Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5952/21.4T8FNC.L1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: NUNO PINTO OLIVEIRA
Descritores: COMPETÊNCIA EM RAZÃO DE HIERARQUIA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO
DEVER DE SIGILO
ADVOGADO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 07/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. — O art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária carece de uma interpretação sistemática.

II. — A interpretação sistemática do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária deverá conciliá-lo ou harmonizá-lo com as decisões de valor do art. 135.º do Código de Processo Penal e do art. 417.º do Código de Processo Civil.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. — RELATÓRIO


1. A Autoridade Tributária e de Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira requereu o levantamento do sigilo profissional, quanto a identificada conta bancária afecta à actividade profissional de advogado por parte do requerido AA, suprindo-se o consentimento e atribuindo se a necessária autorização judicial à requerente.

2. O Tribunal de 1.ª instância remeteu os autos ao Tribunal da Relação, para que aí fosse apreciado o incidente de levantamento do sigilo profissional.

3. O Tribunal da Relação indeferiu o requerimento da Autoridade Tributária.

4. O dispositivo do acórdão recorrido é do seguinte teor:

Pelo  exposto e de harmonia com as disposições legais citadas, nega-se a requerida quebra do segredo profissional do Sr. Advogado.

Custas pela requerente.


5. Inconformada, a Requerente Autoridade Tributária interpôs recurso de revista.

6. Finalizou a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. O acórdão recorrido, proferido em 1ª instância pelo Tribunal da Relação de Lisboa, encontra-se viola o nº 6 do art. 63º da LGT, o nº 2 do art. 1000º do CPC, padece de erro de interpretação e aplicação do direito, e viola regras de competência do tribunal de comarca, e A Lei Geral Tributária

II. A AT nunca pôs em causa a existência de sigilo profissional, nem a legitimidade da recusa. Não foi essa a questão que submeteu a juízo. A AT não requereu ao tribunal que validasse a legitimidade da recusa. A AT, em sede de pedido, requereu que fosse concedido o levantamento do segredo profissional e atribuirda a necessária autorização judicial à Autora, o que fez ao abrigo e nos termos do nº 6 do art. 63º da LGT e do art. 1000º do CPC, devidamente identificados no introito.

III. O tribunal a quo incorre em erro na interpretação e aplicação do direito ao aplicar as normas do n.º 4 do artigo 417.º do CPC, e do artigo 135.º do CPP, designadamente as normas constantes dos seus n.ºs 2 e 3 - que faz desatendendo ao texto do art. 63º da LGT, designadamente ao nº 6, e ao art. 1000º do CPC.

IV. A competência para conceder autorização para decretar o levantamento do segredo profissional de advogado, ou de qualquer outro segredo profissional é do tribunal de comarca, como determina o nº 6 do art. 63º da LGT.

V. Os âmbitos de aplicação do nº 6 do art. 63º da LGT, por um lado e as normas do n.º 4 do art. 417.º do CPC (e do art. 135.º do CPP) por outro, são distintos,

VI. Não sendo, em consequência, devida a prévia audição da Ordem dos Advogados.

VII. Sem prejuízo de melhor interpretação, entende a AT que ao caso dos autos não se mostra aplicável o art. 417º do CPC – e, assim, não é aplicável o disposto no art. 135.º CPP.

VIII. A necessidade do levantamento do segredo profissional sub judice, não revela de nenhuma “causa” – a que alude o art. 417ºdo CPC, não se colocou no âmbito de nenhuma ação judicial, em que para descoberta da verdade material se coloque a questão do segredo profissional.

IX. Não se trata aqui de o réu se ver obrigado ao cumprimento do principio do “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, de que cuida o art. 417º do CPC.

X. O caso dos autos é distinto. A necessidade do levantamento do segredo profissional, vem colocada, outrossim, no âmbito de uma acção inspectiva tributária, em que o aqui réu é o próprio visado, e no âmbito da qual, nos termos do nº 1 do art. 63º da LGT, “Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes” e nos termos do nº 6 do mesmo compêndio normativo, “depende de autorização judicial concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.”

XI. É pois uma relação que se estabelece entre o peticionário de acesso à informação bancária “protegida pelo segredo profissional” (aqui a AT) e o poder judicial, a quem, por lei foi conferida a competência para decretar a autorização ao respectivo acesso.

XII. Cabe ao tribunal de comarca decidir o pleito, para tanto não se mostrando pendente de parecer da Ordem dos Advogados.

XIII. A norma do art. 63º da LGT constitui uma norma especial, destinada a regular uma gama restrita de situações, na medida em que, consagra uma disciplina nova ou diferente para um círculo mais restrito de relações, aplicável nos casos específicos ali previstos – quais sejam os de apuramento da situação tributária dos contribuintes visados pela inspecção tributária.

XIV. Distinto entendimento não encontra, salvo melhor opinião acérrimo legal, porquanto,

XV. Enquanto o texto do nº 3 do art. 135º do CPP (aplicável por via do art. 417º do CPC) confere competência para “decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional”, ao “tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções”,

XVI. O texto do nº 6 do art. 63º da LGT confere a mesma competência ao “tribunal da comarca competente”.

XVII. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, ainda que se entendesse ser devida a prévia audição da Ordem dos Advogados, sempre se imporia, recolhido o parecer da Ordem dos Advogados, cumprir o disposto no art. 1000º nºs 2, 3 e 4 do CPC, designar “dia para a audiência final” e realizar as diligências necessárias à resolução do pedido.

XVIII. O que o tribunal não fez, em clara violação de lei, o que sempre determinaria a revogação do acórdão.

XIX. O Acórdão recorrido enferma de excesso de pronúncia - art. 615º, nº 1, alínea d) ex vi art. 666º, nº 1, ambos do CPC, Violação da competência do tribunal de comarca, sendo nulo.

XX. Julgando em 1ª instância, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão sob recurso, entendendo, em síntese, que não estavam preenchidos os pressupostos de quebra do sigilo por, alegadamente, “não (…) ter existido qualquer recusa por parte do requerido” nos termos do n.º 6 do artigo 63.º da LGT.

XXI. Tendo sido proferido ao abrigo do incidente previsto no art.º 135.º do CPP, o acórdão estava circunscrito à apreciação da questão da justificação da escusa.

XXII. Isto é, cabia ao Tribunal da Relação decidir tão só se estava justificada a quebra do segredo, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nos termos do n.º 3 do art.º 135.º do CPP, a fim de decidir qual deles deveria prevalecer e avaliar da “(…) imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, (…).

XXIII. Ao Tribunal da Relação não cabia, já, pronunciar-se sobre a legitimidade, ou ilegitimidade da escusa/recusa, nos termos em que o fez. Essa, a legitimidade, havia, já, sido apreciada positivamente pelo tribunal de comarca “(…) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”, nos termos exactos do nº 2 do art. 135º do CPP.

XXIV. Isto é, o Tribunal da Relação, ou (i) considerava que estavam verificados os pressupostos previstos no art.º 135.º do CPP para poder decidir, porque a questão da legitimidade da escusa/recusa já estava decidida pela “(…) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”– cfr. despacho de 8/09/2022) -, caso em que estaria em condições de se pronunciar sobre a justificação da quebra do segredo, a única que lhe competia apreciar; ou (ii) não conhecia o objeto do incidente, por entender que não se mostrava cumprido o nº 2 do art.º 135.º do CPP, por existirem “dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa” / recusa, caso em que deveria remeter o processo à “(…) autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”, para que ali se procedesse “às averiguações necessárias”.

XXV. Pelo que ao concluir, em contradição com o que havia sido decidido pelo tribunal de Comarca, que inexistia recusa por parte do requerido, o Tribunal da Relação cometeu uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi do art.º 666.º, n.º 1 do mesmo código.

XXVI. E violou as regras da competência em razão da hierarquia, porque nos termos do n.º 2 do art.º 135.º do CPP, é à “(…) autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)” que compete aferir da legitimidade da escusa/recusa – violação que igualmente vai arguida.

XXVII. Tal violação sempre configuraria, ainda, um erro na interpretação e aplicação do direito e, assim, um erro de julgamento, na medida em que o Tribunal apreciou uma questão que não era da sua competência, mas sim da “(…) autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)” a quem compete aferir legitimidade da escusa/recusa, nos termos dos artigos 135.º, n.º 2 e 3 do CPP e 68.º, n.º 1 do CPC, conjugados com os artigos 73.º, alínea h) e 80.º, n.º 1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho), questão essa que, aliás, já estava decidida (cf. despacho de 8/09/2022).

XXVIII. Ademais, e sem prejuízo do que acima ficou exposto, o acórdão enferma de erro de julgamento ao concluir pela inexistência de recusa/oposição do requerido nos termos do art.º 63.º, n.º 6 da LGT.

XXIX. O dever de sigilo profissional de advogado decorre de um princípio de ordem pública, pelo que este não deixa de ser exigível mesmo que o advogado consinta na divulgação ou utilização dos factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços – cfr. entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 26/11/2020, proc. n.º 4033/19.5T8BRG.G1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/02/2017, proc. n.º 1130/14.7TDLSB-C.L1-9 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2020, proc. n.º 4911/18.9T8VIS.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

XXX. Mesmo na hipótese de não ser, sequer, deduzida oposição às diligências inspectivas, por força do disposto no n.º 2 do art.º 63.º da LGT, o acesso à informação protegida pelo segredo profissional depende de autorização judicial no caso dos advogados, a derrogação judicial do sigilo profissional é uma inevitabilidade, independentemente de ter sido deduzida oposição ou não pelo sujeito passivo.

XXXI. Confira-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul em 06/12/2018, no proc. n.º 236/18.8BELLE, disponível em www.dgsi.pt:

“(…) de acordo com a interpretação normativa resultante da jurisprudência reproduzida e transpondo a mesma, para o caso em apreço (…) exercendo a recorrente a profissão de advogada e embora no requerimento que dirigiu à Direcção de Finanças de Faro em 24.01.2018, não tenha manifestado qualquer posição no sentido de se opor ao levantamento de sigilo profissional, o certo é que, como sublinha o Acórdão que vimos seguindo: «(…) se entender que ocorreu alguma ilegalidade no procedimento, não está vedado ao contribuinte invocá-la na respectiva impugnação do acto. Até porque, exigindo aal. b) do nº 4 do citado art. 63ºda LGT o consentimento do titular, ainda que se possa entender que ele pode ser tácito, a verdade é que não corresponde à falta de oposição: isto é, tal falta não significa, «a se», consentimento.» - (negrito e sublinhado nossos).

XXXIII. precavendo que o contribuinte, aqui Réu, viesse no futuro invocar uma ilegalidade no procedimento inspetivo, por preterição da autorização judicial para levantamento do segredo profissional, que a AT-RAM não o notificou para autorizar o acesso à referida conta bancária, antes, o questionou para que identificasse a conta bancária afecta à actividade profissional de advogado, sobre a qual se sabe incidir o dever de segredo profissional, não podendo ser utilizados como meio de prova quaisquer elementos relacionados com a atividade do advogado (como é julgamento unânime na jurisprudência).

XXXIV. Assim decidiu o Tribunal Central Administrativo Sul no acórdão proferido no proc. n.º 270/12.1BEFUN, em 16/09/2019,

“(…) 4. A autorização judicial é necessária ainda que o advogado consinta na utilização, por terceiros, de tais elementos.

5. São ineficazes em juízo todas as informações bancárias de advogado, mesmo as que alegadamente foram disponibilizadas por este à Autoridade Tributária, quando obtidas sem prévia autorização judicial de derrogação do sigilo profissional.”- negrito e sublinhado nossos.

XXXV. O Tribunal de comarca não teve dúvidas que “os elementos a que a Autoridade Tributária pretende ter acesso se encontrem abrangidos pelo sigilo profissional” (cf. despacho de 8/09/2022), nem tal foi posto em causa pela Ordem dos Advogados no parecer emitido.

XXXVI. Atento o acima referido, a resposta dada pelo contribuinte, Réu nos autos, configura uma recusa (implícita) de acesso aos seus elementos bancários (nesse sentido, veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/12/2020, proc. n.º 4911/18.9T8VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt), como aliás foi referido na P.I..

XXXVII. A vingar o entendimento sufragado no acórdão recorrido, significaria na prática que a AT-RAM estaria, por um lado, impedida de levantar o segredo profissional de advogado por via judicial (por alegada falta de oposição do requerido) e, por outro, impedida de o fazer por via administrativa, por os Tribunais Administrativos entenderem que tem de ser obtida prévia autorização judicial para o efeito, independentemente de existir ou não oposição do sujeito passivo (e até mesmo se este consentir no acesso à informação).

XXXVIII. O que redundaria na total inaplicabilidade prática do art.º 63.º, nº 6 da LGT, em violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva previsto no art.º 20.º da Constituição.

XXXIX. Assim como resultaria na intangibilidade dos rendimentos de advogados provenientes da sua atividade profissional, que não seriam objeto de tributação por estarem a coberto de elementos protegidos por segredo profissional, e implicaria um favorecimento dos advogados relativamente a outros contribuintes em igualdade de circunstâncias, em violação do disposto no art.º 13.º da Constituição.

XL. Pelo que a interpretação do art.º 63.º, n.º 6 da LGT que foi sufragada pelo Tribunal da Relação – segundo a qual a autorização judicial para quebra de sigilo profissional de advogado para acesso a conta bancária afeta à sua atividade depende de oposição deste – é inconstitucional por violação dos artigos 20.º e 13.º da Constituição.

XLI. O acórdão recorrido, proferido em 1ª instância pelo Tribunal da Relação viola normas de direito probatório processual,o principio do inquisitório, mostrando-se inquinado de défice instrutório e de nulidade.

XLII. Ora, se o tribunal a quo enjeita a legitimidade da escusa e reconhece não ter havido oposição, para daí indeferir o pedido da A, cabia-lhe determinar a realização de diligências que permitissem aferir não só da existência de recusa por parte do réu, como também da relevância da diligência que a autoridade tributária pretende efetuar, e da imprescindibilidade da mesma.

XLIII. Que o mesmo é dizer, o Tribunal a quo não conheceu do objecto da causa, com fundamento em défice instrutório dos autos.

XLIV. O acórdão recorrido, mostra-se inquinado por défice instrutório, porquanto, se acaso tivesse sido produzida prova que contrariasse a avaliação do tribunal de comarca, poderia o Tribunal “considerar verificados os critérios dos quais faz a lei depender o levantamento do sigilo profissional”.

XLV. Ora, no tribunal de Comarca não foi produzida prova e não foi proferida sentença. Tendo sido, por não existirem dúvidas, proferido despacho que, atestando da qualidade de advogado do R, julgou válida a escusa do mesmo, em virtude do que remeteu os autos para o Tribunal da Relação

XLVI. O Tribunal da Relação, desconsiderando a validada legitimidade da recusa, não determinou a realização de diligências de prova, designadamente, notificando o Réu (que de resto não contestou a acção) para se pronunciar se recusava, ou não, o acesso à conta bancária.

XLVII. O que poderia ter feito, mandando baixar os autos ao tribunal de comarca para que ali fosse produzida prova, ou no âmbito dos poderes de que dispõe, determinandoa produção de prova perante a própria Relação.

XLVIII. Não o tendo feito, mostram-se violados, os art.s 410º, 411º, 607º, nºs 3 e 4, 615º, nº 1, alíneas b) e d), 662º, e 1000º, nº 2, todos do CPC e art. 63º, nº 6 da LGT.

XLIX. Os requisitos para que seja decretado o levantamento do segredo profissional mostram-se verificados

L. A realização de diligências instrutórias, e a aceitação da recusa como legitima, tal como validada pelo tribunal de comarca, teria conduzido o Tribunal à apreciação dos requisitos de que dependia o decretamento do levantamento do segredo profissional e, porque os mesmos se mostram verificados, autorizado o acesso à conta bancária protegida por segredo profissional.

LI. Tudo conforme a factualidade exposta e provada na petição inicial.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, requer-se seja dado provimento ao presente recurso, revogando o Acórdão proferido em primeira instância pelo Tribunal da Relação, e decretando-se, ao abrigo do nº 6 do art. 63º da LGT, o levantamento do segredo profissional,

Ou, caso assim, não se entenda,

Seja determinada a descida dos autos, para produção de prova e prolação de decisão pelo Tribunal de Comarca.


7. O Tribunal da Relação proferiu acórdão, pronunciando-se no sentido da improcedência da arguição da nulidade do acórdão recorrido.

8. Em 24 de Maio de 2023, foi proferido o despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil.

9. A Recorrente Autoridade Tributária e de Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira respondeu ao despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil, pugnando pela admissibilidade do recurso.

10. Entre as alegações da Recorrente Autoridade Tributária e de Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira em resposta ao despacho previsto no art. 655.º do Código de Processo Civil sobressaem as duas seguintes:

I. — Em primeiro lugar, a Recorrente alega ter suscitado, como questão autónoma, a violação das normas de direito probatório formal, adjectivo ou processual — designadamente, do princípio do inquisitório [1];

II. — Em segundo lugar, a Recorrente alega ter suscitado, como questão autónoma, a questão da competência em razão da hierarquia do Tribunal de 1.ª instância [2].

11. Como o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cf. arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608.º, n.º 2, por remissão do art. 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), as questões a decidir, in casu, são as seguintes:

I. — se o acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia;

II. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na determinação da norma aplicável, ao decidir o caso sub judice através da aplicação do art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil;

III. — se, incorrendo em erro na determinação da norma aplicável, o acórdão recorrido violou as regras de competência em razão da hierarquia;

IV. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na interpretação do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária;

V. — se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, ao considerar que hão houve recusa do Requerido, agora Recorrido;

VI. — se o acórdão recorrido violou as normas de direito probatório adjectivo ou processual aplicáveis ao caso sub judice.


II. — FUNDAMENTAÇÃO


OS FACTOS


11. O acórdão recorrido deu como provados os factos seguintes: 

1. — Da notificação dirigida pela Autoridade Tributária da Região Autónoma da Madeira ao requerido AA consta, nomeadamente, que: “considera-se por este meio notificado, nos termos dos artigos 31º, nº 2 59º nº 4 e 63º nº 2 da Lei Geral Tributária (LGT) dos artigos 9º, 28º e 29º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), no âmbito do Despacho n.º ... datado de 2021/02/08, relativamente ao sujeito passivo AA (…), NIF (…), e que visam os períodos de 2017, 2018 e 2019, para no prazo de 15 dias a contar da data de recepção desta notificação, remeter à Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM (…), os seguintes esclarecimentos:

— Identificação da(s) conta(s) bancária(s) afeta a sua atividade profissional de Advogado nos anos de 2017, 2018 e 2019.

Informa-se que a falta de resposta, no prazo acima indicado, poderá ser considerada como recusa de entrega, exibição ou apresentação de escrita e de documentos fiscalmente relevantes, infração ao artigo 63º da LGT, punível como coima prevista no nº 1 do artigo 117º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT), aprovado pela el Lei n.º 15/2001, de 5 de junho” (fls 95).

2. — O requerido foi notificado [por carta registada com aviso de recepção], tendo o ofício para notificação aposta a data de 25.05.2021 (fls. 95).

3. — O requerido veio responder em 09.06.2021, dizendo nomeadamente que: “Conforme solicitado na Vossa comunicação Saída n.º 3.043 datada de 25.05.2021, serve o presente para remeter a V. Exªs identificação da conta bancária afeta a atividade profissional, cujos dados estão no ficheiro PDF em anexo (…)”.

4. — A Ordem dos Advogados, pronunciou-se no sentido de que: “Deverá ser notificado o Exm.º Sr. Dr. AA para, querendo, formular o respetivo pedido de levantamento do segredo profissional, com o cumprimento do formalismo legal suprarreferido, observando-se, em qualquer circunstância, o que a propósito dispõe o artigo 135º do CPP.


O DIREITO


12. A questão da admissibilidade do recurso é uma questão prévia.


13. Ora, em concreto, a Requerente, agora Recorrente, invoca o art. 63.º da Lei Geral Tributária, em ligação com art. 1000.º do Código de Processo Civil.

14. Invoca, em primeiro lugar, o art. 63.º da Lei Geral Tributária:

Artigo 63.º — Inspecção

1 — Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente:

a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais;

b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária;

c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução;

d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas;

e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais;

f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.

2 — O acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável.

3 — Sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C.

4 — O procedimento da inspeção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objetivos a prosseguir, só podendo haver mais de um procedimento externo de fiscalização respeitante ao mesmo sujeito passivo ou obrigado tributário, imposto e período de tributação mediante decisão, fundamentada com base em factos novos, do dirigente máximo do serviço, salvo se o procedimento visar apenas a consulta, recolha de documentos ou elementos ou a confirmação dos pressupostos de direitos que o contribuinte invoque perante a administração tributária e sem prejuízo do apuramento da situação tributária do sujeito passivo por meio de inspeção ou inspeções dirigidas a terceiros com quem mantenha relações económicas.

5 — A falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem:

a) O acesso à habitação do contribuinte;

b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com exceção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3;

c) O acesso a factos da vida íntima dos cidadãos;

d) A violação dos direitos de personalidade e outros direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nos termos e limites previstos na Constituição e na lei.

6 — Em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.

7 — A notificação das instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades, para efeitos de permitirem o acesso a elementos cobertos pelo sigilo a que estejam vinculados quando a administração tributária exija fundamentadamente a sua derrogação, deve ser instruída com os seguintes elementos:

a) Nos casos de acesso directo, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, nos termos do n.º 4 do artigo 63.º-B;

b) Nos casos de acesso directo com audição prévia obrigatória do sujeito passivo ou de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, prevista no n.º 5 do artigo 63.º-B, cópia da decisão fundamentada proferida pelo director-geral dos Impostos ou pelo director-geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e cópia da notificação dirigida para o efeito de assegurar a referida audição prévia.

8 — As instituições de crédito, sociedades financeiras e demais entidades devem cumprir as obrigações relativas ao acesso a elementos cobertos pelo sigilo a que estejam vinculadas no prazo de 10 dias úteis.


14. Invoca, em segundo lugar, o art. 1000.º do Código de Processo Civil:

Artigo 1000.º — Suprimento de consentimento no caso de recusa

1. — Se for pedido o suprimento do consentimento, nos casos em que a lei o admite, com o fundamento de recusa, é citado o recusante para contestar.

2. — Deduzindo o citado contestação, é designado dia para a audiência final, depois de concluídas as diligências que haja necessidade de realizar previamente.

3. — Na audiência são ouvidos os interessados e, produzidas as provas que forem admitidas, resolve-se, sendo a resolução transcrita na ata da audiência.

4. — Não havendo contestação, o juiz resolve, depois de obter as informações e esclarecimentos necessários.


15. Em contraste com a Recorrente, o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação consideraram que devia aplicar-se ao caso o art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil.

16. O Tribunal de 1.ª instância considerou que o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária devia interpretar-se de forma harmoniosa com o art. 135.º do Código de Processo Penal e com o art. 417.º do Código de Processo Civil:

Artigo 135.º [do Código de Processo Penal] – Segredo profissional

1. — Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.

2. — Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3. — O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4. — Nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.

5 — O disposto nos n.ºs 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.


Artigo 417.º [do Código de Processo Civil] – Dever de cooperação para a descoberta da verdade

1. — Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

2. — Aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no n.º 2 do artigo 344.º do Código Civil.

3. — A recusa é, porém, legítima se a obediência importar:

a) Violação da integridade física ou moral das pessoas;

b) Intromissão na vida privada ou familiar, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações;

c) Violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do disposto no n.º 4.

4. — Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.


17. Em consonância com a interpretação preconizada pelo Tribunal de 1.ª instância, o Tribunal de Comarca seria competente para declarar legítima a recusa do interessado, para se pronunciar sobre a necessidade de levantamento do sigilo e para suscitar, perante o Tribunal da Relação, a questão do levantamento do sigilo profissional e o Tribunal da Relação seria competente para se pronunciar sobre a questão do levantamento do sigilo profissional.

18. O Tribunal da Relação considerou:

III. — que a questão suscitada se relacionava essencialmente com o levantamento do sigilo bancário;

IV.— que, ainda que a questão suscitada se relacionasse essencialmente com o levantamento do sigilo profissional de um advogado, não poderia aplicar-se ao caso o disposto no art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária.


O art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária aplicar-se-ia exclusivamente aos casos de oposição do contribuinte e, em concreto, não haveria nenhuma oposição do contribuinte.

19. Os termos em que a questão foi apreciada e decidida pelo Tribunal da Relação depõem no sentido de que à situação sub judice devam aplicar-se as regras sobre o levantamento do sigilo bancário.

20. Ora, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação sobre o levantamento do sigilo bancário não podem ser objecto de recurso de revista [3].

21. Em todo o caso, ainda que à situação sub judice não devessem aplicar-se as regras sobre o levantamento do sigilo bancário, sempre as regras sobre o levantamento do sigilo bancário deveriam aplicar-se ao levantamento do sigilo profissional dos advogados.

22. Ora, em termos em tudo semelhantes aos do sigilo bancário, o Supremo Tribunal de Justiça tem considerado, constantemente, que as decisões proferidas pelo Tribunal da Relação sobre o levantamento do sigilo profissional do advogado não podem ser objecto de recurso de revista [4].

23. A Recorrente alega que,

VII. Sem prejuízo de melhor interpretação, entende a AT que ao caso dos autos não se mostra aplicável o art. 417º do CPC – e, assim, não é aplicável o disposto no art. 135.º CPP.

VIII. A necessidade do levantamento do segredo profissional sub judice, não revela de nenhuma “causa” – a que alude o art. 417ºdo CPC, não se colocou no âmbito de nenhuma ação judicial, em que para descoberta da verdade material se coloque a questão do segredo profissional.

IX. Não se trata aqui de o réu se ver obrigado ao cumprimento do principio do “Dever de cooperação para a descoberta da verdade”, de que cuida o art. 417º do CPC.

X. O caso dos autos é distinto. A necessidade do levantamento do segredo profissional, vem colocada, outrossim, no âmbito de uma acção inspectiva tributária, em que o aqui réu é o próprio visado, e no âmbito da qual, nos termos do nº 1 do art. 63º da LGT, “Os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes” e nos termos do nº 6 do mesmo compêndio normativo, “depende de autorização judicial concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.”

XI. É pois uma relação que se estabelece entre o peticionário de acesso à informação bancária “protegida pelo segredo profissional” (aqui a AT) e o poder judicial, a quem, por lei foi conferida a competência para decretar a autorização ao respectivo acesso.

XII. Cabe ao tribunal de comarca decidir o pleito, para tanto não se mostrando pendente de parecer da Ordem dos Advogados.

XIII. A norma do art. 63º da LGT constitui uma norma especial, destinada a regular uma gama restrita de situações, na medida em que, consagra uma disciplina nova ou diferente para um círculo mais restrito de relações, aplicável nos casos específicos ali previstos – quais sejam os de apuramento da situação tributária dos contribuintes visados pela inspecção tributária.

24. Ora, ainda que deva admitir-se que, em concreto, a questão do levantamento do sigilo profissional é uma questão suscitada autonomamente, só com dificuldade se poderia sustentar que, quando a questão seja objecto de um incidente, o Tribunal da Relação decida em definitivo, em termos tais que “da decisão […] proferida não [seja] admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça” [5], e que, quando a questão fosse objecto de uma acção, o Tribunal da Relação não decidisse em definitivo, em termos tais que da decisão proferida fosse admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

25. O problema pôs-se, em termos em tudo semelhantes, no caso apreciado e decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 27 de Outubro de 2022 — processo n.º 2318/19.0T8PTM.E1 [6].

26. Ora, o Tribunal da Relação de Évora aplicou então o art. 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, como interpretado pelo acórdão de uniformização de Jurisprudência n.º 2/2008, de 13 de Fevereiro de 2008 [7], chamando, tão-só, a atenção para que aplicação do art. 135.º, n.º 3,  do Código de Processo Penal deveria fazer-se “com as adaptações decorrentes de a questão do levantamento do segredo profissional integrar o próprio objecto da acção”.

27. A Recorrente alega que ao caso deve aplicar-se o art. 1000.º do Código de Processo Civil, sobre os processos de suprimento:

XVII. Ainda que assim não se entendesse, o que não se concede, ainda que se entendesse ser devida a prévia audição da Ordem dos Advogados, sempre se imporia, recolhido o parecer da Ordem dos Advogados, cumprir o disposto no art. 1000º nºs 2, 3 e 4 do CPC, designar “dia para a audiência final” e realizar as diligências necessárias à resolução do pedido.

XVIII. O que o tribunal não fez, em clara violação de lei, o que sempre determinaria a revogação do acórdão.

28. O problema está em que, como a Requerente, agora Recorrente, reconhece [8], o consentimento do Requerido, agora Recorrido, sempre seria insuficiente para o levantamento do sigilo profissional.

29. Em consequência, não se encontra nenhuma razão para desaplicar o regime dos recursos das decisões relativas ao levantamento do sigilo profissional, em favor do regime dos recursos das decisões relativas ao suprimento do consentimento do interessado.

30. Em todo o caso, a Recorrente alega que o recurso de revista sempre seria admissível, por haver violação das normas de competência em razão da hierarquia, relevante para efeitos do art. 629.º, n.º 2, alínea a), segunda alternativa, do Código de Processo Civil.

28. O seu raciocínio é, em síntese, o seguinte:

I. — A aplicação do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária em ligação com o art. 1000.º do Código de Processo Civil determinaria que a competência para apreciar e decidir a questão fosse devolvida ao Tribunal de 1.ª instância.

II.— Como o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação tenham aplicado ao caso sub judice o art. 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil, a competência para apreciar e decidir a questão ficou distribuída entre o Tribunal de 1.ª instância e o Tribunal da Relação.

29. Em consequência da aplicação do art. 135.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil, o Tribunal de 1.ª instância ficou com a competência para se pronunciar sobre a legitimidade da invocação do segredo profissional e o Tribunal da Relação, sobre a quebra do segredo profissional [legitimamente invocado].

30. A Recorrente alega que deveria aplicar-se o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária, em ligação com o art. 1000.º do Código de Processo Civil — e que, devendo aplicar-se o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária, em ligação com o art. 1000.º do Código de Processo Civil, o facto de a decisão sobre a quebra do sigilo profissional ter sido proferida pelo Tribunal da Relação determina uma violação de normas de competência.

Em concreto — das normas que devolvem a competência para apreciar e para decidir a questão da quebra do sigilo profissional ao Tribunal de 1.ª instãncia.

31. Existindo, como existe, uma relação hierárquica entre os dois tribunais, entre o Tribunal de 1.ª instãncia e o Tribunal da Relação, o facto de a decisão sobre a quebra do sigilo profissional ter sido proferida pelo Tribunal da Relação determinaria uma violação das normas de competência em razão da hierarquia. 

32. Os termos em que a questão é suscitada pela Requerente, agora Recorrente, Autoridade Tributária são elucidativos quanto a uma particularidade da situação sub judice — a alegada infracção das normas de competéncia em razão da hierarquia seria, tão-só, a consequência de um erro, e de um erro na determinação da norma aplicável.

33. Se ao caso for aplicável o art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil, não se põe sequer (não pode sequer pôr-se) nenhum problema de violação das normas de competência em razão da hierarquia.

34. Explicitada a particularidade da situação sub judice, admite-se que o facto de a decisão sobre a quebra do sigilo profissional ter sido proferida pelo Tribunal da Relação pode configurar-se como uma violação das normas de competência em razão da hierarquia [9].

35. O art. 629.º, n.º 2, alínea a), segunda alternativa, do Código de Processo Civil constituirá o Supremo Tribunal de Justiça no dever de apreciar e de decidir duas questões: 

II. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na determinação da norma aplicável, ao decidir o caso sub judice através da aplicação do art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil;

III. — se, incorrendo em erro na determinação da norma aplicável, o acórdão recorrido violou as regras de competência em razão da hierarquia.

36. Em rigor, as duas questões são, tão-só, dois aspectos ou momentos de uma, e da mesma questão — se ao caso se o art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil, não haverá nenhuma violação das normas de competência em razão da hierarquia; se ao caso se aplicar o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária, em ligação com o art. 1000.º do Código de Processo Civil, sim.

37. O conhecimento da segunda e da terceira questões determinará o conhecimento da primeira — ainda que a arguição de nulidades do acórdão recorrido não possa ser fundamento autónomo de recurso de revista [10], pode ser um fundamento acessório ou complementar do recurso.

38. A primeira questão consiste em averiguar se o acórdão recorrido é nulo, por excesso de pronúncia.

39. A Requerente, agora Recorrente, alega que:

XIX. O Acórdão recorrido enferma de excesso de pronúncia - art. 615º, nº 1, alínea d) ex vi art. 666º, nº 1, ambos do CPC, Violação da competência do tribunal de comarca, sendo nulo.

XX. Julgando em 1ª instância, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o acórdão sob recurso, entendendo, em síntese, que não estavam preenchidos os pressupostos de quebra do sigilo por, alegadamente, “não (…) ter existido qualquer recusa por parte do requerido” nos termos do n.º 6 do artigo 63.º da LGT.

XXI. Tendo sido proferido ao abrigo do incidente previsto no art.º 135.º do CPP, o acórdão estava circunscrito à apreciação da questão da justificação da escusa.

XXII. Isto é, cabia ao Tribunal da Relação decidir tão só se estava justificada a quebra do segredo, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nos termos do n.º 3 do art.º 135.º do CPP, a fim de decidir qual deles deveria prevalecer e avaliar da “(…) imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, (…).

XXIII. Ao Tribunal da Relação não cabia, já, pronunciar-se sobre a legitimidade, ou ilegitimidade da escusa/recusa, nos termos em que o fez. Essa, a legitimidade, havia, já, sido apreciada positivamente pelo tribunal de comarca “(…) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”, nos termos exactos do nº 2 do art. 135º do CPP.

XXIV. Isto é, o Tribunal da Relação, ou (i) considerava que estavam verificados os pressupostos previstos no art.º 135.º do CPP para poder decidir, porque a questão da legitimidade da escusa/recusa já estava decidida pela “(…) a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”– cfr. despacho de 8/09/2022) -, caso em que estaria em condições de se pronunciar sobre a justificação da quebra do segredo, a única que lhe competia apreciar; ou (ii) não conhecia o objeto do incidente, por entender que não se mostrava cumprido o nº 2 do art.º 135.º do CPP, por existirem “dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa” / recusa, caso em que deveria remeter o processo à “(…) autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado (…)”, para que ali se procedesse “às averiguações necessárias”.

XXV. Pelo que ao concluir, em contradição com o que havia sido decidido pelo tribunal de Comarca, que inexistia recusa por parte do requerido, o Tribunal da Relação cometeu uma nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, ex vi do art.º 666.º, n.º 1 do mesmo código.

40. O excesso estaria em que o Tribunal de 1.ª instância teria decidido que havia uma escusa, como pressuposto necessário da pronúncia sobre a sua legitimidade, e em que o Tribunal da Relação teria decidido que não havia recusa.

41. Ora, como facilmente se compreende, não há aqui nenhum excesso.

42. O Tribunal de 1.ª instância, ao pronunciar-se sobre a relação sistemática entre o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária e o art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil, pronunciou-se sobre se o acesso da Requerente, agora Recorrente, à conta bancária do Requerido, agora Recorrido, poderia conflituar com o segredo profissional do advogado.

43. Concluindo que sim, o Tribunal de 1.ª instância considerou que a relação sistemática entre o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária e o art. 135.º do Código de Processo Penal determinava que o acesso da Requerente, agora Recorrente, à conta bancária do Requerido, agora Recorrido, deveria ser decidido pelo Tribunal da Relação.

44. O Tribunal da Relação, ao pronunciar-se sobre o acesso da Requerente, agora Recorrente, à conta bancária do Requerido, agora Recorrido, considerou que a aplicação do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária pressupunha uma oposição do contribuinte.

45. Concluindo que não havia oposição do contribuinte, o Tribunal da Relação considerou que a regra do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária não podia ser aplicada ao caso sub judice.

46. Em todo o caso, como se explica no acórdão de conferência, o alegado vício sempre seria, só poderia ser, um vício da decisão do Tribunal de 1.ª instância — nunca seria, nunca poderia ser, um vício da decisão do Tribunal da Relação, determinante da nulidade do acórdão recorrido.

47. Em resposta à primeira questão, dir-se-á, por consequência, que não ser verifica a alegada nulidade, por excesso de pronúncia, do acórdão recorrido.

48. Esclarecida a resposta à primeira questão, entrar-se-á agora na apreciação da segunda e da terceira questões:

II. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na determinação da norma aplicável, ao decidir o caso sub judice através da aplicação do art. 135.º do Código de Processo Penal, em ligação com o art. 417.º do Código de Processo Civil;

III. — se, incorrendo em erro na determinação da norma aplicável, o acórdão recorrido violou as regras de competência em razão da hierarquia.

49. Entende-se que o art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária exige uma interpretação sistemática e que a interpretação sistemática do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária deverá conciliá-lo ou harmonizá-lo com as decisões de valor do art. 135.º do Código de Processo Penal e do art. 417.º do Código de Processo Civil.

50. Seria pouco razoável, p. ex., que a decisão sobre a quebra do sigilo profissional proferida num incidente tivesse de ser precedida da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa [11] e que a decisão sobre a quebra do sigilo profissional proferida numa acção não tivesse de o ser [12].

51. Entende-se ainda que a interpretação sistemátiva do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária capaz de o conciliar ou de o harmonizar com as decisões de valor do art. 135.º do Código de Processo Penal e do art. 417.º do Código de Processo Civil exige a distribuição da competência entre o Tribunal de 1.º instância e o Tribunal da Relação.

52. Como se diz, p. ex., na fundamentação da decisão singular de 16 de Outubro de 2014 — processo n.º 1233/13.5YRLSB.S1 —:

III - A questão da legitimidade da invocação do segredo é da competência da autoridade judicial onde o incidente surgiu. A decisão sobre a quebra do segredo é da competência do tribunal que lhe for superior. O legislador quis que a competência para emitir esse juízo fosse de um tribunal hierarquicamente superior, porque face à natureza da questão, achou por bem estabelecer maior distanciamento e maior qualificação da entidade decisora.

53. Ora, em concreto, o Tribunal de 1.ª instância pronunciou-se, como devia, sobre a invocabilidade do segredo profissional nas relações entre o contribuinte (advogado) e a Autoridade Tributária, remetendo os autos ao Tribunal da Relação, e o Tribunal da Relação pronunciou-se, como devia, sobre a quebra do segredo profissional do contribuinte (advogado), indeferindo o requerimento da Autoridade Tributária.

54. Em resposta às duas questões que o Supremo tem o dever de apreciar e de decidir, dir-se-á que o acórdão recorrido não incorreu em erro na determinação da norma aplicável e que, não tendo incorrido em erro na determinação da norma aplicável, o acórdão recorrido não violou as regras de competência em razão da hierarquia.

55. Esclarecido que, não tendo incorrido em erro na determinação da norma aplicável, o acórdão recorrido não violou as regras de competência em razão da hierarquia, o recurso de revista da decisão sobre a quebra do segredo profissional deve excluir-se.

56. Os acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 — processo n.º 05B1901 —, de 28 de Março de 2019 — processo n.º 864/17.9T8BRG-A.G1-B.S1 —, e 2 de Maio de 2019 — processo n.º 2236/16.3T8AVR-A.P1.S1 — e de 27 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1 — afirmam-no, sem reservas, para as decisões proferidas no quadro do incidente de levantamento do sigilo bancário.

57. O primeiro dos acórdãos citados afirma que “[n]ão é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação que conheceu da dispensa de sigilo bancário no incidente suscitado no tribunal da primeira instância a que se reportam os artigos 519º, nº 4, do Código de Processo Civil [actual art. 417.º, n.º 4, do Código de Processo Civil] e 135º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal [13] e o último confirma-o, dizendo que.

II - O incidente de quebra do sigilo bancário é um incidente de estrutura especial, que não segue as regras normais de competência jurisdicional, por atribuir competência para a sua decisão ao tribunal que seria, segundo a regra geral, competente para a apreciação do recurso sobre ela.

III - Assim, resulta da estrutura do incidente em causa que a Relação decide em definitivo o respetivo objeto, ou seja, da decisão por ela proferida não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça [14]

58. Em consonância com os acórdãos proferidos pelo STJ a propósito da quebra do sigilo bancário, a decisão singular de 16 de Outubro de 2014 — processo n.º 1233/13.5YRLSB.S1 — pronuncia-se sobre o sigilo profissional, e sobre o sigilo profissional dos advogados:

IV - A decisão que o Tribunal da Relação proferiu em primeira mão (de apreciação da justificação da escusa), não deve ser considerada proferida em 1.ª instância, para efeito da al. a) do n.º 1 do art. 432.º do CPP. As decisões que a Relação profere em 1.ª instância não são as decisões apreciadas pela primeira vez, sem exceção, logo na Relação. São as decisões em que a Relação funciona como tribunal de 1.ª instância. Ou seja, quando exerce uma competência que por regra é cometida à 1.ª instância e excepcionalmente, designadamente em atenção à qualidade do arguido, se atribui à Relação (al. a) do n.º 3 do art. 12.º do CPP).

V - A regulamentação processual que o legislador entendeu fazer, do incidente de quebra de segredo, afasta-se da atribuição normal de competência para atos de investigação ou instrução, e portanto do regime geral de recursos. O legislador antecipou-se a um possível recurso, da decisão que fosse proferida na 1.ª instância, com benefício em termos de celeridade, atribuindo logo competência decisória em primeira mão, à instância para a qual seria interposto o recurso. O acórdão de que se recorreu, proferido pelo Tribunal da Relação ao abrigo do n.º 3 do art. 135.º do CPP, é assim irrecorrível [15].

59. Finalmente, sobre a quarta, a quinta e a sexta questões suscitadas pela Requerente, agora Recorrente, dir-se-á o seguinte:

60. O facto de a Requerente, agora Recorrente, ter invocado a alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil e, dentro da alínea a) do n.º 2, a violação das normas de competência em razão da hierarquia, implica uma restrição do objecto do recurso.

61. O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 2 do art. 629.º do Código de Processo Civil é restrito à questão da violação das regras de competência internacional, à questão da violação das regras de competência em razão da matéria ou em razão da hierarquia, ou à questão da ofensa de caso julgado [16]. Estando em causa a ofensa ao caso julgado, “o âmbito do recurso é restrito à invocada ofensa do caso julgado que se cita” [17]; estando em causa a violação das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, é restrito à invocada violação das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia; e, estando em cauda a violação das regras de competência internacional, é restrito à invocada violação das regras de competência internacional [18].

62. Em consequência, não há que conhecer de nenhuma das demais questões suscitadas pela Requerente, agora Recorrente:

IV. — se o acórdão recorrido incorreu em erro na interpretação do art. 63.º, n.º 6, da Lei Geral Tributária;

V. — se o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, ao considerar que hão houve recusa do Requerido, agora Recorrido;

VI. — se o acórdão recorrido violou as normas de direito probatório adjectivo ou processual aplicáveis ao caso sub judice.


III. — DECISÃO

Face ao exposto,

I. — nega-se provimento ao recurso, na parte em que se suscita a questão da violação das normas de competência em razão da hierarquia;

II. — não se toma conhecimento do objecto do recurso, na parte em que se suscitam as demais questões.

Custas pela Recorrente Autoridade Tributária e de Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira.


Lisboa, 6 de Julho de 2023


Nuno Manuel Pinto Oliveira (relator)

Manuel Pires Capelo

Nuno Ataíde das Neves

_____

[1] Tê-lo-ia feito nas conclusões XLI. a XLVIII do recurso de revista.

[2] Tê-lo-ia feito nas conclusões I-XVIII e XIX-XXVI do recurso de revista.

[3] Cf. designadamente os acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 — processo n.º 05B1901 —, de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 2236/16.3T8AVR-A.P1.S1 — ou de 27 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1.

[4] Cf. designadamente o acórdão do STJ de 25 de Julho de 2014 — processo n.º 4910/08.9TDLSB-E.L1.S1 —: “Por não se enquadrar em qualquer das normas dos arts. 432.º e 433.º do CPP, não é susceptível de recurso para o STJ o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que determinou a quebra do segredo profissional do advogado”.

[5] Expressão do sumário do acórdão do STJ de 27 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1.

[6] Colocado em destaque através do post “Jurisprudência 2022 (196)”, publicado no blog do Instituto Português de Processo Civil: WWW. < https://blogippc.blogspot.com/2023/06/jurisprudencia-2022-196.html >.

[7] Cujo segmento uniformizador é o seguinte: “I. — Requisitada a instituição bancária, no âmbito de inquérito criminal, informação referente a conta de depósito, a instituição interpelada só poderá legitimamente escusar-se a prestá-la com fundamento em segredo bancário. II. — Sendo ilegítima a escusa, por a informação não estar abrangida pelo segredo, ou por existir consentimento do titular da conta, o próprio tribunal em que a escusa for invocada, depois de ultrapassadas eventuais dúvidas sobre a ilegitimidade da escusa, ordena a prestação da informação, nos termos do n.º 2 do artigo 135.º do Código de Processo Penal. III. — Caso a escusa seja legítima, cabe ao tribunal imediatamente superior àquele em que o incidente se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se suscitar perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao pleno das secções criminais, decidir sobre a quebra do segredo, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo”.

[8] Cf. conclusões XXIX e XXX.

[9] Cf. José Alberto dos Reis, anotação ao art. 678.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. V — Artigos 658.º a 720.º, Coimbra Editora, Coimbra, 1984 (reimpressão), págs. 220-248 (224-225) — admitindo que o recurso seja sempre admissível quando “[o] tribunal, julgando, [tenha violado] regras de competência em razão da hierarquia, isto é, sendo tribunal de comarca, conheceu de causa ou de recurso que era da competência da Relação ou do Supremo ou, sendo tribunal de 2.ª instância, conheceu de causa ou recurso que era da competência do tribunal de comarca ou do Supremo, etc.” (sublinhado nosso).
[10] Cf. designadamente acórdãos do STJ de de 24 de Novembro de 2016 — processo n.º 470/15 —; de 12 de Abril de 2018 — processo n.º  414/13.6TBFLG.P1.S1 —; de 2 de Maio de 2019 — processo n.º 77/14.1TBMUR.G1.S1 —, de 19 de Junho de 2019 — processo n.º 5065/16.0T8CBR.C1-A.S1 — e de 05 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 983/18.4T8VRL.G1.S1.
[11] Cf. art. 63.º, n.º 4, do Código de Processo Penal.
[12] Como alega a Requerente, agora Recorrente, nas conclusões XI e XII do recurso de revista: “XI. — É pois uma relação que se estabelece entre o peticionário de acesso à informação bancária “protegida pelo segredo profissional” (aqui a AT) e o poder judicial, a quem, por lei foi conferida a competência para decretar a autorização ao respectivo acesso. XII. — Cabe ao tribunal de comarca decidir o pleito, para tanto não se mostrando pendente de parecer da Ordem dos Advogados”.

[13] Cf. acórdão do STJ de 12 de Julho de 2005 — processo n.º 05B1901.

[14] Cf. acórdão do STJ de 27 de Fevereiro de 2020 — processo n.º 18391/17.2T8LSB-A.L1.S1.

[15] Confirmando a relação de semelhança entre os casos de sigilo bancário e de sigilo profissional, designadamente do sigilo profissional dos advogados, está o facto de o acórdão do STJ de 28 de Março de 2019 — processo n.º 864/17.9T8BRG-A.G1-B.S1 —, a propósito de um caso de sigilo bancário, aplicar os critérios enunciados na decisão singular de 16 de Outubro de 2014 — processo n.º 1233/13.5YRLSB.S1 —, a propósito do sigilo profissional dos advogados: “II — A decisão proferida pela Relação a respeito do incidente de levantamento do sigilo bancário não pode ser tida como uma decisão proferida em 1.ª instância pela Relação, pois a decisão recorrida não é proferida em processo que devesse ser, por lei, instaurado desde o início na 2.ª instância para aí obter decisão final, pois que este incidente inicia-se sempre na 1.ª instância com uma decisão do juiz e só depois é tramitado na Relação. III — As decisões que a Relação profere em 1.ª instância são as decisões em que a Relação funciona como tribunal de 1.ª instância, ou seja, quando exerce uma competência que, por regra, é cometida à 1.ª instância e excepcionalmente se atribui à Relação […]”.

[16] Cf. acórdão do STJ de 19 de Dezembro de 2018 — processo n.º 2312/16.2T8FNC.L1.S1 —, em que se sugere a restrição ao escrever-se: “Estando em causa unicamente a questão da alegada violação das regras de competência internacional, pelo disposto na alínea a), do nº 1, do artigo 629º, do Código de Processo Civil, conjugado com a ressalva ao regime da dupla conforme prevista no artigo 671º, nº 3, primeira parte, do mesmo Código, o recurso é admissível”.

[17] Cf. José Alberto dos Reis, anotação ao art. 678.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. V — Artigos 658.º a 720º, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, págs. 2220-248 (239).

[18] Cf. designadamente o acórdão do STJ de 9 de Março de 2017 — processo n.º 1387/15.6T8PRT-B.L1.P1-A —: “… tendo o recurso, no caso, sido recebido excepcionalmente ao abrigo da al. a) primeira parte do nº 2 do artº 629º do C. P. Civil, a respectiva apreciação está restringida à questão que justificou a sua admissão, ou seja, a infracção das regras da competência internacional, não podendo, por isso, ser apreciadas ou conhecidas quaisquer outras questões mesmo que de questões novas se não tratem, como é doutrina e jurisprudência uniforme”.