem razão a recorrente quando afirma que, considerar que o contrato-promessa se mantém, mas determinar a devolução do sinal prestado, equivale a alterar o conteúdo do contrato, pois subsistiria um contrato-promessa sem sinal, o que não corresponderia ao que as partes celebraram; e igualmente tem razão quando afirma que essa solução eliminaria a função penitencial do sinal, seja essa função entendida como “compulsória” da celebração do contrato prometido, seja também ou antes compreendida como uma fixação antecipada da indemnização por incumprimento.

Procede assim a alegação de que a Relação alterou o conteúdo do contrato ou a função do sinal; mas improcede a arguição de nulidade, por excesso de pronúncia ou por contradição, porque se entende estar em causa um erro de julgamento.


8. O recorrido, autor, não interpôs recurso subordinado ­– teria legitimidade, porque apenas obteve a condenação da ré na restituição do sinal em singelo, e não em dobro – , porque assim entendeu; mas também não procedeu à ampliação do objecto do recurso, nos termos previstos no artigo 636.º. As questões colocadas nas suas contra-alegações só podem, portanto, ser conhecidas enquanto refutação do objecto do recurso delimitado pela recorrente.

Não pode assim o Supremo Tribunal de Justiça apreciar os fundamentos apresentados no ponto I das contra-alegações para sustentar a alegação de que o contrato-promessa está resolvido, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia – cfr. o n.º 4 do artigo 635.º do Código Civil.

Relativamente à questão da nulidade, de que se conheceu já, apenas se acrescenta agora que não relevam os acórdãos citados: no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Fevereiro de 2005 (não de 29 de Abril de 2004), proc. n.º 05B089, havia sido pedida a indemnização prevista no n.º 2 do artigo 442.º, mas não a restituição do sinal em dobro; no entanto, tal devolução encontra-se prevista no mesmo preceito e tem o mesmo fundamento, o incumprimento do promitente adquirente; o acórdão considerou-a implicitamente pedida: “Sob pena de cair em excesso de formalismo e de ignorar o princípio de economia processual , importa admitir que o pedido de valor da coisa baseado na tradição leva implícito o pedido o pedido do dobro do sinal pois uma e outra são as indemnizações possíveis nos termos da lei”.

Ora a devolução do sinal em singelo tem de se enquadrar num outro fundamento, contratual ou legal (cfr., por exemplo, o acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Dezembro de 2021, www.dgsi.pt, proc. n.º 3023/05.0TJVNF.G1.S3, que a fundamentou em “ruptura da relação de confiança entre as partes”).

No acórdão de 4 de Fevereiro de 2021, proc. n.º 6837/17.4T8LRS.L1.S1, estava em causa saber se o tribunal  podia determinar a restituição do que tinha sido prestado, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 289.º do Código Civil, apesar de não pedida, como consequência da invocação da nulidade do contrato-promessa que estava em causa: “Não obstante a consagração do princípio do pedido, este não pode paralisar ou anular uma norma substantiva, como a do art. 289.º, n.º 1, do Código Civil, sendo certo ainda que a discussão da causa decorreu no âmbito da mesma causa de pedir, a nulidade do contrato-promessa de compra e venda.”


9. Nestes termos, concede-se provimento à revista, revogando o acórdão recorrido e repristinando a sentença.

Custas pelo recorrido.


Lisboa, 07 de julho de 2022


Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora)

Fátima Gomes

Oliveira Abreu