Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
464/07.1PCLSB-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: RODRIGUES DA COSTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PENA SUSPENSA
REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO DA PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO - EXTINÇÃO DA RESPONSABILIDADE CRIMINAL / PRESCRIÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS DE SEGURANÇA - CRIMES EM ESPECIAL - CRIMES CONTRA O PATRIMÓNIO / CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS / NULIDADES - MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO.
Doutrina:
- CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 126.º, N.º1, 222.º, N.º2.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 56.º, N.º 1, ALÍNEA A) E N.º 2, 122.º, N.º1, AL. D), 210.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 13/02/2014, PROC. N.º 1069/01.6PCOER-B.S1, DA 5.ª SECÇÃO.
Sumário :


I  -   A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP: a) ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; c) manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.
II -  O fundamento do presente habeas corpus reside, na perspectiva do requerente, na segunda das hipóteses indicadas, ou seja, em não haver fundamento para a prisão, isto porque a pena estaria prescrita.
III - O requerente foi condenado por acórdão de 12-02-2009, transitado em julgado em 02-11-2009. A condenação teve na sua base a prática pelo requerente de dois crimes de roubo, do art. 210.º, n.º 1, do CP, tendo-lhe sido aplicada a pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, a pena única de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.
IV - Por despacho de 17-01-2014, a suspensão da pena foi revogada, despacho esse que transitou em julgado em 07-03-2014, após notificação ao arguido. Na sequência desse despacho, foram emitidos mandados de detenção do requerente para cumprimento da pena de prisão cuja suspensão de execução fora revogada.
V -  Tratando-se de pena de prisão de execução suspensa, o prazo de prescrição é o da al. d) do n.º 1 do art. 122.º do CP, dado que é uma pena autónoma (pena de substituição), que se não confunde com qualquer pena de prisão.
VI - O prazo de prescrição é, por isso, de 4 anos (igual, aliás, ao que resultaria da aplicação da al. c), que seria ajustável ao caso, se se considerasse a medida da pena prisão substituída). Esse prazo iniciou-se em 02-11-2009. Porém, foi logo interrompido nessa mesma data com o começo de execução da pena aplicada, nos termos do art. 126.º, n.º 1, do CPP. A interrupção durou continuadamente até 02-05-2011, o tempo por que ficou suspensa a execução da pena de prisão.
VII - Ora, o despacho que revogou a suspensão dessa pena tem a data de 17-01-2014, e transitou em julgado em 07-03-2014, depois de legalmente notificada ao requerente. Logo, ainda não haviam passado os 4 anos da prescrição. Por conseguinte, é manifesto que o requerente se não encontra ilegalmente preso, estando em cumprimento de pena.


Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO



          1. AA, identificado nos autos, veio, por intermédio de advogado, requerer ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça a providência de habeas corpus, apresentando os seguintes fundamentos:

Por decisão transitada em julgado em 2007, o requerente foi condenado na pena de 18 meses de prisão, cuja execução foi suspensa.

          Por despacho transitado em julgado em 07/03/2014, foi revogada a referida suspensão da execução da pena.

           O prazo de prescrição da pena é de 4 anos, nos termos da alínea d) do n.º1, do art. 122.º do Código Penal (CP), dado a pena de suspensão de execução da pena não ser uma pena de prisão.

         Aquele prazo começa a correr a partir do trânsito em julgado da decisão que tiver aplicado a pena (n.º 2 do referido artigo).

          A decisão que aplicou a pena suspensa é de 2007, tendo transitado no mesmo ano.

           Ora, no caso concreto, foi aplicada a pena de 18 meses de prisão, pelo que a mesma «teria que lhe ser aplicada nos 4 anos seguintes, sob pena de prescrição, face ao disposto no art. 122.º do CP».

          Decorridos que sejam os períodos das diversas alíneas do n.º 1 do preceito indicado e do n.º 3 do art. 126.º, sem que tenha sido executada a pena, não é razoável prolongar o constrangimento ao criminoso por um crime cuja repercussão social vai diminuindo pelo esquecimento em que o envolve o tempo decorrido (Código Penal Anotado – Leal-Henrique e Simas Santos).

           Assim o fundamento do habeas corpus é o de prisão por facto pelo qual a lei a não permite.

           «Sendo ainda de realçar que, actualmente, o arguido se afastou definitivamente da delinquência, estando perfeitamente inserido social e familiarmente, e necessita alimentar a sua família, designadamente os seus filhos menores e que muito dependem de si.    

            «Pelo que a condenação que a gora se pretende ser-lhe aplicável sempre lhe traria consequências negativas indesejáveis, nomeadamente, decorrente da convivência com outros reclusos.»

            Termina, pedindo que, em consequência do deferimento habeas corpus, seja restituído à liberdade, uma vez que «se encontra recluso em cumprimento de pena prescrita, ou de pena cujo despacho de revogação lhe não foi notificado pessoalmente».


            2. O Senhor Juiz do processo prestou a seguinte informação, nos termos do art. 223.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP):

           Por acórdão proferido em 12 de Fevereiro de 2009 e transitado em julgado, foi o arguido AA condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e subordinada a regime de prova.

           O arguido foi notificado do acórdão em 13 de Outubro de 2009 (cf. fls. 437 v.º), tendo essa decisão transitado em julgado em 2 de Novembro de 2009 (cf. fls. 443).

           Elaborado o plano de reinserção social e junto aos autos, foi o mesmo homologado (cf. fls. 470 a 475 e 495).

           Junto aos autos o relatório de fls. 534 e ss.. foi designada data para tomada de declarações ao arguido, nos termos do art. 496.º do CPP (cf. actas de 28 de Abril de 2011 e 12 de Maio de 2011).

            Junto aos autos o relatório de fls. 644 e 645, foi requisitado o certificado de registo criminal actualizado (…)

          Tentada a notificação do relatório de fls. 644 e 645 ao arguido, não se mostrou possível, conforme resulta da informação de fls. 697, 681, 682, 683, 684, 685 e 686 a 689).

         Com data de 16 de Agosto de 2012, foi junta aos autos a informação de fls. 719 e 720.

          Na sequência de toda a informação prestada pela Direcção da Reinserção Social, o Ministério Público elaborou a promoção de fls. 727 e 728, tendo sido proferido o despacho de fls. 730, designando nova data para tomada de declarações ao arguido Ricardo (cf. acta de 5 de Abril de 2013, de fls. 769 e 770, acta de 3 de Maio de 2013, de fls. 788 e 789, acta de fls. 826).

         Tomadas declarações ao arguido no dia 21 de Junho de 2013 (acta de fls. 836, 850 e 885), o Ministério Público promoveu a obtenção de novos elementos, o que foi deferido (cf. despacho de fls. 839, 851 e 886).

        Instruídos os autos com todos os elementos solicitados, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão (cf. fls. 898 e ss.).

         Notificado o arguido do teor da promoção (cf. despacho de fls. 900, expediente de fls. 901, 902 e 914) e nada tendo sido dito, foi proferido despacho em 17 de Janeiro de 2014, a fls. 916 e ss., revogando a suspensão da execução da pena de prisão, notificado ao arguido em 5 de Fevereiro de 2014. O despacho transitou em julgado no dia 7 de Março de 2014 (cf. fls. 926).

         Na sequência da promoção de fls. 928, foi ordenada a emissão de mandados de detenção (despacho de fls. 929, cumprido no dia 11 de Abril de 2014 (cf. fls. 936 e ss. e 953 frente e v.º).

        Efectuada a liquidação da pena em 16 de Abril d 2014, foi a mesma homologada por despacho de 17 de Abril de 2014 (cf. fls. 940 e 941).

          O termo da pena encontra-se previsto ocorrer no dia 14 de Outubro de 2015.

         Tratando de pena de prisão suspensa, a execução da pena principal aplicada, porque substituída, não pôde iniciar-se enquanto perdurou a suspensão.

         A revogação da suspensão só foi decretada por despacho de 14 de Janeiro de 2014, transitado em julgado no dia 7 de Março de 2014.


3. Foi mandada juntar ao processo certidão de variadíssimas peças, nomeadamente as referidas na anterior informação.

 

4. Convocada a secção criminal e notificados o MP e o defensor, teve lugar a audiência - art.s 223.º, n.º 3, e 435.º do CPP.

Importa agora, tornar pública a respectiva deliberação e, sumariamente, a discussão que a precedeu.

A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como doutrina CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273, que a rotula de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional.

Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal:

a) Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.

Confrontamo-nos, pois, com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade.


5. O fundamento do presente habeas corpus reside, na perspectiva do requerente, na segunda das hipóteses indicadas, ou seja, em não haver fundamento para a prisão. Isto porque a pena estaria prescrita.

Vejamos:

O requerente foi condenado por acórdão da 8.ª Vara Criminal de Lisboa de 12/02/2009 (e não do ano de 2007, como alega; de 2007 são os factos a que se reporta a condenação), transitado em julgado em 02/11/2009, pois o requerente só foi notificado da decisão em 13/10/2009, conforme resulta dos documentos de fls. 21v.º e 30, juntos aos autos).

A condenação teve na sua base a prática pelo requerente de dois crimes de roubo, do art. 210.º, n.º 1 do CP, tendo-lhe sido aplicada a pena de 1 ano e 3 meses de prisão por cada um deles e, em cúmulo jurídico, a pena única de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com sujeição a regime de prova.

Elaborado o respectivo plano de reinserção individual pelos técnicos da Direcção-Geral de Reinserção Social (DGRS), o requerente nunca cumpriu as obrigações impostas, arranjando sempre subterfúgios ou não arranjando subterfúgio nenhum, o que, sendo objecto de informação no relatório elaborado por aquele organismo, motivou, por parte do tribunal, a designação de dia para tomada de declarações, a que o requerente faltou sucessivas vezes, até ser finalmente ouvido em 21 de Junho de 2013, conforme o atestam os documentos juntos a estes autos e referidos na informação prestada pelo Sr. Juiz e reproduzida supra, sob o n.º 2. (cf. documentos juntos a estes autos de fls. 40 e ss. e 69 e ss.)       

O requerente chegou mesmo a ausentar-se do país para Inglaterra, por mais do que uma vez, aí se mantendo por períodos prolongados, sem que tivesse avisado as entidades competentes, como se tinha comprometido.

Visto isso, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do art. 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP, (violação grosseira e reiterada dos deveres impostos), despacho que foi notificado pessoalmente ao requerente, sem que este tivesse dito nada (cf. documentos de fls. 78 e ss.)

Assim, por despacho de 17/01/2014, a suspensão da pena foi revogada nos termos daquelas disposições legais (doc. de fls. 85 e ss.), despacho esse que transitou em julgado em 07/03/2014, após notificação ao arguido (documentos de fls. 85 e ss.).

Na sequência desse despacho, foram emitidos mandados de detenção do requerente para cumprimento da pena de prisão cuja suspensão de execução fora revogada.


6. O requerente pretende estar prescrita a pena em que foi condenado, porque passaram mais de 4 anos sobre o trânsito em julgado. Porém, não tem, manifestamente razão.

Não a tem logo no que respeita à data do trânsito em julgado da decisão que aplicou a pena de prisão suspensa na sua execução. Esse trânsito ocorreu em 02/11/2009, como está certificado no processo, e não no ano de 2007, como indeterminadamente afirma o requerente.

Tratando-se de pena de prisão de execução suspensa, o prazo de prescrição é o da alínea d), do n.º 1, do art. 122.º do CP, dado que é uma pena autónoma (pena de substituição), que se não confunde com qualquer pena de prisão (cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/02/2014, Proc. n.º 1069/01.6PCOER-B.S1, da 5.ª Secção).

O prazo de prescrição é, por isso, de 4 anos (igual, aliás, ao que resultaria da aplicação da alínea c), que seria ajustável ao caso, se se considerasse a medida da pena prisão substituída).

Esse prazo iniciou-se em 02/11/2009. Porém, foi logo interrompido nessa mesma data com o começo de execução da pena aplicada, nos termos do art. 126.º, n.º 1 do CPP (veja-se o acórdão citado).

A interrupção durou continuadamente até 02/05/2011, o tempo por que ficou suspensa a execução da pena de prisão.

Ora, como vimos, o despacho que revogou a suspensão dessa pena tem a data de 17/01/2014, e transitou em julgado em 07/03/2014, depois de legalmente notificada ao requerente.

Logo, ainda não haviam passado os 4 anos da prescrição.

Por conseguinte, é manifesto que o requerente se não encontra ilegalmente preso, estando em cumprimento de pena.


DECISÃO

7. Nestes termos, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar manifestamente infundada a petição de habeas corpus requerida por AA.


8. Custas pelo requerente com 3 UC de taxa de justiça.


9. O requerente pagará ainda uma soma de 6 UC, nos termos do n.º 6 do art. 223.º do Código de Processo Penal.



Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Novembro de 2014


         Os Juízes Conselheiros


                                Artur Rodrigues da Costa (relator)

                                            Souto de Moura

                                Santos Carvalho (presidente da Secção)